Insulino-resistência e infecção por VIH IR DA SÍNDROME DE LIPODISTROFIA DA INFECÇÃO POR VIH INSULINO RESISTÊNCIA

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Transcrição:

54 Manual sobre Insulino-resistência Insulino-resistência e infecção por VIH IR DA SÍNDROME DE LIPODISTROFIA DA INFECÇÃO POR VIH Alterações do metabolismo e redistribuição da gordura: Gordura visceral Gordura subcutânea Terapêutica anti-retrovírica: Inibidores da protease Nucleosídeos inibidores da transcriptase reversa AGL ( Dislipidemia) Hormonas ( leptina, resistina, adiponectina) Citocinas ( TNF-α) INSULINO RESISTÊNCIA Factores relacionados com o doente: Genética Ambiente Dieta Factores relacionados com a doença (Infecção VIH) Tolerância à glicose ou diabetes; Dislipidemia; Alterações da fibrinólise e coagulação ( PAI-1, tpa) Síndrome Metabólica Risco Doença Cardiovascular

Insulino-resistência e infecção por VIH 55 INSULINO-RESISTÊNCIA E INFECÇÃO POR VIH Paula Freitas Serviço de Endocrinologia, Faculdade de Medicina do Porto, Hospital de São João, Porto. Síndrome de lipodistrofia A síndrome de lipodistrofia caracteriza-se por redistribuição da gordura, com acumulação abdomino-visceral e perda subcutânea na face e nas extremidades e pode afectar a maioria dos indivíduos infectados por VIH que são tratados com terapêutica anti-retrovírica combinada. Devido ao desenvolvimento de novos fármacos, como os nucleosídeos inibidores da transcriptase reversa, os nãonucleosídeos e os nucleotídeos e os inibidores da protease (IP), a sobrevida dos doentes com infecção VIH aumentou significativamente. Desde finais de 1996, a estratégia do tratamento anti-retrovírico mudou da associação de 2 para 3 fármacos, a denominada terapêutica anti-retrovírica altamente activa (HAART). A HAART é tão eficaz que a incidência das infecções oportunistas associadas ao VIH diminuiu drasticamente. Esta síndrome está associada a insulino-resistência significativa. De modo que, apesar da melhoria do prognóstico dos doentes infectados com VIH e tratados com HAART, a insulino-resistência e a hiperinsulinemia podem aumentar o risco de mortalidade cardiovascular destes doentes. Para além das alterações cosméticas da síndrome de lipodistrofia, verificou-se mais tarde a existência de alterações metabólico-endócrinas: 1. Metabolismo glicídico (diminuição da tolerância à glicose ou diabetes) 2. Metabolismo lipídico (aumento triglicerídeos, colesterol total e C-LDL e diminuição C-HDL) 3. Alterações da fibrinólise e da coagulação ( PAI-1, tpa) 4. Alterações endócrinas ( leptina, resistina, adiponectina) As alterações no metabolismo da glicose resultam de diminuição da sensibilidade à insulina e esta conjuntamente com hiperlipidemia e as alterações da fibrinólise e da coagulação são factores de risco para doença coronária. O conjunto destes factores (síndrome metabólica) aumenta exponencialmente este risco.

56 Manual sobre Insulino-resistência Alterações da Tolerância à Glicose As causas de insulino-resistência na infecção por VIH são provavelmente multifactoriais. Os mecanismos de insulino-resistência nesta população podem relacionar-se com a diminuição no transporte de glicose causado por efeito directo de certos agentes anti-retrovíricos, como os IP, ou com o efeito de grandes alterações da distribuição da gordura, nomeadamente a perda de gordura subcutânea e aumento de gordura visceral. Vários estudos demonstraram a existência de hiperinsulinemia nos doentes infectados com VIH. A maioria dos indivíduos com infecção VIH têm glicemia normal mas alguns com lipodistrofia têm diminuição da tolerância à glicose ou diabetes. Nos doentes com infecção por VIH e com insulino-resistência existe aumento da secreção de insulina, diminuição da extracção hepática de insulina, diminuição da sensibilidade das células β, e aumento da produção hepática de glicose. As alterações na distribuição de gordura podem ser graves nos doentes VIHpositivos, e podem contribuir de forma independente para a hiperlipidemia e insulino-resistência. Os mecanismos de redistribuição da gordura e alteração da regulação do adipócito não são totalmente conhecidos, mas podem resultar de efeitos directos do vírus VIH, das medicações anti-retrovíricas ou de uma interacção entre o vírus VIH, citoquinas e estas terapêuticas específicas. Não há dados que confirmem uma infecção directa dos adipócitos pelo vírus VIH. Citoquinas como o factor necrose tumoral α (TNF-α) podem promover lipólise e insulino-resistência através de acção sistémica ou efeitos parácrinos locais. Por outro lado, os IP podem inibir a diferenciação dos adipócitos através dos seus efeitos na regulação da proteína 1 de ligação do elemento regulador dos esteróides (SREBP-1) enquanto que os nucleosídeos inibidores da transcriptase reversa (NRTIs) podem afectar a função mitocondrial e o metabolismo dos adipócitos através dos seus efeitos no DNA polimerase γ. Nos doentes infectados por VIH existe um aumento dos níveis de AGL, devido ao aumento da lipólise e à redistribuição de gordura, o que influencia directamente a insulino-resistência. O aumento de AGL contribui para a insulino-resistência por diminuir a entrada de glicose no músculo.

Insulino-resistência e infecção por VIH 57 O mecanismo pelo qual a redistribuição da gordura parece ser um determinante importante da insulino-resistência em doentes infectados por VIH com síndrome de lipodistrofia não é totalmente conhecido. Uma possibilidade é o TNF-α e os seus receptores, nomeadamente, o receptor solúvel do tipo 2 do TNF, contribuírem para a insulino-resistência na lipodistrofia por VIH. Em doentes com insulinoresistência observa-se um aumento da produção de TNF-α no tecido adiposo. Papel da Desregulação Imune Existe também uma ligação entre factores imunes ou inflamatórios e redistribuição de gordura. Doentes tratados com HAART têm elevado número de linfócitos CD8 + contendo TNF-α. O TNF tem múltiplos efeitos no tecido adiposo, nomeadamente inibição da diferenciação dos adipócitos, inibição da esterificação dos triglicerídeos e sua deposição nos adipócitos, e promoção da lipólise. Patogénese da Redistribuição da gordura Estudos moleculares mostraram que os IP estão associados a menores níveis de SREBP-1, PPAR γ, e c/ebp α factores que normalmente promovem a diferenciação do adipócito e a uma localização celular persistente de SREBP-1 com uma falta de translocação normal para o interior do núcleo. A incubação com IP também diminui os efeitos da insulina na cinase MAP e cinase P13, factores intracelulares que promovem o transporte de glicose e promove a apoptose, principalmente o indinavir. A rosiglitazona (agonista dos PPARγ) reverte esses efeitos inibitórios permitindo o aumento da diferenciação, diminuição da insulino-resistência e diminuição da apoptose. O aumento das concentrações séricas de lactato também pode estar associado com a insulino-resistência e são superiores nos doentes com lipodistrofia. Em resumo, vários factores promovem a insulinoresistência, nomeadamente efeito directo dos fármacos na translocação do GLUT 4, e outros efeitos na função celular como a actividade hexocinase e promovem também alterações na secreção pancreática de insulina e produção hepática de glicose. Baseado em estudos de homologia sequencial, Carr propôs que os IP podem ligar-se à proteína de ligação do ácido retinóico citoplasmático de tipo 1 (CRABP1) e à proteína relacionada com o receptor da lipoproteína (LRP). A ligação dos IP ao CRABP1 parece diminuir a activação do receptor retinóide X e a

58 Manual sobre Insulino-resistência dimerização com o peroxisome proliferator-activated receptor γ (PPARγ), o que causa diminuição da captação dos quilomicra e depuração dos triglicerídeos pelo complexo lipoproteína lipase-lrp endotelial. Tratamento da insulino-resistência na síndrome de lipodistrofia VIH Uma questão inicial nos doentes com lipodistrofia por VIH é saber até que ponto um regime sem IP poderá melhorar a insulino-resistência. No entanto, as alterações metabólicas devem ser compensadas tendo em conta os efeitos benéficos conhecidos dos vários regimes anti-víricos na função imune e na sobrevivência global. São necessários mais estudos para determinar a segurança e eficácia das estratégias de substituição de anti-virícos. Modificações dietéticas (baixo conteúdo em gordura e elevado em fibras), aumento de exercício e correcção do excesso de peso caso exista ou tratamento específico devem ser estratégias iniciais em doentes com lipodistrofia por VIH. Os agentes insulino-sensibilizadores parecem melhorar a insulino-resistência e reduzir o risco de DCV nesta população. A metformina é particularmente apropriada para doentes com obesidade andróide significativa, dislipidemia e aumento do IMC, já que o uso da metformina melhora o equilíbrio glicémico, reduz a insulino-resistência, a obesidade visceral, o peso, os triglicerídeos, as LDL, a tensão arterial diastólica, tpa e PAI-1; o que sugere que os agentes insulino-sensibilizadores podem melhorar o perfil de risco global cardiovascular em doentes VIH-infectados com redistribuição de gordura. Estes benefícios foram demonstrados em doentes sem diabetes, com infecção por VIH a efectuar terapêutica anti-retrovírica mas com diminuição da tolerância à glicose e/ou hiperinsulinemia (insulina em jejum> 15 µiu/ml) e/ou aumento da razão perímetro da cintura / perímetro da anca e/ou evidência de redistribuição da gordura. O desenvolvimento de acidose láctica é raro, mas é um potencial efeito secundário grave da metformina, particularmente em doentes com disfunção renal. Em doses baixas a metformina em doentes infectados por VIH não aumenta o risco de acidose láctica, mesmo naqueles que usam nucleosídeos inibidores da transcriptase reversa, os quais estão eles próprios associados de per si a acidose láctica. A metformina, apesar de ser um potente insulino-sensibiliza-

Insulino-resistência e infecção por VIH 59 dor, não aumentou a adipogénese periférica, possivelmente porque actua primariamente na redução da insulino-resistência hepática. Pelo contrário, as tiazolidinedionas (rosiglitazona, pioglitazona), estão associadas a aumento de peso, promovem a adipogénese subcutânea primariamente através da sua acção nos PPARγ. Apesar das tiazolidinedionas terem efeitos tanto na insulino-resistência hepática como periférica, o efeito dominante é melhorar a captação periférica de glicose. As tiazolidinedionas também reduzem os níveis plasmáticos de triglicerídeos e podem aumentar as HDL, diminuir o PAI-1 e melhorar a função endotelial. Os agentes hipolipemiantes (fibratos e estatinas) estão recomendados em indivíduos infectados por VIH com hiperlipidemia. São preferidas as estatinas que não partilham vias de metabolismo similares com os IP (citocromo P450 3A4), no entanto a melhor forma de melhorar o perfil lipídico é a descontinuação da terapia com IP. Hormona de crescimento tem um efeito bidireccional na insulino-resistência, ou seja, um agravamento precoce e uma melhoria tardia. Existe um aumento na produção hepática de glicose e insulino-resistência hepática ao fim de um mês de tratamento mas que é reversível ao sexto mês. A IR periférica também melhora ao 6.º mês. Esta terapêutica está associada a perda de gordura, especialmente gordura visceral, diminuição do colesterol total, LDL e triglicerídeos e aumento das HDL. O tratamento com GHRH ( Growth hormone releasing hormone ) pode ser uma opção viável para reverter as anomalias da composição corporal existentes na lipodistrofia VIH. Apesar desta redistribuição da gordura reflectir um perfil cardiovascular mais saudável, os níveis de insulina, glicose, colesterol e triglicerídeos podem permanecer estáveis. Outras potenciais terapêuticas associadas à diminuição da IR são a administração de IGF-I, leptina e adiponectina. Conclusões A insulino-resistência associada à infecção VIH é comum e multifactorial, parecendo que alguns IP têm um efeito promotor directo. A redistribuição da gordura, também comum, parece ser igualmente multifactorial, com os agentes antiretrovíricos contribuindo apenas para uma parte do problema.