Constipação intestinal em pediatria: diagnóstico e tratamento Constipation in childhood

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Transcrição:

Constipação intestinal em pediatria: diagnóstico e tratamento Constipation in childhood Soraia Tahan Doutora e médica da Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Patrícia da Graça Leite Speridião Professora visitante. Doutora da Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Ulysses Fagundes Neto Professor titular da Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica e reitor da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Mauro Batista de Morais Professor adjunto. Livre-docente da Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Guia de Atualização Terapêutica PM Jul 06 V 42 Especial Unitermos: constipação, pediatria, literatura de revisão. Unterms: constipation, pediatrics, review literature. Sumário Objetivo: Revisar os conhecimentos atuais sobre impacto, fisiopatologia, apresentação clínica e tratamento da constipação crônica em Pediatria. Métodos: O tema foi abordado com base na revisão de artigos científicos, incluindo a experiência dos autores em ambulatório especializado em constipação. Resultados: A constipação crônica na infância apresenta elevada prevalência. O círculo vicioso da constipação envolve fezes endurecidas, dor para evacuar e retenção fecal. A retenção fecal pelo medo de sentir dor é ponto crucial no problema da constipação na infância. A apresentação clínica é variável e de acordo com a faixa etária. As complicações físicas e psicológicas são decorrentes da retenção fecal. As principais complicações são escape fecal, dor abdominal, anorexia e complicações urinárias. No âmbito emocional, crianças com escape fecal costumam ser quietas e evasivas e evitam a atenção para si, pode ocorrer depressão, baixa autoestima, perda da capacidade de enfrentamento ou regressão, fobia, faltas na escola e distúrbios da afetividade. O tratamento deve ser individualizado e envolve os procedimentos: orientação geral, esvaziamento do fecaloma, tratamento de manutenção e recondicionamento esfincteriano. Apesar de, na maioria das vezes, a constipação crônica ser de origem funcional, é necessária muita atenção para as entidades que constituem seu diagnóstico diferencial. Avaliação especializada e exames subsidiários devem ser indicados de acordo com as características clínicas individuais e quando a evolução clínica não for satisfatória. Conclusões: O controle da constipação a longo prazo e na vida adulta envolve incorporação de hábitos

alimentares que proporcionem quantidade adequada de fibra alimentar que ajuda a prevenir a ocorrência de futuras doenças. Sumary Objective: An up-to-date review concerning the importance, pathophysiology, clinical presentation and treatment of chronic constipation in Pediatrics. Methods: The theme was approached through the bibliographic review and the author's experience in the specialized clinic in constipation. Results: Constipation is a common disorder in childhood. The vicious circle of the constipation involves passing of hard stools, pain to evacuate and stool hoarding. Stool harding for fear of pain is the real crux of the problem in childhood constipation. The clinical presentation is variable and in agreement with the age group. The physical and psychological sequelae are current of the fecal retention. The main complications are soiling, abdominal pain, anorexia and urinary abnormalities. In the emotional ambit, children with soiling be quiet and excuses and they avoid the attention for itself, depression, depressed self-esteem, school phobia and truancy and affective disturbances. Treatment should be adapted to each patient and includes general orientation, complete colonic cleanout, maintenance treatment and a behavioral program to regulate bowel habits. Despite the fact that most children present functional chronic constipation, underlying systemic and intestinal illness must be considered. Specialized evaluation and diagnostic techniques should be indicated according to the individual patient characteristics and when the clinical outcome is not satisfactory. Conclusions: The long term control of chronic constipation, including in adult life depends on the acquisition of dietary habits which provides and adequate intake of dietary fiber that also contribute to prevent future diseases. Numeração de páginas na revista impressa: 79 à 86 Resumo Objetivo: Revisar os conhecimentos atuais sobre impacto, fisiopatologia, apresentação clínica e tratamento da constipação crônica em Pediatria. Métodos: O tema foi abordado com base na revisão de artigos científicos, incluindo a experiência dos autores em ambulatório especializado em constipação. Resultados: A constipação crônica na infância apresenta elevada prevalência. O círculo vicioso da constipação envolve fezes endurecidas, dor para evacuar e retenção fecal. A retenção fecal pelo medo de sentir dor é ponto crucial no problema da constipação na infância. A apresentação clínica é variável e de acordo com a faixa etária. As complicações físicas e psicológicas são decorrentes da retenção fecal. As principais complicações são escape fecal, dor abdominal, anorexia e complicações urinárias. No âmbito emocional, crianças com escape fecal costumam ser quietas e evasivas e evitam a atenção para si, pode ocorrer depressão, baixa autoestima, perda da capacidade de enfrentamento ou regressão, fobia, faltas na escola e distúrbios da afetividade. O tratamento deve ser individualizado e envolve os procedimentos: orientação geral, esvaziamento do fecaloma, tratamento de manutenção e recondicionamento

esfincteriano. Apesar de, na maioria das vezes, a constipação crônica ser de origem funcional, é necessária muita atenção para as entidades que constituem seu diagnóstico diferencial. Avaliação especializada e exames subsidiários devem ser indicados de acordo com as características clínicas individuais e quando a evolução clínica não for satisfatória. Conclusões: O controle da constipação a longo prazo e na vida adulta envolve incorporação de hábitos alimentares que proporcionem quantidade adequada de fibra alimentar que ajuda a prevenir a ocorrência de futuras doenças. Introdução Os distúrbios da defecação na infância estão entre as condições clínicas que mais produzem estresse para a família, considerando que para os pais é muito importante a habilidade de seus filhos evacuarem adequadamente(1). Sem dúvida, a constipação funcional e suas complicações estão entre os distúrbios da defecação mais freqüentes na infância, considerando que representam mais de 95% dos casos de constipação. O escape fecal é uma complicação freqüente em crianças constipadas e causa enorme frustração e hostilidade nas suas famílias, bem como baixa auto-estima, depressão, ansiedade e outros distúrbios afetivos nestes pacientes(1). Portanto, conduzir adequadamente os casos de constipação na infância é muito importante para que possamos contribuir na qualidade de vida dessas crianças e de seus familiares. No Brasil, estudos realizados em escolas ou serviços de saúde revelam prevalência entre 25% e 35%, aproximadamente(2-6). Estudo recente sobre a prevalência de constipação intestinal em unidade básica de saúde de Ribeirão Preto mostra que 26,8% (84/313) dos participantes apresentam constipação, entretanto 35,7 (30/84) dos pais destas crianças consideravam que seus filhos tinham hábito intestinal normal(7). Dessa forma, deve ser lembrado a importância do pediatra detalhar o interrogatório sobre o hábito intestinal nas consultas de puericultura ou por outras queixas, pois, provavelmente, encontrará constipação em cerca de 25% a 35% das crianças atendidas. Esses casos, em geral, são de constipação leve ou moderada, sem complicações o que faz com que os pais não considerem a constipação um problema de saúde do seu filho (8). Estas crianças se diferenciam dos pacientes atendidos em ambulatórios especializados, onde o motivo principal das consultas é o aparecimento das complicações graves da constipação. A queixa espontânea de constipação constitui cerca de 3% das queixas nos serviços de saúde pediátricos e de 20% a 25% nos serviços de gastroenterologia pediátrica(9). Constipação é um sintoma que pode ser definido ou caracterizado como a eliminação de fezes endurecidas, com dificuldade ou dor e/ou a ocorrência de comportamento de retenção, escape fecal e aumento no intervalo das evacuações (menos que três evacuações por semana). Outras manifestações clínicas podem ocorrer como sangramento em torno das fezes, sensação de esvaziamento retal incompleto após a evacuação e dor abdominal. A fim de entendermos a fisiopatologia da constipação funcional na infância, faremos uma breve revisão da fisiologia da defecação. Os alimentos chegam no ceco cerca de três ou quatro horas após a ingestão e através dos movimentos peristálticos chegam no reto em mais algumas horas.

Quando a ampola retal é distendida pelas fezes, há um reflexo de contração do reto com relaxamento do esfíncter anal interno, empurrando o material fecal para dentro do canal anal, o qual está agora na posição de "descarregar". No canal anal, os sensores epiteliais da endoderme percebem fezes ou flatos e por controle voluntário o indivíduo toma uma decisão: evacuar ou postergar a defecação(1). Se a decisão é evacuar, inicia-se a defecação com o relaxamento do músculo puborretal, o que resulta em uma retificação da angulação anorretal e abertura do canal anal pelo relaxamento posterior do músculo elevador do ânus. A distensão retal provoca uma onda de contrações no reto e a defecação é completada pelo aumento voluntário da pressão intra-abdominal, fechamento da glote, fixação do diafragma e contração da musculatura abdominal, a fim de conduzir as fezes através do canal anal e eliminá-las através do ânus(10). Se a decisão é postergar a defecação há necessidade da contração do esfíncter anal externo e músculo puborretal para que as fezes não progridam no canal anal e retornem ao reto(1). Se a contração é mantida, o reflexo da defecação é eliminado após alguns minutos e não retorna até que uma nova quantidade de fezes entre no reto, o que talvez só ocorra várias horas depois(11). Logo, se houver demora para evacuar, uma contração voluntária dos músculos abdominais será necessária a fim de empurrar as fezes dentro do canal anal para que a evacuação se concretize. Os mecanismos regulatórios básicos que controlam a defecação estão presentes no recém-nascido, porém a habilidade da decisão de contrair ou relaxar a musculatura esquelética (esfíncter anal externo, músculos puborretal e abdominais) se desenvolve no momento de treinamento de toalete(1). A causa mais comum de constipação na infância é a decisão feita pela criança para retardar a evacuação após uma experiência dolorosa(1,12). Em alguma ocasião da vida a criança pode apresentar fezes endurecidas, que pode ser decorrente de vários motivos: dieta pobre em fibra, pouca ingestão hídrica, falta de desejo de ir ao banheiro da escola ou prática inadequada do treinamento de toalete. As fezes mais consistentes e maiores podem estirar e irritar o canal anal e se o trauma persistir pode ocorrer a formação de uma fissura no canal anal, o que torna extremamente doloroso as evacuações, mesmo de fezes mais amolecidas(12). As crianças em sua maneira concreta de pensar reagem ao fato, evitando a experiência dolorosa(1) e, assim, quando sentem desejo de evacuar decidem postergar a defecação, se possível, para sempre. Dessa forma, as fezes acumuladas no reto, devido o medo de sentir dor, é o ponto crucial da constipação na infância(12) e propicia o início de um círculo vicioso seguido por comportamento de retenção, aumento da consistência e bolo fecal, tornando mais dolorosas as evacuações e, assim, perpetuando o quadro da constipação. Comportamento de retenção se caracteriza por atitudes adotadas pela criança, em geral na faixa pré-escolar, a fim de evitar a evacuação. Quando a criança percebe o desejo de evacuar (através dos sensores epiteliais do canal anal), assume atitudes para que haja o retorno das fezes para o reto e sigmóide e, assim, sublime o reflexo de defecação. É característica dessa manifestação a contração até a exaustão do esfíncter externo do ânus, da musculatura pélvica e dos glúteos. Na prática, os familiares percebem a atitude da criança e alguns referem que percebem que, além da criança contrair os glúteos, chegam a ficar na ponta dos pés. A retenção de fezes no reto ocasiona também demora nos reflexos neurais de esvaziamento gástrico e do trânsito no intestino delgado, levando à diminuição do apetite, dor e distensão abdominal. Além disso, quando a retenção de fezes no reto persiste, pode ocorrer perda de fezes formadas, macias ou semilíquidas da superfície ao redor da massa fecal endurecida(13). Esta perda involuntária de parcela do conteúdo fecal conseqüente à retenção de fezes no reto é constituída por fezes e muco, sendo denominada escape fecal ou soiling. Crianças que apresentam escape fecal freqüentemente estão com suas

vestes íntimas sujas e por isso ficam malcheirosas, sofrendo discriminação em ambientes sociais e muitas vezes sendo penalizadas pela própria família que julgam que a perda fecal é voluntária. A freqüência do escape fecal é variável dependendo do grau de impactação fecal, podendo ser esporádica ou até várias vezes ao dia(13). Nesta última situação, considerando que o conteúdo fecal expelido pode ser de consistência amolecida, há casos em que a família acredita que a criança está apresentando diarréia. Outra situação, freqüentemente observada em nossos ambulatórios, é que algumas crianças com escape fecal secundário à constipação recebem, erroneamente, o diagnóstico de encoprese e ficam por períodos prolongados em acompanhamento psicológico, retardando o tratamento da constipação e, muitas vezes, há o agravamento do caso. Por isso, anamnese cuidadosa deve ser feita no sentido de diferenciar se o escape fecal é decorrente da constipação ou se é um quadro de encoprese ou até mesmo de incontinência fecal secundária a lesões anatômicas ou neurológicas(13). Lembramos que encoprese pode ser definida como a evacuação completa em sua plena seqüência fisiológica em local ou momento inapropriado, sendo de natureza psicológica ou psiquiátrica. Por sua vez, incontinência fecal é definida pela falta de controle esfincteriano secundária a distúrbio neuromuscular, ocorrendo, por exemplo, meningomielocele etc. Quadro clínico Na grande maioria dos casos a anamnese cuidadosa e detalhada permite estabelecer o diagnóstico de constipação funcional, que representa mais de 95% dos casos, diferenciando-se da constipação de origem orgânica. A história clínica deve conter informações sobre patologias associadas e uso de medicamentos, dados sobre a freqüência evacuatória, consistência e formato das fezes, bem como a ocorrência de outras manifestações e complicações como comportamento de retenção, dor abdominal, escape fecal, alterações urinárias, entre outras. As manifestações clínicas da constipação na infância são variáveis, dependendo da gravidade e da faixa etária acometida. Por exemplo, nos lactentes é comum a ocorrência de fezes em forma de cíbalos (caprinas), dor e esforço nas evacuações, enquanto em crianças maiores as fezes costumam ser calibrosas, com rachaduras e podem entupir o vaso sanitário. O comportamento de retenção ocorre principalmente em pré-escolares e o escape fecal em pré-escolares, escolares e adolescentes com história prolongada de constipação. No exame físico deve ser pesquisada a presença de massa fecal à palpação abdominal. Na inspeção da região anal pode ser constatado a presença de escape fecal, fissuras anais, plicomas e ânus anteriorizado. No toque retal devem ser avaliados o tônus anal e a presença ou não de fezes endurecidas na ampola retal. Pode-se identificar estenose anal. Os casos que apresentam escape fecal e que o exame físico não revela impactação fecal, através da palpação abdominal e toque retal, é necessário que se realize uma radiografia simples de abdome para pesquisar retenção fecal. Inspeção da região lombossacra deve ser feita e na presença de alterações como "dimple", tufos de cabelos, e outras anormalidades, deve-se pensar na possibilidade de defeitos do tubo neural, como a síndrome da medula presa, que pode ocasionar constipação, geralmente associada a distúrbios miccionais(14). A avaliação do estado nutricional é fundamental,

considerando que pode estar comprometido nas patologias orgânicas como a doença de Hirschsprung e doença celíaca. Nos pacientes atendidos em serviços especializados, o início da constipação ocorre em 20% desde o nascimento, em 50% no primeiro ano de vida e em 25% dos casos na época do treinamento esfincteriano(15,16). Lembramos que, no lactente jovem, em aleitamento materno exclusivo, devemos também pensar na possibilidade de pseudoconstipação que é definida como a eliminação de fezes amolecidas sem esforço ou dor, em freqüência menor do que três vezes por semana, em lactentes em aleitamento natural, em geral, no primeiro semestre de vida. Outra situação que pode ocorrer nesta faixa etária é a disquesia do lactente que ocorre em lactentes com menos de seis meses de idade. Caracteriza-se por esforço, gemidos, choro e vermelhidão na face, por 10 a 20 minutos, antes da eliminação de fezes amolecidas. Provavelmente, é secundária à incoordenação entre o aumento da pressão abdominal e o relaxamento pélvico necessário para que ocorra a evacuação. Não existem informações que associem a disquesia do lactente com a ocorrência de constipação em fases posteriores da vida. Conseqüências físicas e psicológicas da constipação São várias as conseqüências físicas e psicológicas da constipação, sendo geralmente secundárias à retenção fecal. Entre as complicações físicas se incluem: diminuição do apetite, dor abdominal, distensão abdominal, flatulência, fissuras anais, hemorróidas externas, sangramento retal, prolapso retal e escape fecal (soiling). O contato crônico da pele perianal com fezes, devido ao escape fecal, pode gerar lesões abrasivas decorrentes de irritação local, bem como pelo uso de supositórios e enemas, causando dermatites. Além disso, o tempo prolongado de constipação com retenção fecal leva ao aumento da capacidade do cólon em acomodar as fezes, levando à dilatação de seu calibre, ocasionando megarreto e megacólon cuja tendência é a resolução espontânea com a correção da constipação, embora possa demorar muitos meses até sua resolução completa. Problemas geniturinários secundários à constipação também podem ocorrer, considerando que o trato gastrointestinal distal têm uma relação anatômica estreita com o trato geniturinário. Dessa forma, o reto dilatado pode comprimir a bexiga e dificultar o esvaziamento vesical completo. A estase urinária pode favorecer a distúrbios urinários como: infecções urinárias, urgência micional, enurese diurna e noturna e até mesmo dilatação pelvicalicial que também melhora com o tratamento da constipação(17). Os problemas psicológicos e comportamentais são freqüentemente secundários à constipação e geralmente decorrentes da retenção fecal com escape. Crianças que apresentam escape fecal são freqüentemente vítimas da ironia e hostilidade de outras crianças em seu meio social, como a escola. Aparecem, também, comportamentos agressivos de sua família, que geralmente não compreendem o motivo do escape fecal. Estas crianças costumam ser quietas e evasivas e evitam a atenção para si(10). Dessa forma, além de depressão e baixa auto-estima, pode ocorrer perda da capacidade de enfrentamento ou regressão, fobia e faltas na escola(17). Um estudo realizado em nossa disciplina comparou aspectos emocionais entre crianças constipadas e um grupo-controle, através de entrevista semidirigida com as mães e relato de uma história a partir

de uma figura (teste de apercepção temática infantil) com as crianças. No discurso das mães de constipados foi mais freqüente, com significância estatística, as seguintes situações: intolerância à frustração, fracasso escolar e agressividade nas crianças, bem como aspectos depressivos nas mães e ambiente familiar hostil. Enquanto o relato das crianças constipadas revelou maior desprazer em relação às figuras adultas e agressividade nas figuras parentais em relação ao grupo-controle(18). Diagnóstico diferencial Sem dúvida, o principal diagnóstico diferencial com a constipação funcional é doença de Hirschsprung (megacolo ou aganglionose congênita) e esta patologia deve ser considerada em qualquer criança de qualquer idade com quadro grave de constipação(10). Os pacientes podem apresentar retardo da eliminação de mecônio, distensão abdominal, massa abdominal palpável e déficit de crescimento. Geralmente o toque retal revela ausência de fezes no reto e/ou após o toque retal pode ocorrer a eliminação explosiva de fezes. A doença de Hirschsprung com segmento curto ou ultracurto pode ter manifestações clínicas muito semelhantes com a constipação crônica funcional, inclusive com a ocorrência de escape fecal(19,20,21). Deve ser lembrado que nos recém-nascidos normais a eliminação de mecônio ocorre em 94% nas primeiras 24 horas e em 98% nas primeiras 48 horas(22,23). É importante ressaltar que 20% a 57% dos prematuros entre 1.000 e 1.500 g, devido a imaturidade intestinal, podem eliminar as primeiras fezes após 48 horas, mas nesses casos há ausência de outros sintomas clínicos(10). Constipação secundária à alergia ao leite de vaca também constitui um diagnóstico diferencial com a constipação crônica funcional. De acordo com a literatura, a presença de fissuras anais refratárias ao tratamento e hiperemia perianal podem constituir evidências de proctocolite alérgica. Em nossa experiência, os casos de constipação secundária à alergia ao leite de vaca apresentam, em geral, idade inferior a três anos e início da constipação na época da introdução do leite de vaca na dieta do lactente. O diagnóstico deve ser confirmado com a prescrição de dieta de exclusão, seguida de recuperação clínica do paciente e teste de desencadeamento positivo com o reaparecimento da constipação realizado seis a oito semanas após o início da dieta de exclusão. Estes pacientes podem apresentar infiltrado de eosinófilos na mucosa retal. É importante ressaltar que este achado não dispensa a realização de dieta de exclusão e do teste de desencadeamento(24,25). Nas crianças com constipação crônica e baixa estatura ou déficit de crescimento, acompanhadas ou não de anemia ferropriva refratária à ferroterapia oral, deve ser considerado o diagnóstico de doença celíaca. Crianças com doenças neuromusculares, como encefalopatia crônica, distrofia muscular, meningomielocele, podem apresentar quadros de constipação grave e de difícil controle.

A pseudo-obstrução intestinal em geral se inicia nos primeiros meses de vida. As principais manifestações clínicas são distensão abdominal, constipação, vômitos, déficit de crescimento e dor abdominal. Podem ocorrer episódios de diarréia intermitente, secundária a sobrecrescimento bacteriano ou má absorção de nutrientes(26). São pacientes com quadros graves que necessitam de biópsia intestinal para melhor caracterização diagnóstica. Deve-se pensar na possibilidade de abuso sexual no caso de crianças com constipação de início súbito e mudança de comportamento. Nesses casos, ocasionalmente pode haver alguns sinais como fissuras profundas ou lesões de doenças venéreas(27). No Quadro 1 são apresentadas os principais diagnósticos diferenciais da constipação crônica. Na prática, inicialmente, quando a anamnese e o exame físico não indicam alguma entidade específica, deve prevalecer o diagnóstico de constipação crônica funcional. Em nosso ambulatório, as causas mais comuns de constipação, além da funcional, são a doença de Hirschsprung e constipação por alergia ao leite de vaca que ocorrem, respectivamente, em aproximadamente 3% e 5% dos casos. São atendidos, também, número considerável de pacientes com encefalopatia crônica não progressiva. Exames subsidiários Radiografia simples de abdome Para verificar a existência de fezes impactadas quando a palpação abdominal e o toque retal não permitiram a caracterização de fecaloma. Pode ser útil na confirmação de que se obteve completa eliminação de fezes impactas. Na investigação de dor abdominal a radiografia simples de abdome pode mostrar impactação fecal apontando o diagnóstico para constipação oculta. Lembramos que constipação oculta é aquela descoberta a partir de suas complicações, como, por exemplo, nos pacientes atendidos com queixa principal de escape fecal (que as vezes é confundido com diarréia), dor abdominal crônica recorrente ou infecções urinárias de repetição. Manometria anorretal Pode ser realizada com diferentes tipos de equipamentos. A captação da pressão pode ser feita com os métodos do balão, cateteres de perfusão e sensor em estado sólido. O objetivo principal da manometria anorretal é a pesquisa do reflexo inibitório anal, presente nos pacientes com constipação funcional e ausente naqueles com doença de Hirschsprung. A manometria pode também revelar diminuição da pressão basal do esfíncter anal, diminuição da sensibilidade retal e dissinergia do assoalho pélvico (contração paradoxal do ânus nas tentativas de evacuação, também chamado de anismo). Em nossa Disciplina, a manometria anorretal vem sendo realizada há cerca de seis anos. Entre 1999 e 2003 foram realizados 372 exames. Em 14 (3,8%) destes exames não foi caracterizado o reflexo inibitório reto-anal. Em 9 (64,3%) destes 14 pacientes o diagnóstico de doença de

Hirschsprung foi confirmado pela caracterização de ausência de células ganglionares na avaliação anatomopatológica. Nos outros cinco pacientes não foi realizada a biópsia retal em função da evolução clínica satisfatória com o tratamento clínico da constipação, sendo que em quatro a presença de reflexo inibitório reto-anal foi caracterizada por exame de manometria anorretal realizado posteriormente. O número de exames nos quais não foi possível, na primeira tentativa, obter um resultado conclusivo foi maior nas crianças com menor idade. A ocorrência de exames não conclusivos nos anos de 2002-2003 (6,0%) foi menor queentre 1999-2001 (17,5%), sendo a diferença estatisticamente significante (p=0,005). Isso indica aumento da experiência de nossa equipe na realização desse exame(28). Enema opaco Este exame permite, fundamentalmente, definir a presença de megarreto ou megacólon. Pacientes com doença de Hirschsprung podem apresentar a imagem típica de estreitamento retal e/ou colônico na zona de aganglionose, zona de transição e dilatação do cólon na porção proximal ao segmento onde existe ausência dos gânglios dos plexos submucoso e mucoso. Enquanto na constipação funcional, não há zona de transição, mas dilatação do reto e sigmóide. Lembramos que o enema opaco para pesquisa de aganglionose congênita deve ser feito sem preparo prévio, pois este pode esvaziar a ampola retal e assim alterar o resultado (29). Em nosso ambulatório, desde que se dispõe da manometria anorretal, a freqüência de solicitações do enema opaco diminuiu de forma considerável. Avaliação de dismotilidade colônica com marcadores radiopacos Neste teste são utilizados 20 a 24 anéis radiopacos acondicionados em uma cápsula. A técnica que utilizamos envolve a ingestão de uma cápsula por dia (mesmo horário em três dias consecutivos) e realização de uma radiografia simples de abdome no mesmo horário no quarto dia. Quando necessário deve ser repetida a radiografia após 72 horas. Cerca da metade dos pacientes com constipação grave apresentam aumento do tempo de trânsito colônico total (>62 horas). Estes pacientes podem apresentar diferentes padrões de dismotilidade colônica: obstrução de via de saída, obstrução distal e estase de cólon direito, com gravidade teoricamente crescente. Classicamente, menciona-se que a obstrução da via de saída é o padrão mais comum, no entanto, estudos realizados no Brasil mostraram grande número de pacientes com estase de cólon direito(30). Estudo realizado em nosso serviço, apesar de ter limitado número de pacientes, não mostrou diferença na resposta ao tratamento convencional nos diferentes distúrbios da motilidade colônica(31). Em geral, este procedimento não é indispensável na abordagem dos pacientes com constipação crônica. Teste respiratório O teste do hidrogênio no ar expirado pode ser utilizado para mensurar o tempo de trânsito orocecal. Estudo realizado em nosso serviço mostrou que o tempo de trânsito oro-cecal de uma refeição teste com feijão está aumentado em crianças com aumento do tempo de trânsito colônico total aferido com marcadores radiopacos(32).

A pesquisa de metano no ar expirado apresenta associação com a presença de soiling (escape fecal). A concentração de metano no ar expirado diminui após realização de enema retal para esvaziamento de fecaloma(33). Outro estudo realizado em nosso ambulatório mostrou associação entre produção de metano e aumento do tempo de trânsito colônico total e uma fraca correlação entre a concentração de metano no ar expirado e o tempo de trânsito colônico total(34). Novos estudos são necessários para verificar se existe aplicabilidade clínica destes testes utilizados em projetos de pesquisa. Outros exames Deve ser pesquisado hipotiroidismo (T3, T4 e TSH), doença celíaca (anticorpo antitransglutaminase, antiendomísio e dosagem de IgA sérica para descartar deficiência de IgA). Em nossa experiência, nenhum caso de doença celíaca ou hipotiroidismo se apresentou com constipação como única manifestação clínica. A ressonância magnética pode ser utilizada para a pesquisa de medula presa. Estudo recente descreveu um grupo de pacientes com afecções da medula espinhal e distúrbios da defecação(14). Tratamento Conforme já mencionado, na população pediátrica constipação ocorre com elevada prevalência, mas nem sempre a criança recebe tratamento específico para esse problema. Muitas vezes, existe resistência da família às medidas terapêuticas da constipação ou, ainda, a família não valoriza as manifestações clínicas de constipação que seu filho apresenta. O programa terapêutico da constipação crônica funcional consiste em: 1) orientação geral e educação; 2) desimpactação quando necessário; 3) recondicionamento do hábito intestinal normal; e 4) prevenção da reimpactação(19-21,35-37). 1. Orientação geral É muito importante estabelecer uma relação de cooperação entre o médico e a família, incluindo o próprio paciente quando sua idade permitir. Devem ser explicados os mecanismos do comportamento de retenção e escape fecal, enfatizando que o escape é involuntário, evitandose culpar a criança. É fundamental que sejam reduzidas as tensões familiares e os sentimentos de insegurança e inferioridade do paciente, o que diminuem sua auto-estima. 2. Desimpactação ou esvazimento do fecaloma O esvaziamento do fecaloma pode ser considerado a linha mestra do tratamento. A caracterização de impactaçãofecal é realizada por meio da palpação abdominal, toque retal e/ou radiografia simples de abdome. A desimpactação incompleta e a reimpactação são as causas

mais freqüentes de insucesso terapêutico. O esvaziamento colônico e retal é iniciado, geralmente, no local de atendimento, com o emprego de enemas. As substâncias mais freqüentemente utilizadas nos enemas são as soluções fosfatadas, sorbitol e glicerina. O esvaziamento do cólon e reto, geralmente, é conseguido com a administração diária de enemas por cerca de dois a quatro dias. Se necessário, devem ser mantidos até a completa eliminação das fezes impactadas e a criança apresentar uma a duas evacuações amolecidas ao dia. Os enemas de fosfato não devem ser prescritos para lactentes. 3. Recondicionamento do hábito intestinal normal Para o recondicionamento do hábito intestinal as crianças são orientadas a permanecerem sentadas no vaso sanitário, por pelo menos cinco minutos, após as principais refeições, com a finalidade de aproveitar o reflexo gastrocólico para desencadear a evacuação. É importante lembrar que crianças pequenas sentadas ao vaso sanitário comum, não conseguem obter apoio fixo para os pés e, dessa forma, não realizam a chamada "prensa abdominal". Outro agravante é o fato da criança ficar com medo de cair dentro vaso sanitário, dificultando ainda mais o ato evacuatório. Nesses casos, pode ser utilizado tampo auxiliar, próprio para crianças e/ou a colocação de apoio com altura suficiente para que os pés possam atingir o chão. Para as crianças em idade de treinamento esfincteriano, deve-se recomendar à mãe que suspenda o treinamento até que o paciente apresente controle da constipação. 4. Tratamento de manutenção O tratamento de manutenção envolve, fundamentalmente, a adoção de alimentação rica em fibra alimentar e maior consumo de líquidos, além do uso de laxantes. Dependendo da idade do paciente, os seguintes alimentos devem ser incluídos ou oferecidos mais vezes na alimentação: feijão, ervilha, lentilha, grão-de-bico, milho, pipoca, coco, verduras, frutas frescas, frutas secas, aveia em flocos, ameixa preta. As frutas, quando possível, devem ser consumidas com casca e bagaço. O farelo de trigo e outros produtos industrializados ricos em fibras alimentares podem ser utilizados, entretanto, nem sempre são aceitos com facilidade. Em nosso serviço foi realizado acompanhamento por 90 dias com crianças de 2 a 10 anos portadoras de constipação crônica funcional. Este estudo objetivou avaliar a evolução da ingestão de fibra alimentar após orientação nutricional especializada. Ao final dos 90 dias as crianças ingeriam 56,3% da recomendação de fibra alimentar versus 46,8% da ingestão no início do estudo(38). É importante ressaltar, que todas as crianças do estudo obtiveram redução significativa das manifestações clínicas de constipação. Pacientes com constipação secundária à anormalidades anatômicas podem não apresentar benefício com a prescrição de dieta rica em fibras. Para os pacientes com constipação grave ou complicada (comportamento de retenção, escape fecal) é necessário prescrever laxante. Deve ser empregado o óleo mineral, leite de magnésia ou lactulose na dose de 1 a 4 ml/kg/dia, dividida em duas vezes. Em geral, 1-2 ml/kg/dia é

suficiente. A dose deve ser ajustada de acordo com a resposta de cada paciente. O óleo mineral não deve ser prescrito para crianças com menos de dois anos de idade, pacientes com problemas neurológicos ou com refluxo gastroesofágico pelo risco de aspiração. A administração do óleo mineral longe do horário das refeições é estratégia para evitar interferência na absorção de vitaminas lipossolúveis, apesar de que nenhum estudo tenha demonstrado deficiência de vitamina durante o tratamento com óleo mineral. O leite de magnésia também deve ser evitado em lactentes pelo risco de hiperfostatemia e em pacientes com insuficiência renal. A lactulose pode provocar flatulência e cólicas. Para finalizar, deve ser lembrado que a constipação crônica funcional com escape fecal, em geral, requer tratamento de manutenção por cerca de 6 a 24 meses. A longo prazo e na idade adulta, ao que tudo indica, é fundamental a incorporação de hábitos alimentares que facilitem as evacuações, como a adoção de dieta rica em fibras alimentares. Bibliografia 1. Di Lorenzo, C. Childhood constipation: Finally some hard data about hard stools! J Pediatr 2000; 136: 4-7. 2. Zaslavsky C, Ávila EL, Araújo MA, Pontes MRN, Lima NE. Constipação Intestinal da Infância. Um Estudo de Prevalência. Rev AMRIGS 1988; 32:100-2. 3. Maffei HVL, Moreira FL, Oliveira WM, Sanini V. Prevalência de constipação intestinal em escolares do ciclo básico. J Pediatr (Rio J) 1997; 73:340-4. 4. Motta MEFA & Silva GAP. Constipação intestinal crônica funcional na infância: diagnóstico e prevalência em uma comunidade de baixa renda. J Pediatr (Rio J.) 1998; 74:451-4. 5. de Araujo Sant'Anna AM, Calçado AC. Constipation in school-aged children at public schools in Rio de Janeiro, Brazil. J Pediatr Gastroenterol Nutr 1999; 29:190-3. 6. Aguirre ANC, Vitolo MR, Puccini RF, Morais MB. Constipação em lactentes: influência do tipo de aleitamento e da ingestão de fibra alimentar. J. Pediatr (Rio J) 2002; 78:202-8. 7. Del Ciampo IRL, Del Ciampo LA, Galvão LC, Fernandes MI. Constipação intestinal: um termo desconhecido e distúrbio freqüentemente não reconhecido. Rev Paul Pediatria 2006; 24:111-4. 8. Maffei HVL, Moreira FL, Kissimoto M, Chaves SM, El Faro S, Aleixo AM. História clínica e alimentar de crianças atendidas em ambulatório de gastroenterologia pediátrica com constipação intestinal crônica funcional e suas possíveis complicações. J Pediatr (Rio J) 1994;70: 280-6. 9. Murphy SM. Organic causes of constipation: diagnosis and management. Seminars in Pediatric Gastroenterology and Nutrition 1992;26:226-268. 10. Van der Plas, RN. Management of defaecation problems in children (a review). In: Van der Plas. Clinical Management and Treatment options in children with defaecation disorders. Amsterdan: Academic Medical center, 1998. p. 13-146. 11. Guyton. Trânsito do alimento através do trato digestivo. In: Tratado de Fisiologia Médica. Interamericana, Rio de Janeiro. p-761.1977. 12. Parker PH. To do or not to do? That is the question. Pediatric Annals 1999; 28:283-90.

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