OS SABERES EXPERIENCIAIS E A PRÁTICA COMO PROCESSO DE APRENDIZAGEM NA DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA Keutre Gláudia da Conceição Soares Bezerra (UERN) Disneylândia Maria Ribeiro (UERN/UFPE) Francicleide Cesário de Oliveira Fontes (UERN) RESUMO O presente trabalho é um recorte da pesquisa Saberes docentes das alfabetizadoras que conseguem resultados positivos: trajetórias de formação e de experiências, vinculada ao Departamento de Educação/CAMEAM/UERN. Tem como objetivo principal analisar o contributo dos saberes experienciais na práxis pedagógica de docentes que atuam na formação de professores. Para tanto, desenvolveu-se pesquisa de campo, de abordagem qualitativa por meio da observação da prática docente e aplicação de questionário com dois professores universitários, sendo um vinculado ao Curso de Letras, habilitação Língua Inglesa da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e outro vinculado ao Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais, Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco. O interesse pela temática foi desencadeado no percurso de desenvolvimento da pesquisa supracitada, como forma de ampliar a compreensão em torno dos saberes experiências no exercício do magistério. Constatou-se que a vivência no âmbito acadêmico, as trocas de experiências com os colegas de profissão, a realização dos estudos pedagógicos, a participação em cursos de formação, o desenvolvimento das práticas docentes, as reflexões sobre as próprias práticas e as atividades de pesquisa são momentos que influenciam e possibilitam a construção contínua dos saberes docentes dos professores, sujeitos desta investigação. Os saberes experienciais assumem uma posição de destaque por serem mobilizados, elaborados e legitimados no exercício cotidiano da profissão e possibilitar uma avaliação dos saberes oriundos da formação e uma autoavaliação da própria prática docente. Assim, a prática docente é compreendida como um espaço de aprendizagem profissional e um elemento essencial à constituição da identidade docente. Palavras-chave: Saberes experienciais. Prática pedagógica. Docência universitária. 1 INTRODUÇÃO Os saberes docentes passaram a ser foco de discussão nas pesquisas educacionais e fóruns acadêmicos a partir da década de 1980 em convergência com o movimento de profissionalização do ensino. Tardif, Lessard, Lahaye (1991) e Tardif (2002) discorrem sobre os saberes docentes mediante sua relação com a formação profissional e ainda com o próprio exercício do magistério. Referido autores destacam a existência de quatro tipos diferentes de saberes implicados na atividade docente: os saberes da formação profissional; os saberes disciplinares; os saberes curriculares e os saberes experienciais. 9853
2 Os saberes experienciais se desenvolvem no exercício cotidiano da atividade docente e por isso levam em conta as múltiplas interações existentes na prática. Com a experiência de ensino, o professor começa a elaborar sua forma de lidar com as mais diversas situações que ocorrem na sala de aula e na sua profissão como um todo. Esses saberes também são compostos da experiência compartilhada com outros docentes, já que o professor não é um profissional que atua sozinho e isolado. (TARDIF, 2002) Diante dos aspectos mencionados desenvolveu-se uma investigação sobre os saberes experienciais no exercício da docência universitária. Atividade vinculada a pesquisa Saberes docentes das alfabetizadoras que conseguem resultados positivos: trajetórias de formação e de experiências, institucionalizada no Departamento de Educação do Campus Avançado Profa. Maria Elisa de Albuquerque Maia, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. O interesse pela temática foi desencadeado no percurso de desenvolvimento da pesquisa supracitada, como forma de ampliar nossa compreensão em torno dos saberes experiências. O objetivo principal foi analisar o contributo dos saberes experienciais na práxis pedagógica de docentes que atuam na formação de professores. 2 METODOLOGIA Este estudo adota a abordagem de pesquisa qualitativa (MINAYO, 2000), por meio de observação da prática docente e aplicação de questionário com dois docentes, sendo um vinculado ao Curso de Letras, habilitação Língua Inglesa da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e outro vinculado ao Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais, Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco. A observação foi realizada no decorrer das aulas referentes a carga horária semanal das disciplinas: a) Estágio Supervisionado II no Curso de Letras/UERN (Docente A); b) Avaliação da Aprendizagem no Centro de Educação/UFPE (Docente B). 3 DISCUSSÃO E RESULTADOS Os saberes docentes e a prática pedagógica estão intrinsecamente relacionados, uma vez que é no exercício do magistério, que eles são mobilizados, construídos e reconstruídos pelo professor a partir de uma ação dinâmica. O ato de ensinar é 9854
3 extremamente cognitivo, pois o professor é cotidianamente desafiado a encontrar novos processos metodológicos, elaborar um saber-fazer que corresponda às necessidades educativas dos discentes e que constitua seu perfil de atuação. Nesses termos, os saberes experienciais [...] surgem como núcleo vital do saber docente, a partir do qual o(a)s professor(a)s tentam transformar suas relações de exterioridade com os saberes em relações de interioridade com sua própria prática. Nesse sentido os saberes da experiência não são saberes como os demais, eles são, ao contrário, formados de todos os demais, porém retraduzidos, polidos e submetidos às certezas construídas na prática e no vivido. (TARDIF, LESSARD, LAHAYE, 1991 p. 234. Grifo no original) Desse modo, a prática docente é compreendida como um espaço de aprendizagem, haja vista que permite ao professor julgar, avaliar e rever os outros saberes, num ato cognitivo que envolve a seleção e a retradução de conhecimentos e habilidades mediante os condicionantes da prática, que, por conseguinte, passa a integrar a reflexão sobre a própria prática, conforme ficou explícito no relato dos professores investigados: [...] A reflexão constante sobre a nossa própria prática nos possibilitou revêla em diversos aspectos ao longo desses quatorze anos. [...] O saber da experiência nos possibilita desenvolver uma prática de ensino que eleve a consciência sobre o que se aprende e também a aplicabilidade dos conhecimentos para/sobre a realidade. Do contrário nossa prática pode não gerar os conhecimentos necessários e também pode não ocasionar as transformações que almejamos. (Docente A) [...] Os saberes da experiência eu fui construindo (e ainda estou fazendo isso) ao longo da minha prática em contato com meus alunos, com meus colegas de trabalho e nas várias instituições de ensino que atuei. Eles me permitem fazer uma análise constante da minha prática de forma a tentar melhorá-la constantemente (Docente B) Referidos docentes enfatizam a reflexão sobre a prática como um elemento essencial ao aperfeiçoamento profissional, o que remete ao processo de aprendizagem que ocorre no exercício cotidiano do ato de ensinar. É notória a relevância atribuída pelo docente B as relações e interações estabelecidas com os demais atores do campo de atuação, como os colegas professores e os próprios discentes. Ao abordar os objetos que compõem os saberes experienciais, Tardif (2002) assevera que: O docente raramente atua sozinho. Ele se encontra em interação com outras pessoas, a começar pelos alunos. A atividade docente não é exercida sobre um objeto, sobre um fenômeno a ser conhecido ou uma obra a ser produzida. 9855
4 Ela é realizada concretamente numa rede de interações com outras pessoas, num contexto onde o elemento humano é determinante e dominante. (TARDIF, 2002, p. 49-50) Esses aspectos foram observados na prática de sala de aula, ambos os professores demonstraram flexibilidade, abertura para o diálogo, manejo da turma, habilidade de negociação, aspectos que estão relacionados, sobretudo, a experiência docente, isto é, as habilidades e saberes mobilizados no dia-a-dia da profissão. O Docente A destaca ainda a importância da atividade de pesquisa para aperfeiçoamento de sua prática pedagógica Entendemos que a nossa prática profissional está [...] vinculada sempre a atividade de pesquisa, isto é, a prática de ensino se vincula a compreensão mais profunda dela ou questiona sempre alguns de seus elementos. A pesquisa é uma atividade que, necessariamente, está presente na docência universitária, haja vista que a Universidade possui uma responsabilidade social com a produção e difusão do conhecimento científico. Entretanto, o relato deste docente aponta para a pesquisa não apenas como forma de olhar para a comunidade ou outras realidades externas ao âmbito acadêmico, mas, sobretudo, como uma atividade que contribui para reflexão, questionamento e entendimento da própria prática, o que remete a um processo de retroalimentação e formalização de seus saberes. Segundo Tardif, Lessard e Lahaye (1991, p. 219) [...] quanto mais um saber é desenvolvido, formalizado, sistematizado, como acontece com as ciências e os saberes contemporâneos, mais se revela longo e complexo o processo de aprendizagem que exige [...]. A aprendizagem como resultante da prática docente pode ser vista sob outro enfoque no relato do Docente B: Observar os alunos, as necessidades de aprendizagem, respeitar o tempo pedagógico e o tempo de aprendizagem, e ter a certeza de que é necessário traçar um perfil de saída do aluno para cada curso ou disciplina, são ações que fui aprendendo com o tempo e com os conhecimentos que foi possível agregar durante os processos de formação continuada [...]. Planejar e avaliar sempre a minha prática pedagógica hoje faz parte do meu cotidiano como profissional. (Docente B) Destarte, é possível inferir que a vivência no âmbito acadêmico, as trocas de experiências com os colegas de profissão, os planejamentos, a participação nos cursos de formação, o desenvolvimento das práticas docentes, as reflexões sobre as próprias 9856
5 práticas, representam momentos que influenciam e possibilitam a construção contínua dos saberes dos professores/sujeitos desta investigação. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Repensar a formação inicial e continuada dos professores tem se revelado um desafio no cenário das pesquisas educacionais desde os anos 90. Por conseguinte, os saberes enquanto elementos constitutivos da prática docente representam objeto de investigação destas pesquisas a fim de caracterizá-los como construtos importantes para o processo de profissionalização dos professores. O reconhecimento da existência de saberes específicos que configuram a prática docente tem anunciado novas perspectivas para o processo de profissionalização, mas também tem problematizado questões relevantes como a hierarquização e valorização de alguns saberes em detrimento de outros. Sendo os saberes experienciais objeto dessa investigação, entende-se que este ocupa um espaço de destaque na prática dos docentes devido ao caráter constitutivo deste saber. Nessa ótica os saberes experienciais nascem na prática cotidiana dos professores e por eles são legitimados, o que incorpora a este saber toda a personalidade e identidade de quem o produziu e torna-se de grande relevância para afirmação do eu profissional. Constatou-se nos relatos dos docentes investigados a relevância atribuída a experiência profissional, haja vista que ela proporciona reflexão e análise da própria prática, bem como, mobilização, seleção, filtragem de saberes e conhecimentos teóricos e práticos com a finalidade de enfrentar os diversos desafios e obstáculos presentes na atividade de ensino e aperfeiçoar a prática docente. A observação da prática docente revelou que os docentes possuem habilidade de improvisação diante de situações inesperadas, apresentaram postura flexível e dialógica no processo de mediação do conteúdo e uma experiência docente que permite articular conceitos e conhecimentos de outras áreas. REFERÊNCIAS MINAYO, Maria Cecília de Souza. Fase de trabalho de campo. In: Desafio do Conhecimento. Pesquisa Qualitativa em Saúde. 7. Ed. São Paulo: HUCITEC; Rio de Janeiro: Abrasco, 2000. [p.106-133]. 9857
6 TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude; LAHAYE, Louise. Os professores face ao saber: Esboço de uma problemática do saber docente. Teoria & Educação nº 4, Porto Alegre: Pannônica, 1991. TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002. 9858