CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA ATIVIDADE PARA O DEBATE SOBRE A NATUREZA DA ATIVIDADE DE ENSINO ESCOLAR EIDT,

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Transcrição:

CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA ATIVIDADE PARA O DEBATE SOBRE A NATUREZA DA ATIVIDADE DE ENSINO ESCOLAR EIDT, Nadia Mara UNESP Araraquara nadiaeidt@uol.com.br GT:Psicologia Educacional/nº 20 Agência Financiadora: FAPESP Introdução O presente trabalho integra uma pesquisa de doutorado em andamento e objetiva discutir a natureza da atividade de ensino, visando a efetiva promoção do desenvolvimento mental da criança à luz do referencial da Teoria da Atividade, também conhecida como Psicologia Histórico-Cultural ou Sócio-Histórica. Essa discussão assume grande importância na atualidade, especialmente se forem considerados os elevados índices de fracasso escolar verificados na realidade brasileira e mantidos, de fato, praticamente inalterados há décadas. Vigotski (1991) afirmou que não é qualquer ensino que promove o desenvolvimento psíquico, mas sim o bom ensino, ou seja, aquele que se adianta ao desenvolvimento. Ele postulou que uma correta organização da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental (p. 15). Disto compreende-se que a qualidade do desenvolvimento psicológico não é inerente a qualquer ensino, mas depende de como este último é organizado. Ou seja, todo o ensino escolar promove, em alguma medida, as capacidades intelectuais da criança; porém, a qualidade destas capacidades deve ser analisada à luz do modo como se desenvolve a atividade de ensino. Partindo dos pressupostos Teoria da Atividade, entende-se que um ensino promotor do desenvolvimento depende do que se adquire e de como se adquire (KOSTIUK, 1991, p. 24), o que implica analisar, dentre outros aspectos: a qualidade do conhecimento escolar, o modo de ensino deste conhecimento e o modo de sua apropriação pelo aluno. 1) A qualidade do conhecimento escolar Na sociedade de classes, a apropriação da riqueza produzida pela humanidade se dá de forma privada. Uma das contradições do capitalismo é que seu desenvolvimento permitiu que as possibilidades para a humanização do gênero humano se ampliassem como nunca na história, produzindo uma existência humana cada vez mais rica e universal. Porém, essa existência tem sido gerada às custas da desumanização de grande

2 parte da população. Leontiev (1978) afirma que a maioria esmagadora das pessoas só tem acesso à apropriação das aquisições produzidas pela humanidade dentro de limites miseráveis. Deste modo, as possibilidades para a humanização dos indivíduos em uma sociedade de classes dependem dos lugares que eles ocupam nas relações sociais - que foram criados pelos homens ao longo da história -, e não, como queria a psicologia tradicional, em decorrência de atributos individuais, surgidos por um dote natural, na qual o desenvolvimento espiritual do homem tem origem em si mesmo. Leontiev (1978) alerta para o fato de que a psicologia tradicional colocou o problema ao contrário, na medida em que considerava, por exemplo, que as aptidões científicas eram condição para a apropriação do conhecimento científico, ao invés de considerar que a apropriação dos progressos da ciência é que seria responsável pela formação das aptidões científicas. Ou ainda, o talento artístico seria a condição para a apropriação da obra de arte. A partir de uma perspectiva materialista histórica e dialética, entende-se que a apropriação da arte é justamente a condição para o desenvolvimento do talento artístico. Na síntese realizada por Leontiev (1978) tem-se que O verdadeiro problema não está, portanto, na aptidão ou inaptidão das pessoas para se tornarem senhores das aquisições da cultura humana, fazer delas aquisições da sua personalidade e dar-lhe a sua contribuição. O fundo do problema é que cada homem, cada povo tenha a possibilidade prática de tomar o caminho de um desenvolvimento que nada entrave (LEONTIEV, 1978, p. 283). Para Leontiev (1967), a criança se encontra com um mundo criado e transformado pela atividade humana das gerações precedentes. Ela não pode simplesmente estar neste mundo, precisa viver e atuar sobre ele, usando instrumentos, o idioma e a lógica já elaborada pela sociedade, além de não permanecer indiferente às criações artísticas. Ele evidencia que a criança não possui aptidões preparadas de antemão para realizar essas tarefas, como por exemplo, falar um determinado idioma ou perceber relações geométricas. A formação dessas aptidões acontece em consonância com o processo de domínio, pelo indivíduo, do patrimônio cultural criado pela humanidade ao longo do processo histórico. Neste sentido, para a Teoria da Atividade, a função da escola é a de socialização do conhecimento científico, filosófico e artístico produzido pela humanidade através dos tempos, em suas formas mais elevadas. Contrariando as pedagogias que postulam

3 uma educação centrada no cotidiano imediato dos alunos (em geral, resultado da alienante cultura de massas), defende-se uma educação que amplie os horizontes culturais dos alunos, mediante a apropriação dos conhecimentos científicos, produzindo novas necessidades, novos carecimentos e tendo como meta o desenvolvimento da sua individualidade como um todo (DUARTE, 2001). Destaca-se que essas necessidades, ou seja, os motivos e interesses humanos não são dados a priori desde o nascimento, mas são históricos e sociais, ou seja, são desenvolvidos nas crianças pela sociedade, a partir das condições de vida e educação. Deste modo, os interesses dos alunos não devem ser entendidos como algo natural e imutável, ao contrário, eles podem ser modificados e novas necessidades podem ser criadas ao longo do processo de escolarização. 2. O modo de ensino do conhecimento Vigotski (2001) defendeu que o ensino seria totalmente desnecessário se pudesse utilizar apenas o que já está maduro no desenvolvimento, se ele mesmo não fosse fonte de desenvolvimento e surgimento do novo (p. 334). Nessa perspectiva, o processo de desenvolvimento é impulsionado pela educação escolar. A educação não espera pelo amadurecimento das funções psíquicas, mas estimula e condiciona seu desenvolvimento. Vigotski (1991) postulou a existência de dois níveis de desenvolvimento infantil: real e próximo. O nível de desenvolvimento real é a capacidade da criança de realizar atividades independentemente do outro. Já a zona de desenvolvimento próximo está relacionada à capacidade em vias de ser construída, ou seja, a criança consegue realizar determinadas atividades desde que conte com auxílio. Desta forma, é necessário que o processo educativo seja elaborado de forma que não se restrinja ao que o aluno já sabe, assim como não deve ir além daquilo que ele não é capaz de fazer mesmo com auxílio. Pela ausência de uma adequada compreensão acerca da influência do conhecimento científico transmitido pelo professor na formação do psiquismo da criança, vários autores passaram a defender que uma educação escolar que priorizasse a transmissão-assimilação dos conhecimentos científicos pelo professor se converteria em uma educação bancária, conteudista e teria como conseqüência a formação de indivíduos acríticos e passivos. Embora seja inegável a existência generalizada de formas de ensino inadequadas ao objetivo de promoção do desenvolvimento psíquico dos alunos, seria um equívoco

4 concluir-se que exista uma insuperável identidade entre transmissão do conhecimento e aprendizagem mecânica, superficial e passiva. Há necessidade do aprofundamento dessa discussão visando uma maior precisão dos conceitos empregados. Por exemplo: na perspectiva da Teoria da Atividade, poder-se-ia considerar que o bom ensino seria um processo por meio do qual a transmissão do conhecimento científico transformado em conteúdo curricular pelo professor e sua apropriação ativa pelos alunos fosse uma unidade dialética na qual o pólo do ensino e o pólo da aprendizagem fossem mediatizados pela atividade de pensamento condensada no conhecimento científico. 3. A apropriação do conteúdo escolar Para tratar da natureza da apropriação do conhecimento escolar, far-se-á uma analogia com o processo de apropriação instrumentos, tal como postulado por Leontiev (1978). Ao se apropriar de um instrumento, o homem incorpora as necessidades e capacidades humanas ali objetivadas por gerações anteriores. Isto significa que os objetos humanos não são somente físicos, mas neles há atividade, experiência humana acumulada. A apropriação desta riqueza acumulada nos objetos é um elemento fundamental no processo de humanização dos indivíduos. Do mesmo modo, o conhecimento científico não equivale a um mero somatório de classificações e conceituações das várias ciências, mas é uma síntese da atividade material e intelectual produzida pelas gerações anteriores. Sua apropriação está estritamente ligada uma efetiva reorganização dos processos psíquicos das crianças, ou seja, a um aumento na qualidade de generalizações conceituais que a aprendizagem confere ao pensamento, ao surgimento de formas especiais de conduta, à modificação da atividade das funções psíquicas e a criação de novos níveis de desenvolvimento humano (VIGOTSKI, 1995). Para Kostiuk (1991) o domínio de conceitos cada vez mais complexos favorece o desenvolvimento da abstração e da generalização, leva à formação e ao aperfeiçoamento de operações lógicas e ao desenvolvimento da curiosidade e independência na apropriação do conhecimento. Leontiev (1967) discute que a Finalizando Na atualidade, em virtude da ampla influência de perspectivas neoliberais e pós modernas na Educação, os conhecimentos ensinados na escola tem visado mais ao preparo dos indivíduos para se adaptarem às alienantes relações sociais de produção que

5 presidem o capitalismo contemporâneo, restringindo-se à formação de um mínimo de aptidões e hábitos. Como conseqüência, há uma secundarização do ensino dos conhecimentos científicos (DUARTE, 2001). Espera-se ter conseguido demonstrar que a formação de novas estruturas mentais não se dá espontaneamente, nem é produto do mero amadurecimento orgânico, mas depende do processo de apropriação, pelos alunos, da atividade material e intelectual condensada justamente nos conhecimentos científicos, filosóficos e artísticos em suas formas mais desenvolvidas. Referências: DUARTE, N. Vigotski e o aprender a aprender : crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigostskiana. Autores Associados, Campinas, 2001. LEONTIEV, A. N. Actividade, conciencia, personalidad. Habana, Cuba: Editorial Pueblo u Educación, 1975. LEONTIEV, A. N. Sobre a formação das aptidões. IN: A. N. LEONTIEV e OUTROS. El hombre y la cultura: problemas teóricos sobre educação. Editorial Grijalbo, Argentina, 1967. KOSTIUK. G. S. Alguns aspectos da relação recíproca entre educação e desenvolvimento da personalidade. IN: LURIA, A. R. LEONTIEV, A., VYGOTSKY, L. S. (Orgs). Psicologia e Pedagogia: Bases Psicológicas da aprendizagem e do desenvolvimento. São Paulo: Moraes, 1991. VIGOTSKI, L. S. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. IN: LURIA, A. R. LEONTIEV, A., VYGOTSKY, L. S. (Orgs). Psicologia e Pedagogia: Bases Psicológicas da aprendizagem e do desenvolvimento. São Paulo: Moraes, 1991. VYGOTSKY, L. S. Estudo do desenvolvimento dos conceitos científicos na infância. IN: A Construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001. VYGOTSKI, L. S. El problema Del desarrollo de lãs funciones psíquicas superiores. Obras Escogidas Tomo III. Visor, 1995.