Mesotelioma Maligno Paratesticular



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Acta Urológica Portuguesa 2002, 19; 1: 41-55 41 Mesotelioma Maligno Paratesticular Serviço de Urologia, Centro Hospitalar V N de Gaia Resumo Os mesoteliomas são tumores raros, que se formam a partir das superfícies serosas das cavidades celómicas (pleura, peritoneu, pericárdio e túnica vaginal). A sua etiologia é desconhecida, embora se saiba que a exposição ao amianto favorece o seu aparecimento. O tumor apresenta-se como uma massa escrotal indolor, precedida ou associada a hidrocelo, sendo por isso difícil o diagnóstico pré-operatório. O tratamento curativo é orquidectomia radical nos estadios localizados. Nos casos avançados, as respostas a quimioterapia e/ou radioterapia são muito fracas, pelo que o seu prognóstico é pobre, com a sobrevida média inferior a 24 meses após o diagnóstico. Apresentamos um caso clínico típico deste tumor e a respectiva revisão literária. Palavras chave: Mesotelioma maligno, túnica vaginal, hidrocelo. Introdução Os tumores para-testiculares são aqueles que se localizam na região inguino-escrotal e que são independentes do testículo. Eles representam apenas 7 a 10% das massas escrotais e têm origem, por ordem de frequência, no cordão espermático (75-90%), em metástases (10%) e, finalmente, no epidídimo e nas túnicas escrotais (1). Os mais frequentes são de comportamento benigno. Segundo A. Donnaint e col., somente 15% dos tumores das serosas testiculares são malignos (4). Entre os tumores malignos, o mais frequente é o mesotelioma da túnica vaginal. O mesotelioma, tumor primitivo do epitélio que cobre as membranas serosas, localiza-se por ordem de frequência sobre a pleura, o peritoneu e mais raramente sobre o pericárdio e a túnica vaginal. O mesotelioma da vaginal representa menos de 5% de todos os mesoteliomas malignos. O mesotelioma maligno da túnica vaginal é um tumor extremamente raro. Depois da primeira observação publicada por Nicolopoulo em 1895, menos de 80 casos foram relatados na literatura mundial (3). (Segundo outros autores (7), menos de 20 casos envolvendo a túnica vaginal terão sido descritos). Caso Clínico A.F.S., sexo masculino, 63 anos de idade, sapateiro de profissão, é enviado à Consulta de Urologia do nosso hospital por aumento do volume e dor do hemiescroto direito de 2 meses de evolução. O doente negava qualquer traumatismo recente ou antigo do escroto. Nos antecedentes urológicos de referir hidrocelectomia direita e herniorrafia inguinal direita há 7 anos. No exame físico notava-se um saco escrotal direito duro, aumentado, sem sinais inflamatórios, sentindo- -se o testículo fixo às túnicas escrotais.

42 Fig. 1 - A Ecografia mostrava tumor hipoecóico no saco escrotal direito. Perante esta situação efectuou-se ecografia escrotal que mostrou uma volumosa formação nodular sólida hipoecóica com 28 por 34 mm de diâmetro. Esta lesão apresentava um componente intratesticular com 9 mm de diâmetro. Os marcadores tumorais eram negativos. Com o diagnóstico de tumor testicular decidiu-se realizar a exploração cirúrgica através de uma incisão inguinal direita com clampagem prévia do cordão, na qual se podia ver um testículo direito aumentado e duro, as túnicas testiculares envolventes fundidas entre si e com aspecto fibrótico. Levou-se a cabo orquidectomia direita, com ressecção da tumefação, das túnicas e do cordão adjacentes. O relatório anatomo-patológico foi de «mesotelioma maligno de padrão variegado, de limites muito pouco precisos, com áreas de necrose e hemorragia, e infiltração heterogénea no parênquima testicular de Fig. 2 - Testículo direito e cordão espermático com as túnicas espessadas e fundidas entre si. aproximadamente 3 cm de diâmetro, nas túnicas vaginais e mesmo no epidídimo». O estudo imunocitoquímico mostrou «imunorreactividade das células neoplásicas para marcadores epiteliais (CAM 5.2, AE 1, AE 3, CK 7 e EMA), para a Vimentina e Calretinina. Não se observou imunorreactividade para o Leu M1, Ber EP4, CEA, Proteína S100, Citoqueratina 20 e a-fetoproteína». A TC não mostrava adenopatias retroperitoneais, metástases pulmonares ou hepáticas. Passados 7 meses recorre novamente por tumefação inguino-escrotal direita e a TC referia «espessamento de tecido carnudo subcutâneo no canal inguinal direito, com pulmão, fígado e retroperitoneu normais». Foi reintervencionado, confirmando-se a presença de uma recidiva local (7x6x10 cm), cujo exame histológico revelava «infiltração maciça dos tecidos moles e permeação de vasos linfáticos». Nesta altura efectuou 4 ciclos de quimioterapia com Cisplatinum e Gencitabina, com regressão parcial. Sete meses depois foi submetido a exploração inguinal bilateral por suspeita clinico-imagiológica de lesão residual, que não se confirmou. A TC mostrava estrutura tubuliforme na topografia do canal espermático direito e provável adenopatia junto ao orifício inguinal interno esquerdo. Macroscopicamente e no exame anatomopatológico não se observaram estruturas de natureza neoplásica. A TC realizada 2 meses depois confirmava a aparente estabilidade da doença. Actualmente, o doente é seguido na nossa consulta e encontra-se clinicamente bem. Discussão Etiologia e patogenia Os mesoteliomas são tumores de origem mesodérmica, que se desenvolvem nas cavidades serosas. Contrariamente às localizações na pleura e peritoneu, a doença escrotal é excepcional. Os tumores benignos afectam mais frequentemente indivíduos jovens (30 a 40 anos) e estão por vezes associados a hidrocelo. Nenhuma relação foi estabelecida com a exposição ao amianto. Eles apresentam-se sob a forma de um tumor liso, firme, muitas vezes único e de tamanho inferior a 2 cm (4). A maioria dos tumores que comprometem a túnica vaginal representam uma extensão directa ou metastática de outras localizações, a mais comum das quais é os testículos. O desenvolvimento do mesotelioma maligno está relacionado com a exposição ao asbesto (1). Para alguns autores esta relação foi encontrada em 46-50% dos casos (5,10), enquanto estão descritas exposições

Mesotelioma Maligno Paratesticular 43 indutores deste tipo de tumor. É o caso do pentaclorofenol (PCP), do brometo de potássio (KbrO 3 ) ou da acrilamida, que aumentaram a incidência de mesoteliomas em ratos machos (tipo fisher) equivalentes aos mesoteliomas humanos da túnica vaginal (2). Por último, a degenerescência de tumores benignos em mesoteliomas malignos foi recentemente admitida. Foram relatados casos de mesoteliomas benignos pleurais que evoluíram para a malignidade com sinais de recidiva local e à distância. Fig. 3 - Infiltração celular a nível do testículo e túnica vaginal. ao asbesto em 80% dos mesoteliomas malignos da pleura e do peritoneu. (4). O intervalo entre a primeira exposição e o desenvolvimento do mesotelioma é de 8 a 40 anos, consoante os autores (5). Para além disso, 10% dos pacientes têm idade inferior a 25 anos, e a razão do desenvolvimento da doença nestes casos é incerta (2). No nosso caso, o paciente é sapateiro de profissão e teve uma exposição de 35 anos ao pó e às fibras libertadas por uma rebarbadora, cuja composição tem asbesto. Para Carp, a cura de uma hérnia inguinal poderia explicar a extensão da asbestose ao escroto (3). A ideia da acção facilitadora de uma irritação crónica é invocada por diversos autores, colocando em evidência um aumento da frequência de hiperplasias mesoteliais nos sacos herniários (4). A radiação e radioterapia também foram propostas como causa do tumor, mas esta relação não foi provada. Mais recentemente, foram avançados outros possíveis poluentes ambientais como potenciais Distribuição etária e sintomas O mesotelioma maligno da vaginal testicular ocorre entre os 10 e os 91 anos (3,4), com um pico de incidência dos 55 aos 75 anos (2). Os mesoteliomas malignos foram encontrados indiferentemente à direita e à esquerda. O tumor foi bilateral em 2 casos. (2) Um aumento escrotal indolor num período de vários meses foi o sintoma mais vezes relatado. A vaginal pode mostrar induração ou nodularidades à palpação, mas o diagnóstico pré-operatório mais comum foi hidrocelo (56.3%) ou tumor testicular (32.8). O diagnóstico definitivo foi feito intra-operatoriamente em 97.3% dos casos relatados por Plas E. (2) Foram relatados 2 casos de diagnóstico pré- -operatório por análise citológica do líquido do hidrocelo (4,9). No entanto, a baixa frequência deste tumor torna pouco rentável a realização desta prova em todos os hidrocelos. Esse exame, tal como nos derrames pericárdicos, poderá ter indicação quando houver suspeita prévia de neoplasia ou tuberculose (8). O diagnóstico do mesotelioma maligno baseia-se, portanto, no somatório de várias características clínicas, macroscópicas e microscópicas (incluindo Fig. 4 - Pormenor de área sólida, hipercelular, do tumor. Fig. 5 - Calretinina, reacção imunocitoquímica que marca as células mesoteliais.

44 a imunohistoquímica). As características clínicas foram já debatidas. A orquidectomia por via inguinal permite o diagnóstico histológico e o tratamento da lesão primitiva. Macroscopicamente, o mesotelioma maligno da vaginal testicular apresenta-se, num estadio precoce, sob a forma de nódulos ou vegetações papilares branco-cinza a amarelas tanto sobre a superfície parietal como sobre a visceral (4). Quando é volumoso o tumor apresenta-se lobulado e quístico. Microscopicamente nos estadios avançados a lesão, mal limitada e não encapsulada, está em continuidade com o epitélio normal. A ecografia e a tomografia computorizada (TC) podem mostrar as vegetações evocativas sobre a membrana vaginal. No diagnóstico ecográfico vêem- -se imagens nodulares paratesticulares que alguns autores definem como isoecóicas ou hipoecóicas relativamente aos testículos, geralmente associadas a uma lâmina de hidrocelo. Histologicamente o mesotelioma maligno apresenta aspectos que podem ser de tipo epitelial, fibroso (mesenquimatoso) ou misto. Nos Mesoteliomas da vaginal é predominante o tipo epitelial, como acontece nos mesoteliomas do peritoneu, enquanto os fibrosos são característicos da pleura. O diagnóstico diferencial entre a hiperplasia mesotelial e o mesotelioma é difícil. Um e outro são de origem mesotelial não parecendo haver diferenças ultra estruturais entre as células dos tumores adenomatóides e as células dos mesoteliomas. Algumas características pouco específicas são diferenças quantitativas de colagénio, desmossomas e localização perinuclear de mitocôndrias. Os corpos de psamoma calcificados podem aparecer tanto no mesotelioma benigno como no maligno. (5) As características microscópicas, baseadas em técnicas de imunohistoquímica apoiam-nos o diagnóstico. A falta de reactividade para os marcadores selectivos expressados para adenocarcinoma (em 96% dos casos (4) : CEA; Leu M1; Vimentina para cél.s tumorais) bem como a reactividade para antigénios mais específicos (CAM 5.2 [k-8]; Vimentina para as células do estroma) reafirmam a origem mesotelial. Alguns autores enfatizam a coexpressão de Vimentina e citoqueratina, embora outros não os considerem específicos. Não existe, portanto, um imunofenótipo concreto de mesotelioma. A noção de malignidade é dada por várias características: 1. A infiltração por continuidade dos orgãos vizinhos pelo tumor, começando pela extensão da proliferação mesotelial, passando pela invasão em profundidade dos anexos e à periferia dos testículos via albugínea; 2. A evidência de permeação linfática, a principal via de disseminação, e as metástases ganglionares, viscerais ou outras, com características histológicas do mesotelioma (6) ; 3. A presença ao microscópio electrónico (ME) de microvilosidades de comprimento variável e configuração irregular (papilar) na superfície das células tumorais (5) ; 4. Tamanho superior a 2 cm e pleomorfismo celular importante (4) ; 5. Critérios clínicos, como por exemplo a rápida reacumulação de líquido num hidrocelo operado. A disseminação metastática, tal como a de outros mesoteliomas, faz-se essencialmente por via linfática para a região inguinal, paraórtica e mediastínica. Para alguns autores, cerca de 15% dos pacientes têm metástases linfáticas primárias (2). A invasão local é para o escroto e cicatriz inguinal e a transcelómica é para o peritoneu. A recidiva local apresenta-se sob a forma de nódulos, por vezes eritematosos e confluentes com cerca de 5mm, ulcerados e infiltrando os planos profundos. As metástases via hematogénea desenvolvem-se no pulmão e no fígado (5). Sendo assim, o estadiamento compreende um Rx pulmonar, uma TC torácica e abdomino-pélvica e, para alguns autores, uma linfangiografia pediosa e retroperitoneal (4). Terapêutica O tratamento cirúrgico de eleição é a orquidectomia radical (7). A cura ganglionar retroperitoneal é realizada em caso de suspeita de adenopatia metastática, pesquisadas sistematicamente por certos autores. Em caso de hidrocelectomia transescrotal prévia, deve-se executar uma hemiescrotectomia. Em um estudo de revisão efectuado em 1999, observou-se que a orquidectomia inguinal alargada foi realizada em 41.9% dos casos de mesotelioma maligno da vaginal, orquidectomia escrotal simples em 30.6%, ressecção da parede do hidrocelo em 24.2%, hemiescrotectomia em 1.6% e excisão local em 1.6%. Foi realizada uma segunda intervenção em 43 casos, de um total de 74 (2). Uma vez que o padrão de crescimento do mesotelioma maligno é expansivo e infiltrativo, uma excisão parcial do orgão onde o tumor está localizado parece- -nos inadequada. No mesmo estudo, houve recorrência local em 35.7% dos pacientes que foram submetidos a ressecção da parede do hidrocelo. Entre os pacientes tratados com orquidectomia escrotal ou inguinal as recorrências locais foram 10.5 e 11.5%, respectivamente (2). A radioterapia (RT) das áreas inguinais tem pouca eficácia. O mesotelioma maligno pleural apresenta sensibilidade à RT e, por isso, ela tem sido proposta como tratamento adjuvante inicial ou nas recidivas ganglionares do mesotelioma maligno paratesticular. Porém, a maioria das vezes não se observa mais do

Mesotelioma Maligno Paratesticular 45 que um benefício antálgico nos pacientes. As respostas à poliquimioterapia são raras e não há, portanto, um esquema quimioterápico específico ou com dados conclusivos de eficácia. Em caso de recidiva local um tratamento cirúrgico associado a uma excisão larga dos tecidos neoplásicos seguida de uma cirurgia de reconstrução foi proposta, mas o benefício dessa cirurgia agressiva está ainda por demonstrar. O prognóstico do mesotelioma da vaginal testicular será melhor do que aquele das outras localizações. A evolução é, compreensivelmente, mais rápida após a recidiva local e a difusão metastática ganglionar. Contudo, a sobrevida média não excede os 23 meses após o diagnóstico, mas apenas 14 meses em caso de recorrência. Numa análise univariada os pacientes mais novos tiveram melhor sobrevida. (1) A vigilância de um mesotelioma maligno da vaginal testicular é clínica e tomodensitométrica. Pelo menos uma consulta trimestral é necessária no decurso dos dois primeiros anos. Conclusão O mesotelioma maligno da vaginal testicular é um tumor excepcional. O tratamento assenta sobre a orquidectomia radical, eventualmente associada a uma cura ganglionar retroperitoneal. O seu prognóstico é reservado. A recidiva loco-regional é frequente e coloca difíceis desafios terapêuticos. Um follow-up apertado é, assim, fortemente recomendado. Os homens conhecidamente expostos aos asbestos devem ser monitorizados. Agradecimentos Agradecemos a Enrique Dias (Departamento de Oncologia do C. H. V. N. Gaia) e a Rosete Nogueira (Serviço de Anatomia Patológica do C. H. V. N. Gaia) pela colaboração neste trabalho. Bibliografia 1 - González-Tova, A U Esp, 2000, 24 (9), 757-60. 2 - Plas E, Cancer 83, 1999, 2446-8. 3 - Menut, Progrès en U, 1996, 6, 587-9. 4 - Donnaint, Progrès en U, 1996, 6, 274-7. 5 - Loizaga, A U Esp,1995, 19 (7),573-6 6 - Afonso A. e col., Acta Urol. Port., 5, 1-2, 33-36, 1988. 7 - Campbell s Urology, Walsh, Retik, Vaughan, Wein, 7 th Ed, 1998, Saunders, Págs 2442-3, 2445. Pesquisa da Medline: 8 - Fernendes F e Col., Arq Bras Cardiol 1998 Jun; 70 (6): 393-5. 9 - Ahmed M, Int-Urol-Nephrol.1996; 28(6): 793-6. 10 - Ascoli V, Tumori, 1996 Nov-Dec; 82(6): 526-32