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O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: o Supremo Tribunal Federal violou o Princípio da Presunção da Inocência ante a decisão no HC126292(2016)? THE PRINCIPLE OF INNOCENCE OF THE ASSUMPTION IN FEDERAL CONSTITUTION OF 1988: the federal supreme court violated the principle of presumption of innocence faced with the decision hc126292(2016)? Fábio Campos de Oliveira 1 RESUMO: A importância desse tema em análise é quanto à irregularidade na aplicabilidade do princípio da presunção da inocência mediante nova decisão do STF, que viola uma norma fundamental, tendo em vista a validade da preservação da base principiológica, o perigo de confundir o sentido e o alcance de uma norma, relativizando-a acaba por restringi-la. Demonstrar que o STF como intérprete máximo da CF, é o responsável por estabelecer a força normativa no texto constitucional preservando direitos já consagrados pelo constituinte originário, entre eles a presunção da inocência (artigo 5º, inciso LVII, da CF). E que a nova interpretação do STF violou o supracitado princípio, sem a observância de se garantir ao réu o direito de recorrer em liberdade até o transito em julgado. Explicar que a relevância do tema está voltada também para regular as relações humanas e a sua importância no ordenamento jurídico. Compreender o significado do princípio da irretroatividade bem como a sua aplicação na CF. Analisar o papel do STF de suma importância no controle punitivo, findando o ideal de justiça que se traduz em decisões corretas e justas. PALAVRAS-CHAVE: Aplicabilidade. Papel do STF. Presunção da Inocência. ABSTRACT: The importance of this subject in analysis is how much the irregularity in the applicability of the beginning of the swaggerer of innocence by means of new decision of the Supreme Federal Court, that violates a norm basic, in view of the validity of the preservation of the principled bases, the danger to confuse the direction and the reach of a norm, being relativized finishes it for restringiz it. To demonstrate that the Supreme Federal Court as maximum interpreter of the Federal Constitution, is the responsible one for establishing the normative force in the constitutional text preserving right already consecrated by the originary constituent, between them the swaggerer of the innocence (Article 5º, interpolated proposition LVI, of the Federal Constitution). It is that the new interpretation of the Supreme Federal Court violated the above-mentioned principle, without the observance of if guaranteeing to the male defendant the right to appeal in freedom until the transit in judgeship. Explicit that the relevance of the subject is also come back to regulate the relations human beings and its importance in the legal system. To understand the meaning of the beginning of the retroactivity as well as its application in the Federal Constitution. To analyze the paper of the Supreme Federal Court of utmost importance in the punitive control, ending the justice ideal that if translates correct decisions and jousts. KEYWORDS: Applicability. Paper of the supreme federal court. Presumption of Innocence. Sumário: 1 Introdução. 1.1 Teoria De Robert Alexy. 2 Principio da Presunção da Inocência. 3 Principio da Proibição de Retrocesso Social. 4 Analise da Interpretação Dada ao Principio da Presunção da Inocência.5 Conclusão. Referências. 1 Graduando curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 45

1 INTRODUÇÃO Na aplicabilidade do princípio da presunção da inocência (Artigo 5º, inciso LVII, Constituição Federal), pelo Supremo Tribunal Federal (STF) prevalecia que, no entendimento do Egrégio Tribunal era de que o réu poderia recorrer em liberdade enquanto não tivesse o trânsito em julgado, coadunando com o princípio do devido processo legal, as garantias e direitos fundamentais previstas no texto constitucional. Em 17/02/2016, o STF adotou posicionamento contrário, após o julgado do Habeas Corpus (HC) 126292 (breve relato): a situação refere-se a um ajudante-geral condenado à pena de reclusão pelo crime de roubo, em primeiro grau; a defesa recorreu ao TJ-SP, que negou provimento ao recurso e determinou a expedição de mandado de prisão. Recorrendo ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), a decisão de 1ª instância foi mantida. O HC em tela foi impetrado contra decisão do STJ que indeferiu o pedido de liminar em HC, lá apresentado. Alegando a defesa, que a expedição de mandado de prisão, sem o trânsito em julgado, da decisão condenatória, afrontaria a jurisprudência do STF (mantida desde 2009) e ao princípio da presunção da inocência (STF, 2016). Após julgamento, o Plenário do STF decidiu, por maioria de votos (7x4), negar o HC 126292(2016), entendendo da possibilidade de início da execução da pena condenatória, na confirmação da sentença, em segundo grau, e que tal posição não ofenderia o princípio constitucional da presunção da inocência. Para o relator do caso, Ministro Teori Zavascki, (2016), a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerraria a análise de fatos e provas que assentariam a culpa do condenado, que consequentemente, autorizaria o início da execução da pena. Mudando assim, o entendimento da Corte que, desde 2009 (julgamento da HC 84078/2009) condicionava a execução da pena ao trânsito em julgado da condenação, ressalvando a possibilidade de prisão preventiva. Votaram a favor da prisão, os ministros: Teori Zavascki (relator), Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Carmen Lúcia e Gilmar Mendes. Votaram contra a prisão, os ministros: Rosa Weber, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. Pelo exposto acima é notório que nenhum princípio é absoluto, podendo ser, inclusive, objeto de ponderação, desde que se preserve o preceito fundamental, já conquistado, que correlaciona na devida importância de se instituir um Estado Democrático de Direito, calcado no exercício dos direitos sociais e individuais, na liberdade, na segurança, no bem-estar, no desenvolvimento, na igualdade e na justiça como valores supremos de uma sociedade. Tal assertiva é o núcleo do princípio da Proibição da Evolução Reacionária também conhecido como princípio da proibição do retrocesso, que veda ao Estado desconstituir direitos e garantias fundamentais, já alcançadas pela sociedade, e cuja solução do conflito de interesses, no campo penal, vai ser alcançada por intermédio da jurisdição, deferida ao Estado-Juiz. Com o cometimento da infração penal sempre há uma lesão ao Estado, e este, como Estado-Administração, toma a iniciativa de garantir a observância da lei, recorrendo ao Estado-Juiz para, por meio do devido processo legal, ver concretizado o seu direito de punir. Sendo assim, houve flagrante violação ao princípio da presunção da inocência por parte do Supremo Tribunal Federal, ante a nova interpretação dada na decisão do HC126292 (2016), que no exercício legítimo de garantidor da Constituição Federal, acabou por restringir um princípio ao invés de interpretá-lo. Entendimento este em sentido contrário ao texto constitucional mencionado no artigo 5 inciso LVII, considerado como Cláusula Pétrea (artigo 60 & 4 IV) que são dispositivos que não podem abolir as normas constitucionais por elas definidas. 1.1 Teoria de Robert Alexy Em um Estado Democrático de Direito, a Constituição passa a ser vista como um sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores supremos, no qual os ideais de justiça e de proteção aos direitos fundamentais são de suma importância. A Teoria de Robert Alexy, caracteriza os princípios como mandados de otimização. Aduz em suas palavras: [...] Princípios são mandados de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente de possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas (ALEXY, 2000, p. 90). Nessa linha de pensamento, Alexy (2008), atribui que a norma é o gênero do qual princípio e regra são espécies, e que os princípios só podem atribuir-se um sentido operativo, aplicando-os em um caso concreto, por isso são chamados de mandamentos de otimização. A existência de princípios normativos, consagrados na Carta Magna, fornece uma base única para o julgamento dos chamados casos difíceis, ao mesmo tempo em que fornece um mecanismo para a solução de casos não previstos, não positivados, sem que para isso se tenha que recorrer unicamente a decisões pessoais. Consequentemente, tais princípios são de difícil uso, pois possuem alta abstratividade, algo que resulta em sua maior vantagem e seu maior perigo. Pois pode vir a provocar o fenômeno do ativismo judicial, extrapolando os limites de atuação do judiciário. Outra questão importante, relativa ao intérprete, que não pode atuar como legislador positivo, porque não é aceitável a interpretação conforme a Constituição quando, pelo processo de hermenêutica, se obtiver uma regra nova e distinta daquela objetivada pelo legislador e com ela contraditória, em seu sentido literal ou objetivo. Deve-se, portanto, afastar qualquer interpretação em contradição com os objetivos pretendidos pelo legislador. Contudo, se utilizados com a devida cautela e fundamentados, tais princípios se tornam uma ferramenta eficiente para garantir a justiça no sentido de preservação do Estado de Direito. Sob a égide do direito constitucional, a partir de um enfoque hermenêutico e doutrinário, a interpretação e sua teoria passam por um processo contínuo de análises e discussões complexas para se buscar o sentido e o alcance da norma. Impondo ao intérprete uma responsabilidade ainda maior na análise constitucional contemporânea. A importância da estrita obediência a forma de interpretar significa que foi dada normatividade aos princípios, elevando a norma a uma categoria de gênero na qual as espécies a serem examinadas serão o objeto central da interpretação constitucional, sob princípios, atribuindo aos responsáveis o resultado final em suas decisões. No tema, em discussão, fundamentados na teoria de Robert Alexy, indicam a clareza com que o STF violou o principio da presunção da inocência, de natureza duradoura e vinculativa, explicitado na Constituição e, por consequência, também o principio da proibição de retrocesso social, implícito na Carta Magna, afastando assim da compreensão o sentido da supremacia da Norma Fundamental. 2 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA Conceitualmente, o Principio da Presunção da Inocência, tratase de uma garantia fundamental em que a inocência é inerente a qualquer indivíduo, só sendo alterada no fim da prestação jurisdicional sob a observância do devido processo legal, conforme aduzido. Segundo este primado, frente a indícios de suposta irregularida- 46

de, cabe à administração promover a imediata apuração contraditória, e, em sequência, movida pelo princípio da oficialidade, promover a busca da verdade material, sem perder de vista que tais atribuições vinculadas não possuem o condão de afastar a presunção de que, a priori, o acusado é inocente. Alexandre de Morais (2007) leciona que o princípio da presunção da inocência é uma garantia processual penal que salienta a necessidade de comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é de forma constitucional presumido inocente. Neste sentido, Lopes Junior (2006), destaca que: [...] (a) o princípio do estado de inocência é um princípio no qual em torno dele é constituído todo o processo penal, estabelecendo assim, garantias para o imputado frente à atuação punitiva do Estado. (b) é um postulado, partindo-se da ideia que o imputado durante o processo penal é considerado inocente, deduzindo-se ao máximo as medidas que restrinjam seus direitos durante o processo. (c) Conclui finalmente que a presunção de inocência é uma regra diretamente referida ao juízo do fato que a sentença penal faz. Sua incidência é no âmbito probatório, vinculado à exigência de que a prova completa da culpabilidade do fato é uma carga da acusação, e se esta não ficar suficientemente demonstrada, impõe-se a absolvição do imputado (LOPES JUNIOR, 2006, p.187 e 188). O Principio da Presunção da Inocência, elencada na Constituição Federal, tem aplicabilidade a todos os procedimentos, com pretensão punitiva e sua incidência no âmbito probatório, em que deve ser demonstrada através desta a culpabilidade do fato de modo que seja imputada punição ao acusado, pois em caso de inexistência, insuficiência, fragilidade ou incoerência acerca desta, aplicar-se-á a absolvição ao respectivo acusado, pois prevalecerá o estado de inocência. O Princípio da Presunção da Inocência com status de garantia constitucional, elencada no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal, dispõe que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, desse modo, de forma natural que a inversão do ônus da prova, ou seja, a inocência é presumida, cabendo ao Ministério Público ou à parte querelante provar a culpa. Caso não o faça, a ação penal deverá ser julgada improcedente. De maneira precisa anotam Bechara e Campos, melhor denominação seria princípio da não culpabilidade. Isso porque a Constituição Federal não presume a inocência, mas declara que ninguém será considerado culpado antes de sentença condenatória transitado em julgado. De modo que a inocência é inerente a qualquer indivíduo, só sendo alterada no fim da prestação jurisdicional, sob a observância do devido processo legal que, antes de mais nada, busca por uma maior justiça pontual, para aquele réu, proporcionando ao mesmo uma decisão que lhe é devida. Mesmo no início de um processo e sobre o primado do princípio do in dubio pro societat, proceder-se-á a devida apuração contraditória para a busca da justiça, tendo por escopo a obediência aos pressupostos e garantias fundamentais alicerçadas no devido processo legal promovendo a ampla defesa e contraditório. Destaca-se também que, embora o termo Princípio da Presunção da Inocência, é muito mais amplo que uma simples presunção, ele não se limita ao simples in dubio pro reo elencado no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal por expressa dicção do artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, mas uma verdadeira condição de inocência até a sentença definitiva. Nesta linha de pensamento, Nancy Bersani Errerias (2007) destaca que: [...] todos os homens são inocentes e somente através da sentença penal condenatória transitada em julgado é que se altera tal estado, assim somente a jurisdição pode modificar a situação de inocência (ERRERIAS, 2007, p.183). Neste mesmo sentido, Mario Chivarrio, (1982), assevera que: [...] Embora não se trate de perspectivas contrastantes, mas convergentes, é forçoso reconhecer que no primeiro caso se dá maior ênfase aos aspectos concernentes à disciplina probatória, enquanto que no segundo se privilegia a temática do tratamento do acusado, impedindo-se a adoção de quaisquer medidas que impliquem sua equiparação com culpado (CHIVARRIO, 1982, p.12). Presumir a inocência é essencial ao exercício da jurisdição, uma vez que limita o poder estatal, garantindo a efetividade do direito e sua proteção à dignidade da pessoa humana, assegurando ao indivíduo a plenitude do direito já declarado. Desconsiderar tal presunção é não valorar os direitos emanados pela Constituição que servem de precaução ou repreensão à arbitrariedade, à ilegalidade ou ao próprio abuso de poder que violam tais direitos. Significa verdadeiro retrocesso no tocante às normas constitucionais, que devem ter seu núcleo essencial preservado, inclusive contra a inobservância ou flagrante violação a um princípio elevado ao status de cláusula pétrea restringido pelo Poder Judiciário. Conforme preconiza Tourinho Filho (2012), a presunção da inocência ganhou força no mundo como um princípio fundamental aos direitos humanitários, em 1789, durante a Revolução Francesa, que culminou na expedição da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, prevendo em seu artigo 9 que Todo acusado é declarado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei. Em 1948, o princípio da presunção de inocência foi inserido no artigo 11 da Declaração Universal de Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, que aduz: toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas. A importância desse princípio norteia as constituições mais modernas do mundo, e a sua relevância pela Convenção Americana de Direitos Humanos, que, sintetizando seu art. 8º, 2, estabelece que o acusado de um delito tem o direito de ser presumido inocente durante todo o processo, garantido ao mesmo igualdade de condições entre no contraditório na ampla defesa. O Decreto 678, de 06 de novembro de 1992, editado pela Presidência da República promulgou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que entrou em vigor no território nacional. Antes de a Constituição de 1988 abordar a questão da presunção de inocência como um princípio de ordem constitucional fundamental, já era debatida nas mais altas cortes do país, porque a Constituição de 1967/69 não trazia expressamente o princípio da presunção da inocência. Neste contexto destaca-se um trecho de um voto proferido pelo Ministro Leitão de Abreu, no julgamento do recurso extraordinário, sintetiza bem a orientação que conduziu o Tribunal Superior Eleitoral à pronúncia de inconstitucionalidade da norma questionada, vejamos: [ ] Em nosso sistema constitucional, dispensável se faz colocar esse problema, especialmente naquilo que entende com o princípio da presunção de inocência, não tanto em nome do princípio cardial do direito internacional público pacta sunt servanda mas principalmente em face da regra posta na vigente Carta Política, regra 47

que acompanha a nossa evolução constitucional. Nessa norma fundamental se estatui que a especificação dos direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota. Ora, o postulado axiológico da presunção de inocência está em perfeita sintonia com os direitos e garantias do regime e dos princípios que ela adota. O valor social e jurídico, que se expressa na presunção de inocência do acusado, é inseparável do sistema axiológico, que inspira a nossa ordem constitucional, encontrando lugar necessário, por isso, entre os demais direitos e garantias individuais, especificados no art. 153 da Constituição Federal. Além de se tratar, desse modo, (...) de princípio eterno, universal, imanente, que não precisa estar inscrito em Constituição nenhuma, esse princípio imanente, universal e eterno constitui, em nossa ordem constitucional, direito positivo (RE 86.297, Rel. Min. Thompson Flores, RTJ, 79, n. 2, p. 671). Pelo exposto, a presunção de inocência, é um princípio norteador do nosso ordenamento jurídico, expressamente previsto, não somente na Constituição em seu artigo 5, inciso LVII, mas também conforme supra mencionado: na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, na Convenção Americana de Direitos Humanos, acrescentando o artigo 14, inciso 2, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que versa sobre direitos e garantias humanitárias, do qual o Brasil é parte signatária. Em tais situações, no confronto entre o poder punitivo estatal e a liberdade do réu, tem de se respeitar o contraditório e a ampla defesa em toda sua plenitude, e a inspiração que se extrai de tal afirmação, em regra, é de que a interpretação deve ser favorável ao acusado, pois o mesmo tem o direito de não ser considerado culpado senão após sentença transitada em julgado, passado todo o devido processo legal e colhidas todas as provas da acusação e da defesa. É um princípio criado para que se evitem punições injustas. Nas lições de Capez (2011, p. 44): [...] O princípio da presunção de inocência deve ser considerado em três momentos: na instrução processual, como presunção legal relativa de não culpabilidade, invertendo-se o ônus da prova; na avaliação da prova, impondo-se seja valorada em favor do acusado, quando houver dúvidas sobre a existência de responsabilidade pelo fato imputado; e, no curso do processo penal, como parâmetro de tratamento acusado, em especial no que concerne à análise quanto à necessidade ou não de sua segregação provisória. Em suma, para caracterizar a culpabilidade de um autor diante de um fato punível, tem que se levar em conta se o mesmo poderia e deveria ter agido de modo diferente (aceitável), tendo como fundamento uma sentença justa e proporcional ao crime cometido quando considerado culpado. Culpa esta demonstrada em um devido processo legal, onde não se pode violar um princípio constitucional garantidor, porque cabe ao Estado provar a culpabilidade e só depois exercitar o jus puniendi, lembrando que o ônus da prova cabe a quem acusa em consonância com o artigo 156 do Código de Processo Penal (Artigo com redação pela lei 11.690/2008 publicação DOU 10.06.2008) que aduz: A prova da alegação incumbirá a quem a fizer. Portanto, o princípio da presunção da inocência é a máxima da interpretação benigna em favor do acusado, também chamada de princípio do favor rei, quando o aplicador do direito punitivo se depara com situação de controvérsia inafastável, comportando conflitantes e antagônicas interpretações de norma. E que o jus puniendi, é o direito que tem o Estado de aplicar o cominado no preceito secundário da norma penal incriminadora contra aquele que, praticando a ação ou a omissão descrita em seu preceito primário, venha a causar dano ou lesão a outrem. 3 PRINCIPIO DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL Ingo Wolfgang Sarlet (2007), em poucas palavras, aduz que o princípio da proibição do retrocesso social, como o fundamento de normas constitucionais que protegem o cidadão contra atos retroativos do Estado, pois o princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. A proibição de retrocesso social possui natureza principiológica, pela exibição de um elemento finalístico, traduzido na garantia do nível de concretização dos direitos fundamentais sociais e a permanente imposição constitucional de desenvolvimento dessa concretização. A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado, no processo de efetivação desses direitos e garantias fundamentais, tanto no âmbito individual ou coletivo, resulta em verdadeiro obstáculo de modo que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. O Princípio do não retrocesso, assim como toda ciência e ramo do direito, tem sua estruturação e fundamentação calcada em postulados fundamentais, os quais dinamicamente se intercomunicam para se reforçarem ou delimitarem mutuamente. Caracterizado de mandamentos nucleares de um sistema, seu verdadeiro alicerce, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello (2008). O princípio do não retrocesso também conhecido como princípio da irretroatividade, implícito na Constituição Federal de 1988, é fruto do sistema jurídico constitucional pátrio, e que tem por escopo a vedação da supressão ou da redução de direitos fundamentais já conquistados. Nesse pensamento, José Afonso da Silva (2009), interpreta resumidamente que as normas constitucionais definidoras de direitos sociais seriam normas de eficácia limitada e que, inobstante tenham caráter vinculativo e imperativo, exigem a intervenção legislativa para sua concretização, vinculando todos os Poderes e demandando a vedação de retroceder na concretização desses direitos. Desta forma, como os princípios direcionam e informam a elaboração das normas reguladoras, em determinadas situações, pode se revelar muito mais afrontoso ao Direito não observar um princípio do que descumprir uma norma positivada. Como tal, um processo conduzido com inobservância de princípios reitores pode vir a ser objeto de crítica por nulidade, neste sentido Celso Antônio Bandeira de Mello (2008), afirma que: [ ] Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa ingerência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra (BANDEIRA DE MELO, 2008, p. 943). Neste mesmo sentido, aponta José Armando da Costa (2005): [ ] Não obstante, destaque-se que os princípios 48

jurídicos são bem mais importantes do que as normas escritas, razão por que é bastante correto dizer que se afronta muito mais o direito quando se desacata um dos seus princípios do que quando se desatende a uma de suas normas textuais, posto que uma regra expressa contenha apenas uma diretiva, enquanto que um princípio encerra um conteúdo informador e formador de várias normas (COSTA, 2005, p. 47). Pelo exposto, o direito enquanto objeto de interpretação é indivisível, e se difere da garantia, pois o direito declara, certifica a existência de uma prerrogativa e a garantia assegura a efetividade do direito, que deve ser visto e internalizado em sua completude por ser também um elemento de racionalidade. Nesse sentido, José Alfredo de Oliveira Baracho (1996), resume que nas interpretações com aplicabilidade do princípio, requer também uma decisão que seja socialmente aceitável. Ao mesmo tempo, deve o princípio ser juridicamente coerente com o conjunto de outros princípios jurisprudenciais e outras regras jurídicas, para não ocorrer à contradição e a inoperância. Assim é imprescindível para o processo de interpretação constitucional que o intérprete, especialmente, o aplicador do Direito, conheça todo o sistema, o seu processo de evolução e com a realidade em que vive. É preciso fazer uma correta e adequada interpretação do texto legal, que poderá obter mudanças adequadas à convivência entre a norma e a sociedade. Esse processo de mutação constitucional, que nasce da interpretação sistêmica da constituição, inserida em determinada realidade social, política e econômica, indica um respeito aos direitos e garantias fundamentais que foram conquistadas ao longo do tempo. A interpretação de um princípio constitucional é possível desde que não viole o núcleo de sua existência. Suprimir um direito é não reconhecer a coerência e a ponderação que deve existir entre a hermenêutica e o Estado Democrático. 4 ANÁLISE DA INTERPRETAÇÃO DADA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA A interpretação pelo STF no HC 126292/2016 dada não foi relativizada no conteúdo positivo de uma reinterpretação, e sim restringida no conteúdo negativo de retrocesso a um direito já adquirido. O direito enquanto objeto de interpretação é único, não há como dividi-lo posto que se trata de um sistema. A interpretação é ato inafastável, até mesmo quando se cala se interpreta. A interpretação pluralista e o respeito aos princípios fundamentais, mais que um método dialético de interpretar, são elementos imprescindíveis para a legitimação do processo constitucional. Assinala Baracho (1996), que a doutrina do Constitucionalismo integra-se com o Processo que materializa as normas capazes de impedir a concentração do poder e limitar suas manifestações decisórias por meio de organismo competente. E da sua fundamental importância de se preservar um dos fatores mais importantes na construção do Estado Constitucional democrático que seriam os instrumentos protetores dos direitos humanos, promovidos por meio de um sistema de princípios e regras processuais. Ou seja, a sociedade precisa ficar alerta e cobrar a correta aplicação em grau máximo da Constituição Federal, de todos os Poderes, para se evitar que outros direitos, já consagrados na Carta Magna, possam vir a serem restringidos em nome da evolução, que na verdade provoca um distanciamento dos princípios da dignidade da pessoa humana, da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais, da segurança jurídica, do devido processo legal, culminando em um processo retrógrado. Não poderiam ser omitidas algumas repercussões contrárias e suas consequências advindas da decisão tomada pelo Egrégio Tribunal, entre elas: Na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a entidade resolveu se manifestar por meio de uma nota curta e objetiva onde destaca considerar que o princípio constitucional da presunção de inocência não permite a prisão enquanto houver direito a recurso. O documento ressaltou, também, que o Conselho Federal da OAB e o colégio de presidentes seccionais reafirmam sua histórica posição pela defesa das garantias individuais e contra a impunidade. Já o presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Andre Kehdi, acentuou que a decisão, a seu ver, é extremamente preocupante. Sua avaliação é de que a nova interpretação do STF, ainda por cima, ignora a questão carcerária no Brasil, onde os presídios já possuem 600 mil presos a mais. Complementa ainda, que todos os países, que são grandes encarceradores, estão reduzindo a população presa, mas o Brasil marcha na contramão da história, determinando que a pena seja cumprida antes de o Estado definir os limites da punição, atropelando o devido processo legal. Os ataques ao direito de defesa têm sido feitos constantemente e o Supremo também se curvou à onda do punitivismo exacerbado. Coadunando com os posicionamentos acima demonstrados, tem-se como consequências: superpopulação carcerária, insalubridade das celas, estabelecimentos penitenciários insuficientes, presos provisórios no mesmo convívio com presos já condenados, falta de políticas públicas efetivas nas atividades de educação e trabalho, visando a ressocialização de ex-detentos, baixa remuneração de agentes penitenciários. Não se pode desprezar também a situação de risco dos reclusos. No ano de 2014, o Ministério da Saúde fez um levantamento comprovando que pessoas privadas de liberdade têm, em média, chance 28 vezes maior do que a população em geral de contrair tuberculose. A taxa de prevalência do HIV/Aids entre a população prisional era de 1,3% em 2014, enquanto entre a população, em geral. era de 0,4% (fonte: política penal/infopen_2014). Outro ponto a considerar é quanto ao perfil da população carcerária formada, em sua maioria, por jovens, com baixa escolaridade. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em síntese, estima que a população carcerária brasileira seja de aproximadamente de 711.463 reclusos e que destes 147.937 estariam cumprindo prisão domiciliar (fonte: política penal/infopen_2014). O significado de trânsito em julgado da sentença condenatória só ocorrerá quando esgotadas as possibilidades de recurso em todas as respectivas instâncias do poder judiciário brasileiro, ou quando o réu, pelo decurso do prazo, perde o direito de recorrer de uma decisão condenatória, para evitar a inserção de um acusado neste ambiente recluso e insalubre, quando a norma constitucional lhe garante a presunção da inocência até o transito em julgado. Vale citar, em síntese, o caso dos Irmãos Naves, que em 1937, na cidade de Araguari/MG, dois irmãos foram presos e torturados por um crime que não cometeram, sendo vítimas de injustiça e por sucessíveis erros judiciários de maior repercussão no Brasil. Entre os Ministros que votaram contra a prisão e que abriram a divergência neste entendimento, destacou-se Marco Aurélio de Mello, que declarou ter considerado, com o julgamento, que o Supremo acabou de rasgar a Constituição. Em seu voto, Marco Aurélio afirmou que já não sabe se pode mais chamar a Constituição Federal de 1988 de Carta Cidadã, como o fez Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Constituinte. Neste sentido, o direito de recorrer é inerente ao princípio do duplo grau de jurisdição, que não está expressamente positivado 49

em nossa Constituição, mas, está intimamente ligado aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, além disso, está previsto em tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, entre eles: o artigo 8º, inciso II, do Pacto de São José da Costa Rica e artigo 14, inciso V, da Declaração Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Preservar o princípio da presunção da inocência é também não violar outros princípios constitucionais já adquiridos tais como: a ampla defesa, contraditório, devido processo legal e, sobretudo a dignidade da pessoa humana. O fato é que, o instituto dos recursos no ordenamento jurídico brasileiro viabiliza brechas jurídicas que permitem um processo criminal leve anos e anos para se transitar em julgado. Gerando muitas das vezes, a flexibilização da legislação penal, que acaba criando uma sensação de impunidade. A maioria das pessoas em geral não faz ideia do que vem a ser a segunda instância, que em poucas palavras seria o segundo nível de julgamento do processo na Justiça. Quando um réu comete um crime, ele é julgado por um juiz de 1ª instância. Se for condenado, a defesa recorre através de um recurso que é apresentado a um tribunal de 2ª instância que poderá manter a condenação ou decidir pela absolvição. Se a condenação for mantida, o réu ainda poderá recorrer ao Superior Tribunal de Justiça e depois ao Supremo Tribunal Federal, que seriam os 3º e 4º graus de recurso. Com o novo posicionamento do STF, que interpretou que a Constituição Federal autoriza que um réu comece a cumprir pena após ser condenado em 2ª instância, porque nesta fase os fatos e provas do processo já foram devidamente analisados, não sendo possível usar apenas o princípio da presunção de inocência para manter o réu em liberdade até o julgamento de todos os recursos. Em contraposição ao princípio da presunção da inocência, utilizado para orientar julgamentos em todo o país, que aduz que os acusados devem ser considerados inocentes até que sejam condenados definitivamente pela Justiça. O alerta quanto a esse novo entendimento do Egrégio Tribunal é preocupante em termos de se evitar a perda de conquistas constitucionais obtidas durante toda a história da humanidade e de nosso próprio texto constitucional. A inconstitucionalidade de tal posicionamento, se mantido, afeta também outros princípios e garantias fundamentais supracitadas, ou seja, essa decisão viola o princípio basilar da não retroatividade, que coloca em risco a prevalência de direitos fundamentais consagrados do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, caput, CF) e, portanto, de soberania popular. O Supremo Tribunal Federal, como intérprete máximo da Constituição, é responsável por estabelecer a força normativa do texto constitucional, não podendo alterar os direitos e garantias fundamentais classificadas como cláusulas pétreas, que tem seu núcleo essencial assegurado constitucionalmente pelo Poder Constituinte Originário de 1988 que julgou necessário um tratamento especial, devido à sua imprescindibilidade para a manutenção do Estado Democrático de Direito. Definindo que tais normas não podem ser objeto de proposta de alteração tendente a aboli-las do ordenamento jurídico. Restringindo-se o princípio da presunção da inocência através de um novo entendimento, sem a participação de outros setores da sociedade e inobservando o rito legislativo resulta em uma grave violação constitucional, porque não se ampliou o sentido de um princípio, o que seria aceitável. O que se fez foi proibir um direito no qual imbute o sentido de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado, permitindo o cerceamento da liberdade enquanto o próprio Texto constitucional aduz que a regra é a liberdade e por exceção, a prisão. Surge a necessidade de se estabelecerem parâmetros objetivos e critérios firmes de interpretação, à luz da certeza e segurança jurídica, evitando obter uma regra nova e distinta, fundamentada na Constituição Federal, respeitando a lei, a manifestação de vontade do povo por meio de seus legítimos representantes, preservando-se os princípios constitucionalmente assegurados, entre eles o devido processo legal e, em sua decorrência, a presunção da inocência. 5 CONCLUSÃO A decisão tomada pelo STF foi inconstitucional, com base nos princípios do Retrocesso Social, da Dignidade da Pessoa Humana (art.1º, III, CF) que não é apenas um limite à ingerência do poder público na esfera, de autonomia do cidadão, mas é também tarefa a ser cumprida pelo Estado como um princípio fundamental, norteador do devido processo legal, também inclui a violação a outros tratados internacionais e decretos sobre direitos humanos, em que o Brasil é signatário. Resulta ainda, em flagrante descompasso aos direitos e garantias fundamentais, por se tratar de uma Cláusula Pétrea (art. 60, 4º, IV, CF), que lhes atribui aplicabilidade imediata, e especial proteção contra reforma constitucional, não poderia essa decisão ter força de entendimento de restringir tal principio, pois a mudança se necessária, se faz no sentido de relativizar não o de restringir. O princípio da presunção da inocência é inerente ao acusado, trata-se de um postulado que só ao final de um conjunto probatório e com a devida observância do devido processo legal estará aduzido, estabelecendo assim, garantias imputada frente a atuação punitiva do Estado. E segundo J.J. Gomes Canotilho, recepcionando a doutrina de Robert Alexy, que, em resumo, aduz: que a fundamentalidade de um direito se relaciona com sua especial dignidade no ordenamento jurídico, a qual assume caráter formal e material manifestadas em valores supremos da sociedade com a efetividade do exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça (CANOTILHO,1999). Mas, da análise depreendida desse novo posicionamento do STF não se trata de uma reinterpretação ao princípio da presunção da inocência, e sim uma violação à Constituição Federal de 1988, que tem como uma de suas características ser principiológica; e como regra, a liberdade e por exceção, a prisão. O direito à liberdade é mais que uma conquista do Estado Democrático de Direito, claro que esse direito não é absoluto e pode sofrer limitações desde que respeitados certos limites, traçados pela Constituição. E que tais limites, nesse tema em discussão, foram extrapolados. A decisão do STF ante o HC 126292/2016 trará consequências supramencionadas em todo o sistema penal, seja no acréscimo de presos em penitenciárias já superlotadas, ao se permitir o enclausuramento de um acusado condenado em segunda instância. Também contribuem a falta de recursos humanos e logísticos no Sistema de Defesa Social, seja em caráter preventivo ou repressivo, e a inércia do Estado em cumprir todos os mandados de prisão, por falta de efetivo policial. E ainda tal decisão caracteriza em flagrante descompasso aos direitos e garantias fundamentais inclusas na Constituição Federal de 1988. E, ainda agravado, o risco irreparável de se condenar um inocente, colocando-o recluso, quando, em contrapartida, a Constituição lhe garante o direito de recorrer em liberdade até o trânsito em julgado. Como o Estado pode reparar o dano de encarcerar um réu que não é culpado, a história revela casos de erro judiciário, entre eles, supracitado, o dos Irmãos Naves. Ainda que se argumente a existência de recursos protelatórios que resultam em morosidade nos julgamentos ou no próprio apelo 50

legítimo da sociedade pela Justiça ensejando em uma sensação de impunidade deveriam ser adotadas ações efetivas a curto e a médio prazo do Estado, em seu sistema criminal. Além da alteração da legislação e outras medidas de política criminal, com a presença de todos os entes envolvidos, sem que para isso afaste uma garantia constitucionalmente assegurada. O papel do Supremo Tribunal Federal é de suma importância ao Estado Democrático de Direito, de grande relevância nacional, e como Guardião Constitucional está apto a reinterpretar a Constituição Federal desde que não a viole. Contudo, nessa recente reinterpretação ao princípio da presunção da inocência comprova-se pelos argumentos supracitados a sua inconstitucionalidade. Acrescidas da inobservância, ao artigo 60 & 4º da Constituição Federal de 1988, que tem status de Cláusula Pétrea, indicando a incompetência do STF nesse processo retrógrado. Não se entra no mérito dos motivos que levaram o STF a tomar tal decisão, e sim, quanto à sua instrumentalização que foi inadequada, injusta e desastrosa à Norma Fundamental, pela supressão de não se garantir ao acusado o direito de recorrer em liberdade até o trânsito em julgado. REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 6. ed. Malheiros: São Paulo, 2006. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O princípio da subsidiariedade: conceito e evolução. Rio de Janeiro: Forense, 1996. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. BARROSO, Luís Roberto. O direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. BATISTI, Leonir. Presunção de Inocência. Apreciação dogmática e nos instrumentos internacionais e constituições do Brasil e Portugal. Curitiba: Juruá, 2009. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Traduzido por Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 17. ed. São Paulo, 2014. MIRANDA, Eduardo Martins de. O princípio da presunção de inocência x decisão do STF no HC 126.292, publicado em 03/2016. Disponível em: https://jus.com.br. Acessado em 14, de abril 2016. MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2015. MOTTA, Moacyr Parra. Interpretação Constitucional sob Princípios. Belo Horizonte: Mandamentos 2003 NETTO, Frederico Blasi. Prescrição Penal. São Paulo: 3 Edição, revista e ampliada 2009. OLIVEIRA, Elma Aparecida (Coord). Manual para elaboração e apresentação dos trabalhos acadêmicos: padrão Newton Paiva: Centro Universitário Newton Paiva. Belo Horizonte, 2011. POPULAÇÃO CARCERÁRIA BRASILEIRA, disponível em: http:www. justica.gov.br/seus direitos/politicapenal/infopen_dez2014. Acessado em 14, de abril 2016. PRODANOV, Cleber Cristiano e Ernani César de Freitas. Metodologia do trabalho Científico. 2. ed. Rio Grande do Sul, 2013. RAMOS, Marcelene Carvalho da Silva. Princípio da Proibição de Retrocesso Jusfundamental. Curitiba: Juruá editora, 2009. SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre, 2007. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. São Paulo, 2009. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. Banca Examinadora: Cristian Kiefer da Silva (Orientador) Hebert Leite Soares (Examinador 1) Bruno Calandrini (Examinador 2) CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 3a. ed. Coimbra: Almedina, 1999. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. CHAVES, Glenda Rose Gonçalves; BARBOSA, Nicole Bianchi. Liberdade de Imprensa. Direitos de Personalidade e Presunção de Inocência. Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Belo Horizonte, edição 19, março 2013. Disponível em www. npa.newtonpaiva.br/direito/?p=787. Acessado em 12, de maio 2016. CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. Salvador: Juspodium, 2010. GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008. 51