Universidade de Brasília UnB PRINCÍPIOS PROCESSUAIS: CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NO PROCESSO PENAL (HABEAS CORPUS /MG)

Transcrição

1 Universidade de Brasília UnB Luísa Borges Pereira de Mello Leal 12/ PRINCÍPIOS PROCESSUAIS: CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NO PROCESSO PENAL (HABEAS CORPUS /MG) Brasília, 22 de abril de 2014

2 Luísa Borges Pereira de Mello Leal Trabalho sobre Princípios Processuais Trabalho realizado em cumprimento das exigências da disciplina de Teoria Geral do Processo II, ministrada pelo professor Vallisney de Souza Oliveira. Brasília, 22 de abril de 2014

3 1. Ementa do Acórdão EMENTA: HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. INTERROGATÓRIO REALIZADO NO MESMO DIA DA CITAÇÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO À DEFESA. PRECEDENTES. RÉU QUE FOI ASSISTIDO DURANTE TODA A INSTRUÇÃO CRIMINAL, APRESENTANDO DEFESA PRÉVIA, PEDIDO DE DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES E ALEGAÇÕES FINAIS. ORDEM DENEGADA. 1. À luz da norma inscrita no art. 563 do CPP e da Súmula 523/STF, a jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que, para o reconhecimento de nulidade dos atos processuais, relativa ou absoluta, exige-se a demonstração do efetivo prejuízo causado à parte (pas de nulitté sans grief). Precedentes. 2. A sentença condenatória revela que o paciente apresentou defesa prévia, solicitou diligências complementares e apresentou alegações finais. Esses fatos demonstram que foi assistido, não só no interrogatório, mas durante toda a ação penal, quando teve a oportunidade de utilizar-se de todos os meios de defesa previstos em nossa legislação processual penal, em atendimento aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. 3. Ordem denegada. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência da Ministra CÁRMEN LÚCIA, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, em denegar a ordem, nos termos do voto do Relator. Não participaram, justificadamente, deste julgamento, os Senhores Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes.

4 2. Comentário Tendo em vista o habeas corpus /MG, acima apresentado, nota-se que foi interposto por Valmir Rogério Miranda contra acórdão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, alegando nulidade dos atos processuais sob o argumento de a citação e o interrogatório terem ocorrido no mesmo dia. Segundo o paciente condenado em primeira instância a quatro anos de reclusão, em regime aberto, por crime de roubo tal fato afrontaria os princípios da ampla defesa e do contraditório, já que impedira a preparação em tempo hábil dos argumentos defensivos. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou provimento a este apelo, assim como o fez o STJ. Fundamentou-se que o simples fato de a citação e o interrogatório ocorrerem no mesmo dia não constitui nulidade processual. O Supremo Tribunal Federal, tendo em vista o enunciado no art. 563 do CPP e a Súmula 523/STF, confirmou o entendimento jurisprudencial segundo o qual é fundamental que se comprove efetivo prejuízo causado à parte para que se reconheça a nulidade dos atos processuais. Nesse sentido, argumentou que o réu apresentou defesa prévia, solicitou diligências complementares e apresentou alegações finais, tudo isso acompanhado de uma defensora pública. Assim, não há que se falar em desrespeito aos princípios processuais do contraditório e da ampla defesa. No mesmo sentido das decisões das outras instâncias se firmou o entendimento, por unanimidade, da Suprema Corte. Antes de mergulhar com mais detalhes no voto do Ministro Teori Zavascki, relator do acórdão em questão, é importante que se compreenda melhor os princípios processuais presentes no caso. Em primeiro lugar, o princípio do contraditório, como princípio básico do Processo Penal, é, segundo Eugênio Pacelli de Oliveira, requisito de validade do processo, na medida em que sua não observância é passível inclusive de nulidade absoluta do processo, quando em prejuízo do acusado. O contraditório garante a participação no processo como meio de permitir a contribuição as partes para a formação do convencimento do juiz 1, sendo assim o direito de oitiva (conhecimento e possibilidade de reação). Nesse sentido, a citação é o ato jurídico que garante o direito do réu de ser ouvido sobre as acusações que pesam sobre ele. 1 OLIVEIRA, 2009, p. 38

5 O princípio da ampla defesa também é fundamental no Processo Penal e, ao lado do princípio do contraditório, constitui proteção ao cidadão perante o aparato persecutório penal, prezando por um processo justo e equitativo, sobretudo quando se trata de imposição de sanção penal. Quando se fala em ampla defesa, relaciona-se tal princípio à etapa processual do interrogatório, em que o réu, mediante seu defensor, exerce seu direito de defesa. Esses princípios estão expressamente previstos no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Para que se complemente a discussão, é também importante a análise de outros pressupostos legais acerca do assunto. Indicados pelo STF em seu acórdão, temos o art. 563 do CPP e a Súmula 523/STF. O citado artigo estabelece que nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa, enquanto que o entendimento firmado no verbete preconiza que no processo penal, a falta da defesa consitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu. Finalmente, pode-se examinar com melhor fundamentação doutrinária a controvérsia contida no HC /MG, propondo-se uma análise crítica acerca do assunto. De um lado, o réu alega ter violados seus direitos ao contraditório e à ampla defesa pelo fato de a citação e o interrogatório haverem ocorrido em mesma data, o que levaria à nulidade processual. Por outro lado, há o entendimento do STF no sentido de que a nulidade processual somente ocorre no caso de haver prejuízo concreto à parte. Assim, no voto do referido acórdão cita-se passagem da decisão proferida pelo STJ, em que se argumenta que (...) No caso dos autos, o paciente foi acompanhado de defensora pública, teve o direito ao silêncio assegurado e lhe foi permitida entrevista reservada com a defesa. Desse forma, a meu ver, em nada prejudicou o exercício dos direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa O Excelentíssimo Ministro relator acrescenta que o réu apresentou defesa durante toda a ação penal, arrolou testemunhas que foram ouvidas em juízo e apresentou alegações finais. Teve, assim, oportunidade de se utilizar de todos os meios de defesa previstos em legislação processual penal, de modo a convergir com os princípios do contraditório e da ampla defesa. No processo penal, entende-se ser fundamental que a informação e a possibilidade de reação permitam um contraditório pleno e efetivo. Ou seja,

6 o contraditório deve ser observado durante todo o processo e devem ser assegurados os meios para que o réu tenha condições reais de contrariar as alegações de seu acusador. Ademais, para que se garanta a igual oportunidade no processo, há a nomeação de um defensor técnico ao réu. O que, de fato, ocorreu, eliminando-se assim a alegação de descumprimento a tal princípio. Ademais, a ampla defesa foi ao réu proporcionada no momento do interrogatório, em que Valmir fora acompanhado por defensor público. Há, ainda, outro ponto desfavorável ao réu, mencionado no acórdão: nas condições do caso concreto, tratar-se-ia de nulidade relativa, conforme dispositivo do Código de Processo Penal, também citado no voto Art As nulidades deverão ser arguidas: (...) II as da instrução criminal dos processos de competência do juiz singular e dos processos especiais, salvo dos Capítulos V e VI do Título II do Livro II, nos prazos a que se refere o art Ou seja, o vício alegado pelo réu deveria ter sido apresentado em momento certo, qual seja o momento processual seguinte à ocorrência da alegada nulidade (no caso, a ausência de observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa), o que não ocorreu. Tendo em vista, ainda, que o art. 396 do CPP torna imprescindível ao processo penal a citação do acusado para oferecer resposta no prazo de 10 dias, pode-se concluir que não houve desrespeito a tal norma, uma vez que a defesa do réu foi apresentada em conformidade com o prazo legal. Gilmar Mendes, em seu livro Curso de Direito Constitucional, afirma que o interrogatório logo após o próprio réu tomar conhecimento de todo o conjunto probante contra ele articulado permite que sua oitiva seja tomada como meio de defesa, não como ato de produção de prova 2. Assim, não se percebe incongruência entre estas informações e o ocorrido no caso em análise. Ora, além de todo o exposto, deve-se ressaltar que o réu não apresentou nenhuma prova concreta de prejuízo a ele causado em decorrência de ter sido citado e interrogado no mesmo dia. Não cabe decidir, dessa forma, pelo provimento do habeas corpus interposto perante o Supremo Tribunal Federal. Considera-se correta a decisão do STF no sentido de indeferir o pedido, pois a jurisprudência atual dos Tribunais Superiores entende que não se proclama nulidade, nem 2 MENDES; BRANCO, 2014, p. 456

7 mesmo a absoluta, sem que que seja comprovada a existência de prejuízo (princípio pas de nulitté sans grief).

8 BIBLIOGRAFIA BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 523. Disponível em: < br/portal/jurisprudencia/listarjurisprudencia.asp?s1=523.nume.%20nao%20s.flsv.&ba se=basesumulas >. Acesso em: 20 de abril de MENDES, Gilmar; BRANCO Paulo. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014: Cap. 4, V, p OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 12. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, pp RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, pp