ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DO ARRASTO DE PRAIA DA ILHA DE SÃO VICENTE (MUNICÍPIOS DE SANTOS E SÃO VICENTE) Lúcio Fagundes 1, Acácio Ribeiro Gomes Tomás 1 I- INTRODUÇÃO O crescimento econômico da Ilha de São Vicente, que incluem os municípios de Santos e São Vicente, foi provocado pela expansão imobiliária e pela atividade portuária aliada ao pólo industrial de Cubatão, que pela sua proximidade influencia diretamente a situação econômica dos demais municípios da Baixada Santista. A extração de recursos marinhos tem sido uma rotina das comunidades costeiras, tendo passado de uma atividade equilibrada e aceitável, praticada principalmente como subsistência e também complementação de renda, para outra, de dimensões drásticas de sobreexplotação incerta e predatória (FAGUNDES et al. 2004). Com esse cenário, a existência de conflitos entre as atividades consideradas tradicionais, como a pesca, e outros setores da econômica se torna previsível. Para agravar essa situação, o conseqüente incremento do esforço de exploração, acompanhado pelo rápido aprimoramento das tecnologias de captura, por legislações impróprias, pela falta de fiscalização e pela desorganização do setor pesqueiro vem ocasionando violentas quedas na biomassa, provocando escassez dos recursos e quebra nos ciclos naturais, com os conseqüentes impactos ecológicos, econômicos e sociais (GELLI et al., 1998; PEREIRA et al. 2000). Desse modo, atividades que eram praticamente tradicionais aos caiçaras vêm desaparecendo, embora algumas vilas ainda mantenham áreas de pesca que, segundo Diegues (1983), podem ser consideradas como pertencendo à pequena produção mercantil, com os pescadores trabalhando em um regime que varia entre a pequena produção familiar e a pequena produção artesanal. O arrasto de praia, embora uma atividade tradicional praticada em praias arenosas, de pequena declividade e de grande pista que possibilite estender a rede, vêm sendo praticada cada vez com mais restrições pelos motivos já expostos. Apesar de ser arte de pesca não seletiva, pode ser considerada de baixo impacto, mas no Estado de São Paulo, apenas a região do litoral sul na Área de Proteção Ambiental de Cananéia-Iguape-Peruibe 1 Pesquisador Científico do CAPTAPM do Instituto de Pesca/APTA/SAA 1
(APA-CIP) apresenta uma legislação própria (Instrução Normativa IBAMA N.º 49, de 14 de dezembro de 2004). Como solicitação do IBAMA, o Instituto de Pesca realizou um estudo acompanhando essa atividade pesqueira na Ilha de São Vicente, objetivando avaliar o grau de impacto e aspectos tecnológicos e socioeconômicos da atividade. II-METODOLOGIA Realizou-se um levantamento junto aos pescadores/ajudantes, por meio de entrevistas diretas em formulário com questões direcionadas aos aspectos socioeconômicos da população e da atividade em estudo no período de setembro de 2005 a agosto de 2006. Inicialmente, identificou-se o número aproximado de pescadores/ajudantes, assim como a sua dinâmica de trabalho. Posteriormente foram realizados levantamentos, via questionários, tentando abranger o maior número de pescadores/ajudantes. Foi consolidado um banco de dados com as informações obtidas, que posteriormente foi depurado para elaboração de tabelas e gráficos. III- RESULTADOS E DISCUSSÃO A intenção inicial do projeto era realizar um censo socioeconômico dos pescadores/ajudantes, mas restrições de várias ordens, não permitiram levantar informações de alguns pescadores/ajudantes, principalmente pela rotatividade de pessoas na atividade. A pesquisa foi realizada no período de setembro de 2005 a setembro de 2006, sendo que este trabalho relata apenas parte do resultado dando ênfase ao levantamento socioeconômico. Uma importante constatação foi que a estrutura dessa pesca se encontra apoiada na necessidade de cooperação entre o dono do petrecho que assume uma parte maior da produção já previamente acordada e os ajudantes que dividem o restante da captura. A mobilização dos ajudantes é realizada por contato telefônico ou oralmente entre os participantes, normalmente algumas horas antes da pesca, que é realizada logo após o pôr do sol e pode se estender em várias operações de pesca até o amanhecer. Durante o estudo foram entrevistados 70 pescadores/ajudantes, dos quais 51,4% na faixa etária de 26 a 40 anos, ou seja, na idade considerada de grande atuação no mercado de trabalho (Figura 1). Apenas 20% declararam possuir um emprego considerado 2
formal (carteira assinada), 67,1% sobreviveriam da economia informal, geralmente ligados a construção civil (Figura 2). Idade dos pescadores/ajudantes Emprego formal 24% 1% até 25 13% 20% Sim 16% 52% 26 a 40 41 a 50 51 até 65 Mais de 65 6 Nâo aposentado Figura 1 Faixa etária dos entrevistados (%) Figura 2 Pescadores com emprego formal (%) Ao isolar o ramo de atividade ao qual o entrevistado declara pertencer, nota-se que 60% estariam ainda ligados à construção civil e 2 não estão e 13% são aposentados (Figura 3). A renda obtida com o emprego fora da atividade de pesca teve a seguinte distribuição: 11,4% com menos de um salário (SM), 30% com até um SM, 24,3% com até dois SM e 34,3 % acima de dois SM (Figura 4). Atividade básica ligada a construção civil Renda de outras atividades sem renda/não sabem 2 13% 60% sim não aposentado 13% 14% 24% 11% 31% até 1 salário entre 1 e 2 salários entre 2 e 3 salários entre 3 e 4 salários acima de 4 salários Figura 3 Atividade ligada a construção civil (%) Figura 4 Renda fora da atividade da pesca (%) Com relação à escolaridade, 10% declararam-se sem instrução; 48,6% com o ensino fundamental incompleto e 15, completo, 7,1% com o ensino médio incompleto e 18,6% completo (Figura 4). Sobre as razões que determinam o poder de decisão do pescador/ajudante para exercer a atividade da pesca de arrasto, a busca de um complemento alimentar foi a mais 3
citada, abrangendo 60% dos entrevistados, seguida de alimento aliada à possível venda do pescado obtido (Figura 5). Essa situação demonstra o apelo social, caracterizando-a enfaticamente como uma atividade de subsistência que busca suprir o nível protéico dessas famílias. Escolaridade Razões para exercer a atividade 19% 10% sem instrução fundamental incompleto 16% 48% fundamental completo médio incompleto médio completo 2 6% 6% 1% 60% alimento alimento/lazer alimento/venda lazer venda Figura 4 Escolaridade (%) (%) Figura 5 Razões para exercer a pesca IV CONSIDERAÇÕES FINAIS Essa atividade não implica em mão de obra qualificada, portanto seus componentes humanos apresentam baixas condições de competição no mercado de trabalho e adentraram na pesca por necessidade da obtenção de alimento para a família (subsistência) e, em poucas vezes, por alguma compensação econômica da atividade. Embora esses pescadores não componham uma comunidade tradicionalmente instituída, mantém uma atividade culturalmente caiçara, miscigenada às suas culturas de origem sendo que a maior parcela é nordestina, oriunda principalmente da construção civil. V BIBLIOGRAFIA DIEGUES, A. C. 1983. Pescadores, Camponeses e Trabalhadores do Mar. São Paulo. Ed. Ática, 287 p. GELLI, V. C.; PEREIRA, R. T.; GIFFONI, B. & ALVES, M. R. P. 1998. Caracterização da mitilicultura no Litoral Norte de São Paulo In: Anais da XI SEMANA NACIONAL DE OCEANOGRAFIA Volume/Fascículo:único 587-586 p. FAGUNDES, L.; GELLI, V. C.; OTANI, M. N.; VICENTE, M. C. M.; FREDO, C. E. Perfil sócioeconômico dos mitilicultores do litoral paulista. Informações Econômicas, São Paulo, V. 35, n. 5, p. 47-59, mai, 2004. 4
PEREIRA, O.M.; GELLI,V.C.; HENRIQUES, M.B.; MACHADO, I.C.; BASTOS, A.A. 2000. Programa de Desenvolvimento da Criação Ordenada de Moluscos Bivalves no Estado de São Paulo. São Paulo. Instituto de Pesca, Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, Secretaria de Agricultura e Abastecimento, Série Relatórios Técnicos. 5