Nobuo Nakabayashi Quando se pensa na popularidade da Odontologia adesiva, o nome mais referenciado na literatura é do químico japonês que mudou o modo de tratar e selar a dentina e, por conseqüência, a forma de pensar do dentista. No caminho entre São Paulo e Piracicaba, e durante sua estada na Faculdade de Odontologia da UNICAMP, este simpático pesquisador falou para a Dental Press de seus conceitos e seu dever para com a humanidade. Qual o motivo de sua viagem ao Brasil? Vim ao Brasil para um Encontro Internacional de Química que foi realizado no Rio de Janeiro. Aproveitei também parte da viagem para ministrar palestras e sedimentar o conceito da Odontologia com remoção mínima de tecido dentário usando monômero orgânico para selar a dentina e ao mesmo tempo reter o material restaurador resinoso. Quem está custeando suas despesas com a viagem? Não tenho patrocínio de qualquer empresa ou órgão de pesquisa. Todas as despesas com passagens aéreas foram com fundos próprios. A Comissão Científica do Encontro Internacional de Química me concedeu a hospedagem. O mesmo acontece com os amigos que estão me recepcionando nas faculdades que estou visitando. Na verdade sinto que tenho dentro de mim um dever para com a humanidade, que é passar meus ensinamentos e meus conceitos sobre Odontologia adesiva. Este é meu dever como pesquisador de Biomateriais. Quais as cidades incluídas nesta sua visita? Depois do congresso de Química ocorrido no Rio de Janeiro, passei pela cidade de São Paulo, estou em Piracicaba e ainda vou a Bauru, Belo Horizonte e Brasília. Em todas estas cidades vou visitar as instituições 16 R Dental Press Estét, Maringá, v. 3, n. 3, p. 16-20, jul./ago./set. 2006
Nobuo Nakabayashi R R Dental Press Estét, Maringá, v. v. 3, 3, n. n. 2, 3, p. p. 10-15 16-20,, abr./maio/jun. jul./ago./set. 2006 17
de ensino e ministrar conferências sobre o conceito de senvolvemos. Porém esta molécula precisava remover selamento da dentina com monômero orgânico. a smear-layer e desmineralizar a camada superficial e intacta da dentina. Em 1982 publicamos a utilização de De que forma, um químico como o senhor, se envolveu uma solução de cloreto férrico a 3% e 10% de ácido em pesquisas na área odontológica? cítrico (solução 10-3), previamente à utilização da solução 4-META, dissolvido em MMA Logo após a minha graduação, fui convidado pelo Instituto de Biomateriais e Bioengenharia da Tokyo Medical and Dental University, para trabalhar em um projeto que envolvia o desenvolvimento de um adesivo que reagisse quimicamente com os tecidos dentários. Nesta época o Dr. Masuhara, meu superior, pensava em um adesivo com estas características. Desenvolver o monômero é apenas uma parte de um bom adesivo. Ou ainda, o adesivo é apenas a metade do processo. (metil metacrilato) e ativado com um iniciador químico (TBB). Esta é a formulação básica do SuperBond C&B (Sun Medical, Japão). Clinicamente, o que pensa sobre o desenvolvimento destes materiais a partir das suas pesquisas iniciais e como isso se reflete na atualidade? O conceito clínico continua Em que momento pensou ser possível desenvolver um sendo o mesmo desde o início. O dentista deve entender que é preciso criar um esmalte artificial sobre a monômero orgânico que pudesse unir-se aos tecidos dentários, mais precisamente à dentina? dentina e este deve ser impermeável. O esmalte artificial seria a interação do adesivo com o substrato Fui educado na faculdade a copiar materiais, isto dentinário, criando uma superfície polimérica impermeável, que deve funcionar como o esmalte natural, basicamente é o que um químico faz. Porém naquele momento a situação era diferente. Eu havia sido contratado para desenvolver um material novo que reagis- protegendo a dentina e a polpa. se quimicamente com o tecido dentário. No começo Em qual material disponível no mercado odontológico brasileiro pode-se encontrar o monômero desen- preparei vários compostos e eles simplesmente não funcionaram. Eu sofri muito com isso, me sentia desapontado. Então decidi fazer algo diferente. Baseado volvido nas suas pesquisas? na idéia da estrutura da membrana celular, onde coexistem radicais hidrófilos e hidrófobos na mesma mo- o adesivo à base do monômero MDP também estava Além do material SuperBond C&B da Sun Medical, lécula, desenvolvemos um monômero com os mesmos entre aqueles que foram desenvolvidos pelo nosso princípios. Este monômero funcionou bem em esmalte grupo de pesquisa no Instituto de Biomateriais e Bioengenharia da Universidade de Tóquio. Um exemplo é e na dentina. O nosso grupo também criou vários monômeros no final da década de setenta e que hoje são o Clearfil SE Bond da Kuraray. componentes de vários adesivos disponíveis no mercado. Hoje existe uma infinidade de materiais adesivos que, segundo os fabricantes, têm os mesmos princípios básicos e agem da mesma forma. O que pensa Como foi o desenvolvimento dos 4-META/MMA-TBB (4- methacryloyloxyethil trimellitate anhydride/ methyl desta abordagem? methacrylate -tri-n- butyl borane)? Qualquer fabricante pode desenvolver um bom O 4-META estava entre estes monômeros que de- adesivo baseado no nosso conceito inicial. No entan- 18 R Dental Press Estét, Maringá, v. 3, n. 3, p. 16-20, jul./ago./set. 2006
Nobuo Nakabayashi to, desenvolver o monômero é apenas uma parte de um bom adesivo. Ou ainda, o adesivo é apenas a metade do processo. A outra metade é entender o substrato e isso é muito mais difícil. zinco que é usado até hoje e muitos consideram um bom material. O cimento de fosfato de zinco utiliza uma solução de ácido fosfórico a 33% para dissolver o óxido de zinco que compõe o cimento. Quando analisamos em laboratório a ação do cimento de fosfato A maioria dos sistemas adesivos tem mostrado bons resultados em laboratório e outros poucos também na clínica. O senhor pensa que estes materiais poderiam evoluir? de zinco, percebemos uma área de superfície dentinária desmineralizada exatamente na região de contato com o cimento. Isso tornava essa área mais susceptível à hidrólise e favorecia a perda da restauração. Quando iniciamos a utilização do ácido fosfórico associado No meu ponto de vista não basta somente os resultados. É necessário chegar mais perto da verdadeira adesão química e não ficar apenas na retenção mecânica. a monômeros hidrófilos, percebemos que era importante o tempo de condicionamento. Iniciamos com o tempo de 30 segundos e hoje recomendamos ficar entre Mas isso é muito complexo. Por 10 e 15 segundos. exemplo, a hidroxiapatita protege Os dentistas e estudantes o colágeno contra o ácido produzido pelas bactérias. Quando re- radicular? O que pensa da adesão na dentina devem pensar primeiro alizamos o condicionamento da como proteger a estrutura dentina com ácido fosfórico, dissolvemos totalmente a hidroxia- dentária, evitando a ocorrer da mesma forma que a Acredito que a adesão pode patita, deixando desprotegidas as dentina coronária. No entanto, é exposição da dentina na fibrilas colágenas. A aplicação do preciso pesquisar mais para entendermos adesivo convencional não produz adesão química que proteja verdadeiramente o colágeno. Dessa forma, as fibrilas colágenas ficam cavidade bucal. algumas diferenças no substrato. O senhor sabe que mudou a Odontologia susceptíveis à hidrólise pelos ácidos presentes na cavidade bucal. Outro ponto importante está relacionado com seus conceitos, então qual seria o seu conselho para os dentistas? ao fato de que a smear layer deve ser removida ou modificada para que a união seja eficiente. Por outro lado, o primer ácido do adesivo autocondicionante não remove totalmente a parte mineralizada da dentina. Assim, a hidroxiapatita remanescente permanece entre as fibrilas colágenas e é envolvida pelo adesivo, auxiliando na estabilização da união. A possível união química entre o adesivo, contendo o MDP, e a hidroxiapatita precisa ainda ser melhor esclarecida. Por favor, não removam tanto esmalte, ele é muito importante para toda a estrutura dentária. Se o esmalte for removido, toda a dentina fica desprotegida e, consequentemente, a polpa. Os professores nas universidades passam muito tempo ensinando técnicas para desgastar a estrutura dentária, eu penso primeiro em mudar a educação dentro das escolas. Os dentistas e estudantes devem pensar primeiro como proteger a estrutura dentária, evitando a exposição da Porque então, em sua opinião, o ácido fosfórico é tão utilizado como pré-tratamento da dentina? dentina na cavidade bucal. Precisam entender o substrato e tentar transformar um preparo em dentina em um de esmalte através de uma proteção artificial para Eu penso que há uma herança, um background histórico ligado à utilização do cimento de fosfato de o dente. Esta é minha mensagem e meu dever com a comunidade odontológica e com a humanidade. R Dental Press Estét, Maringá, v. 3, n. 3, p. 16-20, jul./ago./set. 2006 19
Nobuo Nakabayashi xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx Entrevistadores Mário Fernando de Góes Professor Titular do Departamento de Odontologia Restauradora, Área Materiais Dentários - Faculdade de Odontologia de Piracicaba, UNICAMP; Mestre em Biologia e Patologia Buco- Dental pela FOP-UNICAMP; Doutor em Reabilitação Oral - Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto - USP; Pós-Doutorado - Health Science Center at San Antonio Universidade do Texas - USA; Professor Convidado - Departamento de Ciências Restauradoras Faculdade de Odontologia - Tokyo Medical and Dental University - Japão; Oswaldo Scopin de Andrade Mestre e Doutor em Prótese pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba-UNICAMP; Pós-Graduação em Prótese e Oclusão pela New York University - EUA; Professor Assistente do Curso de Atualização em Clínica Odontológica da Faculdade de Odontologia de Piracicaba UNICAMP; Clinical Fellow Straumann Clinic Universidade de Berna - Suíça; Coordenador dos Cursos de Implantodontia (Lato Sensu) e Odontologia Estética (Lato Sensu) das Faculdades SENAC de Ciência da Saúde. Editor Assistente da Revista Dental Press de Estética. 20 R Dental Press Estét, Maringá, v. 3, n. 3, p. 16-20, jul./ago./set. 2006