Números Transcendentes: Números de Liouville e a Constante de Chapernowne

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Transcrição:

205: Trabalho de Conclusão de Curso do Mestrado Profissional em Matemática - PROFMAT Universidade Federal de São João del Rei - Campus Alto Paraopeba - CAP/UFSJ Sociedade Brasileira de Matemática - SBM Números Transcendentes: Números de Liouville e a Constante de Chapernowne Diogo Oliveira Mariana Garabini Cornelissen Hoyos 2 Resumo: Os números ue não são raízes de nenhum polinômio com coeficientes inteiros são chamados números transcendentes. Neste trabalho fazemos um estudo dos números reais transcendentes, apresentando a demonstração da existência de tais números e também de sua não enumerabilidade, ou sea, mostramos ue esses números de fato existem e não são poucos. Os primeiros exemplos conhecidos de números transcendentes são os chamados números de Liouville, em homenagem à Joseph Liouville, ue mostrou o fato de o número l k 0 k!, conhecido como constante de Liouville, é um número transcendente. Apresentamos também um estudo sobre essa classe de números transcendentes, os números de Liouville e, por fim, exibimos um número transcendente conhecido como constante de Champernowne e ue é o número decimal obtido através da concatenação de todos os números naturais, a saber, 0,2345678902... mas ue não é um número de Liouville, mostrando ue nem todo número transcendente é necessariamente um número de Liouville. Palavras-chave: transcendente, números de Liouville, constante de Chapernowne. Introdução Por volta de 500 a.c., Pitágoras e seus discípulos acreditavam ue toda medida era comensurável, ou sea, todo segmento podia ser representado por um fração p em ue p, Z com 0. Dito de outra forma, eles acreditavam ue todo número era racional. Porém, Hipaso de Metaponto, discípulo da escola pitagórica mostrou ue a medida da hipotenusa de um triângulo retângulo e isósceles de lado uma unidade é igual à 2 e ue este por sua vez não era um segmento comensurável. Estávamos ali diante do primeiro número irracional. Mas, os números racionais e o número 2 possuem uma propriedade em comum: ambos são raízes de polinômios com coeficientes inteiros, x p e x 2 2, respectivamente. Todo número com esta propriedade de ser raiz de um polinômio com coeficientes inteiros é chamado número algébrico. Já os números ue não gozam de tal propriedade são ditos transcendentes. Observe ue todos os números transcendentes são irracionais. Aluno de Mestrado Profissional em Matemática, Turma 203 Instituição: Universidade Federal de São João del-rei - Campus Alto Paraopeba - CAP/UFSJ E-mail: diogooliveira2704@gmail.com 2 Orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso Departamento de Física e Matemática - DEFIM, CAP/UFSJ E-mail: mariana@ufs.edu.br

A teoria dos números transcendentes foi originada por Joseph Liouville em 844 a partir de um teorema ue caracteriza os números algébricos. A ideia de Liouville para construir números transcendentes foi encontrar um propriedade satisfeita por todos os números algébricos e depois construir um número ue não satisfizesse tal propriedade. Dessa forma, Liouville construiu uma classe de números, os números de Liouville e, em 85, exibiu o primeiro número transcendente da história: l n 0 n!, conhecida como constante de Liouville. Outros matemáticos continuaram os estudos a respeito dos números de Liouville e mostraram ue o conunto desses números é não-enumerável, apesar de nem todo número transcendente ser um número de Liouville. Em 933, D.G. Champernowne apresentou o número c 0, 2345678902, conhecida como constante de Champernowne, ue consiste da concatenação de todos números naturais, e em 96, Kurt Mahler mostrou ue esse número é transcendente e depois mostrou-se ue essa constante não é um número de Liouville. 2 Números Transcendentes Nesta seção falaremos dos números algébricos e transcendentes, obeto de estudo desse trabalho, apresentando exemplos e propriedades desses números. Definição 2. Qualuer solução real de uma euação polinomial da forma a n x n + a n x n + + a x + a 0 0 onde n N, a i Z para todo i, 2,..., n é chamado número algébrico. O conunto destes números será denotado por Q. Exemplo 2. Todo número racional é algébrico, pois, conforme á citado anteriormente, todo número da forma p com p, Z, 0 é raiz do polinômio x p. Entretanto, nem todo número algébrico é racional, á ue 2 é algébrico e não é racional. Exemplo 2.2 2 + 3 3 é um número algébrico pois é solução da euação x 6 6x 4 6x 3 + 2x 2 36x + 0. Definição 2.2 Os números ue não são algébricos são chamados transcendentes e o conunto destes números será denotado por T. Observe ue, por definição, o conunto T é o complementar do conunto Q, também denotado por T Q c. Com essas definições, surgem as seguintes perguntas: existem números transcendentes? Ou sea, existem números ue não são raízes de nenhum polinômio com coeficientes inteiros? E se existirem tais números, são muitos? Vamos mostrar ue a resposta a essas duas perguntas é sim. Mas, vamos começar pela segunda pergunta, ou sea, mostraremos primeiro ue, se existirem tais números, eles são muitos. Com isso, mostraremos sua existência e, posteriormente, exibiremos números transcendentes. Para isso, precisaremos de uma nova definição e alguns resultados cuas demonstrações podem ser encontradas em []. Definição 2.3 Um conunto A é dito enumerável se A é finito ou se existe uma bieção f : N A. 2

Exemplo 2.3 Z é enumerável á ue é claramente uma bieção. f : N Z x { x 2 x+ 2, ) se x é par, se x é ímpar Exemplo 2.4 O conunto dos números pares, denotado por 2Z, é enumerável, pois a função gfx)) onde fx) é a função do exemplo anterior e gx) é dada por é uma bieção. g : Z 2Z x 2x Teorema 2. As seguintes afirmações são verdadeiras:. O conunto dos números reais, R, é não enumerável. 2. A união enumerável de conuntos enumeráveis é enumerável. 3. Se o conunto A é enumerável então A n A A A é enumerável. As demonstrações destes fatos se encontram em []. Teorema 2.2 O conunto Z[x] {a n x n + a n x n + + a x + a 0 n N, a n 0, a i Z i, 2, 3,, n} é enumerável. Demonstração: Como Z é enumerável é fácil ver ue Z também é enumerável e pelo Teorema 2. segue ue Z Z... Z é enumerável. Considere a função f : Z Z... Z Z[x] a 0, a, a 2,..., a n ) a n x n + a n x n + + a x + a 0 Note ue f é obviamente bietora, á ue admite inversa igual a f a n x n + a n x n + + a x + a 0 ) a 0, a, a 2,..., a n ) donde podemos concluir ue Z[x] é enumerável, como ueríamos demonstrar. Sabemos ue um polinômio não nulo, de grau n e com coeficientes em um domínio de integridade possui no máximo n raízes nesse domínio. Logo, dado um polinômio não nulo px) a n x n + a n x n + + a x + a 0 em ue a i Z para todo i, 2, 3,, n temos ue o conunto R p {k R pk) 0} é finito e, portanto, enumerável. 3

Teorema 2.3 Q é enumerável. Demonstração: Observe ue Q p Z[X] donde Q é uma união enumerável de conuntos enumeráveis e assim pelo teorema 2.) segue ue o conunto dos números algébricos é enumerável. Agora sim estamos prontos para responder às nossas duas perguntas feitas anteriormente. Com os resultados acima, á podemos concluir ue os números transcendentes são muitos. Veamos: temos ue R Q T e sabemos ue R é não enumerável. Logo, T é não enumerável pois senão teríamos ue R é a união enumerável de conuntos enumeráveis, o ue implicaria ue R é enumerável, um absurdo. Com este fato podemos concluir também ue existem números transcendentes, pois, se T teríamos novamente o absurdo de R Q ser enumerável. E, mais do ue isso, concluímos ue existem mais números transcendentes do ue algébricos. Na próxima seção, apresentaremos os primeiros números não algébricos ue foram conhecidos, os números de Liouville. 3 Números de Liouville No século XIX, os matemáticos á sabiam da existência dos números transcendentes, entretanto, não era conhecido nenhum exemplo desse tipo de número. Somente em 844, Joseph Liouville mostrou ue o número l k 0 k!, conhecido como constante de Liouville, é transcendente. Mais tarde foi mostrado ue π e e também não são algébricos ver []). A ideia de Liouville para encontrar números transcendentes foi encontrar alguma propriedade ue fosse satisfeita por todos os números algébricos e, em seguida, construir algum número ue não possuísse tal propriedade. Definição 3. Dizemos ue α Q é de grau n se o polinômio px) de menor grau tal ue pα) 0 tem grau n. Esse polinômio é chamado de polinômio mínimal de α. R p, Teorema 3. Teorema de Liouville Se α Q tem grau n 2 então existe c cα) tal ue α p > c, n para todo p, Z e 0. Demonstração: Sea fx) a n x n + a n x n + + a x + a 0 Z [x] o polinômio minimal de α, ou sea, pα) 0. Sabemos ue existe δ > 0 tal ue [α δ, α + δ] R f {α} onde R f é o conunto das raízes reais de fx) do contrário poreriamos R f um conunto infinito. ou p Dados p, Z e 0, e p, ), temos duas possibilidades: / [α δ, α + δ]. 4 p [α δ, α + δ]

Se p α / [α δ, α + δ] então p > δ δ Se p [α δ, α + δ], como fx) é contínua e derivável em [α, p n. ] aui, sem perda de ) generalidade estamos supondo α, p > α) logo, pelo Teorema do Valor Médio, existe d p tal ue ) p fα) f f d) α p ) donde ) p f f d) α p [ ] [ ] Como f é contínua em α, p então existe M R tal ue f x) M para todo x α, p. Assim, temos ue ) p f M α p ) Observe ue p α á ue α tem grau maior ou igual a 2 por hipótese e todo racional tem ) grau. Logo, f 0 e daí p f Portanto, por ) temos ue p ) an p n n + a n p n n + a p + a 0 anpn +a n p n + +a n p+a 0 n n anpn +a n p n + +a n p+a 0 n n n, α p M n Tomando cα) min { } δ, M temos em ambos os casos ue α p c n como ueríamos demonstrar. Exemplo 3. 2 é algébrico de grau 2 com polinômio minimal igual a fx) x 2 2. De acordo com o Teorema 3., tomando δ obtemos c 2 tal ue 2+) p 2 > 2 2 + ) 2 para todo p Q. 5

Após demonstrar o Teorema 3., Liouville apresentou um conunto de números ue não atendem à definição 3.. Esses são os números de Liouville e seu conunto é denodato por L. Definição 3.2 Um número real α é chamado número de Liouville se existir uma seuência p de racionais em ue p, Z e para todo, tal ue ) α p,. Proposição 3. A seuência ) na definição acima é ilimitada. Demonstração: Note ue α p,. Agora suponha ue ) é limitada, ou sea, suponha ue exista M R tal ue M para todo. Dessa forma, temos ue α p α p M Lembrando ue a b a b para todo a, b R, segue ue p α α p M donde p M + α M + α M, + α )M o ue implica ue a seuência p também é limitada. E, portando, chegamos à contradição de ue p ) é finita. A partir da proposição acima, podemos concluir ue um número racional não pode ser um número de Liouville. De fato, se α p Q é de Liouville então > α p p p p p donde o ue contradiz o fato de ) ser ilimitada. 6

Teorema 3.2 Todo número de Liouville é transcendente, ou sea, se α L então α T. Demonstração: Suponha ue α L e algébrico de grau n 2. Segue pelo Teorema 3. ue existe c R + tal ue > α p > c para todo racional p. Daí > c n n ) Dessa forma temos ue se > n + então n > c n) n c, contradizendo a proposição 3.. Portanto, α T. Mas, apesar de todo este trabalho, Liouville ainda não havia exibido nenhum número transcendente. A partir daí bastava encontrar um número de Liouville para obter o primeiro transcendente. A constante de Liouville, ue será apresentada no exemplo abaixo, foi o primeiro número não algébrico apresentado. Exemplo 3.2 Temos ue l k é um número de Liouville. Assim, c 0 k! 0, 00000000000000000000000... De fato, defina p k 0! k! e 0!. Observe ue p, Z para todo e p k 0 k! l p k+ 0 k! 0 +)! + 0 +2)! + 0 +3)! + 0 +)! + 0 +2)! +)! + 0 +3)! +)! + ) 0 +)! + 0 + 0 2 + ) 0 0 +)! 9 0 +)!. 7

Logo, Agora basta provar ue + )!!, o ue ocorre pois + )! + )!! +!! l p o ue implica ue l é um número de Liouville e, portanto, transcendente! Podemos generalizar o exemplo acima e construir infinitos outros números de Liouville, exibindo assim infinitos números transcendentes distintos, como pode ser visto no exemplo abaixo. Exemplo 3.3 Os números da forma α k a k 0 k! 0, a a 2 000a 3 00000000000000000a 4 000..., onde a k {, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9} para todo k N são números de Liouville. A demonstração deste fato é completamente análoga à demonstração do Exemplo 3.2. O próximo exemplo nos mostra ue existem também números de Liouville em outros formatos. Exemplo 3.4 Dada a seuência então β n a n pertence a L. { a0 a n 0 a n Fazendo p a + n0 0a a n e a temos ue Sendo assim, basta provar ue β p n+ a n 0 a + 0 a + + 0 a +2 + 0 a 0 a ) + + 0 a + a 0 a +2 a + 0 + 0 2 + ) 0 0 a 9 0 a, 0 a a 0 a ) 0 a. o ue euivale a mostrar ue 0 a 0 a 8

Ou sea, devemos mostrar De fato, a + 0 a a + a 0. 0a a ) + 0 a ) + 0 a +a 0 a +) 0 a a 0 0a a + e, portanto, β L. Um resultado surpreendente é o fato de ue todo número real pode ser escrito como soma de dois números de Liouville. Para mostrar esta afirmação precisaremos de alguns resultados preliminares ue se encontram abaixo. Lema 3. α L se, e somente, se para todo n N existe p α p n Q tal ue Demonstração: Se α é um número de Liouville então existe existe pela definição 3.2) uma sucessão de racionais p Fazendo n e p pn n ) tal ue temos ue α p α p Agora, se α é tal ue n > 0 existe p pn n Q e tal ue α p n p considere a seuência n n de forma ue )n α p n, donde α L. n n n n Lema 3.2 Dado α R se existirem c > 0 e uma seuência de racionais tais ue α p c, então α L. p ) com 9

Demonstração: Se 0 c então α p c e segue o resultado. Se c >, observe ue a seuência ) é ilimitada esta observação pode ser demonstrada de forma análoga à proposição 3.). Assim, temos ue existe 0 tal ue para todo > 0 tem se ue c 0 donde α p c 0 0. Para todo 0, considere a seuência de números naturais n 0. Dessa forma, temos ue para todo n N existe p p tal ue α p n e pelo lema 3.) temos ue α é um número de Liouville. Lema 3.3 Se existirem uma seuência ilimitada w k ) k de números reais positivos e uma seuência de racionais então α L. p k k )k tais ue 0 α p k k w k k 0,, k N, Demonstração: Sea s k ) k w k ) k uma subseuência ilimitada em ue s k > para a todo k N e k b k tais ue )k p k k )k 0 α a k b k b s, k N. k k Agora tome uma seuência de números reais r k ) k com r k > 0 para todo k N tal ue s k r k k, então α a k b k b s k k b s k r k, k N. b k k Logo pelo lema 3.) temos o resultado. Teorema 3.3 Se α L e p Q com, então:. α p L k 0

2. ) α + p L Demonstração: Se α L então existe uma seuência de racionais α p p ) tal ue. Sea α log donde α. Observe ue lim + α + e ainda αp pp α p pp α α p pp +α Por outro lado, observe ue existe k R tal ue p k então α p pp p α p. p p α ) p α + p α + α + α ) + k α + α + α ) + α + α + α ) + k Agora, sabemos do Cálculo Diferencial e Integral ue se uma função fx) é ilimitada fx) então pelo teorema de L hospital lim e assim lim x + + fx) x fx) x + + fx) +. Logo, ) α + lim + α + k +, e segue pelo lema 3.3) ue α p L. 2. Como no item anterior tem-se ) α + p p + p ) ) α + p ) α + p ) α + p ) p + p ) p + p α p + p +α )

Por outro lado, ) α + p p + p ) α p α ) Mas, á sabemos ue lim + α α +α +α ) α + α + donde pelo lema 3.3 segue ue ) α + p L. Agora podemos provar ue ualuer número real pode ser escrito como soma de dois números de Liouville. Teorema 3.4 Teorema de Erdös Dado β R então existem l, l 2 L tais ue β l + l 2 Demonstração: De fato, se β L então pelo teorema 3.3 basta tomar l l 2 β L. 2 Se β Q tomemos ualuer α L e assim pelo teorema 3.3 ) β+α 2 e β α ) 2 L com β β α + β+α. 2 2 Agora, se β / Q então β [β]) / Q onde [β] é a parte inteira de β. E assim podemos estudar apenas o caso em ue β 0, ) Q c. Sea e defina β 0, a a 2 a 3... a n..., em ue a n {0,, 2, 3,..., 9} l n λ n 0 n e l 2 n δ n 0 n em ue para n! k n + )! temos { λk a k e δ k 0 se n / 2N λ k 0 e δ k a k se n 2N. É fácil ver ue β l + l 2. Falta mostrar ue l, l 2 L. Para l, tomemos p n 2n)! k λ k 0 2n)! +k) e n 0 2n)!, daí l p n n k2n)! λ k 0 k Lembrando ue para 2n)! k 2n + )! tem-se λ k 0 então 2

l pn n k2n+)! k2n+)! λ k 0 k 9 0 k 9 0 2n!+) + 0 + 0 2 + 0 3 + ) 9 0 0 2n!+) 9 0 2n!+) 0 n2n)! ) 0 2n)! ) n. n Logo l L. De modo análogo pode-se provar ue l 2 L. Como conseuência deste fato temos ue o conunto L é não-enumerável. Isto ocorre pois, pelo Teorema de Erdös, podemos estabelecer uma bieção de R em S L L f : R S L L β l, l 2 ) o ue implica ue S é não-enumerável e portanto L L também é não enumerável. Logo, temos ue L é não-enumerável, pois do contrário teríamos L L enumerável o ue seria uma contradição. Mas, apesar da não-enumerabilidade de L e T, temos ue L T. Veremos na próxima seção ue existem números transcendentes ue não são números de Liouville. 4 A Constante de Champernowne David Gawen Champernowne, em 934, apresentou o número c 0, 2345678902..., conhecida como constante de Champernowne, e ue consiste da concatenização de todos números naturais. Mais tarde, em 937, Kurth Mahler mostrou em [6] ue tal número é transcendente porém não é de Liouville. Nesta seção apresentaremos uma outra demonstração desses fatos, também realizada por Mahler em 968 e ue faz uso de um resultado conhecido como Teorema de Roth. 4. O Teorema de Roth Muitos matemáticos procuraram uma aproximação melhor ue a apresentada por Liouville em seu teorema 3., mas, apenas em 955 k. F. Roth demonstrou o seguinte resultado ue lhe rendeu a honrosa medalha Fields no ano de 958. 3

Teorema 4. Seam α um número algébrico e irracional e ɛ > 0. Então o conunto { p Q α p } 2+ɛ é finito. Como conseuência desse resultado, pode-se mostrar ue: Corolário 4. Seam α um número algébrico e irracional e ɛ > 0. Então existe k kα, ɛ) tal ue para todo p Q α p > c 2+ɛ Estes dois resultados renderam a medalha Fields a Roth e suas demonstrações podem ser encontradas em [3]. 4.2 A constante de Champernowne é transcendente Sea c 0, 234567890... a constante de Champernowne. Começamos por construir p uma seüência ue possa contradizer o corolário 4.). Tome ) Daí Faça p r. Em seguida, tome r 0 + 2 0 + 3 2 0 + + 9 3 0 + 0 0 + 9 0 0 8 c r 0 9 8 4,5 0, 23456789 r 2 0 0 + 2 0 + 2 4 0 + + 99 00 99 + + 0, 023 979899 6 078 080 992 Assim obtemos ue 09 c 23456789 99 99 2 0 78 o ue implica em c A 0 9 99 2 0 87 ue A 23456789.99 2 + 99.0 9.99 2. Agora fazendo p 2 2 A tem-se 0 9 99 2 c p 2 0. 87 2 4,5 2 E assim sucessivamente, de forma à encontrarmos uma seüência e { 9 2, 0 9 99 2, 0 89 999 2,... 0 n k 0 k ) 2,... } tal ue c p 4 4,5. p ) em ue p N

Agora podemos provar ue a constante de Champernowne não é um número algébrico. Suponha ue c sea algébrico. Logo, pelo corolário 4., temos ue dado ɛ > 0 existe k > 0 tal ue c p > k 2+ɛ, p Q. Portanto para ɛ 0, 5 e a seüência construída anteriormente segue ue k 2,5 c p 4,5, N donde k 2. Mas, como ) é ilimitada temos uma contradição. Logo a constante de Champernowne é um número transcendente. 4.3 A constante de Champernowne não é um número de Liouville Na seção anterior mostramos ue a constante de Champernowne é um número transcendente e, portanto, irracional. Dessa forma, podemos calcular sua medida de irracionalidade de acordo com a definição abaixo. Definição 4. Dado α Q c, chamamos de medida de irracionalidade de α o número real positivo µα) µ tal ue α p >, µ para todo p Q. Masaki Amou mostrou em [4] ue µc) 0, isto é, c p >, 0 para todo p Q. donde p Portanto, se c L então existe uma seuência 0 c p 0. ) tal ue o ue contradiz a proposição 3.. Logo, c não é um número de Liouville. 5

5 Considerações Finais Os números irracionais são abordados no Ensino Fundamental e Médio apenas como números ue não podem ser escritos na forma de uma fração, isto é, números ue não são racionais. Isso permite uma boa compreensão da irracionalidade de 2, mas, somente essa definição não permite mostrar ue outros números, como por exemplo, π e e também são irracionais. A proposta desse trabalho foi apresentar um texto sobre números transcendentes e, portanto, sobre números irracionais, para ue professores do ensino básico possam aprofundar seus conhecimentos sobre esse tema e até mesmo conhecer outros números transcendentes diferentes dos tradicionais π e e, como a constante de Champernowne. Referências [] FIGUEREIDO,Dairo G. Números Irracionais e Transcendentes. 3 a ed. Rio de Janeiro: SBM,20.Coleção de Iniciação Científica. [2] HEFEZ, Abramo e VILLELA, Maria L.T. Polinômios e Euações Algébricas. a ed.rio de Janeiro: SBM,202. Coleção PROFMAT. [3] LEQUAIN, Y. Aproximação de um Número Real Por Números Racionais. a ed.rio de Janeiro: Impa, 993. [4] AMOU, M.:Approximation to Certain Transcendental Decimal Fractions by Algebraic Numbers. Journal of Numbers Theory, volume 37, page 23-24,99) [5] MARQUES, D. Teoria dos Números Transcendentes. Rio de Janeiro: SBM, 203. Coleção Textos Universitários. [6] MAHLER, K. Arithmetische Eigenschaften der Lösungen einer Klasse von Funktionalgleichungen, Math. Annalen, t. 0 929), p. 342366. 6