PALAVRAS CHAVE: Direito Sucessório; Casamento; União Estável; Inconstitucionalidade.



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Transcrição:

DIREITOS SUCESSÓRIOS E A INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1790 DO CÓDIGO CIVIL Moisés Sena Martin 1 Cristiane Afonso Soares Silva 2 Cibele M. D. Figueirêdo Gazzinelli 3 RESUMO:O presente trabalho visa demonstrar, de modo geral, as regras sucessórias atinentes a cônjuges e companheiros. A discussão reside no fato do legislador constitucional ter regulamentado de forma isonômica ambos os institutos, conferindo à união estável posição de entidade familiar, o que, erroneamente, é contrariado pela legislação infraconstitucional, no tocante, principalmente, a regulamentação dos direitos sucessórios dos companheiros. Dessa forma, este trabalho se baseará em uma comparação entre os institutos da união estável e do casamento, destacando posições doutrinárias e jurisprudências sobre o tema, buscando, ao final, expor as resoluções cabíveis. É sabido que existe no ordenamento jurídico uma hierarquia entre os institutos legais, em que leis infraconstitucionais devem estar de acordo com a Lei Maior. No entanto, tratou o Código Civil de 2002 de contrariar diversos elementos constitucionais contemporâneos do conceito de família, tendo em vista que em seu artigo 1790, regulamentou a sucessão do companheiro de forma inconstitucional, amparando de forma injusta as relações de afeto previstas na família atual, dando preferência a laços biológicos, de forma contraria ao entendimento atual de família. PALAVRAS CHAVE: Direito Sucessório; Casamento; União Estável; Inconstitucionalidade. 116 1 Acadêmico do Curso de Direito do IESI/FENORD, graduado em 2013. 2 Mestranda em Gestão Integrada de Território (UNIVALE), especialista em Ciências Jurídicas, professora de Direito Civil do IESI/FENORD. 3 Mestre em Gestão Integrada de Território, Graduada em Letras, professora de Língua Portuguesa e coordenadora do Núcleo de Investigação Científica do IESI/FENORD.

ABSTRACT: The present work aims to demonstrate, generally speaking, the succession rules relating to spouses and companions. The discussion lies in the fact that the constitutional legislator to have regulated of isonomic forms both institutes, conferring on stable union of a family unit position, what, erroneously, is contradicted by constitutional legislation, concerning, mainly, regulating the succession rights of companions. In this way, this work will be based on a comparison between the institutes of stable union and marriage, highlighting doctrinal positions and jurisprudence on the topic, looking for, the end, expose the appropriate resolutions. It is known that there is a hierarchy in the legal system between the legal institutions, where infraconstitutional laws must be in accordance with the Highest Law. However, treats the Civil Code of 2002 counteract several contemporary constitutional elements of the concept of family, having in mind that in his 1790 article, regulated the succession fellow unconstitutionally, unfairly supporting relations of affection provided for in the current family, giving preference to biological ties, in a way contrary to the current understanding of family. KEYWORDS: Succession Law; Marriage; Stable Union; Unconstitutionality. 1 INTRODUÇÃO Primeiramente, o presente trabalho tem o objetivo de apresentar ao leitor uma visão geral do significado do termo sucessão, bem como a abrangência dos direitos sucessórios regulamentados no código civil de 2002. Analisa-se, posteriormente, os direitos sucessórios do cônjuge e do companheiro, apresentando as diferenças entre eles e como funciona a concorrência de ambos com os demais herdeiros. A questão pertinente à constitucionalidade das normas do art. 1.790 do Código Civil, que versa sobre a disciplina da sucessão na união estável, é tema chave deste trabalho, que realiza ainda uma análise paralela com a proteção conferida ao instituto do casamento 117

pelo nosso ordenamento jurídico, que, ao menos na órbita infraconstitucional, buscou prestigiar o matrimônio em detrimento da união estável. O respaldo constitucional do referido artigo é questionado, tendo em vista que elementos constitucionais básicos da família, como a afetividade e a solidariedade, foram deixados de lado, para privilegiar laços biológicos que, em muitas vezes, não condizem com a própria vontade do autor da herança. 2 DA SUCESSÃO Sucessão é o fato de uma pessoa inserir-se na titularidade de uma relação jurídica que lhe advém de uma outra pessoa. Sendo assim, é a continuação em outrem de uma relação jurídica que cessou para alguém, constituindo um dos modos de transmissão ou de aquisição de bens, ou de direitos patrimoniais. Tem-se sucessão, portanto, como a permanência de uma relação jurídica, que subsiste apesar da mudança dos respectivos titulares. O direito das sucessões, regulado no ordenamento jurídico, refere-se à sucessão em sentido estrito, vindo a ser o conjunto de normas que disciplinam a transferência do patrimônio de alguém, depois de sua morte, ao herdeiro, podendo ser em virtude de lei ou mediante testamento, conforme previsto no artigo 1786 do Código Civil. Com a morte, o sucessor passa a ter a posição jurídica do finado. Há apenas a mudança do sujeito e mantêm-se os demais elementos da relação, tais como título, conteúdo e objeto. A sucessão considera-se aberta, segundo o disposto no artigo 1784 do Código Civil, no instante mesmo ou presumido da morte de alguém, fazendo nascer o direito hereditário e operando a substituição do falecido por seus sucessores a título universal nas relações jurídicas em que aquele figurava. Nisso consiste o princípio da saisine, segundo o qual o próprio defunto transmite ao sucessor o domínio e a posse da herança. 118

3 PARTILHA DE BENS: DIFERENÇAS ENTRE A SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO Há duas ordens distintas que regulamentam a sucessão causa mortis. Quando o falecido vivia em união estável, utiliza-se a regra prevista no artigo 1790 do Código Civil, e para os demais casos aplicase a ordem do artigo 1829 do referido diploma legal. 3.1 Sucessão do cônjuge Dispõe o artigo 1829 do Código Civil (BRASIL, 2002): Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais. Ao analisar o disposto no artigo acima percebe-se que preferencialmente recebe a herança os descendentes, em concorrência com o cônjuge; não havendo descendentes herdarão os ascendentes, em concorrência com o cônjuge; herdando este último sozinho apenas na ausência de descendentes e ascendentes; e, por fim, não havendo descendentes, nem ascendentes ou mesmo cônjuge, a herança será partilhada entre os parentes colaterais, até 4º grau. 119

3.1.1 Secessão do cônjuge em concorrência com os descendentes Em um primeiro momento deve-se identificar o regime de bens no qual estava casado o falecido, atentando-se para o fato que não herdará o cônjuge em três hipóteses: 1º) Se casado no regime de comunhão universal de bens; 2º) Se casado no regime de separação obrigatória/legal, prevista no artigo 1641 do Código Civil; 3º) Ou se casado no regime de comunhão parcial de bens e o falecido não tiver deixado bens particulares. Ao observar o disposto no inciso I do artigo 1829 do CC, conclui-se que o direito de herança do cônjuge sobrevivente recai apenas sobre os bens particulares do falecido. A intenção do legislador foi clara, determinou o mesmo, na concorrência com os descendentes, que onde houver meação não há herança e vice-versa. Salienta-se que meação é um direito próprio do cônjuge, que decorre do regime de bens e sobre ela não incide ITCMD. Em concorrência com os descendentes terá o cônjuge supérstite o mesmo percentual do que assiste a esses. No entanto, sendo tal cônjuge ascendente de todos os descendentes que estiver concorrendo terá direito a reserva de ¼ da herança, conforme a previsão legal do artigo 1832 do CC. Nada prevê o atual código se a concorrência for com descendentes híbridos, entendendo a jurisprudência e a doutrina majoritária que neste caso, não terá o cônjuge a garantia acima mencionada. Nelson Nery Junior sintetiza: 120 A norma prevê duas situações: a) a primeira, de os descendentes do morto não serem descendentes do cônjuge sobrevivente. Nesse caso, tantos quantos sejam os herdeiros do mesmo grau descendente receberão com o cônjuge sobrevivente quotas iguais da herança [...]. b) a segunda hipótese versa sobre concorrerem à herança o cônjuge sobrevivente com descendentes do morto, que também os são seus. Nesse caso, o cônjuge terá direito igual à mesma parte devida aos herdeiros descendentes, desde que sua quota não venha a ser inferior á quarta

parte da herança partilhada. (NERY JUNIOR, 2003, p. 803). Dessa forma, a reserva da quarta parte da herança somente se verificará quando o cônjuge sobrevivo for ascendente daqueles com que concorrer; entender de maneira diversa seria dar margem a um grande retrocesso no campo da igualdade constitucional entre irmãos. 3.1.2 Sucessão do cônjuge em concorrência com os ascendentes Diferentemente da sucessão em concorrência com os descendentes, aqui o direito sucessório do cônjuge sobrevivente abrange todo o patrimônio e não só os bens particulares. Também não faz o texto legal qualquer restrição em relação ao regime de bens no qual regia o casamento, concorrendo o cônjuge em qualquer hipótese. No entanto, é necessário se analisar em um primeiro momento o regime de bens que regia o casamento para se separar a herança da meação. É de bom alvitre salientar que não há sucessão por representação quando se trata de ascendentes. Sendo assim, caso o cônjuge supérstite concorra com pai e mãe do falecido, receberá o mesmo o montante de 1/3 do patrimônio. Caso concorra com apenas um deles será partilhada metade da herança para cada. 3.1.3 Ausência de descendentes e ascendentes Não tendo o autor da herança deixado descendentes ou ascendentes, herdará o cônjuge sobrevivente a totalidade dos bens. Aqui não há necessidade de se analisar o regime de bens no qual regia o casamento no que diz respeito ao direito há herdar. Será necessário analisar o regime de bens apenas para separar a meação da herança, tendo em vista que se recolherá o ITCMD apenas sobre o patrimônio herdado. Atenta-se para o fato de que em tal caso, o cônjuge sobrevivente não concorrerá com qualquer parente colateral. 121

3.1.4 Do fim dos direitos sucessórios do cônjuge: Os direitos sucessórios do cônjuge supérstite só não serão reconhecidos na seguintes hipóteses: 1) estejam divorciados; 2) separados judicialmente (para aqueles separados antes da emenda constitucional 66, tendo em vista que a referida emenda extinguiu o instituto do divórcio); 3) separados de fato a mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente, a chamada culpa mortuária. No entanto, a doutrina e a jurisprudência atual é predominante no sentido de que basta a separação de fato para cessar o direito sucessório do cônjuge sobrevivente, independente de prazo, tendo em vista até mesmo texto legal do 1º do artigo 1723 do Código Civil, que permite a constituição de união estável de pessoa casada e separa de fato, a qualquer tempo. Nesse sentido, destaca-se o Projeto de Lei 4944/2005 proposto pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), com relatoria do deputado federal Guilherme Menezes (PT-BA). Tal proposição tenta compensar a distorção no tratamento entre casamento e união estável estabelecendo a igualdade de direitos sucessórios entre cônjuges e companheiros, corroborando o entendimento já aqui exposto de que a disparidade de tratamento, trazida pelo Código Civil, contraria a própria Constituição Federal, que desconhece qualquer hierarquia entre casamento e união estável. Dentre as alterações aludidas por tal projeto, destaca-se a nova redação sugerida ao art. 1830: "Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato". Regulamenta o artigo 1831 do Código Civil o direito real de habitação do cônjuge supérstite. Este direito independe do direito de meação ou mesmo de herança. Trata-se do direito do cônjuge sobrevivente em permanecer morando no único imóvel residencial transmitido. Salienta-se que tal direito é vitalício e incondicionado, ou seja, nessas circunstâncias, poderá o cônjuge sobrevivente contrair novo 122

matrimônio ou começar uma união estável e permanecer morando no referido imóvel. 3.2. Sucessão do companheiro: Regula o tema o artigo 1790 do Código Civil, que dispõe o seguinte (BRASI, 2002): Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. O caput do referido artigo é claro, limita o direito sucessório do companheiro sobrevivente à apenas aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável. Dessa forma, o companheiro não possui nenhum direito em relação aos bens particulares do falecido, nem a herança e nem a meação. Sobre esta, regula os direitos patrimoniais da união estável o artigo 1725 do Código Civil, que prevê que na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens. 3.2.1 Sucessão do companheiro em concorrência com os descendentes: Sabendo que o direito de herança do companheiro supérstite incide apenas sobre os bens adquiridos na constância do patrimônio, 123

para efetuar a partilha em concorrência com os descendentes, deve-se em um primeiro momento dividir o patrimônio em particular e aquele adquirido onerosamente durante a união estável. Em um segundo momento deve-se realizar a meação do patrimônio adquirido onerosamente na constância da união, nos termos do artigo 1725 do Código Civil. Após, aplica-se os incisos I e II do artigo 1790. Dessa forma, terá o companheiro direito ao mesmo percentual dos descendentes, se estes forem comuns do casal. No entanto, concorrendo com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe ao companheiro a metade do que couber a cada um daqueles. 3.2.2 Sucessão do companheiro em concorrência com outros parentes sucessíveis: Não havendo descendentes, o companheiro concorrerá com os ascendentes e com os colaterais até o quarto grau. Neste caso, terá o companheiro direito a uma quota parte de 1/3, independente de com quem esteja concorrendo. Ou seja, caso o único parente sucessível do autor da herança seja um primo, este herdará 2/3 e o companheiro sobrevivente ficará com apenas 1/3 do patrimônio. Sendo de válido ressaltar que o referido patrimônio é apenas aquele constituído durante a união estável. Dessa forma no exemplo acima demonstrado, o primo do autor da herança herdará na totalidade os bens particulares e ainda 2/3 do constituído durante a união estável. 3.2.3 Da ausência de parentes sucessíveis: Em caso de ausência de parentes sucessíveis aplica-se o inciso IV do artigo 1790 do CC. Em uma visão extremamente positivista e aplicando o texto legal, entende-se que no caso de ausência de parentes sucessíveis o companheiro terá direito de herdar a totalidade do patrimônio apenas constituído durante a união estável, ficando os bens particulares do autor da herança para a fazenda pública. 124

No entanto, é pacífico que no presente caso deve-se interpretar o inciso IV de forma autônoma do caput do artigo 1790 do CC. Com esta interpretação, terá o companheiro o direito de herdar a totalidade da herança e não apenas a constituída durante a união estável. Dentre vários motivos, a referida interpretação do inciso IV deve-se, inclusive, ao disposto no artigo 1844 do código civil, senão vejamos (BRASIL, 2002): 3.2.4 Do direito real de habitação: Art. 1.844. Não sobrevivendo cônjuge, ou companheiro, nem parente algum sucessível, ou tendo eles renunciado a herança, esta se devolve ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas respectivas circunscrições, ou à União, quando situada em território federal. A lei 9278/96, em seu artigo 7º, garante ao companheiro o direito real de habitação. No entanto, aqui tal direito real apesar de ser vitalício, é condicionado, diferente, portanto, do direito real de habitação concedido ao cônjuge pelo artigo 1830 do Código Civil, que é incondicionado. Sendo assim, caso o companheiro sobrevivente venha adquirir nova união estável ou venha contrair matrimônio, seu direito real de habitação será extinto. 4. DA INCONSTITUCIONALIDADE DA SUCESSÃO DO COMPANHEIRO 4.1 Da inconstitucionalidade do artigo 1790 do Código Civil A Constituição Federal de 1988 tratou de amparar os companheiros, de modo a tutelar as relações de afeto por eles vivenciadas, elevando tal relação, ao status de Família. No entanto, apesar da CF/88 ter reconhecido como entidade familiar a união estável, tratou a norma infraconstitucional de optar por conceder diversos privilégios ao matrimônio, gerando para o 125

126 companheiro(a), ao menos no campo do direito sucessório, incalculáveis prejuízos, que fogem do bom senso e da intenção do legislador constituinte. Ou seja, por se entender que à união estável, representada pela convivência duradoura e continua, entre um homem e uma mulher, agora até mesmo entre pessoas do mesmo sexo (conforme decidido pelo STF), podendo até não coabitar, mas que, se apresente como casal aos olhos da sociedade como se fossem marido e mulher com a intenção de constituírem uma verdadeira família, possui origem constitucional e é reconhecida uma entidade familiar, cabe então ao legislador ordinário, acompanhar a realidade social, contemplando as modificações da família atual, devendo o companheiro receber o mesmo tratamento dedicado ao cônjuge, e, não mais colocar um na condição de herdeiro necessário e o outro numa situação de concorrência com tios, avós e demais herdeiros colaterais, fazendo com que os participantes de união estável, na sucessão hereditária, fique numa posição de extrema inferioridade e injustiça. A verdade é que não podemos negar a importância do casamento, bem como suas formalidades, seja por sua relevância histórica, seja pelo papel que assume dentro da nossa cultura. No entanto, não pode a lei, muito menos o Judiciário, deixar de lado a realidade social. Quando a atual Constituição Federal entrou em vigor e garantiu, legitimando, uma verdadeira revolução de costumes, momento que as uniões de fato passaram a ser cada vez menos recriminadas, conclui-se que não seria assim tão complicado, para o Código Civil, acolher uma ampla e total igualdade de direitos e deveres dos companheiros, com aqueles direitos e deveres atribuídos aos membros de um casal unido pelo matrimonio. Tanto é verdade, que surgiram as leis 8.971/94 e 9.278/96, que foram as primeiras indicações normativas de desdobramento do pressuposto constitucional, representando a intenção do legislador constituinte, na regulamentação das relações interpessoais, começando o processo de democratização das mais variadas formas de relacionamentos. Mas, no entanto, veio o Código Civil em 2002 e tratou, de forma discriminatória, de fazer visível distinção entre a união estável e o

casamento, fazendo com que os casados voltassem a ter um amparo legal superior aos companheiros, por força da revogação das leis 8.971/94 e 9.278/96 que praticamente equiparavam os institutos, para alguns, tal revogação foi apenas parcial. Essa distinção fez com que não se operasse a igualdade determinado pelo legislador constitucional, principalmente no campo do Direito Sucessório. Sobre isso dispõe a ilustre desembargadora Maria Berenice Dias: Se a sociedade muda e as relações entre as pessoas evoluem, as leis, para cumprirem seu papel de regrar a vida e estabelecer pautas de conduta, também têm que se plasmar às novas realidades. Da mesma forma, devem os operadores do Direito interpretá-las com uma visão que mais se identifique com a justiça (DIAS, 2007, p. 128). Segundo o que dispõe o art. 1.725 do CC/02, aplicam-se à união estável, salvo convenção em contrário, as normas do regime da comunhão parcial de bens, ou seja, a regra da comunicabilidade do patrimônio adquirido onerosamente por quaisquer dos cônjuges durante a convivência. Esta é a disciplina do nosso Direito de Família. Porém, quanto ao regramento das sucessões, ao contrário do que se dá com os cônjuges unidos sob o regime da comunhão parcial, que, por força da norma do art. 1.829, I, do CC, também herdam o patrimônio que não lhes tocou por meação e só encontram concorrência entre descendentes e ascendentes, excluindo os companheiros da sucessão legítima, que por sua vez, estes só teriam direito a herdar patrimônio havido onerosamente durante a união e, ainda assim, podendo concorrer até com parentes colaterais do falecido, conforme o artigo 1790 do atual Código Civil. Portanto, resta a tarefa de afirmar a inconstitucionalidade do artigo 1790 do Código Civil, defendendo a já mencionada valorização da relação afetiva, conforme a própria proteção conferida à família pelo Estado. Sobre o tema, Belmiro Pedro Welter defende que: 127

128 O texto constitucional de 1988 representa um pacto social em que estão inseridos direitos e deveres recíprocos entre o Estado e o indivíduo... Dessa forma, no Estado Democrático de Direito vige o princípio da proibição do retrocesso social, motivo pelo o qual o poder judiciário não tem o direito de agasalhar a desigualdade sucessória entre os companheiros e cônjuges, devendo julgar inconstitucional o art. 1790 do Código Civil de 2002, já que em função de aplicar o princípio da justiça, acimentado no art. 3º, I, da Constituição Cidadã de 1988. (WALTER, 2010, p. 220). Percebe-se que, contrariando frontalmente o princípio da igualdade e evidenciando o espantoso retrocesso em relação à legislação anterior, o Código Civil atual limitou o direito de herança do companheiro aos bens adquiridos onerosamente durante a união estável, e ainda, tendo que dividir tais bens com até mesmo parentes colaterais, e, em coerente manifestação, Zeno Veloso relata que: Na sociedade contemporânea, já estão muito esgarçadas, quando não extintas, as relações de afetividade entre parentes colaterais de 4º grau (primos, tios-avós, sobrinhos-netos). Em muitos casos, sobretudo nas grandes cidades, tais parentes mal se conhecem, raramente se encontram. E o novo Código Civil brasileiro... resolve que o companheiro sobrevivente, que formou uma família, manteve uma comunidade de vida com o falecido, só vai herdar, sozinho, se não existirem descendentes, ascendentes, nem colaterais até 4º grau do de cujus (VELOSO, 209, p. 236). Conforme a atual regulamentação da sucessão do companheiro, trazido pelo artigo 1790, inúmeros são os casos de injustiças e incoerências decorrentes de tal previsão legal, vejamos um exemplo a seguir: 1) Um casal inicia uma união estável, sendo que ambos não possuíam patrimônio particular. Com o passar do tempo, adquiriram um patrimônio de um milhão de reais e não puderam ter filhos. Vindo um dos

companheiros a falecer, realiza-se primeiramente a meação, ou seja, fica o companheiro sobrevivente com a metade que lhe é de direito. Em relação a herança, poderá este vim a concorrer com parentes de até 4º grau do falecido. Sendo assim, caso haja qualquer herdeiro, ascendente ou colateral até 4º (um primo do falecido, nunca visto por este), o companheiro sobrevivente herdará apenas 1/3, ficando 2/3 para tal herdeiro. Nos casos acima, fica demonstrado a total incoerência do texto legal inserto no artigo 1790 do Código Civil, que preferência de forma absurda alguns laços biológicos em relação a laços afetivos incontestáveis, indo em direção contrária aos elementos básicos, previstos constitucionalmente, da família. Não deve o companheiro ser prejudicado pelo simples fato de viver em união estável, no entanto, também não deve haver benefícios para o referido instituto sobre o matrimônio, tendo em vista a própria previsão legal do 3º do artigo 226 da CF, que prevê que deve a lei facilitar a conversão em casamento da união estável. Todavia, há raros casos que patrimonialmente é preferível constituir uma união estável a um casamento, vejamos: 1) Um casal inicia uma união estável, sendo que ambos não possuíam patrimônio particular. Com o passar do tempo, adquiriram um patrimônio de um milhão de reais e tiveram um filho comum. Neste caso, além de receber a metade do patrimônio a título de meação, o companheiro sobrevivente participará da herança da outra metade na mesma proporção do filho comum, ou seja, o companheiro sobrevivente terá direito a um montante de R$750.000,00 e o descendente herdará os R$250.000,00 restantes. 129

2) No mesmo exemplo acima, caso o casal não vivesse em união estável e sim fossem casados, teria o cônjuge sobrevivente direito apenas no que diz respeito a meação, não fazendo jus a herança, tendo em vista que trata-se de patrimônio adquirido durante o matrimônio, ou seja, ficaria o cônjuge sobrevivente com R$500.000,00 (referente a meação) e o filho comum herdaria a outra metade na totalidade. Fez o código civil uma discriminação ao mesmo tempo em relação ao casamento e a união estável. Dessa forma, pela atual regulamentação, a decisão entre união estável e casamento passa a ser não em função ideológica, mas sim pelos reflexos patrimoniais, mesmo sendo o afeto a base da família e não a constituição de patrimônio, não sendo este o objetivo do instituto, conforme já demonstrado. Em relação ao tema em tela, o professor Cristiano Chaves de Farias relata que: Os novos valores que inspiram a sociedade moderna, sobrepujam e rompem, definitivamente, com a concepção tradicional de família. A arquitetura da sociedade moderna impõe um modelo familiar descentralizado, democrático, igualitário e desmatrimonializado. O escopo precípuo da família passa a ser a solidariedade social e demais condições necessárias ao aperfeiçoamento e progresso humano, regido o núcleo familiar pelo afeto, como mola propulsora. (FARIAS; ROSENVALD, 2012). Como já foi dito, deve nossa legislação privilegiar os laços afetivos em face dos biológicos, e de forma alguma, como fez o código civil, tratar as famílias de forma diferentes, tendo em vista que nossa atual Constituição não permite fazer tal diferenciação. Por fim, é sempre de bom alvitre relatar o que diz a ilustre doutrinadora Maria Berenice Dias, que nos alerta: 130

É necessário adequar a justiça à vida e não engessar a vida dentro de normas jurídicas, muitas vezes editadas olhando para o passado na tentativa de reprimir o livre exercício da liberdade (DIAS, 2011, p. ). Quanto à inconstitucionalidade do artigo 1.790 do diploma civil, destaque-se excerto jurisprudencial da lavra do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, publicado no Diário Oficial da Justiça no dia 24/09/2007, a fim de respaldar as alegações já abalizadas: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. SUCESSÃO DA COMPANHEIRA. ABERTURA DA SUCESSÃO OCORRIDA SOB A ÉGIDE DO NOVO CÓDIGO CIVIL. APLICABILIDADE DA NOVA LEI, NOS TERMOS DO ARTIGO 1.787. HABILITAÇÃO EM AUTOS DE IRMÃO DA FALECIDA. CASO CONCRETO, EM QUE MERECE AFASTADA A SUCESSÃO DO IRMÃO, NÃO INCIDINDO A REGRA PREVISTA NO 1.790, III, DO CCB, QUE CONFERE TRATAMENTO DIFERENCIADO ENTRE COMPANHEIRO E CÔNJUGE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA EQUIDADE. Não se pode negar que tanto à família de direito, ou formalmente constituída, como também àquela que se constituiu por simples fato, há que se outorgar a mesma proteção legal, em observância ao princípio da eqüidade, assegurando-se igualdade de tratamento entre cônjuge e companheiro, inclusive no plano sucessório. Ademais, a própria Constituição Federal não confere tratamento iníquo aos cônjuges e companheiros, tampouco o faziam as Leis que regulamentavam a união estável antes do advento do novo Código Civil, não podendo, assim, prevalecer a interpretação literal do artigo em questão, sob pena de se incorrer na odiosa diferenciação, deixando ao desamparo a família constituída pela união estável, e conferindo proteção legal privilegiada à família constituída de acordo com as formalidades da lei. Preliminar não conhecida e recurso provido. (Agravo de Instrumento Nº 70020389284, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 12/09/2007) 131

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante de todo o exposto, percebe-se que a união estável foi equiparada à entidade familiar, devendo receber o mesmo tratamento conferido ao casamento, em todos os seus aspectos. Todavia, não foi dessa forma a visão do Código Civil de 2002, que tratou de conferir tratamento diverso entre os institutos do casamento e da união estável no que tange os direitos sucessórios. Os direitos sucessórios dos companheiros estão regulamentados no artigo 1790 da lei civil, sendo que tal dispositivo já merece críticas quanto a sua colocação no referido código, haja a vista a sua inserção em Capítulo que dispõe sobre as disposições gerais do Direito das Sucessões, quando, em verdade, merecia ser enquadrado nos artigos 1.829 e seguintes, assim como foi feito com os cônjuges. Ademais, as leis que regulamentaram a união estável (8.971/94 e 9.278/96), no que se refere à matéria sucessória foram mais benéficas do que a nova Lei Civil, houve um notável retrocesso social, pois as legislações de 1994 e 1996 igualou companheiros e cônjuges, no que se refere ao direito das sucessões. Não poderia, então, lei ordinária posterior retroceder ao que já tinha disposto lei anterior, conferindo situações menos vantajosas, até mesmo visando evitar o desrespeito ao princípio constitucional. Percebe-se a afronta aos princípios da isonomia, bem como ao do pluralismo das entidades familiares. Sendo assim, notável é o vício de inconstitucionalidade que contém o artigo 1.790 do Código Civil, em que deixa de lado elementos constitucionais da família como o afeto e a solidariedade, e privilegia laços biológicos distantes, de parentes colaterais de até 4º grau, demonstrando uma imensurável incoerência REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. 132

BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406/2002. Brasília: Congresso Nacional, 2002. DIAS, Maria Berenice. O direito sucessório na união estável. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: famílias. 5 ed. Salvador: JusPODIVM, 2012. CARVALHO, Dimas Messias de. Direito das Sucessões. Belo Horizonte: Del Rey, 2009 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE, Rosa Maria de. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 803. PEREIRA, Rodrigo da Cunha; et all. Família e Responsabilidade: Teoria e Prática do Direito da Família. Porto Alegre: Magister, 2010. TUCCI, Cibele Pinheiro Marçal. Sucessão legítima do cônjuge e herança do companheiro. Belo Horizonte, 2005. VELOSO, Zeno. Do direito sucessório dos companheiros. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito das Sucessões. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2012. WELTER, Belmiro Pedro. Estatuto da união estável. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. 133