Pierre Bourdieu: a distinção de um legado de práticas e valores culturais

Documentos relacionados
PPGED-UFPA Vitor Sousa Cunha Nery 26/01/2017 EDUCAÇÃO CULTURA E SOCIEDADE. O PODER SIMBÓLICO: conceito de habitus PIERRE BOURDIEU

BENS CULTURAIS E SIMBÓLICOS E A EDUCAÇÃO EM PIERRE BOURDIEU

Prof. Lucas do Prado Sociologia

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO ROSILDA SILVIO SOUZA

Saúde e espaço social: reflexões Bourdieusianas. Ligia Maria Vieira da Silva Instituto de Saúde Coletiva - UFBa

PIERRE BOURDIEU PODER SIMBÓLICO

FATORES QUE INFLUENCIAM O PROCESSO DE ESCOLHA DO CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR

O construtivismo estruturalista de Pierre Bourdieu. Adriano Araújo; Roberta Mazer

Os Herdeiros Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron

A educação e o destino social em análise

ESCOLARIZAÇÃO E CLASSES SOCIAIS: ESTRATÉGIAS DE REPRODUÇÃO DOS GRUPOS VIA PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO SETTON, Maria da Graça Jacintho USP

Habitus de classe expressado pelo capital simbólico: uma revisão da obra de Pierre Bourdieu A Distinção

Reflexões primeiras sobre: A Teoria do Espaço Social e da Gênese do Estado de Pierre Bourdieu.*

INDIVIDUO E SOCIEDADE DURKHEIM E O NASCIMENTO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Matrizes ISSN: Universidade de São Paulo Brasil

Marco. Sábado, 23 de Março de 2019 S O C I O L O G I A RELAÇÕES SOCIAIS. A sociedade dos indivíduos

EDITAL DO GRUPO DE ESTUDOS TRANSDISCIPLINAR EM SOCIOLOGIA E TRANSMÍDIA CAPÍTULO I DAS CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Os Herdeiros Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron

Faculdade Zumbi dos Palmares RESUMO SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO EDUCAÇÃO E BUROCRACIA O MITO DA EDUCAÇÃO LIBERTADORA

Antropologia Econômica. Aula 8 Antropologia disposicional. Prof.: Rodrigo Cantu

RESOLUÇÃO - CEPEC Nº 790

Os Sociólogos Clássicos Pt.2

V ENEC - Encontro Nacional de Estudos do Consumo I Encontro Luso-Brasileiro de Estudos do Consumo

A relação entre teoria e método observações a partir da sociologia da educação de Bourdieu e Passeron Marco Antônio de Oliveira Lima 1

TRANSFORMAÇÃO DO CAMPO, FORMAÇÃO DE ETHOS E MUDANÇA DE HABITUS?: O QUE PIERRE BOURDIEU PODE NOS DIZER SOBRE AS POLÍTICAS DE INCLUSÃO BRASILEIRAS?

EDUCAÇÃO SUPERIOR NA CPLP E CAMPO ACADÊMICO

CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA. Profº Ney Jansen Sociologia

Falseamento da realidade. Karl Marx IDEOLOGIA. Visão de mundo. Gramsci. Aparelhos ideológicos. Louis Althusser

PEDAGOGIA. Currículo (Teoria e Prática) Teorias curriculares Parte 2. Professora: Nathália Bastos

Currículo e Diversidade: construindo caminhos para construção da educação pública de qualidade para

MARIA JOSÉ TEIXEIRA O PENSAMENTO DE BOURDIEU SOBRE A EDUCAÇÃO

A Teoria Crítica e as Teorias Críticas

constituímos o mundo, mais especificamente, é a relação de referência, entendida como remissão das palavras às coisas que estabelece uma íntima

Antropologia Econômica. Aula 8 Antropologia disposicional. Prof.: Rodrigo Cantu

DADOS DO COMPONENTE CURRICULAR

Resenha Especiaria n 19.indd 343 Especiaria n 19.indd 343 6/11/ :13:09 6/11/ :13:09

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS O CAMPO JURÍDICO ANALISADO POR BOURDIEU

Tema-problema 2.2. A construção do social

PÊCHEUX E A PLURIVOCIDADE DOS SENTIDOS 1

TEORIA E CRÍTICA LITERÁRIA SÉCULO XX

EAD- 622 FUNDAMENTOS DE CIÊNCIAS SOCIAIS O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO

10 Ensinar e aprender Sociologia no ensino médio

PARADIGMAS SOCIOLÓGICOS DECORREM DA FORMA DE VER A RELAÇÃO ENTRE O INDIVÍDUO E A SOCIEDADE.

Mariléte Pinto de Oliveira UNISUL

ENTREGAR ESSE ROTEIRO DIRETAMENTE AO PROFESSOR DA DISCIPLINA. DATA DA ENTREGA: até 26/09/18 (QUARTA-FEIRA)

24/07/2014. As origens da Sociologia. A questão do conhecimento

DISCIPLINAS OPTATIVAS

Construindo a cultura através da comunicação

As implicações do conceito de representação em Roger Chartier com as noções de habitus e campo em Pierre Bourdieu

Projeto de Recuperação Semestral 2ª Série EM

O pensamento sociológico no séc. XIX. Sociologia Profa. Ms. Maria Thereza Rímoli

A GENÉTICA CULTURAL DA «REPRODUÇÃO» *

DISCURSO, PRAXIS E SABER DO DIREITO

Comparação entre as abordagens de classe marxiana e weberiana

MATRIZ CURRICULAR CURRÍCULO PLENO 1.ª SÉRIE

Conhecimento e imaginação. sociologia para o Ensino Médio

MERCADO DE TRABALHO: DEFINIÇÕES, TRANSFORMAÇÕES E DESIGUALDADES

Linguagem e Ideologia

Processo Seletivo/UFU - julho ª Prova Comum - PROVA TIPO 1 SOCIOLOGIA QUESTÃO 51

MÓDULO 17 FILOSOFIA DA LINGUAGEM

Análise Social 3. Desigualdades Sociais ESCS Sistemas de desigualdades

Universidade de Brasília Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação

UM NOVO PARADIGMA Para compreender o mundo de hoje Autor: Alain Touraine

PLANO DE ENSINO DADOS DO COMPONENTE CURRICULAR

GÊNERO CHARGE: DO PAPEL AOS BYTES

Conteúdos e Didática de História

CADERNO IV ÁREAS DE CONHECIMENTO E INTEGRAÇÃO CURRICULAR

ALGUNS CONCEITOS E CONTRIBUIÇÕES DE PIERRE BOURDIEU, NO CAMPO EDUCACIONAL

Textos verbais e não verbais: Charges, Cartum e tirinhas.

Marxismo e Autogestão, Ano 01, Num. 01, jan./jun. 2014

Transmissão da ideologia dominante como forma de inserção na cultura científica

Traduzido para o português e publicado pela editora Boitempo,

Escritos de educação*

A Violência Simbólica presente em testes de seleção para corais infantis. Pedro Henrique Brinck Camargo

GABARITO.

DISCIPLINA. Requisitos do pesquisador

1º Bim Manaus (AM), 11-FEV-2019 SOCIOLOGIA Gonzalezaa

INTRODUÇÃO. elevada ao patamar de Entidade Pública.

Dossiê: Pierre Bourdieu e a Literatura

Pierre Bourdieu ( ) é,

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DO EDUCADOR POPULAR NA MODALIDADE EJA

1º Anos IFRO. Aula: Conceitos e Objetos de Estudos

EAD Fundamentos das Ciências Sociais

O que deverá ser uma aula de Português?

Universidade Estadual do Centro-Oeste Reconhecida pelo Decreto Estadual nº 3.444, de 8 de agosto de 1997

A cultura. A importância da cultura no processo de humanização

O nascimento da Sociologia. Sociologia Profa. Ms. Maria Thereza Rímoli

Dossiê Norbert Elias: Uma resenha

Perspectivas da Abordagem Sistêmico-Funcional

INTERACIONISMO SÓCIO-DISCURSIVO (ISD): CONTRIBUIÇÕES DE BAKHTIN

Baudelot e Establet L École Capitaliste en France (cont.3)

AULA 1 A constituição do campo de uma sociologia da vida econômica (I)

SOCIOLOGIA 1ª SÉRIE 11-SOCIOLOGIA

O PROCESSO HISTÓRICO-CULTURAL DE UNIVERSALIZAÇÃO DO SISTEMA DE PESOS E MEDIDAS

Walter Benjamin: uma análise filosófica do cinema

A EPISTEMOLOGIA E SUA NATURALIZAÇÃO 1 RESUMO

I Educom Sul. Desafios e Perspectivas

RESENHA. Evanilton Gonçalves Gois da Crus 1

Transcrição:

Pierre Bourdieu: a distinção de um legado de práticas e valores culturais por Emiliano Rivello Alves * BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2007. A obra mais conhecida e mais prestigiada de Pierre Bourdieu, segundo vários autores, traz em boa parte de sua exposição as preocupações decorrentes de anos de estudos sobre a elaboração de uma teoria geral das classes sociais. A distinção: crítica social do julgamento estruturada em três partes, além de introdução, conclusão e post-scriptum, publicada originalmente em 1979 pela editora Minuit, e só agora traduzida para o português, atende às expectativas dos leitores brasileiros não familiarizados com o idioma original, apresentando ricas contribuições aos mais variados campos das ciências humanas. Bourdieu constrói seu argumento através de um estilo literário refinado e prolixo, com forte tendência ao elitismo, mas justificável pelas pretensões teóricas e práticas alicerçadas no ideal que poderia ser encontrado em Questões de Sociologia: Romper com os automatismos verbais (...) é romper com a filosofia social inscrita no discurso espontâneo (1983, p. 30). Quando da publicação na França, foi alvo de críticas contundentes e sagazes dos mais distintos segmentos intelectuais e da mídia por, supostamente, projetar uma forte inclinação reducionista, resultando na primeira polêmica pública * Doutorando em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação (PPG-SOL) da Universidade de Brasília. E-mail: emilianorivello@yahoo.com.br Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 1, p. 179-184. jan./abr. 2008

2 Emiliano Rivello Alves em torno da obra e da biografia de Bourdieu. Em 1981, Bourdieu passa a ocupar a cadeira de Sociologia no renomado Collège de France pelas grandes realizações no campo das ciências sociais, das quais A distinção é parte considerável de seu reconhecimento. A distinção é uma denúncia violenta e, ao mesmo tempo, uma inspiração para um modelo de compreensão dos mecanismos sociais e culturais, que retira os fatores econômicos do epicentro das análises da sociedade porque remete as práticas de consumo culturais a uma estrutura relacional. Bourdieu busca estabelecer desde cedo que as práticas culturais juntamente com as preferências em assuntos como educação, arte, mídia, música, esporte, posições políticas, entre outros, estão ligadas ao nível de instrução, submetidas ao volume global de capital acumulado, aferidas pelos diplomas escolares ou pelo número de anos de estudo e, secundariamente, à herança familiar. Na verdade, tratase de desmistificar afirmações da ordem do senso comum quando se assevera que o gosto sobre determinada matéria não se discute; mais do que isso, o gosto classifica e distingue; aproxima e afasta aqueles que experimentam os bens culturais. Mas, de que maneira as preferências culturais dos agentes são estruturadas? Bourdieu responde a esta questão traçando correlações que se iniciam com a transmissão do capital cultural inculcado na escola e aquele herdado pela família, efetuadas de maneira precoce ou através do aprendizado tardio. Pelas ações de imposições positivas de valores exercidas pela instituição escolar, objetivadas pelo diploma, lembre-se, nas Grandes Écoles, garantem aos agentes a aptidão para adotar a disposição estética associada a uma origem social. Dito de outro modo, as práticas culturais incentivadas por essas duas instâncias, distinguem aquilo que será reconhecido como gosto legítimo burguês, de classe média ou popular. Assim, é suficientemente importante esclarecer que um gosto da mais alta cultura burguesa Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 1, p. 179-184, jan./abr. 2008

Pierre Bourdieu: a distinção de um legado de práticas e valores culturais 3 em matéria de música é mais freqüentemente associado às classes dominantes do que às classes populares e vice-versa. Nada é tão imperativo quanto o campo de estrutura de relações objetivas que distingue a disposição exigida pelo consumo legítimo das diferentes classes. O esteticamente admirável ou simbolicamente vulgar, por exemplo, em matéria de vestuário ou decoração, é, tão-somente, para os agentes, o socialmente construído pelos capitais acumulados em uma história relativamente autônoma que aprenderam a reconhecer os signos do admirável ou de uma pseudo-arte, por meio da lógica do campo de poder. Afirmase a dependência da disposição estética em relação às condições materiais de existência, legada pelo passado ou transmitida no presente, através das condições econômicas e sociais do exercício pedagógico da instituição escolar ou da família. O gosto ou as preferências manifestadas através das práticas de consumo é, então, o produto dos condicionamentos associados a uma classe ou fração de classe. Tais preferências têm o poder de unir todos aqueles que são o produto de condições objetivas parecidas, distinguindo-os todavia de todos aqueles que, estando fora do campo socialmente instituído das semelhanças, propagam diferenças inevitáveis. O gosto, dirá Bourdieu, é a aversão, é a intolerância às preferências dos outros. A família e a escola tomadas como mercados simbólicos, funcionam como espaços instituidores de competências necessárias aos agentes para atuarem nos diferentes campos. Desse modo, aquela classe ou fração de classe detentora de um elevado capital escolar portanto, herdeira de um elevado capital cultural, opõe-se a todas as classes sociais desprovidas desses capitais, pois os gostos são constituídos por capitais metaforicamente dissonantes. É percebida desta forma que a reprodução moral, ou seja, a transmissão dos valores, virtudes e competências, maneira de ver o Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 1, p. 179-184. jan./abr. 2008

4 Emiliano Rivello Alves mundo simbólico, serve, invariavelmente, de fundamento à filiação legítima de habitus distintos e desiguais, fortalecendo e intensificando a hierarquia do culturalmente aceito ou execrável; do autêntico ou do inautêntico exemplificados tais como no cardápio, na decoração do apartamento, na compra de um carro ou mesmo na escolha de um amigo porque o habitus encontra-se no princípio das afinidades imediatas que coordenam os encontros e as aquisições sociais. Bourdieu tem o mérito de desvelar de maneira voraz, destarte, que a igualdade de oportunidades e a importância do sistema escolar ideologicamente incentivadas pelo regime republicano não garantem, necessariamente, igualdade social a todos. A posição socialmente ocupada pelos agentes detentores de um poder específico em um campo particular de existência depende, antes de qualquer coisa, dos capitais objetivados nas práticas distinguidos em três dimensões clássicas : o econômico, o cultural e o social. É a forma assumida pelos capitais objetivados em uma relação e incorporados (habitus) que determinam as classes sociais e, conseqüentemente, constituem as práticas que classificam as distinções. O habitus é, com efeito, responsável pelas práticas objetivamente classificáveis, sem, contudo, deixar de ser um sistema de classificação. O mundo social, por seu intermédio, é representado nos espaços ou nas posições ocupadas pelos agentes e é ele que estrutura os estilos de vida do campo simbólico. No habitus encontrase inserida toda a estrutura do sistema de condições ou disposições possíveis, fundamentando as estruturas das diferenças. O habitus é o que faz um agente ser detentor de um gosto, porque as preferências estão associadas às condições objetivas de existência. Os agentes apreendem os objetos ofertados simbolicamente através dos esquemas de percepção e de apreciação de seus habitus. Por isso, é de suma importância deixar claro que cada agente Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 1, p. 179-184, jan./abr. 2008

Pierre Bourdieu: a distinção de um legado de práticas e valores culturais confere sentidos e significados distintos a suas práticas. Praticar a mesma atividade física ou consumir os mesmos estilos de filmes não denota, jamais, que o habitus seja gerador de tendências irredutíveis. Bourdieu se defende de uma possível visão determinista contida em sua obra, afirmando que as práticas das diferentes classes ou frações de classes, distribuem-se ao longo de um campo infinito de possibilidades, de tal modo que o número de espaços de preferências será tão grande quanto o universo de possibilidades objetivas. Em torno dos conceitos de habitus e campo reside uma contribuição importante de Bourdieu ao pensamento sociológico. Tais conceitos têm sido utilizados como instrumentos conceituais que possibilitam pensar as relações entre os condicionamentos sociais exteriores e as subjetividades dos agentes. Eles adquirem um alcance universal na apreensão de certa homogeneidade nas disposições ou nos gostos em matérias que podem ir, por exemplo, da música sertaneja aos hábitos alimentares, das cirurgias estéticas ao comportamento político, das preferências religiosas aos conflitos urbanos juvenis, pois procedem ao reconhecimento dos processos históricos que demarcam a gênese e ampliação das práticas culturais na modernidade. Em uma época marcada por grandes teorias e trabalhos ensaísticos no campo intelectual francês, Bourdieu se destaca pelo emprego da teoria em nome da pesquisa empírica, possibilitando ao leitor iniciado compreender que as incessantes interpretações e revisões das escolhas individuais não são frutos de ordenamentos isolados ou decorrentes do acaso. A distinção põe em evidência que a lógica intrínseca aos gostos e preferências culturais é aquela submetida à lógica interna de cada campo tomado numa relação simbólica. É notório destacar que as disputas por posições hierarquizam, igualmente, as oportunidades estatutárias das classes em matéria de valores e concepções políticas. Isso leva a crer que mesmo a Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 1, p. 179-184. jan./abr. 2008

Emiliano Rivello Alves fração da classe popular com maior capital cultural está submissa às normas e valores dominantes. Os agentes menos competentes pela perspectiva da cultura legítima estão à mercê dos efeitos da imposição do campo de produção ideológico influente, acarretando tomadas de posições ligadas às representações legítimas do mundo social. Falta-lhes capital escolar, diria Bourdieu, mas que é compensado no blefe inconsciente de uma linguagem que disfarça, sobretudo, posições políticas desencontradas, ingênuas ou ignorantes. Ao diploma escolar é reservado um elevado poder simbólico transformando a escola em uma das instâncias sine qua non da manutenção da ordem social. A obtenção do diploma, por definição, fixa as disposições dominantes. Trata-se de uma delegação simbólica que desapossa e separa os menos competentes em favor dos mais competentes; os menos instruídos, em favor dos mais instruídos. As distinções críticas das preferências manifestadas pelos agentes portanto, as formas de classificação e desclassificação de valores e práticas culturais são aplicadas em todo e qualquer ponto da distribuição e reprodução dos habitus. As experiências incorporadas do mundo social a doxa adesão às relações de ordem aceitas como evidentes, definem os limites, as posições e os legados daquilo que será objetivamente pensado nas estruturas das classes sociais. Devido ao caráter inovador e interdisciplinar, revolucionário e crítico, ousando no esforço da integração da observação etnográfica e da análise estatística, Bourdieu transforma a própria estrutura conceitual da Sociologia da Cultura, porque cria uma teoria dos fatos culturais comparada às grandes realizações teóricas de Marx, Durkheim e Weber. A distinção, assim sendo, desnuda e explica, ao mesmo tempo, os estudos sobre linguagem, grupos sociais, política, educação, arte ou comunicação, pois oferece uma análise do mundo social de maneira coerente e instigante. Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 1, p. 179-184, jan./abr. 2008