OS PODERES DO ESTADO: TRÊS PODERES E QUATRO FUNÇÕES? 1. Dieison Felipe Zanfra Marques 2, Aldemir Berwig 3.

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Transcrição:

OS PODERES DO ESTADO: TRÊS PODERES E QUATRO FUNÇÕES? 1 Dieison Felipe Zanfra Marques 2, Aldemir Berwig 3. 1 Pesquisa realizada para elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso do bacharelado em direito. 2 Aluno do Curso de Graduação em Direito pela UNIJUÍ; dieisonmarques@hotmail.com. 3 Orientador, Doutorando e Mestre em Educação nas Ciências (Unijuí); Especialista em Direito Tributário (Unisul); Graduado em Direito e Administração (Unijuí); Professor do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Unijuí. berwig@unijui.edu.br. Introdução A vontade estatal declara-se e se manifesta por meio do que se conhece como poderes ou funções do Estado. Tais poderes, na clássica tripartição de Montesquieu, adotada até hoje nos Estados de Direito, são o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos entres si e com funções reciprocamente indelegáveis. Porém, esses três poderes aparentemente exercem uma quarta função, que segundo Celso Antônio Bandeira de Mello trata-se da função política ou de governo, objeto do presente trabalho. A abordagem desta quarta função restringe-se, no presente estudo, às competências do Poder Executivo. Metodologia O presente trabalho foi desenvolvido através de pesquisa bibliográfica, buscando informações acerca do tema em diferentes autores, através da análise de doutrinas e leis com o intuito de conhecer sobre o assunto a partir das contribuições doutrinárias disponíveis e contribuir com o debate sobre a função política exercida pelo Poder Executivo. Resultado e discussão Meirelles (2016) revela que o conceito de Estado varia conforme o prisma sob o qual é considerado. Na ótica do doutrinador, o prisma sociológico pode ser entendido como a corporação territorial dotada de um poder de mando originário; sob o prisma político é comunidade de homens fixada sobre um território com potestade superior de ação, de mando e de coerção; sob o prisma constitucional, é pessoa jurídica territorial soberana; e na conceituação do Código Civil, é pessoa jurídica de Direito Público interno. Alexandrino e Paulo (2015, p. 13) revelam que "o Estado é pessoa jurídica territorial soberana, formada pelos elementos povo, território e governo soberano". Meirelles (2016, p. 64) explica que "povo é o componente humano do Estado; território, a sua base física; governo soberano, o elemento condutor do Estado, que detém e exerce o poder absoluto de autodeterminação e autoorganização emanado do povo."

O Estado é um ente personalizado, ou seja, dotado de personalidade jurídica, a qual lhe permite atuar no campo do Direito Público ou no do Direito Privado mantendo tal personalidade. "Esse é o Estado de Direito, ou seja, juridicamente organizado e obediente às suas próprias leis" (MEIRELLES, 2016, p. 64), pois o Estado se submete também ao direito posto assim como os demais sujeitos de direitos da sociedade. Visto o conceito de Estado, nota-se que a vontade estatal é identificada da mesma forma em todos os autores como aquela que provém antes do povo, manifesta-se por meio de poderes, quais sejam, os Poderes do Estado. Os poderes integram a organização política do Estado, representando uma divisão estrutural interna que visa à especialização no exercício de suas funções e a impedir a concentração de todo o poder estatal em um único órgão ou pessoa. No Brasil foi adotada a clássica teoria de tripartição de funções do Estado de Montesquieu, sendo as funções divididas entre poderes independentes e harmônicos entre si. Os poderes do Estado no Brasil são: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos entre si com suas funções reciprocamente indelegáveis (CF, art. 2º). Conforme Meirelles (2016) esses Poderes são imanentes e estruturais do Estado, ao contrário dos poderes administrativos que são incidentais e instrumentais da Administração, e a cada um deles cabe uma função. Ao Legislativo cabe precipuamente elaborar leis, ou seja, a função normativa; ao Executivo cabe converter a lei em ato individual e concreto, ou seja, a função administrativa; e ao Judiciário cabe a aplicação coativa da lei aos litigantes, ou seja, a função judicial. [...] embora o ideal fosse a privatividade de cada função para cada Poder, na realidade isso não ocorre, uma vez que todos os Poderes têm necessidade de praticar atos administrativos, ainda que restritos à sua organização e ao seu funcionamento, e, em caráter excepcional admitido pela Constituição, desempenham funções e praticam atos que, a rigor, seriam de outro Poder. (MEIRELLES, 2016, p. 65). Como exposto, cada um desses poderes tem sua atividade principal e outras secundárias. Então ao Legislativo cabe, tipicamente, a função de produzir leis, criar a norma jurídica e inovar originariamente a ordem jurídica, lembrando que esta deve ser a manifestação da vontade do povo através de seus representantes; ao Judiciário cabe a função de dizer o direito ao caso concreto, resolvendo conflitos com caráter definitivo através da coisa julgada sempre que provocado; e ao Executivo cabe à atividade administrativa do Estado, a implementação do que determina a norma jurídica para atender às necessidades do povo, ou seja, a função típica do Executivo é a administrativa, que nada mais é do que a defesa dos interesses públicos atuando sempre dentro da legalidade. Vale lembrar que essa definição não é estanque. Não quer dizer que cada um dos poderes seja titular único de cada uma das funções, conforme Meirelles (2016, p. 65, grifo do autor): [...] Montesquieu nunca empregou em sua obra política as expressões "separação de Poderes" ou "divisão de Poderes", referindo-se unicamente à necessidade do "equilíbrio entre os Poderes", do que resultou entre os ingleses e norte-americanos o sistema de checks and balances, que é o nosso

método de freios e contrapesos, em que um Poder limita o outro, como sugerira o próprio autor no original: "le pouvoir arrête le pouvoir". Seus apressados seguidores é que lhe deturparam o pensamento e passaram a falar em "divisão" e "separação de Poderes", como se estes fossem estanques e incomunicáveis em todas as suas manifestações, quando, na verdade, isto não ocorre, porque o Governo é a resultante da interação dos três Poderes de Estado - Legislativo, Executivo e Judiciário -, como a Administração o é de todos os órgãos desses Poderes. Por essa razão é que os Poderes estatais, embora tenham suas funções normais (típicas), desempenham também funções que materialmente deveriam pertencer a Poder diverso (atípicas), desde que a Constituição o autorize. Justen Filho (2016) destaca que a separação de poderes é orientada a impedir que todas as funções estatais sejam concentradas em uma única estrutura organizacional, o que por sua vez possui um sistema de freios e contrapesos que permite que o poder controle o próprio poder a partir de sua fragmentação, com uma pluralidade de sujeitos exercitando competências distintas e controle recíproco. Segue dizendo que a separação de poderes é também um mecanismo organizacional que se justifica pela afirmação dos direitos fundamentais, visto que as diferentes autoridades se vinculam e comprometem com a defesa da dignidade humana e a dissociação de competências deixa de ser somente uma técnica de limitação do poder político para ser um meio que visa à consecução de fins constitucionalmente tutelados. Isso quer dizer que todos os poderes podem desempenhar funções administrativas. Não só o Executivo desempenha as funções administrativas, mas também o Judiciário e o Legislativo. Assim, o Judiciário também dispõe de poderes de natureza legislativa caso em que pode ter iniciativas de leis relevantes para seus fins; o Legislativo também demonstra alguns poderes jurisdicionais no tocante a processos envolvendo os ocupantes de certas funções e; por fim o Executivo desempenha funções relacionadas com a legislação no processo legislativo com poder de veto e na titularidade da competência para editar atos de cunho normativo e nas medidas provisórias, por exemplo. O Poder Executivo não desempenha função jurisdicional em sentido próprio, mas na função administrativa desempenha a composição de litígios administrativos. Enfim, cada poder não é titular exclusivo do exercício de uma função, mas é investido em uma função principal, e acessoriamente no desempenho de outras. (JUSTEN FILHO, 2016). Neste sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello (2015) complementa o estudo das funções do Estado prevendo a existência de uma quarta função: a função politica ou de governo que abarca os atos jurídicos do Estado que não se enquadrem nas funções anteriores. Como se percebe nas palavras do autor: Assim, a iniciativa das leis pelo Chefe do Poder Executivo, a sanção, o veto, a dissolução dos parlamentos nos regimes parlamentaristas e convocações de eleições gerais, ou a destituição de altas autoridades por crime de responsabilidade (impeachment) no presidencialismo, a declaração de estado de sitio (e no Brasil também o estado de defesa), a decretação de calamidade pública, a declaração de guerra são atos jurídicos que manifestamente não se enquadram na função legislativa, como é visível, até por serem atos concretos. (MELLO, 2015, p. 36).

Para distinguir a função política do Estado da função administrativa, o autor indica que a função administrativa é caraterizada pela gestão rotineira dos assuntos da sociedade, agindo de forma concreta, prática, direta, imediata, não sendo o caso dos atos citados acima. Além de que na função administrativa estão em pauta comportamentos infralegais ou infraconstitucionais, expedidos na intimidade de uma relação hierárquica, suscetíveis de revisão quanto à legalidade. Ao contrário, a função politica só fica restrita ao controle pelo Poder Judiciário se causar danos individuais, não cabendo ao órgão controlador analisar a atuação propriamente dita. Para Moreira Neto (2014) a função administrativa engloba toda atividade estatal residual, definida por exclusão da normativa e da jurisdicional de modo que se estenda sobre um vasto campo de competências, suficientemente amplo para conferir ao Estado atribuições executivas destinadas a satisfazer o interesse público. Para Justen Filho (2016) as funções de governo indicam um conjunto de competências não relacionadas à satisfação de necessidades essenciais, àquelas atinentes à existência do Estado e a escolha de políticas primárias. Já a função administrativa é instrumento de realização direta e imediata dos direitos fundamentais. A função de governo revela o exercício da soberania e decisões politicas gerais, não quer dizer que não se volte à realização de direitos fundamentais também, mas esse não é um objetivo imediato. Para elucidar tal afirmação Justen Filho (2016) auxilia com dois acréscimos: no primeiro, diz que há dificuldade em estabelecer um limite preciso entre função administrativa e função politica, por isso não há como invocar a natureza política de certas competências para tentar escapar do regime jurídico da função administrativa; o segundo se refere à existência de controles e limites apropriados para a função politica que possibilita o controle e estabelecimento de limites a tal função. Merece importância o pensamento de Moreira Neto (2014) em relação à quarta função acima estudada. Para o autor, o próprio sentido da palavra Governo escaparia ao problema técnico de situá-la entre as funções do Estado vinculadas ao Direito, pois estariam acima de todas elas, levando a adotar um conceito muito amplo de Governo. Além do mais, reconhecer a existência autônoma de uma quarta função do Estado importaria em "retrocesso doutrinário, por sua incompatibilidade visceral com conceito dominante de juridicidade." (MOREIRA NETO, 2014, p. 82). Com efeito, no desempenho de qualquer função disposta pela ordem jurídica, a partir de seu inafastável fundamento constitucional, é normal que se realizem sucessivas integrações normativas: vale dizer que os agentes públicos (tais como o legislador, o administrador, o juiz e os exercentes de funções constitucionalmente autônomas), indistintamente, atuarão com maior ou menor amplitude de opções, conforme lhes prescreva expressa ou implicitamente a própria ordem jurídica, abrindo espaços discricionários para que logrem satisfazer plenamente e do melhor modo possível, no desempenho de suas respectivas funções, as finalidades nela indicadas. (MOREIRA NETO, 2014, p. 82)

Assim, a abertura pelo Direito de um maior ou menor espaço de discricionariedade política, dependendo do tipo de função e das condições em que deva ser exercida permite que certas escolhas integrativas sejam confiadas aos agentes de Poder ou de órgãos constitucionalmente independentes do Estado, o que geralmente é feito a partir da edição de normas amplas que contenham conceitos jurídicos indeterminados. Portanto, para o autor, é inafastável a juridicidade da ação do Estado, qualquer que seja a função desempenhada. (MOREIRA NETO, 2014). Conclusão A partir do exposto, basicamente o que se verifica é uma distinção possível na atuação do Chefe do Poder Executivo, o qual no exercício de suas competências constitucionais desempenhará duas funções distintas: a função política e a função administrativa. Os doutrinadores acima elencados fazem interpretações distintas do fenômeno, mas predomina o entendimento de que há distinção entre as funções exercidas, já que não há unanimidade quanto à submissão direta de ambos os atos diretamente à Constituição e à lei, mas que o ato administrativo visa à concretização da lei. Mas o fator essencial é que não se pode afastar a juridicidade de tais atuações, muito embora o ato administrativo sempre seja passível de correção de legalidade pelo Poder Judiciário, enquanto o ato político somente o será quando concretamente gerar dano individual. Palavras-chave: Governo, Administração Pública, Estado. Referências ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 23. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acesso em 1 mar. 2016. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 12. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. 16. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2014.