Análise do Estouro na Produção de Cosméticos Para Negros e Negras 1

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Transcrição:

Análise do Estouro na Produção de Cosméticos Para Negros e Negras 1 Renilson da Silva SANTOS 2 Marcos Paulo dos Santos ROSA 3 Carla Conceição da Silva PAIVA 4 Universidade do Estado da Bahia, Juazeiro, BA RESUMO Este artigo aborda como temática central a apropriação da indústria cultural do empoderamento do público negro, através da produção de cosméticos específicos para cabelos crespos. É uma pesquisa de caráter qualitativo que para fazer sua análise realizou entrevistas com vendedoras de cosméticos e alguns consumidores. A investigação concluiu que a inovação do mercado referente à produção de cosméticos para os negros se apresenta como desviantes, porque o que era para ser de caráter cultural se torna puramente comercial. PALAVRAS-CHAVE: Cosméticos, Negros, Empoderamento, Indústria Cultural INTRODUÇÃO Este trabalho é uma produção realizada na disciplina Teoria da Comunicação, no segundo período do curso de Jornalismo em Multimeios da Universidade do Estado da Bahia UNEB. A intenção não é fazer julgamento de valor, mas trazer algumas reflexões e discutir alguns conceitos acerca de um assunto polêmico na nossa sociedade: o aumento na produção de acessórios e, principalmente, cosméticos para o público negro, já que os mesmos passaram décadas vivendo sob uma política de embraquecimento, que impôs um padrão de beleza branco que será discutido em seguida. 1 Trabalho apresentado no IJ 8 Estudos Interdisciplinares da Comunicação do XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste, realizado de 29 de junho a 1 de julho de 2017. 2 Estudante de Graduação 3º. Semestre do Curso de Jornalismo em Multimeios da UNEB, email: renilsondasilva2011@hotmail.com 3 Estudante de Graduação 3º. semestre do Curso de Jornalismo em Multimeios da UNEB, email: mp13.paulo@hotmail.com 4 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Jornalismo em Multimeios da UNEB, email: ccspaiva@gmail.com 1

Mas, antes, é preciso destacar que a maior fomentadora dos padrões sociais é a indústria cultural, que tem como finalidade gerar o consumismo, apropriando-se de inovações e induzindo a população ao consumo de materiais que deveriam ser pregados como bens de cultura, porém, devido ao grande interesse daqueles que dominam o capitalismo, tudo acaba se tornando produto de consumo. Horkheimer e Adorno, no ensaio intitulado A Dialética do Esclarecimento ressaltam que Os interessados inclinam-se a dar uma explicação tecnológica da indústria cultural. O facto de que milhões de pessoas participam dessa indústria imporia métodos de reprodução que, por sua vez, tornam inevitável a disseminação de bens padronizados para a satisfação de necessidades iguais. O contraste técnico entre poucos centros de produção e uma recepção dispersa condicionaria a organização e o planejamento pela direção. Os padrões teriam resultado originariamente das necessidades dos consumidores: eis por que são aceitos sem resistência. De facto, o que o explica é o círculo da manipulação e da necessidade retroactiva, no qual a unidade do sistema se torna cada vez mais coesa. O que não se diz é que o terreno no qual a técnica conquista seu poder sobre a sociedade é o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação. (HORKHEIMER & ADORNO 1997, pg.1) Como citado acima, o que era para ser cultura torna-se exclusivamente um objeto para alienar a sociedade, como, por exemplo, o cinema e o rádio que deixam de ser arte, para colaborar com o sistema capitalista. Adorno e Horkheimer (1997) afirmam que essas duas atividades culturais e comunicacionais nada mais são do que negócios. O cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A verdade de que não passam de um negócio, eles a utilizam como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem. (ADORNO & HORKHEIMER, 1997, pg. 2). O pesquisador João Francisco Pereira Cabral (2016), da Universidade Estadual de Campinas UNICAMP, após estudar o ensaio A Dialética do Esclarecimento relata que esses dois autores diferenciam cultura de massa da indústria cultural, pontuando que a primeira nasce do povo e varia de acordo com o ciclo social de cada indivíduo, enquanto a indústria cultural vai está sempre relacionada com o grande incentivo ao consumismo. Fica evidente, assim, que o mercado é extremamente capitalista e não dá a mínima importância para o povo, pelo contrário, sempre visa lucro. Nesse sentido, o estouro de produção de cosméticos para negros não parece ser diferente, pois o que é realmente relevante para a indústria cultural é o faturamento proporcionado pela venda de seus produtos. Reafirma-se assim, o que Cabral (2016) 2

deixa bem claro - que até o que era para ser de caráter cultural se torna puramente comercial. ALGUMAS REFLEXÕES HISTÓRICAS E COMUNICACIONAIS No Brasil, sempre houve uma divisão econômica, política e cultural muito grande entre norte/sul 5. Historicamente, essa divisão deve-se, em sua grande maioria, a população brasileira ter sido formada no Sul por descendentes dos povos europeus, enquanto que o Norte e Nordeste do país têm formação, principalmente, de origem africana. Essa ocupação dos espaços de origens distintas foi responsável pela imposição de uma divisão populacional baseada no fenótipo 6, e, tendo em vista a atuação de outros fenômenos do campo político e cultural ficou notório que se estabeleceu entre a população brasileira também um padrão de beleza: ter cabelos lisos, olhos claros, lábios finos um tom de pele clara. Ela a brancura, permanece branca. Nada pode macular esta brancura que, a ferro e fogo, cravou-se na consciência negra como sinônimo de pureza artística; nobreza estética; majestade mora soberania cientifica etc. O belo, o bom, o justo e o verdadeiro são brancos... (SOUSA, 1983 pg. 5). A partir desse padrão de beleza, a indústria cultural que sempre visa o lucro se detém em criar e divulgar, principalmente, cosméticos e produtos direcionados a esse público-alvo, que se encaixava no padrão já citado. Consequentemente, restava para o púbico que não se encaixava nesse perfil, ou seja, o povo negro, não se sentir representado ou se descaracterizar, por exemplo, alisando o cabelo com produtos químicos e assim contribuir também para o faturamento do mercado. Analisando esse padrão de beleza, percebe-se que existe, no Brasil, um racismo implícito, estipulado por uma elite branca. O racismo assim esconde o seu verdadeiro rosto. Pela repressão ou persuasão leva o sujeito negro a desejar, e invejar e projetar um futuro identificatório antagônico em relação à realidade do seu corpo e de sua historia étnica e pessoal. Todo ideal identificatório do negro converte- 5 A região Sul teve os europeus como principais povos ocupantes do território; na Amazônia, predominam os descendentes indígenas; os afro-descendentes são maioria no Nordeste brasileiro. No entanto, existe grande diversidade mesmo entre essas regiões, pois além de ter ocorrido a miscigenação nesses locais, há um grande fluxo migratório entre essas partes do Brasil. (Francisco, 2016) 6 Diz-se dos indivíduos de um grupo que apresentam características exteriores iguais, mas que diferem no seu genótipo. (BUENO, 1989) 3

se, desta maneira, num ideal de retorno ao passado, onde ele podia te sido branco, ou na projeção de um futuro, onde seu corpo e identidade negros deverão desaparecer. (SOUSA, 1983 pg. 5). A sociedade brasileira, normalmente, impõe esse padrão de beleza através da educação, da cultura e da arte e os meios de comunicação transmitem essas características físicas, exaltando, por exemplo, na televisão, as personagens e figuras do povo branco 7 e excluindo a maior parte da sociedade, (considerando que a população negra é numerosamente superior aos brancos e índios no Brasil). Essa prática se apresenta como uma violência simbólica para a população negra que, para se sentir bonita, tende a acreditar que é preciso perder os seus traços naturais e abrir mão de elementos de sua cultura como turbantes, tranças e penteados rastas. Para Neusa Santos Sousa (1983), esse movimento realizado por muitos negros e negras é uma negação e anulação do seu próprio corpo, porque Ser negro é tronar-se negro, ou seja, é antes de tudo, se reconhecer como negro e buscar a quebra de estereótipos criados acerca da existência do povo afro-descendente. Ser negro é ser violentado de forma constante, continua e cruel, sem pausa ou repouso, por uma dupla injunção: a de encarar o corpo e os ideais de Ego do sujeito branco e a de recusar, negar e anular a presença de um corpo negro. (SOUSA, 1983 pg. 2). Acredita-se que a marginalização do povo negro se dá devido os mesmos terem sido submetidos a um processo de escravização, onde começaram a serem ignoradas as necessidades dos negros e destacadas as necessidades dos brancos. Entende-se também que após a abolição da escravatura, os negros não tinham ainda condições para contribuir com o capitalismo, então não se via a necessidade de produzir cosméticos e acessórios destinados a esse público. Com o fim da escravidão no Brasil, muitos negros foram expulsos das fazendas e ficaram sem ter onde morar nem como sobreviver. Uma boa parte da elite brasileira não queria que os negros assumissem os novos postos de trabalho que estavam surgindo no Brasil, à preocupação da elite era embranquecer o país com imigrantes vindos da Europa. Essa política de segregação racial fez com os negros vivessem as margens da sociedade. (NASCIMENTO & MEDEIROS, 2013: 310). 7 Considerando que no Brasil, 94% da população, segundo a pesquisa Democratização das Mídias (2013), a TV aberta com principal veículo de comunicação, ou seja, como base para a criação de seus referenciais políticos, culturais, estéticos e religiosos, é preocupante a manipulação dos estereótipos a favor de uma maioria em detrimento de uma minoria. (NUNES, 2014, P. 1) 4

MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS Após essas reflexões, para a realização deste artigo, foram realizadas pesquisas em três lojas de cosméticos no centro da cidade de Petrolina- Pe - Bela Cosméticos, Menina Bonita Cosméticos e Albérico Cosmético onde observou-se uma expansão na venda de produtos destinados para cabelos crespos e cacheados. Para Aparecida Silva, funcionária da loja Bela Cosméticos, o mercado realmente tem lucrado muito com o fato de negros e negras assumirem seu blacks, por exemplo. Cida, como é conhecida no estabelecimento, afirma que independente de marcas, todos os produtos para a formação de cachos têm saído de forma relevante. Ela acredita que a linha Salon Line por ser mais conhecida e bem divulgada é mais vendida. A dona do estabelecimento, Socorro Ribeiro, concorda com a funcionária em partes, pois acredita que Salon Line só tem nome e divulgação, mas existem outras linhas com melhor resultado. Nós temos muitos produtos aqui, temos inclusive melhores que Salon line, em minha opinião, Salon Line é muita divulgação e pouco resultado. Em outra loja, Moça Bonita Cosméticos, a promotora de vendas, Jaciane da Costa Santos, exaltou a linha para cachos e crespos Mack Curl, apesar de afirmar que Salon Line é mais vendida. Essa vendedora diz que a preocupação do mercado em faturar é tão grande que, por exemplo, a linha acima citada tem três volumes. Tem produtos para três tipos de cachos, cacho tipo 2 cachos soltos e raiz lisa, cacho tipo 3 intenso da raiz às pontas o tipo 4 que é o afro, que ultimamente tem saído bastante. Essa fala comprova o quanto o mercado tem lutado para atender um público grande e aumentar o seu lucro. Jaciane ainda menciona que essa é apenas uma linha a outra que sai bastante é a Salon Line. Veja bem, essa é apenas uma marca que é da Amávia Cosméticos temos também uma linha completa da Salon Line que é a #todecacho o mercado não perde tempo e nem público. Assim a indústria cultura, os meios de comunicação de massa e a cultuara de massa surgem como funções de um fenômeno de industrialização... Para essa sociedade o padrão maior de avaliação tende a ser a coisa, o bem, o produto; tudo é julgado como coisa inclusive o homem. (COELHO, 2003: 10 e 11) Juliana, vendedora da loja Albérico Cosméticos, afirma que, em cinco anos de funcionamento, só em 2016, o estabelecimento começou a comercializar cosméticos 5

para crespos e cacheados. Temos exatamente cinco anos de existência, no entanto só em 2016 que passamos a vender produtos, que auxiliem no processo de transição e na manutenção de cachos. Essa comerciante acredita que apenas depois de movimentos negros pregarem o empoderamento dos cachos e a naturalização dos cabelos e da estética negra, que está havendo a quebra de um padrão de beleza branco. Agora com os negros assumindo blacks, a procura aumentou e o mercado que não ganhava mais com produtos para alisados se vê obrigado a inovar e é onde há a quebra de um padrão de europeizado. Essas falas coadunam com a afirmação: Ser negro é tornar-se negro. (SOUSA, 1983), uma vez que reconhecem que foi a partir do momento em que o povo negro começa a se enxergar como negro, a se empoderar e não aderir mais ao embraquecimneto, ou seja, deixar os cabelos cacheados, impulsionar a formação dos Black, o uso de turbantes, que o mercado começa a perceber que perdeu um púbico e passa, então, a produzir cosméticos e acessórios voltados para o público negro. Nesse contexto, é fácil entender o que já foi relatado, que o verdadeiro foco da indústria cultural é incentivar o consumismo, consequentemente, gerar lucro e, para que esse público consuma é necessário que tenham produtos nas prateleiras, por exemplo, shampoo, condicionador, fibras, apliques, maquiagens, turbantes entre outros denominados unicamente para eles, passando, inclusive, uma idéia de exclusividade. Então, é perceptível que esses produtos passam a atender com especificidade a demanda de pessoas negras que desejam romper a política de embraquecimento. Para melhor exemplificar o quanto o mercado se atualizou em relação a cosméticos para negros e negras, foram ainda realizadas três entrevistas com estudantes do curso de Comunicação Social da Universidade do Estado da Bahia (UNEB): Danilo dos Santos Sousa, Carine Nunes Fernandes, Ester Santana dos Santos e acrescentado um pequeno relato de vida de um dos autores do artigo. Todos os entrevistados responderam algumas perguntas relacionadas à inovação do mercado em produtos para o público negro; se fizeram o uso de produtos para alisar os cabelos e em que momento se perceberam (ou não) enquanto negros e negras, e como decidiram passar por uma transição capilar, cortar os cabelos e deixá-los crescer sem a aplicação de produtos para alisamento. Danilo dos Santos Sousa, desde cedo alisava o cabelo, devido a grande farsa imposta pela sociedade, de que o cabelo bonito é aquele que é liso. O estudante afirma 6

que Na minha cabeça o meu cabelo não era bonito, pelo menos era o que a sociedade colocava em minha cabeça. Ela muitas vezes quase te obriga a alisar o cabelo mostrando que você não se encaixa nas coisas: espaços, eventos. É certo que a sociedade não implantou essa idéia apenas na mente do Danilo Sousa, mas devido o grande interesse de consumo, essa idéia foi implantada na mente de milhões de brasileiros negros que jamais se enxergaram com cabelo crespo e sempre contribuíram para o capitalismo, consumindo produtos que descaracterizavam o povo negro. Sousa, como é conhecido pelos colegas, ainda afirma que a indústria se renova no momento, em que percebe que existe outro público que não consome os produtos que anteriormente consumia, então o mercado ver a necessidade de se reinventar, No momento em que o mercado perceber que, por exemplo, a TV está usando uma grande quantidade de pessoas negras consequentemente o cabelo dessas pessoas, o estilo dessas pessoas tem que ser vendido, afirmou Souza. Carine Nunes Fernandes começou alisar o cabelo aos dez anos, porque sofreu muito com o preconceito das pessoas pelo fato de ter cabelo crespo e também por saber que a sociedade como já relatado criou um padrão de beleza em que a mesma não estava engajada, Eu não me lembro de me sentir bonita na minha infância, porque eu queria me igualar às mulheres da TV... eu queria me embranquecer, eu queria mudar a cor da minha pele, eu me sentia feia devido a outras pessoas ao meu redor terem cabelos lisos.... Para ela, após anos alisando o cabelo, a decisão, em 2012, de não mais alisar os cabelos e se assumir para si mesma e para a sociedade, enquanto mulher negra, embora a sociedade continue racista 8 foi significativa. A entrevistada não se enxerga mais negando suas raízes e então aceita o seu cabelo crespo Eu decidi passar por essa transição por que no momento em que eu me reconheci como mulher negra, por que eu negava essa raiz dentro e mim, então um dia eu me olhei no espelho e pensei eu não sou assim, eu sou negra, eu não sou parda e nem morena eu sou negra... Já Ester Santana dos Santos, que ainda matem o cabelo alisado, não há problema algum em manter os cabelos lisos. Ela afirma que ainda não chegou o momento de passar por uma transição. Eu uso meu cabelo alisado por que me sinto bem com ele assim. Em um momento oportuno posso tentar passar por uma transição. A estudante apesar de saber que ainda existe racismo e que pode sofrer racimo, não se importa, mas 8 O Brasil viveu e ainda vive um cotidiano preconceituoso, envolvido por uma imensa nuvem de idéias que negavam a existência de descriminação, seja qual fosse sua natureza. As pessoas eram respeitadas dentro de suas características desde que implicitamente soubesse seus lugares na sociedade. (OLIVEIRA, 2010, pg. 20) 7

diz não querer mudar agora. Eu não me importo com a opinião dos outros, uso meu cabelo assim, porque gosto de usá-lo dessa forma. Em contrapartida, Renilson da Silva Santos, negro, autor deste texto, afirma que sofreu com o preconceito racial durante muito tempo e que ainda presencia discursos que o deixam perturbado. Teve o cabelo alisado pela primeira vez em 2014 e sentiu a maior felicidade ao chegar à escola com o cabelo bom que era como seus colegas de classe diziam que o cabelo dele passou a ser após o produto químico aplicado. Nesse período, de 2014 a 2015, manteve o cabelo liso. Ao ingressar na universidade, fez uma construção diferente acerca do assunto e dessas modificações que a sociedade acaba impondo através da indústria cultural e resolveu dar Um novo passo, é com se fosse mais um tijolo que se põe para construir uma casa 9. Segue abaixo duas imagens do jovem descrito acima para que a experiência seja comprovada mediante as fotografias. A figura um, data do ano de 2014 e a figura dois, foi captada em 2016. Figura 1. Renilson, com o cabelo e os olhos claros editado em um aplicativo. Figura 2. Renilson usando turbante. À GUISA DE UMA CONCLUSÃO Face ao exposto, após, principalmente, a avaliação das entrevistas, é possível concluir que a indústria cultural muito contribuiu com o racismo e a divisão entre pretos e brancos no Brasil. Também percebe-se que houve uma ampliação no consumos de produtos para cabelos de negros e negras porque a indústria cultural descobriu um novo ramo, filão de mercado para sua exploração. 9 Para se construir uma casa coloca um tijolo encima do outro gradativamente e uso uma metáfora para explicar o processo de aprendizado e de modificações que passamos durante a vida. 8

É conveniente ressaltar que por muito tempo o povo negro se deixou ser marginalizado, mas no momento em que se percebe como negro ou negra e como ser humano que tem uma beleza diferente, passa a preservar suas características naturais da forma que acha melhor, então começa a quebrar essa idéia eurocêntrica de que o belo é ser branco. Também é bom pensar na atualidade, o quanto a indústria tem produzido cosméticos e outros produtos direcionados ao público negro. É sempre bom frisar que esse interesse que existe para a produção de produtos para negros (as) se dá logo após um processo de empoderamneto dessa população, ou seja, quando o povo negro decide tomar um lugar na sociedade que é seu por direito e também ser representado no mercado. 9

REFERÊNCIAS HORKHEIMER, M., e ADORNO, T. W. Dialética do Esclarecimento: Fragmentos filosóficos. Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. CABRAL, João Francisco Pereira. "Conceito de Indústria Cultural em Adorno e Horkheimer"; Brasil Escola. Disponível em <http://brasilescola.uol.com.br/cultura/industriacultural.htm>. Acesso em 03 de dez de 2016. SOUSA, Neusa S., Tornar-se Negro: As Vicissitudes da Identidade do Negro Brasileiro em Ascensão Social. Rio de Janeiro, 1983. FRANCISCO, Wagner de Cerqueira. A composição étnica da população brasileira. In: Revista Brasil Escola. Disponível em: <http://educador.brasilescola.uol.com.br/estrategiasensino/a-composicao-etnica-populacao-brasileira.htm> Acesso em 20 de out de 2016. BUENO, Silveira. Minidicionário da língua portuguesa. São Paulo, Ed. Brasiliense 1989. OLIVEIRA, Iracema J. Racismo Institucional: Causas e Efeitos na Educação da Rede Pública. Salvador, 2010. NUNES, Rita C. A Beleza Negra nos Meios de Comunicação Brasileiros: Representações do Corpo e Construções de Identidades Étnicos-Raciais. Recife 2014. COELHO, Teixeira. O que é indústria cultural. São Paulo. Ed. Brasiliense, 2003. NASCIMENTO, André J. MEDEIROS, Maria G. O FIM DA ESCRAVIDÃO E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS. São Paulo, 2013. 10