Insulino-resistência e obesidade
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- João Guilherme Farias Amaro
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1 62 Manual sobre Insulino-resistência Insulino-resistência e obesidade A associação de obesidade visceral com resistência à insulina, hipertrigliceridemia, aumento da apolipoproteína B, aumento das LDL pequenas e densas e diminuição do colesterol HDL confere um alto risco de doença cardiaca isquémica. Hiperinsulinemia TRÍADA ATEROGÉNICA Aumento das partículas LDL pequenas e densas Aumento da apolipoproteína B Associa-se a risco aumentado de doença coronária mesmo na ausência dos factores de risco clássicos como diabetes tipo 2, hipercolesterolemia e hipertensão. NA PRÁTICA: A associação da hipertrigliceridemia com o aumento do perímetro da cintura é um fenótipo identificador de obesidade / excesso de peso de alto risco. O perímetro da cintura deverá ser usado como um parâmetro vital a medir em todos os doentes pela sua capacidade de identificar a obesidade visceral e de monitorizar a sua modificação no tempo.
2 Insulino-resistência e obesidade 63 INSULINO-RESISTÊNCIA E OBESIDADE Helena Cardoso Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital Geral de Santo António A associação entre obesidade e resistência à insulina parece corresponder a uma relação de causa-efeito. Um dado a favor é o facto de, quer nos modelos de experimentação animal, quer no Homem, o aumento de peso diminuir a sensibilidade à insulina e a perda de peso aumentá-la, com repercussões também a nível da tolerância à glicose 1. O mecanismo subjacente a esta relação é porém discutível. Os ácidos gordos livres parecem constituir uma importante ligação entre obesidade, resistência à insulina e diabetes mellitus. Os ácidos gordos elevados provocam resistência à insulina a nível hepático e periférico 2. Os mecanismos possíveis para esta relação entre a resistência à insulina e o nível plasmático de ácidos gordos livres são a inibição da fosforilação e do transporte da glicose e a diminuição da actividade da sintase do glicogénio muscular. Os ácidos gordos livres também estimulam a secreção de insulina nos indivíduos não diabéticos, compensando assim a resistência periférica à insulina que eles próprios medeiam. Outros autores propõem como explicação para a hiperinsulinemia uma redução da captação de insulina pelo fígado em resultado da sua exposição a níveis elevados de ácidos gordos livres. Boden defendeu que nos indivíduos predispostos geneticamente à diabetes tipo 2 os ácidos gordos livres seriam incapazes de promover esse aumento da secreção de insulina capaz de compensar o aumento da resistência à insulina, o que resultaria em hiperglicemia 3. Vários autores demonstraram uma associação entre as reservas aumentadas de triglicerídeos intramusculares e a diminuição da sensibilidade muscular à insulina medida pela determinação da síntase de glicogénio estimulada pela insulina, e os índices de resistência à insulina determinados pelo clamp euglicémico. O Quebec Cardiovascular Study demonstrou a associação da obesidade visceral com a hiperinsulinemia, a resistência à insulina, a hipertrigliceridemia, o aumento da concentração da apolipoproteína B, o aumento da proporção das LDL pequenas e densas e a diminuição das concentrações do colesterol HDL. Das variáveis estudadas foi a apolipoproteína B a que se correlacionou mais for-
3 64 Manual sobre Insulino-resistência temente com a doença cardíaca isquémica (4). Perante a frequente observação de níveis de colesterol total muito próximos do normal em doentes com obesidade visceral e história de doença cardíaca isquémica, Després descreve uma tríada aterogénica, de que fazem parte a hiperinsulinemia, o aumento das partículas LDL pequenas e densas e o aumento da apolipoproteína B, tríada essa associada a risco aumentado de doença coronária mesmo na ausência dos factores de risco clássicos como a diabetes tipo 2, a hipercolesterolemia e a hipertensão 5. A associação da hipertrigliceridemia ao aumento do perímetro da cintura será um fenótipo identificador dessa tríada aterogénica e da obesidade / excesso de peso de alto risco. É de salientar a importância da resistência à insulina como factor de risco cardiovascular chamando a atenção para os diferentes fenótipos que a síndrome metabólica pode apresentar. O perímetro da cintura deve ser usado como um parâmetro vital a medir em todos os doentes pela sua capacidade de identificar a obesidade visceral e de monitorizar a sua modificação no tempo. Várias explicações têm sido sugeridas para a maior associação entre obesidade central e S. metabólica. Uma explicação é que o tecido adiposo visceral seja mais insulino-resistente do que o tecido adiposo subcutâneo. No entanto, Abate e colaboradores 6 observaram, no homem, um maior papel do tecido abdominal subcutâneo na resistência à insulina ligada à obesidade, tendo o tecido adiposo intraperitoneal e retroperitoneal um menor papel. Já Dowling e colaboradores 7 verificaram que nas mulheres brancas com obesidade central quer os adipócitos abdominais quer os gluteais respondiam menos aos efeitos estimuladores da insulina na captação da glicose e eram menos sensíveis aos efeitos antilipolíticos da insulina, confirmando a associação da obesidade central com a resistência à insulina e a dislipidemia. Portanto a resistência aos efeitos antilipolíticos da insulina ao nível do tecido adiposo pode aumentar a lipólise sistémica, desempenhando um papel no desenvolvimento ou manutenção da resistência periférica à insulina associada à obesidade central. Outra explicação é que os produtos libertados pelo tecido adiposo visceral, ácidos gordos livres e seus metabolitos e as citocinas como o TNF-α entram na circulação portal, banham o fígado desenca-
4 Insulino-resistência e obesidade 65 deando várias repostas que agravam a S. metabólica. Activarão componentes da via inflamatória como o factor nuclear kappa-b (NFKappaB) e inibirão a sinalização da insulina. A resistência à insulina associa-se ainda a níveis diminuídos de adiponectina. Reaven e colaboradores demonstraram na mulher pós-menopáusica que embora a RI isolada esteja associada a algumas alterações metabólicas, é a associação de obesidade visceral e RI que se acompanha de maiores alterações metabólicas, inclusive diabetes em 43% da população estudada. O «Insulin Resistance Atherosclerosis Study» demonstrou que a medida da cintura é um forte predictor do declínio da SI nos normoponderais não diabéticos, pelo que deve ser usada juntamente com o IMC na identificação de indivíduos com alto risco de diabetes ou da S.da IR 8. A visão prevalente é pois que a acumulação de gordura visceral promova a diminuição da sensibilidade à insulina. Contudo esta visão tem sido posta em causa pela sugestão de que poderá ser a insulino-resistência a levar à acumulação de gordura visceral e/ou que a IR e a acumulação de gordura visceral possam ambas ser resultado de um defeito a montante, tal como a acumulação de gordura noutros locais, por exemplo no tecido adiposo subcutâneo abdominal, principal contribuidor para os níveis plasmáticos de ácidos gordos livres 9. Outro factor importante a considerar é a susceptibilidade genética. A influência genética na sensibilidade à insulina e na composição corporal está bem determinada 10. Como podemos explicar que nem todas as pessoas com excesso de peso e obesidade desenvolvam a S. Metabólica? Presumivelmente alguma pessoas, mas não todas, têm susceptibilidade genética ao desenvolvimento da S. metabólica na presença de obesidade 11. A variação considerável dos padrões da S. Metabólica entre indivíduos e entre populações sugere que a variabilidade genética seja a responsável por essa variação. Alguma populações, como os Asiáticos do Sul, exibem uma alta prevalência de S. Metabólica mesmo na presença de obesidade leve, o que sugere uma alta susceptibilidade genética. A susceptibilidade genética interactuará fortemente com a obesidade na definição de padrões particulares de S. Metabólica, pelo que a patogénese da S. Metabólica não será completamente compreendida até a natureza da variação genética ser identificada.
5 66 Manual sobre Insulino-resistência Baranova e colaboradores 12 identificaram 1208 genes com expressão significativamente diferente no tecido adiposo visceral de obesos mórbidos e não obesos incluindo genes relacionados com o metabolismo lipidico e glicidico, transporte de membrana e promotores do ciclo celular. Estes dados são um primeiro passo na clarificação da patogénese molecular da obesidade. Porém, a observação de uma ausência de correlação de história familiar de diabetes com IR e acumulação de gordura em populações rurais, magras e com maior actividade física do IRA Family Study, ao contrário do que se passava nas populações urbanas, mais obesas e mais sedentárias, sugere que a actividade fisica desde idades jovens pode impedir a manifestação de um quadro genético, o que vem reforçar o papel do estilo de vida e a importância de não se considerar a S. Metabólica como uma fatalidade genética.
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