Escritas Imagens: resultados das práticas de uma pesquisa Marcela Cristina Bettega 1 (Arte-educadora / SECJ- PR) (...) Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. (FREIRE, 1999 p. 32) Resumo: Este relato de experiência apresenta o processo e os resultados obtidos nas oficinas de desenho - A letra da forma e a forma da letra - realizadas com adolescentes da cidade de Curitiba. Esta oficina foi embasada pelo meu trabalho de conclusão do curso de Licenciatura em Artes Visuais pela Faculdade de Artes do Paraná FAP-PR, em 2008, de nome: A PALAVRA É PARA O OLHO: a palavraimagem nas Artes Visuais e no ensino. Palavras-Chave: ensino da arte, escrita, sensibilização estética. O trabalho de conclusão de curso, acima citado, investigou o uso da palavra escrita como elemento compositivo em obras das artes visuais em diversos períodos históricos e apontou possibilidades seu uso no ensino da arte como: o resgate da caligrafia como prática e modo de expressão artística e como ferramenta educativa que possibilita devolver e adicionar aos textos contemporâneos, o homem, o gesto, as dúvidas, as formas e identidade; a aproximação do Grafite e da cultura Hip Hop para o universo educativo, uma vez que nestes há forte apelo à palavraimagem. (BETTEGA, 2008 p. 24) As inquietações e reflexões oriundas desse trabalho me propulsionaram a construir e desenvolver atividades práticas focadas na relação palavra/imagem Enviei um projeto de oficina para o edital Arte por onde anda da Fundação Cultural de Curitiba no início de 2009. O foco do edital era subsidiar ações arteeducativas em comunidades de bairros atendidas pelas regionais da Prefeitura.. O projeto, aprovado na categoria Desenho/Artes visuais, propôs a realização de oficinas de desenho onde os objetos de estudo e de pesquisa eram as possibilidades gráficas e caligráficas desenvolvidas pelos participantes Foram atendidos cerca de 200 adolescentes em 10 oficinas de 16 horas. A maior parte do público era masculina e pertencia a comunidades periféricas de alta 1 Marcela Cristina Bettega -bettega.marcela@gmail.com Licenciatura em Artes Visuais (FAP, 2008), Especialização em Leitura e Produção de Texto (UNIFAE, 2011). Arte-educadora da Secretaria de Estado da Criança e Juventude SECJ-PR. Desenvolve projetos em espaços de educação não formal desde 2007.
vulnerabilidade social e econômica, isto é, localidades com altos índices de violência, tráfico, de drogas, desemprego, prostituição, pobreza, evasão escolar, etc. As oficinas tiveram caráter de laboratório, pois o processo incentivava a pesquisa e a investigação dos resultados gráficos obtidos com o uso de diferentes materiais em diversos suportes. Foram apresentados referenciais imagéticos como: reproduções de obras onde a palavra escrita era elemento compositivo, alfabetos de diversos povos em períodos históricos distintos, imagens de Grafites e vídeos. A apresentação dos materiais iniciava com uma conversa explicativa sobre o que eram, como funcionavam, quais as possibilidades pictóricas e quais seriam as formas de uso. Os participantes eram incentivados a experimentar de todos os jeitos e formas possíveis, havia também a orientação sobre alguns cuidados especiais de manuseio das ferramentas para os participantes pudessem escolher e realizar o trabalho com maior domínio possível das mesmas. Os materiais utilizados foram: canetas de diversas espessuras, lápis de cor, giz de cera, grafite, tintas diversas e pirógrafo 2. Ilustração 1 canetas 2 Pirógrafo: aparelho elétrico para gravação através do calor. Serve para fazer gravações em madeira, pano, couro, cortiça, etc.
Ilustração 2 - Tintas diversas e o pirógrafo Para avaliação e análise dos resultados/dados foi considerada uma amostra de seleção aleatória - de 229 imagens de trabalhos finais, destas, 117, ou seja, 51% se referem a algo que identifica os participantes nome próprio, time de futebol, grupos, tribos e metade dessas foram feitos no estilo de grafitagem ou pixo 3. 3 - Nome "grafitado" com caneta hidrográfica 3 Pixo: nomenclatura usada pelos próprios participantes e de uso no universo do grafite que se refere a um tipo de letra conhecido como tag reto difundido em São Paulo, as letras são longilíneas, muito simples quase que símbolos. http://www.pichacao.com/
2 - Nome do grupo que participa "grafitado" com pirógrafo sobre cortiça Apesar de alguns Grafites terem sido apresentados como referenciais imagéticos, os dados acima confirmam a relação entre Escrita e Identidade e ainda nos apresentam uma população de periferia urbana com estética e identidades fortes muito bem apropriadas pelos jovens. É o auto-reconhecimento social. Com o grafite o jovem diz: Meu nome é esse. Sou da periferia, de determinada gang ou grupo, ou região da cidade!. Os meus esforços durante os encontros eram voltados para que eles ao menos experimentassem escrever um pouco para depois mandar um pixo 4. Escrever seu nome numa folha de papel ou sobre um muro com tinta spray significa, de certa forma, afirmar sua existência. Por meio da caligrafia, assim como dos grafites das pichações nos muros da cidade, expressões de um contra-poder, o homem procura constituir um rosto, uma identidade. (MANDEL, 2006. p.187) 4 - Alfabeto estilo Pixo em nanquim colorido sobre papel couchê 4 mandar um pixo significa desenhar ou grafitar no caderno, ou em folhas, segundo os próprios participantes.
Com relação às demais produções houve grande apropriação das imagens referenciais na criação, porém poucas réplicas ou cópias. A condução do processo de trabalho dos participantes permitiu que houvesse experimentação em larga escala. As soluções para o uso das letras como elemento compositivo superaram as expectativas, os resultados passam por estilos diversos que conversam muito bem com o contemporâneo, como nos trabalhos abstratos, onde se pode visualizar a preocupação formal na composição que de longe parece ter sido escolhida como solução para um não saber o que fazer. 5 - Nanquim sobre papel couchê 6- Tinta Acrílica sobre cortiça
7 - Tinta vitral sobre acetato Em muitas turmas houve fascínio pela tinta nanquim e pelas canetas de pena e de bambu, os participantes e educadores que acompanharam as oficinas quiseram saber onde poderiam comprá-las para dar continuidade aos trabalhos em casa. 8 - Canetas de pena e Bambu
9 - Participante trabalhando com dois pincéis - Tinta nanquim sobre canson Conclusões: 10 - Grupo trabalhando A escrita que durante milênios era um marcador de identidade das pessoas cultas e letradas, hoje também identifica uma periferia urbana que se reconhece e se faz ver. (JEAN, 2008) Percebeu-se que as tecnologias antigas exercem fascínio sobre os jovens e que a disponibilidade de materiais favorece o ambiente criativo. A grande quantidade de trabalhos com letras de fôrma ou Caixa Alta me fez questionar do como a escrita é ou passou a ser ou tem sido apresentada no processo de alfabetização infantil? É desenho? Como seria ensinar a escrever desenhando as palavras? Será que o domínio motor das formas não deveria vir antes do domínio intelectual do significado? E o teclado do computador o que faz perder?
Algo importante a ser levantado também é de que a realização desta oficina só se seu por um patrocínio institucional, os materiais usados custavam caro e de desgastavam bastante com o uso. Hoje quando se fala em arte-educação é preciso pensar também nesse mercado e no profissional que precisa ser formado para atender as exigências dos editais públicos. Essa prática de pesquisa abriu para novas perguntas e quiçá sejam novas pesquisas! REFERÊNCIAS: BETTEGA, Marcela C. A palavra é para o olho: A palavra-imagem nas artes visuais e no ensino. Curitiba: Faculdade de Artes do Paraná, 2008. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 12.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. JEAN, Georges. A escrita: memória dos homens. Trad.: Lidia da Mota Amaral. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. MANDEL, Ladislau Escritas: Espelho dos homens e das sociedades. Rio de Janeiro: Rosari, 2006 Blog da oficina: http://formadaletra.blogspot.com