NOTAS SOBRE A IMPORTÂNCIA METODOLÓGICA DOS CONCEITOS

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Transcrição:

Ensaios FEE, Porto Alegre, 9(lj:121-125, 1988 NOTAS SOBRE A IMPORTÂNCIA METODOLÓGICA DOS CONCEITOS Áurea Corrêa de Miranda Breitbach' "Toda ciência seria supérflua se a aparência e a essência das coisas se confundissem." KaríMarx (O Capital) As notas que seguem constituem uma tentativa de reflexão sobre a importância metodológica da formulação de conceitos no processo de conhecimento. Elas se referem preferencialmente ao grande ramo das chamadas "ciências sociais". É sabido que a ciência se dedica a desvendar o mundo que nos cerca, buscando tomar explícito o conteúdo dos fenômenos, no sentido de compreender a realidade. O processo de conhecimento visa transcender a aparência dos fenômenos, aquilo que Karel Kosik chamou de "mundo da pseudoconcreticidade". Essa expressão designa "(...) o complexo dos fenômenos que povoam o ambiente cotidiano e a atmosfera comum da vida humana, que, com a sua regularidade, imediatismo e evidência, penetram na consciência dos indivíduos agentes, assumindo um aspecto independente e natural" (Kosik, 1976, p. 11). Dessa maneira, o autor refere-se a uma concepção empírica do mundo, a uma abordagem do real que não o atinge plenamente, ou seja, esgota-se na aparência, dando por "real" a forma pela qual o mundo se apresenta. Muitas vezes, os objetos transmitem a impressão de ser elementos naturais, pois "(...) não são imediatamente reconhecíveis como resultados da atividade social dos homens" (Kosik, 1976, p. 11). Sob a ótica empírica, portanto, a realidade fica reduzida às suas formas fenomênicas, à aparência das coisas. "A praxis utilitária imediata e o senso comum a ela correspondente colocam o homem em condições de orientar-se no mundo, de familiarizar- -se com as coisas e manejá-las, mas não proporcionam a compreensão das coisas e da realidade" (Kosik, 1976, p. 10). * Economista da FEE e Mestre pela UFRGS/PROPUR.

A ciência é a atividade humana cujos método e sistemática permitem um rompimento desse mimdo das aparências, produzindo, assim, o conhecimento do real por via racional.* É preciso salientar, entretanto, que essa passagem da aparência para a essência não deixa supor que haja uma separação definida entre ambas, de modo a tomá-las duas partes estanques. Na verdade, o real é, ao mesmo tempo, a essência do objeto e a sua manifestação: entre elas há uma relação íntima, necessária e contraditória, cabendo à ciência desvendar essa relação. A ciência supõe, por conseguinte, que é possível distinguir o aparente do essencial, embora sem cair na "(...) separação clássica, aceita por todos os metafísicos e por todos os céticos, entre a essência e a aparência, entre o imediato e o objeto, entre o fenômeno e a coisa" (Lefèbvre, 1979, p. 218). O processo de conhecimento dá-se através da manifestação fenomênica, na qual já está presente a essência, embora ainda não em seu grau de objetividade maior. "Desse modo, o movimento de nossa reflexão pode e deve reproduzir o movimento através do qual a essência se traduz, se trai, se reencontra em si mesma: mais rica, mais profunda que o fenômeno e, todavia, 'expressa' por ele" (Lefèbvre, 1979, p. 217). Desse movimento de ir e vir entre o fenômeno e a essência resulta a obtenção do conceito. Formular um conceito significa dizer que se teve acesso à essência do objeto, a partir do que podem ser percebidas as leis de movimento do real, seus desdobramentos, sua estrutura interna. A comparação, feita por Lefèbvre, desse processo com o leito de um rio demonstra com clareza essa idéia: "A essência é apenas uma corrente mais profunda no fluxo das aparências e dos fenômenos. Nem todos os fatos se situam no mesmo plano; e a essência, a lei, encontram-se abaixo da superfície, na parte calma e profunda do rio. A questão consiste em atravessar a superfície a fim de imergir. nas águas profundas" (Lefèbvre, 1979, p. 219). Essa concepção é também compartilhada por Kosik quando diz que "(...) o conceito da coisa é compreensão da coisa, e compreender a coisa significa conhecer-lhe a estrutura" (Kosik, 1976, p. 14). A trajetória do conhecimento, que visa atingir a essência dos fenômenos, passa também por discernir o mais essencial do menos essencial para a compreensão da realidade. Existe,portanto.uma certa hierarquia entre os fenômenos:há os que teme os que não têm fundamento na essência. As categorias, por exemplo, são determinações de existência,ou seja,expressam algo tão essencial que,se deixadas de lado,o conhecimento deuma realidade pode se tomar inviável,ou,no mínimo,seriamente comprometido.^ ' O homem pode apropriar-se do mundo também de outros modos, como o artístico, o religioso, o psicológico, etc, que não são formas de conhecimento ilegítimas ou menos eficientes que o conhecimento científico atingido pela via racional. ^ A esse respeito, pode ser consultado Coraggio (1979), na nota 2, onde ele trata da questão do conceito de categoria.

EE-CEOO BIBLIOTlüâ Embora a formulação do conceito se dê numa etapa avançada do processo de conhecimento de uma realidade não se pode dizer que seja a última, uma vez que se trata de um processo que se faz e refaz permanentemente, ele está presente na mente do pesquisador desde os primeiros momentos da pesquisa, mesmo que de forma implícita. No dizer de Kosik, "(...) o homem, já antes de iniciar qualquer investigação, deve necessariamente possuir uma segura consciência do fato de que existe algo susceptível de ser definido como estrutura da coisa, essência da coisa, 'coisa em si', e de que existe uma oculta verdade da coisa, distinta dos fenômenos que se manifestam imediatamente" (Kosik, 1976, p. 13). O conceito serve como ponto de partida da observação, uma vez que designa, por abstração, aquilo que num primeiro momento não é diretamente perceptível, e vai paulatinamente sendo explicitado na medida em que a realidade fenomênica vai sendo desvendada. Conforme salienta Madeleine Grawitz, "(...) o conceito não é somente uma ajuda para perceber, mas também uma forma de conceber. Organiza a realidade coirservando os caracteres distintivos e significativos dos fenômenos" (Grawitz, 1975, p. 331). Observa-se com isso que o conceito, mesmo quando ainda não esteja completamente formulado, exerce a função de guia da observação de uma realidade. Ele está inserido dentro de um contexto metodológico específico, está sempre relacionado a um método, a um conjunto de procedimentos que revela a postura do pesquisador. Portanto, o uso de determinados conceitos em detrimento de outros indica a maneira de observar a realidade que figura na mente do sujeito. Pode-se dizer, então, que o conceito é o "fio condutor" da observação, ao mesmo tempo em que, numa outra etapa do processo de conhecimento, ele é o resultado deste. É interessante ressaltar que, embora expressão da essência, o conceito não é o objeto em si, mas uma abstração deste. O caráter abstrato do conceito é analisado por Lefèbvre da seguinte maneira: "O conceito, num certo senüdo, é abstrato; é um pensamento. É alcançado a partir do imediato, da impressão sensível e do conteúdo. Por um lado, a abstração abandona uma parte do conteúdo, reduzindo-o (pela análise) a um aspecto, a um elemento. (...) Mas,, por outro lado, o pensamento que se eleva do imediato ao conceito não se afasta do real (se é que se trata de um pensamento verdadeiro), mas dele se aproxima" (Lefèbvre, 1979, p. 223). Apontar o caráter abstrato do conceito, todavia, não significa dizer que ele tenha um caráter "irreal", ou que ele seja de natureza puramente subjetiva, pois o conceito não é somente um pensamento. É importante lembrar que o conceito está conectado originalmente com a manifestação fenomênica, de vez que o movimento do pensamento para atingir a essência parte justamente dessa realidade aparente. O conceito é, portanto, pensamento que expressa a essência do mundo real exatamente naquilo em que ele é mais real; por conseguinte, é concreto e objetivo. Ainda com Lefèbvre (1979, p. 225), diremos que a "(...) formação de um conceito signi-

fiça que se penetrou além do sensível imediato, da aparência, do fenômeno, mmi grau superior de objetividade". Fica claro, dessa maneira, que, para conhecer uma realidade, desvendar sua essência, perceber suas leis de movimento, o pesquisador faz uso, necessariamente, da sua capacidade de abstração. O recurso à abstração é que torna possível, ao pensamento humano, decompor o todo, pois o real, tal como se apresenta num primeiro momento, tem um aspecto uno, direto.é preciso decompô-lo, identificar suas partes essenciais, apontar o que é secundário para que, depois, compreendida sua coerência intema, ele seja novamente reconstituído em outros moldes. Kosik (1976, p. 14) diz claramente que "(...) sem decomposição não há conhecimento" e que "(...) o conceito e a abstração, em uma concepção dialética, têm o significado de método que decompõe o todo para poder reproduzir espiritualmente a estrutura da coisa e, portanto, compreender a coisa". Dito de outra forma, isso significa que a mente humana precisa fazer uma análise do objeto, separá-lo em partes, realizar um desvio analítico, pois o real não se dá a conhecer de forma direta em todo o seu ser. Aí reside a necessidade de se recorrer à abstração como um dos momentos essenciais à formulação do conceito, mas que não é o momento final do conhecimento. O processo de conhecimento executa um movimento em espiral, pois, partindo do concreto imediato, da aparência das coisas, passa pela abstração (anahsando e seccionando p todo) e chega novamente ao concreto, desta vez compreendido e recomposto em sua real ordem interna. Ou, como expressa Kosik, "(-..) da vital, caótica, imediata representação do todo, o pensamento chega aos conceitos, às abstratas determinações conceituais, mediante cuja formação se opera o retorno ao ponto de partida; desta vez, porém, não mais como ao vivo mas incompreendido todo da percepção imediata, mas ao conceito do todo ricamente articulado e compreendido" (Kosik, 1976, p. 30). Dessa forma, observa-se que o caminho do conhecimento humano é uma trajetória construída na busca da verdade do mundo, no rompimento constante da "pseudoconcreticidade", que nunca se esgota totalmente. Dado que o homem age no mundo (nele realiza sua praxis), a realidade que se desvenda ao conhecer humano não está pronta e acabada, não existindo independentemente do homem. "A destruição da pseudoconcreticidade significa que a verdade não é nem inatingível, nem alcançável de uma vez para sempre, mas que ela se faz; logo, se desenvolve e se realiza. (...) Ao contrário do mundo da pseudoconcreticidade, o mundo da realidade é o mundo da realização da verdade, é o mundo em que a verdade não é dada e predestinada, não está pronta e acabada, impressa de forma imutável na consciência humana: é o mimdo em que a verdade devem" (Kosik, 1976, p. 19).

Bibliografia CORAGGIO, José Luis (1979). Sobre Ia espacialidad social y el concepto de région. México, Colégio de Mexico/Centro de Estúdios Econômicos y Demográficos, (mimeo). GRAWITZ, Madeleine (1975). Métodos y técnicas de Ias ciências sociales. Barcelona, Hispano Europea, t. 1. KOSIK, Karel (1976). Dialética do concreto. Rio de Janeiro, Paz e Terra. LEFÈBVRE, Heriri (1979). Lógica formal/lógica dialética. 2. ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.