2) Ilicitude ou Antijuridicidade Ilicitude, ou antijuridicidade, é a relação de antagonismo, de contrariedade entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico. Todo fato típico, em princípio, contraria o ordenamento jurídico sendo, também um fato ilícito (Teoria da ratio cognoscendi). Assim, cometido um fato típico, presume-se que ele é ilícito ou antijurídico, a menos que esteja presente, no caso concreto, uma das causas de excludentes de antijuridicidade (ilicitude) expressamente prevista em lei, ou aceita como causa supra legal: Exclusão de Ilicitude Art. 23 - Não há crime quando o Agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo. Obs.: Há excludentes em outras partes da legislação, por exemplo: Artigos 128 e 142 do CP. I Estado de necessidade Diz-nos o art. 24 do CP: Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços. Requisitos: *O perigo seja atual. É o perigo presente, a ameaça concreta ao bem jurídico. Aceita-se o perigo iminente, majoritariamente. *Ameaça a direito próprio ou alheio. O direito no sentido amplo. Logo, se não tiver o bem jurídico a proteção do ordenamento jurídico, não se fala em estado de necessidade. *Situação de perigo não tenha sido causada voluntariamente (seja a título de culpa ou de dolo) pelo agente. *Inexistência do dever legal de enfrentar o perigo ( 1º)
*Inevitabilidade de conduta. O comportamento (lesão ao bem jurídico alheio) deve ser absolutamente inevitável. *Razoabilidade do sacrifício. O sacrifício tem que ser razoável de acordo com o senso comum. Ex.: Não se admite que uma pessoa mate outra para proteger bem material de ínfimo valor. Obs.: Elemento Subjetivo Obs.: Art. 146 do CP Constrangimento Ilegal Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:... 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo: I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida; II - a coação exercida para impedir suicídio. II Legítima defesa Diz-nos o art. 25 do CP: Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Assim, diante de uma injusta agressão, o Estado deu ao particular o direito de se proteger, é um reconhecimento da incapacidade estatal em promover a segurança da população durante todo o tempo. Tal como ocorre com o estado de necessidade, a legítima defesa exige alguns requisitos como:. A agressão deve ser injusta. No sentido de agressão ilícita, contrária ao ordenamento jurídico, pois, caso contrário, não haveria justificativa para a legítima defesa. Não precisa ser criminosa, apenas injusta. Por exemplo, cabe legítima defesa contra agressão de inimputável, seja ele louco, menor, etc.. Agressão atual (que está ocorrendo) ou iminente (esta preste a acontecer). Não se admite contra agressão futura (suposta).. Meios necessários. Meios menos lesivos. Obviamente, vai depender do caso concreto.. Moderação. Não deve a reação ir além do necessário para proteger o bem jurídico agredido, caso contrário, haverá excesso.
Diferenças entre estado de necessidade e legítima defesa Estado de necessidade Legítima Defesa - Conflito entre bens jurídicos. - Repulsa contra uma agressão injusta. - O bem é exposto ao risco. - Bem sofre uma agressão atual ou iminente. - Perigo que não deu causa nem - Perigo proveniente de conduta de outra forma poderia evitar. humana (animal, só quando esse for um meio utilizado pela conduta - Pode atingir bem jurídico de terceiro inocente. humana). - A conduta pode ser dirigida apenas contra o agressor. III Estrito cumprimento do dever legal (art. 23, III do CP) Primeiramente, é preciso que haja um dever legal imposto ao agente, dirigido àqueles que fazem parte da Administração Pública, tais como policiais e oficiais de justiça, pois o dever legal compreende os deveres de intervenção do funcionário na esfera privada para assegurar o cumprimento da lei ou de ordens de superiores na administração pública, que podem determinar a realização justificada de tipos legais, como a coação, privação de liberdade, lesão corporal, etc. Em segundo lugar, é necessário que o cumprimento a esse dever se dê nos termos exatos impostos pela lei, não podendo em nada ultrapassá-los. IV Exercício regular de direito (art. 23, III do CP) Consiste na atuação do agente dentro dos limites conferidos pelo ordenamento legal. Devemos entender que a palavra direito está em sentido amplo. Ex: Nas lesões esportivas, como o boxe, desde que dentro das regras; Correção aplicada pelos pais aos seus filhos menores (desde que não configure maus-tratos ou tortura pelo seu excesso). Requisitos: indispensabilidade e proporcionalidade. Causas supralegais: 1) O consentimento do ofendido. O consentimento do ofendido terá duas conseqüências na teoria do delito, poderá afastar a tipicidade ou excluir a ilicitude do fato. Mas, no que se baseia tal consentimento? Será a hipótese em que a própria vítima consente ao agente cometer que em tese seria uma ação delituosa. Excluirá a tipicidade formal quando o constrangimento ou clandestinidade forem elementos explícitos ou implícitos do tipo, como nos casos de consentimento para a prática do ato sexual, subtração do bem, no furto etc. Excluir-se-á a ilicitude nas demais hipóteses. Contudo, tal consentimento para ser relevante (produzir efeitos jurídicos para que possam excluir a tipicidade), exige:
Que o bem seja disponível (patrimônio, por exemplo), logo, se atentar contra a vida, não se poderá falar em consentimento, pois se trata de bem indisponível, como no caso da eutanásia. Que o ofendido tenha capacidade para consentir. Maior de 18 anos e perfeito estado de higidez mental. Que o consentimento tenha sido dado anteriormente ou pelo menos numa relação de simultaneidade à conduta do agente. Ex: Uma pessoa maior permite que outra destrua seu carro. 2) Adequação social da conduta. Conduta socialmente aceita, ex:furar a orelha para a colocação de brincos, tatuagens etc. 3) Culpabilidade É o juízo de reprovação pessoal da conduta praticada, ou seja, sobre o fato típico e ilícito praticado pelo agente. A culpabilidade (dentro da Teoria Normativa Pura) possui os seguintes elementos: - Imputabilidade; - potencial consciência da ilicitude; - exigibilidade de conduta diversa. 3.1) Imputabilidade É o conjunto de condições pessoais que dá ao agente a capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de uma infração penal. A imputabilidade é a regra. A inimputabilidade é a exceção. Trataremos da exceção, ou seja, dos inimputáveis. Segundo o nosso Código são casos de inimputabilidade: - doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado; - menoridade; - embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior. a) Doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado; O legislador adotou o critério biopsicológico para tais casos. Trata-se da soma dos critérios biológico(delimitação da patologia mental) e psicológico(grau de discernimento no momento da ação ou omissão). Inimputáveis e Semimputáveis Art. 26 do CP: É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Redução de pena Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Pela leitura do artigo 26 caput e seu parágrafo único, devemos distinguir: O caput do art. 26, ou seja, em razão de sua condição mental, era no tempo da ação ou omissão, totalmente incapaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com tal entendimento. Já no seu parágrafo único, o agente será condenado, mas o juízo de censura deverá ser menor, razão pela qual a lei determina ao julgador que reduza a sua pena entre um a dois terços. Obs: Convém mencionar que tratamos aqui de sanidade psíquica, no momento do crime, Art 4 o do CP, ou seja, devem ser avaliadas as condições de sanidade mental no momento da ação ou omissão, culposa ou dolosa. b) Menoridade Menores de dezoito anos Art. 27- Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. A mesma delimitação consta do Art. 228 da CF/88. A inimputabilidade por imaturidade natural ocorre em virtude de uma presunção legal, onde, por questões de política criminal, entendeu o legislador que os menores de 18 anos não gozam de plena capacidade de entendimento que lhes permita compreender a pena ante a prática de um fato típico e ilícito. Adotou-se o critério biológico, ou seja, que presume de forma absoluta, ser o menor de 18 anos inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. A menoridade cessa no primeiro instante do dia em que o agente completa os 18 anos, ou seja, se o crime é praticado na data do 18º aniversário, o agente já é imputável e reponde pelo crime. Depende de prova, em caso de dúvida, conforme STJ, Súmula nº 74 - Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil. c)embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior (art. 28 do CP). Embriaguez Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal:
II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos. 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Entende-se embriaguez como uma intoxicação aguda e passageira provocada pelo álcool ou por substância de efeitos análogos (cocaína, maconha, etc), que apresenta uma fase inicial de euforia, passando pela depressão e sono, podendo levar até ao coma. Só isentará o agente de pena, quando o motivo for por: caso fortuito (evento atribuído a natureza, exemplo: o homem que escorrega e cai dentro do alambique) e força maior (evento provocado pelo homem, exemplo: homem que durante um roubo, amarra a vítima e a obriga a beber). Mesmo nesses dois casos, em que a embriaguez é involuntária, ela também tem que ser completa, ou seja, a total incapacidade do agente entender o caráter do ato ilícito, daí verificar-se que o critério adotado é o biopsicológico. A embriaguez involuntária, mas não de forma completa, irá levar a redução da pena. Já se for a embriaguez de forma voluntária (dolosa intenção de se embriagar ou culposa quando ingere doses excessivas de forma imprudente ), não haverá exclusão de culpabilidade, pois, nestes casso, o agente ao se embriagar, queria tal fato ou sabia da possibilidade de praticar o delito e era livre para decidir. Obs: A emoção e a paixão (ar. 28, I do CP) não excluem a imputabilidade, mas podem funcionar como atenuantes genéricas (art. 65, III, a), ou causas de diminuição de pena (art. 121, 1º). 3.2) Potencial consciência da ilicitude: É a maior ou menor consciência do agente em relação a proibição implicitamente contida no tipo penal. Estabelece o art. 21 do CP: Erro sobre a ilicitude do fato. Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.
O erro sobre a ilicitude do fato é sinônimo de erro de proibição, que sendo inevitável, vai retirar do agente a consciência da ilicitude do fato, e vai excluir a culpabilidade. Nesse tipo de erro (proibição), não há um desconhecimento da lei, e sim o desconhecimento que o fato praticado seja ilícito/antijurídico. Em outras palavras, o agente pode ou não conhecer a lei, o essencial para a sua responsabilização é que conheça a vedação àquela prática. Ex: Turista que vê um filme brasileiro em que estão fumando um cigarro de palha, chega no Brasil e acredita que no país o uso de maconha é liberado, ele acredita, por erro, que a sua conduta não importa na prática em infração penal. Ex: caipira que mata a esposa em legítima defesa da honra. O que ele desconhece não e a inexistência do instituto da excludente, mas se equivoca sobre o que a mesma ampara ou não. Conseqüências do erro de proibição: Se inevitável, invencível ou escusável (desculpável) vai isentar de pena. Se evitável, vencível ou inescusável (indesculpável) diminui a pena. 3. 3) Exigibilidade de conduta diversa. Existe um princípio de só devem ser punidas as condutas que poderiam ser evitadas. Assim, se no caso concreto, era inexigível conduta diversa por parte do agente, fica excluída a culpabilidade (isenta de pena). Pode ser excluída pos dois motivos: coação moral irresistível e a obediência hierárquica. Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem. Coação poderá ser: a) Moral Irresistível: Há a grave ameaça. É aquela que não poderia ser vencida, superada pelo agente no caso concreto. Não há culpabilidade. Ex: Quem é obrigado causar a morte de alguém, pois quem seria morto seria seu filho, porque está nas mãos de seqüestradores. Resistível: Neste caso, há crime e o agente é culpável, mas terá a atenuante genérica prevista no art. 65, III, c, do CP.
b) Física Dá-se com o emprego de violência física, quando uma pessoa obriga outra a praticar um crime. Ex: Forçar a mão da vítima para que ela aperte o gatilho de um revólver. Nesse caso, não existe fato típico, por ausência de seu primeiro requisito a ação humana voluntária, isto é, inexiste conduta. Obs: A que se reporta o art. 22 do CP é a coação moral irresistível. Obediência hierárquica É a decorrente das relações de direito público, ou seja, a obediência de um funcionário público a uma ordem proferida por outro funcionário que, na hierarquia administrativa, lhe é superior. a) Se a ordem for manifestamente ilegal (ilegalidade for facilmente perceptível), nesse caso ambos irão responder (superior e subordinado); b) Se a ordem não for manifestamente ilegal (ilegalidade não perceptível, de acordo com o senso médio), exclui-se a culpabilidade do subordinado, respondendo pelo crime, somente o superior hierárquico.