A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NO NOVO CONTEXTO MUNDIAL: REFLEXÕES DA AMÉRICA LATINA E DO CARIBE. Nota da Secretaria



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Transcrição:

Distr. GERAL LC/G.2440(SES.33/11) 17 de maio de 2010 PORTUGUÊS ORIGINAL: ESPANHOL A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NO NOVO CONTEXTO MUNDIAL: REFLEXÕES DA AMÉRICA LATINA E DO CARIBE Nota da Secretaria 2010-223

2 ÍNDICE Página Introdução... 3 A. A COOPERAÇÃO SUL-SUL E A COOPERAÇÃO TRIANGULAR: COMPLEMENTOS INILUDÍVEIS DA COOPERAÇÃO TRADICIONAL NO CENÁRIO PÓS-CRISE... 5 1. Mais e melhor informação... 8 2. Coordenação do debate e os trabalhos... 8 B. EVOLUÇÃO GERAL DOS FLUXOS TRADICIONAIS DE ASSISTÊNCIA OFICIAL PARA O DESENVOLVIMENTO... 9 C. LÓGICA DE ALOCAÇÃO DA ASSISTÊNCIA OFICIAL PARA O DESENVOLVIMENTO E CONSEQUÊNCIAS PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE... 11 1. Canalização da assistência oficial para o desenvolvimento dirigida às economias com menores níveis de renda... 11 2. Consequências para a América Latina e o Caribe como beneficiários de assistência oficial para o desenvolvimento... 14 D. NOVAS ALTERNATIVAS DE FINANCIAMENTO: MECANISMOS INOVADORES... 18 E. DESAFIOS FUTUROS... 22 Bibliografia... 25

3 INTRODUÇÃO Nos próximos anos, a dinâmica da cooperação internacional para o desenvolvimento sofrerá os efeitos da recente crise financeira na evolução da economia global. Do ponto de vista dos países doadores, a queda nos níveis da atividade econômica, somada, em alguns casos, aos enormes pacotes de reajuste fiscal e monetário implementados para enfrentar a crise, resultou numa notável deterioração das finanças públicas 1. Isto poderia restringir a capacidade dos países doadores de aumentar seu nível de assistência para o desenvolvimento. Sob a ótica dos países da América Latina e do Caribe, a crise econômica e financeira global provocou uma queda nas fontes de financiamento para o desenvolvimento, tanto internas como externas. Por um lado, em 2010 a região enfrentará uma conjuntura fiscal muito mais restritiva e, portanto, terá mais dificuldades para mobilizar recursos internos 2. Por outro lado, externamente, os fluxos financeiros privados e os fluxos de remessas dirigidos à América Latina e ao Caribe viram-se severamente afetados e ainda não há indícios de quando se recuperarão 3. Mesmo assim, é possível que a participação da região nos fluxos totais de assistência oficial para o desenvolvimento (AOD), que já havia mostrado uma tendência decrescente prévia à crise, retroceda ainda mais. Isto se deve à lógica geralmente seguida na alocação de AOD que prioriza os países de menores rendas sobre os de rendas médias e relega a um segundo plano muitos dos países da região, mesmo quando estes apresentaram importantes necessidades não cobertas e setores com alto grau de vulnerabilidade. Esta lógica de alocação segundo o critério de países de rendas médias foi a causa pela qual a América Latina e o Caribe tradicionalmente tiveram uma participação muito reduzida e decrescente no total dos fluxos de AOD dirigidos às regiões em desenvolvimento e poderia ser o motivo pelo qual esta perda de participação tenha se acentuado, ante uma restrição de recursos maior do que em épocas anteriores. Neste contexto, surgem vários fatores-chave para potencializar o sistema de cooperação internacional no cenário pós-crise. Em primeiro lugar, para a América Latina e o Caribe é fundamental que se introduzam mudanças nas políticas e nas prioridades de alocação que a assistência para o desenvolvimento segue atualmente. Esta deveria se orientar considerando as necessidades específicas dos países e de suas populações vulneráveis ao invés de basear-se numa lógica de alocação segundo o critério de países de rendas médias, já que este grupo de países esconde uma grande diversidade de situações e isto deveria ser levado em consideração no momento de fixar as prioridades para a alocação da assistência oficial. Em escala mundial, por exemplo, o nível de renda per capita do grupo de países classificados como de renda média-baixa, para a média dos anos 2000 a 2008, oscilou entre um mínimo de 1.943 dólares e um máximo de 9.077 dólares. A taxa de pobreza neste grupo de países, por sua vez, ficou 1 2 3 O déficit fiscal dos países desenvolvidos do Grupo dos Vinte (G-20) encerrará 2009 em 9,7% do PIB em média, segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), e em 2010 deverá ficar em 8,7% do PIB. Por outro lado, a dívida pública bruta destes países terminará 2009 em 98,9% do PIB e em 2010 ficará em torno de 106,7% do PIB (FMI, 2009). A diminuição do nível de atividade o PIB regional teria caído 1,8% em 2009, unido ao aumento do gasto público para a implementação de políticas fiscais contracíclicas, resultou em uma deterioração do saldo primário da região, que passou de um superávit de 1,4% do PIB em 2008 a um déficit de 1% em 2009 (CEPAL, 2009). Para 2010 e 2011 espera-se um aumento muito leve do fluxo de remessas dirigidas à região, de 0,5% e de 3,5%, respectivamente (Banco Mundial, 2009).

4 entre um mínimo de 2% e um máximo de 81% 4. A mesma disparidade se observa num grupo de países de renda média-alta, onde o nível de renda per capita oscilou entre um mínimo de 4.100 dólares e um máximo de 19.547 dólares e a taxa de pobreza variou entre um mínimo de 2% e um máximo de 43%. Considerando-se esta heterogeneidade, assim como as disparidades existentes em cada país, as prioridades de alocação da assistência deveriam fixar-se com base em um conjunto mais amplo de indicadores que reflita as particularidades concretas dos países e permita detectar onde estão as principais necessidades de cada caso em particular. Para que isto seja possível, os países beneficiários deveriam contar com informação suficientemente detalhada para determinar quais são as áreas prioritárias e detectar as necessidades de financiamento não cobertas para cada uma dessas áreas. Isto não só serviria para identificar com exatidão as principais demandas de cada país, como também para solucionar certas falhas de coordenação que surgem entre beneficiários e doadores e pelas quais, muitas vezes, algumas áreas com menores brechas de financiamento terminam recebendo maiores volumes de assistência em termos relativos que outras com maiores brechas dentro de um mesmo país. Em segundo lugar, para os países da região o cenário pós-crise apresenta uma oportunidade importante para intensificar os mecanismos de cooperação Sul-Sul e de cooperação triangular. Pelo menos no médio prazo, o mundo se caracterizará por maior dinamismo das economias emergentes em comparação com as desenvolvidas e neste marco devem reforçar-se ambas as formas de cooperação. Neste sentido, os países emergentes com maior desenvolvimento relativo e dinamismo são chamados a potencializar sua liderança no sistema de cooperação internacional mediante a provisão de bens públicos regionais e globais, a geração de importantes avanços tecnológicos e produtivos, o fomento da integração comercial e financeira, e a sustentabilidade do meio ambiente, entre outros. Em terceiro lugar, no contexto atual existe a necessidade dominante de que os países doadores realmente se esforcem para aumentar os fluxos de assistência superando em muito a tendência histórica e que renovem seu compromisso de levar o montante da AOD à meta de 0,7% de sua renda nacional bruta (RNB). As formas de cooperação Sul-Sul e triangular devem ser concebidas como complementos e não como substitutos das formas tradicionais de ajuda para o desenvolvimento. Os países doadores deveriam estar conscientes de que a deterioração dos indicadores sociais não é um problema só para os que têm necessidades insatisfeitas no momento atual, mas que também pode ter consequências no longo prazo e seu dano pode se estender no tempo e abarcar várias gerações 5. Esta realidade deveria ser considerada pelos países doadores no momento de decidir entre priorizar as próprias finanças públicas ou dar prioridade às necessidades aumentadas dos países em desenvolvimento. Finalmente, e também com o propósito de incrementar o volume de recursos à disposição do financiamento para o desenvolvimento, é necessário que a comunidade internacional continue estudando formas adicionais e inovadoras de financiamento que se somem às que atualmente se empregam e que possam aportar novos recursos ante uma conjuntura de escassez geral de financiamento como a atual. Neste documento são discutidos, em primeiro lugar, os mecanismos de cooperação Sul-Sul e triangular como formas de cooperação complementares às tradicionais, que deveriam potencializar-se no cenário pós-crise. Em segundo lugar, detalha-se a evolução geral dos fluxos de assistência para o 4 5 As cifras fazem referência ao nível do PIB per capita medido em paridade com o poder aquisitivo (PPA) e a taxa de pobreza mede-se utilizando a linha de dois dólares diários. Os dados provêm da base de dados do World Development Indicators (WDI) do Banco Mundial. Um exemplo disso é o capital humano, cuja deterioração causada por carências em matéria de alimentação, saúde e educação constitui um efeito de longo prazo que pesa sobre a capacidade de desenvolvimento dos países ainda muito tempo depois de iniciada a recuperação dos indicadores concretos.

5 desenvolvimento nas últimas décadas e enfatiza-se a necessidade acentuada pelo contexto pós-crise de que os países doadores realmente se esforcem para aumentar seus fluxos de assistência para o desenvolvimento e renovem seu compromisso de levar o montante da AOD à meta de 0,7% da sua RNB. Na seção C indica-se a lógica que tem guiado a alocação da assistência nas últimas décadas e nesse contexto avalia-se a situação particular da América Latina e do Caribe como beneficiários de assistência para o desenvolvimento. Além disso, destaca-se a necessidade fundamental, para a região, de que se introduzam mudanças nas políticas e nas prioridades que têm guiado a lógica da alocação. Na seção D mencionam-se novas alternativas de financiamento para o desenvolvimento e acentua-se a necessidade de que a comunidade internacional continue buscando mecanismos inovadores que possam aportar novos recursos ante a atual conjuntura. Por último, na seção E apresentam-se algumas breves reflexões da América Latina e do Caribe. A. A COOPERAÇÃO SUL-SUL E A COOPERAÇÃO TRIANGULAR: COMPLEMENTOS INILUDÍVEIS DA COOPERAÇÃO TRADICIONAL NO CENÁRIO PÓS-CRISE A cooperação Sul-Sul, definida em sentido amplo como o intercâmbio de colaborações no âmbito técnico, político e econômico entre países em desenvolvimento, vem se consolidando há várias décadas como uma modalidade alternativa de cooperação internacional que opera em paralelo aos mecanismos tradicionais de assistência oficial para o desenvolvimento 6. A partir do ano 2000, coincidindo com uma etapa em que os denominados países de renda média perderam participação como beneficiários da AOD (vide seção C.1), as ações no âmbito da cooperação Sul-Sul receberam maior impulso e passaram a formar parte da estratégia que muitos países adotaram para poder avançar em seu processo de desenvolvimento (SEGIB, 2008). É cada vez maior o número de países em desenvolvimento que se apóiam mutuamente com conhecimento, assistência técnica ou investimentos, e isto incorporou uma nova e importante dimensão ao panorama da cooperação internacional. Ainda assim, a cooperação triangular entendida como as ações de cooperação entre países em desenvolvimento que são apoiadas financeiramente por doadores do Norte ou organismos internacionais tem sido muito relevante nas ocasiões em que o escasso financiamento à disposição dos países em desenvolvimento constitui um obstáculo para a execução de certas ações de cooperação Sul-Sul. Como resultado do exposto, a cooperação Sul-Sul e a cooperação triangular foram destacadas como insumos valiosos e necessários para potencializar a efetividade da cooperação internacional pelo Programa de Ação de Accra, o acordo de setembro de 2008 que reforça os princípios da Declaração de Paris sobre a eficácia da ajuda ao Desenvolvimento: Apropriação, Harmonização, Alinhamento, Resultados e Mútua Responsabilidade (www.southsouth.info) 7. A inclusão de ambos os mecanismos de 6 7 A resolução 64/222 da Assembleia Geral das Nações Unidas (21 de dezembro de 2009) apresenta uma definição de consenso do que é a cooperação Sul-Sul. No item 18 se estabelece: Reafirmamos que a cooperação Sul-Sul é uma iniciativa comum dos povos e dos países do Sul, advinda de experiências compartilhadas e afinidades, com base em uns objetivos e uma solidariedade em comum, e guiada dentre outras coisas, pelos princípios de respeito à soberania e aos direitos nacionais, livres de qualquer condicionalidade. A cooperação Sul-Sul não deveria ser considerada assistência oficial para o desenvolvimento. Trata-se de uma associação de colaboração entre iguais baseada na solidariedade. Em particular, no artigo 19 do Programa de Ação de Accra estabelecem-se as seguintes disposições para a cooperação Sul-Sul: tomar os princípios da eficácia como ponto de referência, promover a aprendizagem mútua e assegurar a complementaridade com a cooperação Norte-Sul. Também no artigo 19 há um chamado a fomentar a cooperação triangular (vide o Programa de Ação de Accra, 2008).

6 cooperação no Programa de Ação de Accra lhes deu um novo impulso ao integrá-los ao dinamismo que marca a agenda da eficácia da ajuda. Desta forma, no âmbito do Comitê de Assistência para o Desenvolvimento (CAD) lançou-se um grupo de trabalho sobre cooperação Sul-Sul que, sob o comando da Colômbia, deveria executar as disposições do Programa de Ação e facilitar um espaço importante para a aprendizagem mútua e a articulação com os doadores convencionais (Sanín Betancourt e Schulz, 2009). Poucos meses depois, no final de 2008, a Declaração de Doha sobre o financiamento para o desenvolvimento igualmente expressou o apoio à cooperação Sul-Sul e à cooperação triangular e as reconheceu como formas de cooperação complementares, porém não substitutas, da tradicional forma de cooperação Norte-Sul 8. Na atualidade, o cenário pós-crise global que prevalecerá constitui uma oportunidade para que ambas as formas de cooperação evidenciem um novo e reforçado impulso. O mundo pós-crise se caracterizará, pelo menos no médio prazo, por taxas de crescimento mundiais inferiores às taxas do período anterior à crise e por menor dinamismo das economias desenvolvidas. Por sua vez, esta ausência de impulso para retomar o crescimento econômico mundial por parte das economias desenvolvidas será compensada, em parte, por um papel mais destacado das economias emergentes, que serão essenciais como dinamizadores da recuperação. Neste contexto, dentro do grupo das economias em desenvolvimento, as de renda média que apresentem maior dinamismo e contem com espaços de financiamento mais folgados são chamadas a incrementar sua liderança no sistema de cooperação internacional e a potencializar mecanismos de cooperação Sul-Sul e triangular que sejam complementares aos mecanismos tradicionais de assistência para o desenvolvimento e à cooperação Norte-Sul. Estas economias possuem conhecimentos teóricos e práticos que poderiam ser de utilidade para outras de desenvolvimento relativamente menor. Além do mais, podem contribuir de maneira significativa à provisão de bens públicos regionais e globais, como os esforços orientados a manter a paz e a estabilidade financeira, à geração de importantes avanços tecnológicos e ao fomento da integração comercial e à sustentabilidade do meio ambiente (CEPAL, 2008). No segundo relatório da cooperação Sul-Sul na Ibero-América, da Secretaria Geral Ibero- Americana (SEGIB), estabelece-se que vários países da região ibero-americana são atores relevantes no que se refere à cooperação Sul-Sul. Para o ano de 2007, este relatório constatou um total de 1.480 ações de cooperação horizontal bilateral uma das modalidades sob as quais se executa a cooperação Sul- Sul por parte de 19 países ibero-americanos classificados como de renda média (SEGIB, 2008). Nas mencionadas ações, todos os países exerceram em algum momento o papel de sócio beneficiário e figuraram na qualidade de sócios doadores. Os que atuaram de forma mais ativa foram Cuba (com quase 45% das ações registradas), México (15%), Argentina, Chile e República Bolivariana da Venezuela (um terço do total entre os três), e finalmente Brasil e Colômbia (que juntos somam mais de 10% das ações). Outros países como Costa Rica, Equador, Honduras, Panamá, Peru e Uruguai ofereceram ações de cooperação pelo menos em uma ocasião (SEGIB, 2008). Além de ressaltar o número de ações, no relatório indica-se que os países ibero-americanos, salvo algumas exceções, ainda não dispõem de sistemas que lhes permitam medir em quanto aumentaram os recursos financeiros mobilizados para apoiar estas ações 9. Com respeito aos setores em que se concentraram as atividades, no relatório destacam-se as 8 9 Vide Declaração de Doha sobre financiamento para o desenvolvimento (2008). Em particular, conhece-se o que aportaram três dos países da região Chile, Colômbia e México que, em conjunto, destinaram 2 milhões de dólares à cooperação da qual participaram em 2007. Ainda assim, no relatório

7 áreas de educação e saúde, agricultura, geração e fornecimento de energia, fortalecimento institucional e preservação do meio ambiente. O direcionamento estabelecido para estes intercâmbios respondeu a diversos padrões, segundo cada caso. O México, por exemplo, concentrou a oferta de cooperação em seus vizinhos centroamericanos, enquanto o Chile priorizou os países centro-americanos e andinos com menores níveis de renda relativos da região e a República Bolivariana da Venezuela preferiu os países com os quais integra a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA), (SEGIB, 2008). Por último, o perfil de necessidades coberto pelos principais sócios beneficiários mediante a cooperação Sul-Sul tem se diferenciado segundo seu nível relativo de renda. Em particular, os beneficiários de renda média-baixa (como Equador, El Salvador, Estado Plurinacional da Bolívia, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Paraguai, Peru e República Dominicana) cobriram necessidades em quase todos os setores de atividade, desde a educação e a saúde até a preservação do meio ambiente. Por outro lado, os beneficiários de renda média-alta (Costa Rica, Panamá e Uruguai) cobriram um perfil de necessidades mais vinculado à aplicação de avanços científico-tecnológicos à economia, assim como ao fortalecimento das suas instituições, tanto públicas como não governamentais. No caso da cooperação Sul-Sul, destaca-se o Acordo de cooperação energética PETROCARIBE entre os países do Caribe e a República Bolivariana da Venezuela. Por meio desta iniciativa, estabeleceuse um acordo para o fornecimento estável de petróleo, na forma de concessões, por parte da República Bolivariana da Venezuela a 14 Estados caribenhos, além dos ibero-americanos Cuba, Guatemala e República Dominicana. Segundo os cálculos do Governo da República Bolivariana da Venezuela, entre 2005 e 2007 a aplicação do Acordo de cooperação energética PETROCARIBE possibilitou aos países caribenhos uma economia de cerca de 40% em seus gastos com petróleo (SEGIB, 2008). A região ibero-americana e os países do Caribe também se mantiveram ativos no âmbito da cooperação triangular. No relatório da SEGIB (2008) se observa que, no caso da Ibero-América, as ações de cooperação sob este mecanismo contaram fundamentalmente com o apoio financeiro da Alemanha e do Japão, e, em menor medida, da Bélgica, Espanha, França e Suécia. Pelo menos em uma ocasião, todos os países ibero-americanos de renda média foram beneficiários de esta cooperação triangular, enquanto a execução dos projetos esteve a cargo basicamente da Argentina, Chile e México, e especialmente do Brasil, Costa Rica, Cuba e El Salvador. O fato de contar com fundos provenientes de países de fora da região demonstra que a dinâmica setorial das ações de cooperação triangular tem sido de complexidade científico-tecnológica relativamente maior. Em combinação com as estruturas econômicas particulares dos sócios executores, isto explica que grande parte das ações de cooperação esteve concentrada em projetos fitossanitários, de pesca, de luta contra as mudanças climáticas e de prevenção de desastres (SEGIB, 2008). Nos países do Caribe, em matéria de cooperação triangular destaca-se a Associação Pancaribenha contra o HIV/AIDS (PANCAP), estabelecida em fevereiro de 2001 para lutar de forma coordenada contra a mencionada enfermidade 10. A região do Caribe caracteriza-se por uma alta mobilidade demográfica entre os países por razões laborais e familiares e por ser um importante destino turístico. Todos estes fatores alimentam a epidemia do HIV/AIDS e, somados ao reduzido tamanho de alguns dos países e à 10 indica-se que em 2006 o Brasil mobilizou 4 milhões de dólares para financiar ações de cooperação horizontal bilateral na Ibero-América. Depois da África Subsaariana, o Caribe é a segunda região com maior prevalência de HIV.

8 limitada quantidade de recursos materiais e humanos para combater a doença, fizeram com que a resposta utilizada fosse uma ação regional coordenada. Atualmente, além dos países membros da Comunidade do Caribe (CARICOM), a iniciativa PANCAP tem como associados, entre outros, alguns organismos das Nações Unidas, organizações doadoras bilaterais e governos de terceiros países que aportam recursos e criam economias de escala para aumentar a eficiência na luta contra a doença. Mesmo que os países da região até o momento tenham se mostrado muito ativos em suas ações de cooperação, tanto Sul-Sul como triangular, ainda falta enfrentar alguns desafios para poder aproveitar a oportunidade que apresenta o cenário pós-crise no sentido de reforçar ainda mais estes mecanismos de cooperação. 1. Mais e melhor informação Existem muito poucas estatísticas sobre a cooperação Sul-Sul, sobretudo no que se refere aos recursos financeiros envolvidos. Portanto, é necessário sistematizar o levantamento de informação e que esta inclua um acompanhamento das práticas empregadas, a medição dos resultados e dos efeitos obtidos e uma avaliação das lições aprendidas em cada caso. Por um lado, a sistematização das boas práticas constituiria um apoio para o fortalecimento das capacidades técnicas dos países e melhoraria a visibilidade, a previsibilidade e a transparência. Ainda que as boas práticas na assistência internacional tradicional em geral sejam identificadas e sistematizadas pelo grupo de países do CAD (Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento), no caso das práticas Sul-Sul pareceria mais conveniente que surgissem do intercâmbio entre os países do Sul e de uma sistematização por parte deles (Sanín Betancourt e Schulz, 2009). Além de sistematizar a informação referente às boas práticas, é necessário dispor de mais e melhores sistemas de acompanhamento e avaliação da qualidade e dos efeitos das ações de cooperação empreendidas. Com relação à cooperação Sul-Sul, a avaliação dos resultados ainda não é uma prática muito difundida na região latino-americana, em parte devido às restrições orçamentárias que este tipo de avaliação costuma enfrentar. Contudo, não há dúvida de que esta poderia potencializar a legitimidade da cooperação Sul-Sul com base na medição de seus efeitos benéficos (Sanín Betancourt e Schulz, 2009). 2. Coordenação do debate e os trabalhos A inclusão da cooperação Sul-Sul no Programa de Ação de Accra trouxe um novo impulso a esta forma de cooperação ao integrá-la ao dinamismo que marca a agenda da eficácia da ajuda. O grupo de trabalho sobre cooperação Sul-Sul criado no marco do CAD para executar as disposições do Programa coexiste, entretanto, com outras instâncias em nível global e regional que também se vinculam com estes mecanismos de cooperação. Por exemplo, o Foro sobre Cooperação para o Desenvolvimento do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas constitui uma instância multilateral preferida por muitos países do Sul para debater e impulsionar a cooperação Sul-Sul e no âmbito regional existem diversas plataformas, como a SEGIB, o Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (SELA), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) (Sanín Betancourt e Schulz, 2009). Neste sentido, ainda que a América Latina e o Caribe pareçam contar com espaços suficientes de debate, caberiam mais esforços

9 para conseguir a coordenação entre essas instituições a fim de potencializar as atividades realizadas por cada uma. Desta forma, seria mais provável chegar a conclusões e acordos mais definitivos que permitissem adotar medidas concretas nos temas considerados chave. B. EVOLUÇÃO GERAL DOS FLUXOS TRADICIONAIS DE ASSISTÊNCIA OFICIAL PARA O DESENVOLVIMENTO Além da relevância de potencializar as formas de cooperação Sul-Sul e triangular, os fluxos tradicionais de assistência para o desenvolvimento por parte dos países doadores e dos organismos multilaterais resultam vitais no cenário pós-crise para compensar a restrição de recursos nos países em desenvolvimento e evitar assim retrocessos substanciais em sua situação social. Portanto, é fundamental que os países doadores realmente se esforcem no sentido de aumentar seus fluxos de assistência para o desenvolvimento muito acima do que tem sido a tendência nas últimas décadas. Já em 1970, uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas propôs dedicar 0,7% da RNB dos países doadores à assistência oficial para o desenvolvimento 11. Este compromisso foi ratificado em várias ocasiões, em particular na Conferência Internacional sobre o Financiamento para o Desenvolvimento celebrada em Monterrey (México), em março de 2002. Não obstante, e apesar de uma leve tendência de alta após a Conferência de Monterrey, ainda não se mobilizaram os recursos financeiros necessários e o nível de assistência oficial para o desenvolvimento se mantém muito abaixo da meta estabelecida. Em 2008, o nível da AOD líquida por parte dos países do CAD alcançou, em média, somente 0,31% da RNB 12. Este nível, além de encontrar-se abaixo da meta de 0,7%, é inclusive inferior ao do ano de 1990, quando a AOD líquida representou 0,34% da RNB dos países doadores (vide gráfico 1) 13. Em termos absolutos, os volumes de assistência para o desenvolvimento tampouco têm tido uma evolução animadora nas duas últimas décadas, com exceção de alguns anos em que se registraram aumentos significativos por razões específicas 14. Apesar do nível máximo alcançado em 2008 (128,6 bilhões de dólares) e de 14% de crescimento em termos reais conseguido nesse mesmo ano, o crescimento médio para o período 1991-2008 foi somente de 2,2% (vide quadro 1). 11 12 13 14 Resolução 2626 (XXV), de 24 de outubro de 1970. Dos 22 países que formam o CAD, somente 5 Dinamarca, Luxemburgo, Noruega, os Países Baixos e Suécia excederam a meta de 0,7% da RNB em 2008. O montante total da AOD por parte dos países do CAD inclui não somente a ajuda bilateral como também as contribuições que estes países realizam aos organismos multilaterais. Por exemplo, o aumento em 2005 é ocasional e responde à AOD dirigida aos países afetados pelo maremoto de 2004, assim como também ao Iraque, Nigéria e a outros países.

10 Gráfico 1 ASSISTÊNCIA OFICIAL PARA O DESENVOLVIMENTO POR PARTE DOS PAÍSES DO COMITÊ DE ASSISTÊNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO (CAD) (Em porcentagens da RNB) 0,7 Meta de assistência oficial para o desenvolvimento ratificada em Monterrey: 0,7% da RNB 0,6 0,5 0,4 Conferência de Monterrey 0,3 0,2 0,1 0 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 Países do Comitê de Assistência para o Desenvolvimento (CAD) Países do Grupo dos Sete (G-7) Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em informação da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Quadro 1 ASSISTÊNCIA OFICIAL PARA O DESENVOLVIMENTO LÍQUIDA: CRESCIMENTO MÉDIO ANUAL DOS DESEMBOLSOS DIRIGIDOS AOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO, EM TERMOS REAIS (Em porcentagens) 1991-2008 2008 Total países em desenvolvimento 2 14 Europa 7 46 África 1 7 América Latina e Caribe 1 26 Ásia 3 18 Oceania -2 13 Sem especificar 5 10 Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em informação da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Para 2010 as perspectivas tampouco são muito animadoras. As simulações de um estudo da OCDE (2009) indicam que o cumprimento dos compromissos assumidos por vários países doadores na Cúpula do Grupo dos Oito (G-8) em Gleneagles e na Cúpula Mundial das Nações Unidas em 2005, implicaria que, este ano, a AOD deveria situar-se em 0,39% da RNB conjunta, o que supõe um aumento real de 10% ao ano do montante total da AOD entre 2008 e 2010.

11 Contudo, uma pesquisa da OCDE sobre planos de gasto futuro em assistência para o desenvolvimento por parte dos países doadores (OCDE, 2009) indica que esta aumentará numa magnitude muito menor que a necessária. Segundo a pesquisa, os programas de aumento da AOD para 2010 e inclusive para 2011, ainda são muito conservadores, talvez como reflexo da crise econômica e financeira e da deterioração da situação fiscal de vários países doadores. Sem prejuízo do exposto, os países doadores e as instituições multilaterais deveriam estar conscientes de que a deterioração dos indicadores sociais em qualquer das economias em desenvolvimento não é um problema só para aqueles que têm necessidades insatisfeitas no momento atual, como também pode ter consequências em maior longo prazo e seu dano pode estender-se no tempo e alcançar várias gerações. Um exemplo disso é o capital humano, cuja deterioração por carências em matéria de alimentação, saúde e educação constitui um efeito de longo prazo que pesa sobre a capacidade de desenvolvimento dos países ainda muito tempo depois de iniciada a recuperação dos indicadores concretos. Esta realidade então deveria ser considerada pelos países doadores no momento de decidir entre priorizar as próprias finanças públicas ou dar prioridade às necessidades aumentadas dos países em desenvolvimento. C. LÓGICA DE ALOCAÇÃO DA ASSISTÊNCIA OFICIAL PARA O DESENVOLVIMENTO E CONSEQUÊNCIAS PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE 1. Canalização da assistência oficial para o desenvolvimento dirigida às economias com menores níveis de renda Na lógica seguida para a alocação da assistência oficial para o desenvolvimento por parte dos países doadores e das instituições multilaterais nas últimas duas décadas ressalta a canalização de maior proporção dirigida às economias classificadas como de baixa renda (incluídos os países considerados menos desenvolvidos) em detrimento das de renda média. Esta tendência viu-se acentuada desde o final dos anos noventa (vide o gráfico 2). Durante o período 2000-2008, os países de renda baixa (incluídos os menos desenvolvidos) absorveram quase 60% dos fluxos totais da AOD, enquanto os de renda média receberam os 40% restantes. Dentro deste grupo, os países de renda média-baixa foram os que absorveram três quartos dos fluxos. A canalização da AOD a países de baixa renda teve como consequência a concentração dos fluxos de assistência nas regiões onde se localiza a maioria destes países. Desta forma, a Ásia e a África historicamente concentraram a maior parte dos fluxos de AOD e atualmente apresentam a maior participação, ambas com 34%. Ao contrário, a participação relativa da América Latina e do Caribe como beneficiária de assistência oficial para o desenvolvimento caiu de 9% em 1990 para 7% do total em 2008 (vide gráfico 3).

12 Gráfico 2 PARTICIPAÇÃO NO TOTAL DE DESEMBOLSOS LÍQUIDOS DE ASSISTÊNCIA OFICIAL PARA O DESENVOLVIMENTO, SEGUNDO A RENDA DOS PAÍSES (Em porcentagens) 70 60 50 40 30 20 10 0 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 Fonte: Nota: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em informação da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O total de AOD construiu-se pela soma das três categorias que aparecem no gráfico. Entre 1990 e 2008, vários países mudaram de grupo de renda segundo a classificação da OCDE. Para o período completo, no gráfico 2 a classificação realizou-se considerando a última classificação disponível (2008). O Iraque foi excluído do grupo de renda média-baixa porque em 2005 concentrou grande parte da AOD dirigida ao mencionado grupo. 50 Países de baixa renda e países menos desenvolvidos Países de renda média-baixa Países de renda média-alta Gráfico 3 PARTICIPAÇÃO DAS REGIÕES NA ASSISTÊNCIA OFICIAL PARA O DESENVOLVIMENTO LÍQUIDA TOTAL (Em porcentagens) 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 Fonte: Europa África América Latina ecaribe Ásia Oceania Países em desenvolvimento não especificados Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em informação da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

13 Esta baixa e decrescente participação da América Latina e do Caribe nos fluxos totais de AOD dirigidos ao mundo em desenvolvimento é consequência, justamente, do fato de que a maior parte dos países da região esteja classificada como de renda média-alta. Mas também se deve a que, ao considerar a comparação internacional, nem sequer os países considerados de baixa renda dentro da região aparecem entre os principais beneficiários de AOD em nível mundial (na média entre 2000 e 2008, nenhum país da América Latina e do Caribe figurou entre os 10 primeiros beneficiários de AOD como porcentagem da RNB 15 ). Ainda que faça sentido que a AOD tente fechar a brecha entre possibilidades e necessidades nos países de menores recursos, não se pode desprezar a existência de grandes disparidades nos grupos de países classificados segundo o nível de renda. Por exemplo, para a média dos anos 2000 a 2008 comprova-se que, em nível mundial, no grupo de países classificados como de renda média-baixa, o nível de renda per capita oscilou entre um mínimo de 1.943 dólares e um máximo de 9.077 dólares. A taxa de pobreza neste mesmo grupo, por sua vez, oscilou entre um mínimo de 2% e um máximo de 81% 16. A mesma disparidade observa-se no grupo de países de renda média-alta, onde o nível de renda per capita oscilou entre um mínimo de 4.100 dólares e um máximo de 19.547 dólares e a taxa de pobreza variou entre um mínimo de 2% e um máximo de 43% (vide quadro 2). Variável Quadro 2 ESTATÍSTICAS DESCRITIVAS DA RENDA PER CAPITA E DA POBREZA NO MUNDO E NA AMÉRICA LATINA E CARIBE (Em dólares e porcentagens) Países de renda média-baixa Número de observações Mundo Média Desvio padrão Mínimo Máximo PIB per capita 41 4 395 1 712 1 943 9 077 Taxa de pobreza 33 29,6 20,7 2 81 Países de renda média-alta PIB per capita 35 10 579 3 838 4 100 19 547 Taxa de pobreza 16 13 10 2 43 Variável Países de renda média-baixa Número de observações América Latina e Caribe Média Desvio padrão Mínimo Máximo PIB per capita 11 4 661 1 748 2 264 7 140 Taxa de pobreza 10 25,1 6,8 15 35 Países de renda média-alta PIB per capita 19 10 301 3 946 5 854 19 547 Taxa de pobreza 9 12,2 6,6 3 21 Fonte: Nota: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em dados do Banco Mundial, World Development Indicators (WDI) (base de dados on-line). As cifras fazem referência ao nível do PIB per capita medido em PPA (em dólares internacionais constantes de 2005) e à taxa de pobreza utilizando a linha de dois dólares diários. 15 16 Muito pelo contrário, dos 10 países que receberam menos AOD em nível mundial, 7 pertenciam à América Latina e ao Caribe. As cifras fazem referência ao nível; do PIB medido em PPA (em dólares internacionais constantes de 2005) e a taxa de pobreza utilizando a linha de dois dólares diários. Os dados provêm da base de dados WDI do Banco Mundial.

14 Na América Latina e no Caribe, o nível de renda per capita do grupo de países classificados como de renda média-baixa oscilou entre um mínimo de 2.264 dólares e um máximo de 7.140 dólares. A taxa de pobreza nestes países, por sua vez, variou entre um mínimo de 15% e um máximo de 35%. No grupo de países de renda média-alta, o nível de renda per capita oscilou entre um mínimo de 5.854 dólares e um máximo de 19.547 dólares e a taxa de pobreza variou entre um mínimo de 3% e um máximo de 21% (vide quadro 2). Neste sentido, seria natural que a assistência para o desenvolvimento fosse alocada de acordo com uma lógica de necessidades específicas dos países e, dentro destes, dos setores mais afetados. Caberia reavaliar a lógica de alocação segundo o conceito de países de renda média no momento de canalizar os fluxos de assistência para o desenvolvimento, já que este grupo apresenta uma grande heterogeneidade e tem setores expostos a alto grau de vulnerabilidade. As prioridades de alocação da assistência deveriam então ser fixadas considerando-se um conjunto mais amplo de indicadores que reflita as características específicas dos países e que permita detectar onde estão as principais necessidades em cada caso particular. Para que isto seja possível, os países beneficiários devem dispor de informação suficientemente detalhada para determinar quais são as áreas prioritárias e detectar as necessidades de financiamento não cobertas em cada uma dessas áreas. Isto não só serviria de base para identificar com exatidão as principais demandas de cada um dos países, como também para solucionar certas falhas de coordenação que surgem entre beneficiários e doadores e pelas quais muitas vezes algumas áreas com menores brechas de financiamento terminam recebendo maiores volumes de assistência em termos relativos que outras com maiores brechas em um mesmo país. 2. Consequências para a América Latina e o Caribe como beneficiários de assistência oficial para o desenvolvimento Dos 128,6 bilhões de dólares de assistência oficial para o desenvolvimento canalizada aos países em desenvolvimento em 2008, somente 9,3 bilhões de dólares se dirigiram à América Latina e ao Caribe. Deste total, 6,9 bilhões de dólares (quase três quartos) foi AOD bilateral por parte dos países do CAD e 2,3 bilhões de dólares (quase um quarto) foi AOD aportada por organismos multilaterais (vide quadro 3). Quadro 3 AMÉRICA LATINA E CARIBE: DESEMBOLSOS LÍQUIDOS RECEBIDOS DE ASSISTÊNCIA OFICIAL PARA O DESENVOLVIMENTO (Em milhões de dólares) 1990 1995 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 AOD líquida total 5 233 6 384 4 838 5 990 5 076 6 129 6 803 6 706 7 308 6 954 9 262 Bilateral de países do Comitê de Assistência para 4 188 4 807 3 846 4 456 3 892 4 569 5 122 4 819 5 236 4 744 6 907 o Desenvolvimento (CAD) Multilateral 1 032 1 543 941 1 489 1 119 1 520 1 646 1 841 2 032 2 109 2 264 Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em informação da Organização de Cooperação e desenvolvimento Econômico (OCDE).

15 Como se indica no quadro 1, o crescimento médio anual da AOD dirigida à América Latina e ao Caribe de 1990 até 2008 foi de somente 1% em termos reais e, portanto, insuficiente para que aumentasse ou pelo menos não diminuísse o montante de AOD recebida como porcentagem da RNB regional. Deste modo, a América Latina e o Caribe viram o volume de AOD recebida como porcentagem da RNB regional reduzido de 0,5% em 1990 para 0,22% em 2008 (vide gráfico 4). Gráfico 4 AMÉRICA LATINA E CARIBE: ASSISTÊNCIA OFICIAL PARA O DESENVOLVIMENTO RECEBIDA (Em porcentagens da RNB) 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0,0 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 Fonte: Nota: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em dados do Banco Mundial, World Development Indicators (WDI) [base de dados on-line]. Para o ano de 2008 a cifra de AOD provém da base de dados da OCDE. Observou-se na região uma lógica de alocação similar à que impera em nível global, segundo a qual os países classificados como de renda baixa e média-baixa receberam volumes mais significativos de AOD como porcentagem de sua renda que aqueles classificados como de renda média-alta (vide quadro 4). Observa-se assim uma clara associação entre o nível de renda per capita dos países e a AOD que em geral receberam nos últimos tempos (vide gráfico 5). Esta tendência da alocação dos fluxos de assistência dirigidos à região fez com que desde 1990 os países de baixa-renda e renda média-baixa tenham captado, em média, quase 80% do total de AOD canalizada à América Latina e ao Caribe (vide gráfico 6).

16 Quadro 4 AMÉRICA LATINA E CARIBE: DESEMBOLSOS LÍQUIDOS RECEBIDOS DE ASSISTÊNCIA OFICIAL PARA O DESENVOLVIMENTO (Em porcentagens da RNB) 1990 1995 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 PMD Haiti 5,9 24,7 5,4 4,7 4,5 7,1 6,6 10,1 11,7 11,5 13,1 Bolívia (Estado Plurinacional da) 11,8 11,0 5,9 9,4 9,0 12,1 9,4 5,9 6,8 3,7 3,9 Colômbia 0,2 0,2 0,2 0,4 0,5 0,9 0,5 0,4 0,6 0,4 0,4 Equador 1,7 1,2 1,0 0,9 0,9 0,6 0,5 0,6 0,5 0,5 0,5 Países de renda médiabaixa Países de renda médiaalta Fonte: Nota: El Salvador 7,4 3,1 1,4 1,8 1,7 1,3 1,4 1,2 0,9 0,4 1,1 Guatemala 2,7 1,4 1,4 1,3 1,2 1,1 0,9 1,0 1,6 1,3 1,4 Guiana 61,0 15,1 17,5 17,6 10,8 13,9 21,5 20,1 19,6 12,3 14,5 Honduras 16,0 11,0 6,4 9,4 6,4 5,1 7,9 7,5 5,8 4,0 4,1 Nicarágua 33,4 23,0 15,0 24,1 13,5 21,5 29,1 16,1 14,2 15,0 11,5 Paraguai 1,1 1,7 1,1 0,9 1,1 0,9 0,3 0,7 0,6 0,9 0,8 Peru 1,6 0,7 0,8 0,9 0,9 0,9 0,7 0,6 0,5 0,3 0,4 República Dominicana 1,5 0,8 0,2 0,4 0,6 0,3 0,4 0,3 0,2 0,3 0,3 Anguila................................. Antígua e Barbuda 1,3 0,5... 1,3 2,0...... 0,9 0,4 0,7 0,7 Argentina 0,1 0,1 0,0 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,0 0,0 Barbados 0,2-0,1 0,0 0,0 0,1 0,8 1,1-0,1......... Belize 7,4 3,0 1,9 2,8 2,6 1,3 0,8 1,2 0,8 1,9 2,1 Brasil 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 Chile 0,3 0,2 0,1 0,1 0,0 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,0 Costa Rica 3,2 0,3 0,1 0,0 0,0 0,2 0,1 0,1 0,1 0,2 0,2 Cuba................................. Dominica 12,1 11,8 6,5 8,1 12,9 4,7 11,6 7,7 6,9 6,0 6,3 Granada 6,6 4,1 4,4 3,1 2,8 2,7 4,1 11,6 6,0 4,0 5,5 Jamaica 6,5 1,9 0,1 0,6 0,3 0,1 0,9 0,4 0,3 0,2 0,6 México 0,06 0,14-0,01 0,02 0,02 0,02 0,01 0,02 0,03 0,01 0,01 Montserrat................................. Panamá 1,97 0,53 0,14 0,23 0,17 0,22 0,17 0,19 0,20-0,74 0,13 São Cristóvão e Névis 5,24 1,77 1,30 3,28 8,95 0,05 0,02 0,64 1,12 0,72 9,12 Santa Lúcia 3,33 9,24 1,78 2,89 5,01 2,25-2,95 1,30 2,21 2,19 2,04 São Vicente e Granadinas 8,18 18,68 1,95 2,47 1,31 1,82 2,74 1,07 1,00 12,35 4,71 Suriname 15,63 11,09 3,85 3,39 1,12 0,89 1,67 2,53 3,08 6,20 3,71 Trinidad e Tobago 0,38 0,51-0,02-0,02-0,10-0,03-0,01-0,01 0,08 0,10 0,05 Uruguai 0,59 0,35 0,08 0,07 0,10 0,20 0,22 0,09 0,11 0,15 0,11 Venezuela (República Bolivariana da) 0,17 0,06 0,07 0,04 0,06 0,10 0,04 0,04 0,03 0,03 0,02 Países de renda média-alta 3,9 3,4 1,2 1,5 2,0 0,9 1,1 1,5 1,2 1,9 2,0 Países de baixa renda e de renda médiabaixa 12,0 7,8 4,7 6,0 4,2 5,5 6,6 5,4 5,3 4,2 4,3 Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em informação da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Para a classificação dos países segundo a renda utilizou-se a última classificação disponível da OCDE (2008). PMD significa países menos desenvolvidos e no caso da América Latina e do Caribe inclui somente o Haiti.

17 Gráfico 5 AMÉRICA LATINA: ASSISTÊNCIA OFICIAL PARA O DESENVOLVIMENTO PER CAPITA FRENTE À RENDA PER CAPITA, MÉDIA 2004-2007 10 Ln (PIB per capita) 9,5 9 8,5 8 México Chile Argentina Uruguai Venezuela (Rep. Bol. da) Brasil Costa Rica Colômbia Equador Peru República Dominicana El Salvador Paraguai Guatemala Suriname Bolívia (Est. Plur. da) Honduras 7,5 R 2 =0,6 Guiana Nicarágua 7 Haiti Fonte: Nota: 6,5 Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em informação da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Ln significa logaritmo neperiano. Gráfico 6 PARTICIPAÇÃO NOS FLUXOS DE ASSISTÊNCIA OFICIAL PARA O DESENVOLVIMENTO DIRIGIDOS À AMÉRICA LATINA E AO CARIBE, SEGUNDO A RENDA DOS PAÍSES (Em porcentagens) 100-1 0 1 2 3 4 5 6 Ln (AOD per capita) 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 Fonte: Nota: Países de renda média-alta da AméricaLatina edocaribe Países de baixa renda, países menos desenvolvidos e países de renda média-baixa da América Latina e do Caribe Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em informação da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Para a classificação dos países segundo a renda utilizou-se a última classificação disponível da OCDE (2008). PMD significa países menos desenvolvidos e no caso da América Latina e do Caribe inclui somente o Haiti.

18 Entretanto, é importante assinalar que alguns países da América Latina e do Caribe classificados como de renda média-alta que recebem uma proporção insignificante de assistência oficial (vide quadro 4) enfrentam os consideráveis desafios de uma persistente desigualdade e uma pobreza que, em geral, se concentra em certos estratos da população. Ainda assim, vários pequenos Estados ou territórios classificados como insulares em desenvolvimento, cujo grupo é muito heterogêneo, apresentam alta vulnerabilidade a comoções externas (como desastres naturais que ciclicamente desestabilizam o caminho para o desenvolvimento) e pressões provenientes do reduzido tamanho de suas economias 17. Neste sentido, como já mencionado, a lógica de alocação de AOD deveria considerar especialmente as necessidades específicas dos países, além do grupo ao qual pertençam segundo a classificação por nível de renda. Inclusive no grupo de países de renda média-baixa, é necessário considerar suas necessidades específicas para canalizar a AOD da forma mais efetiva possível. Ainda que em alguns casos estes países possam receber grandes volumes de AOD em termos relativos, também é essencial considerar a forma que esta assistência adota. Por exemplo, no caso de nossa região, dentro do grupo de países de renda média-baixa que receberam maiores volumes de AOD em termos relativos figuram alguns que são, por sua vez, considerados países pobres muito endividados (o Estado Plurinacional da Bolívia, Guiana, Honduras, Nicarágua, e mais recentemente, Haiti). Isto significa que, em alguns casos, uma importante proporção da AOD foi recebida em forma de ações relacionadas com a dívida externa (remissão e outras) e não em forma novos recursos dirigidos a outros setores 18. Em particular, se considerarmos a participação das ações relacionadas à dívida externa no total de fundos de AOD comprometidos entre 2002 e 2007, esta foi de 25% para o Estado Plurinacional da Bolívia, de 27% para a Nicarágua e de quase 30% para Honduras. Do outro lado está o menor peso da AOD na forma de serviços sociais e de infraestrutura social. Nestes três países, a participação deste tipo de assistência situou-se entre 32% e 39% entre 2002 e 2007, muito abaixo da participação que o mencionado item teve para a América Latina e o Caribe em conjunto. Ainda que a AOD em forma de ações relacionadas com a dívida reflita a preocupação e vontade dos países doadores, e da comunidade internacional em geral, de aliviar a carga da dívida dos países de renda mais baixa, também deveriam considerar as necessidades concretas de novos fluxos de assistência que esses países possam ter. D. NOVAS ALTERNATIVAS DE FINANCIAMENTO: MECANISMOS INOVADORES O atual nível de financiamento para o desenvolvimento mediante assistência oficial não aporta o volume de recursos necessários para cumprir com os objetivos de desenvolvimento adotados em nível internacional e é necessário que os países doadores realmente se esforcem para aumentar os fluxos de ajuda. 17 18 As Nações Unidas (2005) proporcionam a lista dos pequenos Estados insulares: Antígua e Barbuda, Antilhas Holandesas, Aruba, Bahamas, Barbados, Belize, Cuba, Dominica, Granada, Guiana, Haiti, Ilhas Virgens dos Estados Unidos, Jamaica, República Dominicana, São Cristóvão e Névis, São Vicente e Granadinas, Santa Lúcia, Suriname e Trinidad e Tobago. A Iniciativa para a redução da dívida dos países pobres muito endividados, adotada em 1996, orientou-se fundamentalmente a diminuir o serviço da dívida mediante a remissão de algumas delas e a adoção de prazos mais longos para o pagamento da dívida remanescente. Veja a lista atual de países que podem receber assistência em virtude da iniciativa do FMI/Banco Mundial para os países pobres muito endividados [on- line] http://www.imf.org/external/np/exr/facts/hipc.htm.

19 Por sua vez, também é preciso que tanto os países desenvolvidos quanto em desenvolvimento continuem estudando a possibilidade de implementar mecanismos adicionais e inovadores de financiamento que se somem aos que atualmente utilizam e que possam aportar novos recursos ante uma conjuntura de escassez geral de financiamento como a atual. O propósito destes mecanismos é fornecer correntes estáveis e previsíveis de assistência oficial para os países em desenvolvimento. A experiência mostra que sua implementação é tecnicamente factível e que devem ser consideradas como um complemento à assistência oficial para o desenvolvimento. Até o momento foram apresentadas diversas propostas sobre mecanismos inovadores de financiamento (vide quadro 5). Independentemente do destino setorial dos recursos, os mecanismos propostos podem ser ordenados em três categorias: os impostos globais, os fundos globais e os instrumentos financeiros inovadores de mercado. Estes mecanismos, por exemplo, foram apresentados como fontes de financiamento no marco da iniciativa do fundo para a luta contra a fome e as iniciativas Ação contra a fome e a pobreza propostas pelo Grupo Técnico sobre mecanismos de financiamento inovadores, com o patrocínio do Brasil, Chile, Espanha e França e o apoio do Secretário Geral das Nações Unidas. Os impostos globais incluem, entre outros, os impostos sobre as transações financeiras internacionais e sobre as emissões de carbono. Em geral, se aceita que um imposto sobre as transações financeiras internacionais teria um importante componente de arrecadação sem provocar uma distorção nos mercados. Isto se deve a que contaria com uma base de arrecadação muito ampla ao incluir todas as transações financeiras e uma taxa aplicável muito baixa (numa faixa entre 0,01% e 0,1%). Estimou-se que sendo a mencionada taxa aplicada na Europa e na América do Norte, o potencial de arrecadação deste imposto seria de entre 0,5% e 2,4% do PIB mundial 19. Uma das propostas para distribuir os recursos arrecadados com este imposto sugere que os países desenvolvidos destinem a maior parte desta arrecadação à consecução dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (em particular, à erradicação da fome e da pobreza) e à provisão de bens públicos globais. Dada a atual distribuição da assistência oficial para o desenvolvimento, segundo estimativas da CEPAL correspondentes a 2007, os países latino-americanos e caribenhos receberiam entre 2 bilhões de dólares e 5 bilhões de dólares anuais referentes a este imposto, o que corresponde a um valor situado entre 0,1% e 0,2% do PIB combinado dos países da região e equivale, aproximadamente, ao atual nível de assistência oficial para o desenvolvimento que recebe a América Latina e o Caribe (CEPAL, 2007). Ainda que a possibilidade de instrumentar um imposto desta natureza tenha voltado a ser discutida no contexto da crise atual, os motivos do imposto neste caso seriam distintos 20. Por um lado, se buscaria diminuir as transações especulativas internacionais e, por outro, se trataria de dispor de mais recursos para reduzir os déficits fiscais dos países desenvolvidos. Em princípio, a assistência para o desenvolvimento não foi considerada como destino dos fundos arrecadados. 19 20 Veja, por exemplo, estimativas da CIDSE (2009b). A iniciativa teve o apoio do Parlamento Europeu e de alguns países da Europa, incluídos Alemanha, Áustria, Bélgica e França.

20 Instrumento Quadro 5 ALGUMAS PROPOSTAS SOBRE INSTRUMENTOS INOVADORES DE FINANCIAMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO Imposto sobre transações financeiras internacionais Características principais Um imposto sobre as transações financeiras internacionais, aplicado em nível mundial, teria uma base de arrecadação muito ampla. A taxa aplicável também seria muito baixa (entre 0,01% e 0,1%). Potencial para o financiamento do desenvolvimento Algumas estimativas (veja CIDSE, 2009b) indicam que, se aplicado na Europa e na América do Norte, esse imposto teria uma arrecadação potencial entre 0,5% e 2,4% do PIB mundial. Imposto sobre as emissões de carbono (CO 2) Imposto sobre o transporte aéreo Emissão de direitos especiais de saque para o desenvolvimento Serviço de financiamento internacional Permutas de dívida Esse imposto corrige a brecha entre o nível privado e o nível de atividade socialmente ótimo. Internaliza as externalidades econômicas e permite que os preços reflitam o alcance integral dos custos sociais e meio ambientais. Tem a dupla finalidade de reduzir o efeito ambiental adverso da indústria da aviação e gerar um importante potencial de arrecadação. Esse imposto entrou em vigor em julho de 2006 na França, e também é aplicado no Brasil, Chile, Costa do Marfim, Gabão e Ilhas Maurício. Além disso, outros 12 países começaram a realizar reuniões parlamentares para adotá-lo e 19 países se comprometeram a impor contribuições voluntárias. A proposta de novas emissões de direitos especiais de saque para o desenvolvimento é focada no uso deste recurso para a provisão de bens públicos globais que incluem a melhora do meio ambiente, a prevenção de doenças, o aumento da alfabetização e a provisão de ajuda humanitária. Um exemplo de uma iniciativa concreta neste sentido é a proposta de Soros (2009) de utilizar direitos especiais de saque dos países desenvolvidos para a criação de um fundo para o desenvolvimento sustentável que financie planos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas nos países em desenvolvimento. Iniciativa proposta pelo Reino Unido em 2003 e concebida para mobilizar, entre 2003 e 2015, cerca de 50 bilhões de dólares anuais adicionais para o financiamento do desenvolvimento. Consiste em um mecanismo pelo qual se titulariam correntes futuras (ou seja, compromissos futuros) de assistência para o desenvolvimento dos países doadores no mercado de bônus internacionais. Os valores recebidos pela venda desses títulos nos mercados internacionais financiariam programas nos países beneficiários da ajuda. Permutas de dívida por saúde. Essa iniciativa lançada em 2007 convida os credores de alguns países beneficiários selecionados a perdoar porções da dívida com a condição de que os governos beneficiários invistam uma parcela prédeterminada em programas de saúde vinculados à luta contra o HIV/AIDS, a tuberculose e a malária. Permutas de dívida por natureza. Na Cúpula de Copenhague em dezembro de 2009, a União Européia ressaltou a necessidade de adotar iniciativas deste tipo. Estima-se (veja CIDSE 2009 a ) que um imposto sobre as emissões de carbono com uma baixa taxa de 5 centavos de dólar por galão possa gerar uma renda entre 60 bilhões de dólares e 130 bilhões de dólares anuais. Estima-se (veja o site da France Diplomatie) que poderia arrecadar 300 milhões de euros por ano na França e que com a participação de outros países poderia chegar a 400 milhões de euros ou a 500 milhões de euros anuais nos próximos anos. Um fundo constituído pelo equivalente a 100 bilhões de dólares (emprestados por países desenvolvidos durante 25 anos) em direitos especiais de saque poderia prover 7 bilhões de dólares anuais em doações, empréstimos e financiamento de capital aos países em desenvolvimento durante os próximos 30 a 40 anos. Na proposta original do Reino Unido de 2003, foi estimado que o serviço de financiamento internacional pudesse mobilizar até 500 bilhões de dólares adicionais de ajuda para o desenvolvimento durante o período completo que duraria o mecanismo (30 anos) (veja Governo do Reino Unido 2003) Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base nos documentos citados e em CEPAL, Nuevas tendencias de la asistencia oficial para el desarrollo y su impacto en el financiamiento de la pobreza y la erradicación del hambre en América Latina y el Caribe, Santiago do Chile, 2007.