EDUCAÇÃO SUPERIOR NA CPLP E CAMPO ACADÊMICO
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- Lorena Furtado
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1 EDUCAÇÃO SUPERIOR NA CPLP E CAMPO ACADÊMICO Clarissa Eckert Baeta Neves * Agradeço o convite que me foi feito para moderar essa sessão sobre Educação Superior e o Campo Acadêmico. Os trabalhos apresentados focaram temas de grande relevância no campo da Educação Superior e levantam questões instigantes para o debate. O primeiro trabalho apresentado pela profa. Ana Paula Hey explorou de modo amplo e com muita propriedade a noção de campo acadêmico no contexto de campos sociais, tendo por referência os desenvolvimentos teóricos de Pierre Bourdieu. Sabe-se que a realidade social é cada vez mais complexa e de difícil apreensão e compreensão. Inserida nesse contexto, a educação superior passou por profundas transformações e, igualmente, tornou-se mais complexa. Na sua exposição, a Profa. Ana Hey, porém, buscou demonstrar que com o auxílio do conceito de campo acadêmico, como também de campo científico, é possível uma melhor compreensão dos processos e das relações sociais que caracterizam esse nível de ensino. Com isso, procurou ressaltar que as instituições que integram um determinado sistema de ensino possuem uma estrutura própria, relativamente autônoma em relação ao funcionamento de outros campos (econômico, político, religioso etc.). Mesmo mantendo uma relação entre si, os diversos campos sociais se definem através de objetivos específicos, o que lhes garante uma lógica particular de funcionamento e de estruturação. É característico dos diversos campos possuírem princípios inerentes e objetos próprios que estruturam e mobilizam os atores que o integram, bem como possuir hierarquias internas e lutas específicas visando ocupar posições dominantes em seu interior. * Clarissa Eckert Baeta Neves possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1973) e doutorado em Sociologia (Paedagogische Hochschule Westfalen- Lippe) pela Universidade de Müenster - Alemanha (1979). É professora associada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pesquisadora CNPq 1C e coordenadora do Grupo de Estudos sobre Universidade/GEU/UFRGS. Membro da comissão editorial da Revista Sociologias (UFRGS). Tem produção científica destacada na área de Sociologia da Educação e Educação Superior pesquisando sobre os seguintes temas: acesso e equidade, políticas educacionais de inclusão social, financiamento e cost-sharing, estudos comparados de sistemas de educação superior e as transformações dos sistemas de educação superior na Europa. Participou do Fulbright New Century Scholar Program 2007/
2 Assim, na sua análise, propõem apreender o sistema de educação superior através da noção de campo, a partir dos elementos que compõem o campo acadêmico como agentes/atores, instituições, lutas e disputas, práticas e produções, pois só assim é possível apreender os movimentos próprios desse campo. A noção de campo acadêmico remete à centralidade das instituições de ensino superior no processo das lutas simbólicas manifestas e ou latentes que as classes sociais travam entre si para galgar, conservar ou ampliar posições de prestígio e de poder no interior das sociedades contemporâneas. É no campo acadêmico, também, que se percebem práticas e agentes específicos, bem como as práticas institucionalizadas de produção de conhecimento. A educação superior, pois, como locus privilegiado, deve ser investigada a partir da sua contribuição específica para a reprodução da distribuição do capital cultural e escolar no interior do espaço social. E é nesse espaço social que agem e interagem instituições de ensino, universidades, escolas, centros de formação e de pesquisa, disputando prestígio; agentes e atores como professores, pesquisadores, disputando capital simbólico; e estudantes, buscando agregar novos capitais. Enfim, é no campo, enquanto espaço temático, neste caso referindo-se ao acadêmico, que se estabelecem relações de força desiguais, nas quais os agentes estão em permanente luta pela manutenção e/ou avanço das posições adquiridas anteriormente. A contribuição específica do campo acadêmico permite compreender o processo de reprodução e/ou transformação do capital cultural no campo da educação superior, e com isso a própria estrutura do espaço social. Outro conceito explorado pela autora foi o de campo científico amplamente relacionado ao campo acadêmico. O campo científico é entendido como o espaço de um jogo concorrencial pela busca do monopólio da autoridade científica, sendo esta o resultado da soma da capacidade técnica e do poder social. A autoridade científica é compreendida como capacidade de falar e agir legitimamente, posição esta que é outorgada socialmente a um agente determinado. Esta autoridade está relacionada, diretamente, ao conhecimento da posição que este agente ocupa nas hierarquias instituídas. A autora remete aqui ao pesquisador, como detentor de capital simbólico que significa um reconhecimento concedido pelos pares, no seio do campo. 67
3 No texto a autora chama atenção de que o campo científico, mais definido a partir de campos empíricos, estrutura-se a partir das relações objetivas entre os diferentes agentes que assumem posições de lutas em torno de capitais específicos. Mas esta estrutura é determinada principalmente pela distribuição de capital científico. Nesse espaço, os agentes estão em constantes lutas concorrenciais com o objetivo de manter suas posições adquiridas em lutas anteriores garantidas pelo monopólio da autoridade científica. Enfim, a reflexão e a aplicação dos conceitos de campo acadêmico e campo científico permitem uma compreensão mais profunda das complexas articulações entre educação superior e sociedade. Esse texto, certamente, passará a ser referência imprescindível para os pesquisadores do campo da educação superior dos países da CPLP. O texto sobre Educação Superior, Políticas Públicas e Reformas traz uma importante reflexão sobre a temática da educação superior a partir de dois grandes eixos, a saber: da perspectiva das políticas públicas e de reformas; e da compreensão da noção teórica de campo da educação superior. Com relação ao primeiro eixo, os autores mencionam duas grandes tendências na pesquisa sobre a educação superior: os estudos sobre o sistema, entendido como unidade da diversidade, e os estudos referentes às instituições partem da diversidade na unidade. Partindo da concepção de educação superior como sujeito-objeto de ações do Estado ou dos governos através de ações de políticas públicas, com relação aos estudos da primeira tendência, os autores destacam que as políticas públicas podem significar apenas ajustes ou correções no sistema, ou então reformas. Aqui cabe ressaltar a importante contribuição do texto para a compreensão do que é reforma. Reforma da educação superior não é um mero ajuste ou readequação de recursos, procedimentos e arranjos acadêmico-institucionais. Segundo os autores, o conceito de reforma diz respeito à compreensão de transformações relevantes do modus operandi e dos valores institucionalizados e praticados pelas instituições-parte e/ou pelas instituições de ensino superior. Essa noção é de suma importância, levando em consideração que uma reforma não é apenas uma melhoria do ensino. Os sistemas estão sempre passando por processos de aperfeiçoamento, sejam com relação aos currículos, livros didáticos, sem que isso implique em reformas do sistema. A reforma educacional é 68
4 identificada, como tal, quando as mudanças por ela geradas exigem desafios às estruturas tradicionais, à filosofia e/ou à governança, afetando o funcionamento do sistema como um todo. Uma reforma pode envolver todo o sistema ou parte dele (relativo ao financiamento, por exemplo, envolvendo riscos e desafios). Um exemplo de reforma atual é a do sistema de educação superior na Europa, após o chamado processo de Bolonha. Quanto às políticas públicas, formuladas e coordenadas pelo Estado, podem desencadear uma reforma ou apenas realizar ajustes. Os autores, no entanto, chamam a atenção de que a possibilidade de transformação por meio de políticas públicas é limitada e codeterminada pelas relações sociais que formam e estruturam a sociedade capitalista em seu estágio atual. Já uma reforma implicaria numa transformação de proporções profundas. Aqui, gostaria de destacar duas questões para o debate. Os autores, de um lado, assumem as limitações das políticas públicas, mas, de outro, argumentam que medidas de políticas públicas durante o governo FHC ( ) produziram uma reforma do campo da educação superior. Tomando-se por base os argumentos apresentados sobre a implicação de uma reforma, a conclusão acima não se sustenta. Ou seja, a meu ver, não se pode falar de uma reforma da educação superior no governo passado, pois as medidas de políticas educacionais não transformaram o sistema como um todo. O Exame Nacional de Cursos, polêmico e amplamente criticado por vários setores do ensino superior, não chegou a atingir todas as áreas e foi substituído pelo ENADE, no primeiro mandato do presidente Lula; a privatização do ensino superior foi resultado de políticas desde o final dos anos A outra questão remete a uma ausência na reflexão dos autores que diz respeito à possibilidade de transformações oriundas de pressões sociais e não necessariamente de políticas públicas. Esse parece ser o significado da revolução silenciosa, expressão utilizada por Simon Schwartzmann ao se referir a mudanças no campo do ensino superior a partir da demanda por ensino superior e a sua consequente expansão. Os autores ainda trazem uma importante contribuição ao chamar a atenção para a distinção entre estudos no nível macro, que tem por objeto a concepção e formulação de políticas públicas; de análise e avaliações de impactos e resultados; e estudos no nível micro, os estudos etnográficos focados no processo de implantação das políticas. 69
5 Por fim, os autores também trazem uma reflexão sobre o campo da educação superior e sua estruturação, as disputas, os valores primordiais e a ação dos agentes. Também para eles o conceito de campo é chave para a compreensão das políticas e reformas de educação superior: o campo é basicamente definido como espaço de luta, locus de relações de força e disputas de monopólios, de lutas e estratégias, interesses e lucros... espaço de lutas entre os diferentes agentes que ocupam diversas posições... De modo consistente, os vários elementos do campo são analisados, como a relativa autonomia do campo da educação superior, o habitus próprio deste campo, a disputa pelo monopólio da competência e a autoridade científica. Finalmente, gostaria de assinalar que também este texto merece a atenção dos pesquisadores e estudiosos sobre a educação superior. Amparado teoricamente na concepção de campo, o estudo lida com os variados recortes temáticos do campo da educação superior, privilegiando os recortes sobre políticas públicas. A iniciativa deste seminário de proporcionar um amplo debate sobre a realidade da educação superior dos países da CPLP exige, dos pesquisadores, uma rigorosa compreensão sobre os fenômenos educacionais próprios de cada país e as transformações em curso. Os trabalhos apresentados nessa sessão contribuem, sem dúvida, para o aprofundamento dos estudos nesse campo. Os pontos de interesse comuns, o aprofundamento do conhecimento mútuo, podem abrir novas perspectivas para parcerias estratégicas futuras. Palavras-chave: Seminário Internacional Educação Superior na CPLP/PUCRS; RIES Rede Sulbrasileira de Investigadores da Educação Superior; Educação Superior; campo acadêmico; Brasil. 70
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