A FUNÇÃO LOGARÍTMICA EM LIVROS DIDÁTICOS BRASILEIROS

Documentos relacionados
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E APLICAÇÕES DE LOGARITMOS E EXPONENCIAIS

MATEMÁTICA 1ºANO Ementa Objetivos Geral Específicos

LOGARITMOS. 1. Introdução Histórica

Logaritmos. Antonio Carlos Brolezzi.

LOGARITMOS K AT E L Y N L U Z I A D O S S AN T O S D AB O I T

PLANO DE ENSINO OBJETIVOS

UMA INVESTIGAÇÃO HISTÓRICA SOBRE OS LOGARITMOS COM SUGESTÕES DIDÁTICAS PARA A SALA DE AULA

Qual é o tempo? INTRODUÇÃO

PLANO DE ENSINO OBJETIVOS

LOGARITMOS Leia e descubra que eu não vim do além

Plano de Ensino EMENTA OBJETIVOS

PLANO DE ENSINO OBJETIVOS

PLANO DE AULA. 1) IDENTIFICAÇÃO Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina - 22 Gerei

CURSO ENSINO MÉDIO INTEGRADO EM MEIO AMBIENTE PROPOSTA CURRICULAR GRADE 2010 ATUALIZADA EM 2015

PLANO DE ENSINO OBJETIVOS

Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DA PARAÍBA CAMPUS CAJAZEIRAS COORDENAÇÃO DO CURSO TÉCNICO EM INFORMÁTICA

VII CONGRESSO INTERNACIONAL DE ENSINO DA MATEMÁTICA. ULBRA Canoas Rio Grande do Sul Brasil.

EMENTA Lógica; Conjuntos Numéricos; Relações e Funções. OBJETIVOS. Geral

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA COLÉGIO TÉCNICO INDUSTRIAL DE SANTA MARIA DEPARTAMENTO DE ENSINO CURSO TÉCNICO INTEGRADO EM ELETROTÉCNICA 1ºANO

Plano de Trabalho Docente Ensino Médio

Giovanna ganhou reais de seu pai pra fazer. sua festa de 15 anos. Ao receber o dinheiro, no. entanto, resolveu abri mão da festa.

DADOS DO COMPONENTE CURRICULAR

Palavras-chave: Logaritmo; Ensino da Matemática; Práticas Pedagógicas.

AS ABORDAGENS DOS LOGARITMOS EM DOIS LIVROS DIDÁTICOS EM ÉPOCAS DISTINTAS

Plano de Ensino IDENTIFICAÇÃO

ENCULTURAÇÃO MATEMÁTICA EPENSAMENTO ALGÉBRICO NA INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE FUNÇÃO EM DOIS LIVROS DIDÁTICOS

CURSO DE ADMINISTRAÇÃO Autorizado pela Portaria no de 04/07/01 DOU de 09/07/01

ÁREA DA MATEMÁTICA: MATEMÁTICA 1ª SÉRIE 1-MATEMÁTICA

Período Disciplina Núcleo Educativo 1 1. INTRODUÇÃO AO CÁLCULO CC GEOMETRIA ANALITICA CC FÍSICA CONCEITUAL I CC 4 60

Função Logarítmica. Formação Continuada em Matemática. Matemática -2º ano do Ensino Médio Plano de trabalho - 1º Bimestre/2014

DA ORIGEM DOS LOGARITMOS AO USO DA RÉGUA DE CÁLCULO NO ENSINO DE MATEMÁTICA. Palavras-Chave: História; Régua de cálculo; Atividades; Instrumento.

FORMAÇÃO CONTINUADA NOVA EJA Nome: Luiz Fernando Freitas Fernandes Tutora: André Gomes Cardoso Regional: Baixadas Litorâneas PLANO DE AÇÃO XVIII

CURSO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS Autorizado pela Portaria no de 04/07/01 DOU de 09/07/01 Componente Curricular: MATEMÁTICA PLANO DE CURSO

PROGRAMA DE DISCIPLINA

DA ORIGEM DOS LOGARITMOS AO USO DA RÉGUA DE CÁLCULO NO ENSINO DE MATEMÁTICA. Palavras-Chave: História; Régua de cálculo; Atividades; Instrumento.

JOGO LOGARITMONENCIAL, EXPLORANDO OS CONCEITOS DE LOGARITMO E EXPONENCIAL COM A UTILIZAÇÃO DE JOGOS.

Plano de Ensino IDENTIFICAÇÃO EMENTA

Educação Matemática MATEMÁTICA LICENCIATURA. Professora Andréa Cardoso

Logaritmos 10/03/2014. Antonio Carlos Brolezzi.

RESOLUÇÃO 04/2016. I Tipo de alteração: INCLUSÃO DE DISCIPLINAS NOME CRÉDITOS 4 SÚMULA ETAPA ACONSELHADA NOME CRÉDITOS 3 SÚMULA ETAPA ACONSELHADA NOME

ESTRUTURA PROVISÓRIA DO CURSO

Funções Reais I. Espaços Vetoriais

Material Teórico - Módulo de Função Logarítmica. Função logarítmica e propriedades - Parte 1. Primeiro Ano - Ensino Médio

Plano de Ensino IDENTIFICAÇÃO. TURMA: 3º ano EMENTA

Plano de Ensino IDENTIFICAÇÃO

Plano de Trabalho Docente Ensino Médio

COORDENAÇÃO DE ENSINO EQUIPE TÉCNICO-PEDAGÓGICA PLANO DE ENSINO

RÉGUA DE CÁLCULO CIRCULAR: UMA BREVE DESCRIÇÃO HISTÓRICA E MATEMÁTICA NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR 1

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO SECRETARIA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA INSTITUTO FEDERAL GOIANO - CAMPUS TRINDADE

MATEMÁTICA I FUNÇÕES. Profa. Dra. Amanda L. P. M. Perticarrari

DIREÇÃO DE ENSINO EMENTA DE DISCIPLINA - MATEMÁTICA AUTOMAÇÃO INDUSTRIAL ELETRÔNICA ELETROMECÂNICA MEIO AMBIENTE

Plano de Trabalho1 Função Logarítmica

LOGARITMOS: se e somente se. Obs.: Temos que é a base do logaritmo, é o logaritmando e o logaritmo.

MINISTÉRIO DA DEFESA EXÉRCITO BRASILEIRO ESCOLA DE SARGENTOS DAS ARMAS (ESCOLA SARGENTO MAX WOLF FILHO)

UMA ANÁLISE DA HISTÓRIA DA TRIGONOMETRIA EM ALGUNS LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA DO 9º ANO AVALIADOS PELO PNLD

LIMITES E CONTINUIDADE

O ENSINO DE MATEMÁTICA COM O AUXÍLIO DO SOFTWARE GEOGEBRA: UMA AÇÃO DO PIBID/MATEMÁTICA/CCT/UFCG

UNIDADE I Trigonometria O triângulo Retângulo Teorema de Pitágoras Relações métricas Razões trigonométricas no triângulo retângulo O ciclo

Plano de Ensino. Identificação. Câmpus de Bauru. Curso Licenciatura em Matemática. Ênfase. Disciplina B - Funções Elementares

RESOLUÇÃO 05/2016. INTRODUÇÃO ÀS FUNÇÕES ALGÉBRICAS Obrigatória. EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E DOCÊNCIA I Obrigatória

Material Teórico - Módulo de Função Exponencial. Primeiro Ano - Médio. Autor: Prof. Angelo Papa Neto Revisor: Prof. Antonio Caminha M.

A ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO NA PRÁTICA DE ENSINO EM MATEMÁTICA: CONTRIBUIÇÕES À FORMAÇÃO DOCENTE

Programa da Disciplina

PLANO DE TRABALHO DOCENTE Colégio Estadual Padre Chagas Ensino Fundamental e Médio Disciplina: Matemática. Série: 1º Ano - Ensino Médio

PLANO DE ENSINO DADOS DO COMPONENTE CURRICULAR

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE COLÉGIO DE APLICAÇÃO

PROJETO DAS FACULDADES MAGSUL 2016 (X) ENSINO ( ) PESQUISA ( ) EXTENSÃO

X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador BA, 7 a 9 de Julho de 2010

MATEMÁTICA e ARTE UMA PERSPECTIVA NECESSÁRIA. Palavras-chave: Matemática; Arte; Mondrian; Educação no Brasil; Ensino-aprendizagem.

Plano de Ensino Componente Curricular Curso Período Carga Horária Docente Ementa Objetivos

MAT001 Cálculo Diferencial e Integral I

Logaritmos no ensino médio: construindo uma aprendizagem significativa através de uma sequência didática

Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada Atualizado em 16/06/2011. Resumo Geral dos Vídeos do PAPMEM por ASSUNTO

Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada Atualizado em 16/06/2011. Resumo Geral dos Vídeos do PAPMEM por PROFESSOR

x. 20= x= 40 = 35 y

Ministério da Educação UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ. Câmpus Londrina PLANO DE ENSINO CURSO LICENCIATURA QUIMICA MATRIZ 1

Matriz de Referência de Matemática - Ensino Médio

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL SEGUNDA LICENCIATURA EM INFORMÁTICA FUNÇÕES EXPONENCIAIS E LOGARÍTMICAS

NÚMEROS E ÁLGEBRA FUNÇÕES

UM ESTUDO DE FUNÇÕES ENVOLVENDO RAÍZES NÃO REAIS

12 Qua 16 mar Coordenadas retangulares, representação Funções vetoriais paramétrica

ANEXO I UNIVERSIDADE DA REGIÃO DE JOINVILLE UNIVILLE COLÉGIO DA UNIVILLE PLANEJAMENTO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

1. CENTRO / UNIDADE / DEPARTAMENTO : CCMN / IM / 2. ANO E PERÍODO DA OPERAÇÃO : 5. CARGA HORÁRIA POR PERÍODO : 15 teórica 30 prática 6.

Palavras Chave: Educação Matemática; Livros Didáticos de Matemática; Logaritmos; Resolução de Problemas.

ESCOLA DE ENSINO MÉDIO PLÁCIDO ADERALDO CASTELO. Disciplina: Matemática - Nível de Ensino: Ensino Médio - Série: 1ª Série 1º BIMESTRE

PLANEJAMENTOS ANUAIS

ESCOLA SECUNDÁRIA JERÓNIMO EMILIANO DE ANDRADE DE ANGRA DO HEROÍSMO

A HISTÓRIA DOS LOGARITMOS COMO CONTRIBUIÇÃO À MATEMÁTICA DO ENSINO MÉDIO

ANÁLISE SOBRE A ABORDAGEM DA FUNÇÃO EXPONENCIAL EM LIVROS DIDÁTICOS UTILIZADOS POR PROFESSORES DO ENSINO MÉDIO RESUMO

ANEXO I UNIVERSIDADE DA REGIÃO DE JOINVILLE UNIVILLE COLÉGIO DA UNIVILLE PLANEJAMENTO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO DA EDITORA MODERNA

Função Polinomial do 1º Grau

AVALIAÇÃO DA IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO DE TRABALHO 2 GEOMETRIA ANALÍTICA

CURSO: Licenciatura em Matemática TURMA: LM 2011/01_1ºSEM PROFESSOR: NÍCOLAS MORO MÜLLER PLANO DE ENSINO

POTENCIALIDADE DE APLICAÇÕES DE CÁLCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL EM ENGENHARIA, UTILIZANDO O SOFTWARE MAPLE

Projeto Pedagógico do Curso. de Formação Inicial e Continuada (FIC) em. Matemática Básica. Modalidade: presencial

A UTILIZAÇÃO DO SOFTWARE GEOGEBRA NA OBTENÇÃO DE MÁXIMOS E MÍNIMOS DE FUNÇÕES SUJEITO Á RESTRIÇÕES Educação Matemática no Ensino Superior GT 12 RESUMO

Transcrição:

Sociedade Brasileira de na Contemporaneidade: desafios e possibilidades A FUNÇÃO LOGARÍTMICA EM LIVROS DIDÁTICOS BRASILEIROS Diogo Oliveira Soares Universidade de São Paulo mat.profdiogo@yahoo.com.br Resumo Este artigo procura mostrar alguns resultados parciais sobre uma pesquisa de Mestrado, cujo objetivo é verificar como se deu a inserção e o desenvolvimento da função logarítmica nos livros didáticos brasileiros, procurando verificar as mudanças e permanências que ocorreram desde o século XIX até os dias atuais. Os livros didáticos de matemática foram analisados do período entre 1890 e 2014. Os resultados parciais sinalizam para a introdução da função logarítmica nos livros didáticos brasileiros a partir de 1893. Todavia, a função logarítmica vinculada às aplicações somente ocorre a partir da década de 1980, por exemplo, através dos problemas de juros compostos e dinâmica populacional. Palavras-chave: função logarítmica; livro didático; História da. 1. Introdução Com o advento das calculadoras e o avanço da tecnologia, nota-se que o logaritmo perdeu sentido no que se refere à sua aplicação como facilitador de cálculos. No entanto, hoje os logaritmos têm sua importância devido aos modelos matemáticos baseados nas propriedades da função logarítmica e de sua inversa, a exponencial. Podemos citar alguns desses modelos, como problemas de juros compostos, estudo quantitativo da relação entre a altura e frequência dos sons emitidos por notas musicais, a alcalinidade de uma solução química, o estudo dos níveis de intensidade sonora, dentre outros. Assim, a pesquisa sobre o histórico da função logarítmica nos livros didáticos torna-se necessária, pois a partir dela poderá ser verificado porque é importante o ensino e a aprendizagem desse conteúdo, o que mudou e o que permaneceu em relação às abordagens dos livros didáticos atuais e antigos, quais fatos importantes implicaram em tais mudanças e permanências e de que forma a história da função logarítmica na matemática influenciou nas concepções deste tema, extraídas dos livros didáticos brasileiros. 1

na Contemporaneidade: desafios e possibilidades Sociedade Brasileira d Desse modo, este artigo traz uma parte da pesquisa de dissertação 1, que está em processo de elaboração, do curso de Mestrado Profissional em Ensino de, pela Universidade de São Paulo, buscando responder a questão de como se deu a inserção e o desenvolvimento da função logarítmica nos livros didáticos brasileiros. Ao longo do ano de 2015 até o momento, foi possível aprofundar algumas ideias do Trabalho de Conclusão de Curso 2 de Licenciatura em do Instituto Federal de São Paulo, elaborado em 2012 e intitulado Logaritmos: Napier versus Dante, no qual pudemos verificar o que permaneceu e o que mudou, tanto do ponto de vista matemático como didático, em relação à primeira obra sobre logaritmos, Mirifici Logarithmorum Canonis Descriptio, publicada em 1614, por John Napier (1550-1617), e em relação ao livro didático de Luiz Roberto Dante, : Contexto e Aplicações, de 1999. No presente trabalho, procuramos dar ênfase ao percurso da função logarítmica nos livros didáticos brasileiros, desde meados do século XIX até 2014. Inicialmente, apresentamos um breve esboço histórico sobre a função logarítmica na matemática e, desse modo, estabelecemos uma relação entre o histórico da função logarítmica na matemática e os livros didáticos brasileiros estudados. 2. A função logarítmica na História da Conforme Boyer (1996) quando Napier concebeu a ideia dos logaritmos na sua obra Mirifici Logarithmorum Canonis Descriptio, em 1614, sua intenção era facilitar os cálculos extensos relacionados à Astronomia, Navegação e Comércio. Contudo, em Logaritmos: Napier versus Dante (2012), vimos que na abordagem de Napier também estava implícita a ideia de função, que mais tarde seria muito útil no Cálculo Diferencial e Integral. Segundo Maor (2008), em torno de 1640, trinta anos antes de Newton (1642-1727) e Leibniz (1646-1716)) estabelecerem a fórmula da área sob a curva y = x n como parte de seu Cálculo Integral, Fermat (1601-1665) já conseguia a fórmula da área A = an(1, para a curva y = x n, com n > 0, entre os pontos x = 0 e x = a, no eixo x. Posteriormente, com pequenas n*1 1 Trabalho sob a orientação da Profa. Circe Mary Silva da Silva Dynnikov 2 Trabalho sob a orientação do Profº Henrique Marins 2

Sociedade Brasileira de na Contemporaneidade: desafios e possibilidades mudanças no seu método, ele demonstrou que a fórmula também vale para valores negativos atribuídos a n. Porém, para a curva y = x -., temos n = - 1 que resulta em A = 01(2 indeterminação, pois o 0 aparece no denominador. = 04 3*. 5, que é uma Então, coube a um jesuíta belga que atendia pelo nome de Gregorius de Saint Vicent (1584-1667) notar que, para n = -1, enquanto as bases formam uma progressão geométrica, os retângulos usados na aproximação da área sob a hipérbole possuem áreas todas iguais. Isso significa que, conforme a distância de 0 cresce geometricamente no eixo das abscissas, as áreas correspondentes crescem em incrementos iguais, ou seja, aritmeticamente. Portanto, a relação entre a área e a distância tem a mesma característica da tábua de logaritmos de Napier e, portanto, é logarítmica. Desse modo, um dos alunos de Saint Vicent, Afonso Anta de Sarasa (1618 1667), escreveu essa relação explicitamente, registrando uma das primeiras ocasiões em que se fez uso de uma função logarítmica, quando, até então, os logaritmos eram considerados principalmente uma ferramenta de cálculo. Logo, se denotarmos por A (t) a área sob a hipérbole, a partir de um ponto de referência fixo x > 0 (por conveniência geralmente escolhemos x = 1) até um ponto variável x = t, teremos A t = log t, e assim o mistério da quadratura da hipérbole estava próximo de ser desvendado. Porém, uma questão permanecia aberta: Qual será a base desse logaritmo que determina a área sob a hipérbole numericamente? Mais tarde, com o aprimoramento desses estudos, Newton e Leibniz puderam mostrar ao mundo que Saint Vicent estava certo, isto é, a relação entre a distância e a área é realmente logarítmica e, além disso, concluíram que a base procurada é o número e. Assim, a fórmula. = dx = ln x + c resolveu o caso perdido. Agora, denotando-se a área sob a hipérbole por A x, teremos A x = ln x + c. Se tomarmos o ponto inicial a partir do qual essa área será medida como x = 1, vem: 0 = ln 1 + c ln 1 = c c = 0. 3

na Contemporaneidade: desafios e possibilidades Sociedade Brasileira d Portanto, a área sob a hipérbole y =. de x = 1 a qualquer x > 1 é igual a ln x. = A partir de então, os logaritmos tornam-se uma ferramenta útil ao Cálculo Diferencial e Integral e, além disso, observamos a aplicabilidade do logaritmo como expoente e função, o que não era evidente em 1614 quando Napier publicou a primeira obra sobre logaritmos. Segundo Miguel e Miorim (2002), foi William Gardiner, no seu livro Tables of Logarithms (1742), quem forneceu a primeira exposição sistemática dos logaritmos concebidos como expoentes. Assim, foram transcorridos cerca de 140 anos, a partir do momento em que os logaritmos foram originalmente concebidos por Napier, antes da elaboração explícita de uma concepção estritamente algébrica dos mesmos como expoentes. Embora possa parecer óbvia e natural aos leitores da atualidade, a ligação entre logaritmos e equação ou função exponencial demandou, historicamente, tempo e esforços para ser estabelecida. Em 1748, Euler (1707-1783) em seu Introductio in analysin infinitorum, publicado em 1748, propôs uma classificação das funções em funções algébricas e funções transcendentes. Nesta última categoria, ele insere as funções exponenciais, as logarítmicas e outras, sem nome, que haviam surgido no campo do Cálculo Integral. The sections of the Introductio that were to have the most influence, however, dealt with the exponential, logarithmic, and trigonometric functions, for it is there that Euler introduced the notations and concepts that were to make obsolete all the discussions of such functions in earlier texts. All modern treatments of these functions are in some sense derived from those of Euler. Thus Euler defined exponential functions as powers in which exponents are variable and then and this is a first logarithms in terms of these. Namely, if a I = y, Euler defined z to be the logarithm of y with base a. The basic properties of the logarithm function are then derived from those of the exponential (Katz, 1998, p.568). Portanto, com a percepção de que os logaritmos poderiam, não só facilitar cálculos, mas também expressar analítica e quantitativamente fenômenos naturais envolvendo a variação de duas grandezas interdependentes, sua concepção torna-se, segundo Miguel e Miorim (2012), algébrica-funcional, pois o logaritmo é, a partir de então, visto como uma equação e como uma função. Com isso, podemos verificar o histórico da função logarítmica nos livros didáticos brasileiros e estabelecer relações disto com o que foi apresentado até aqui. 4

Sociedade Brasileira de na Contemporaneidade: desafios e possibilidades 3. Histórico da função logarítmica em livros didáticos brasileiros Os estudos de Miguel e Miorim (2002) mostram que a inserção da Teoria dos Logaritmos estava presente, no século XIX, quase sempre no campo da Aritmética, com uma abordagem que tinha o objetivo de conceber os logaritmos simplesmente como facilitador de cálculos extensos. Ao final do século XIX, os logaritmos são trabalhados entre os tópicos algébricos. Miguel e Miorim (2002, p. 13) afirmam que a inserção dos logaritmos entre os tópicos algébricos está associada com a Reforma da Brasileira proposta por Benjamin Constant, no Decreto n. 891de 8 de novembro de 1890. A partir de então, de 1893 a 1912, o tema logaritmos passaria a ser tratado tanto no campo da Aritmética quanto no da Álgebra. Nota-se o logaritmo como o expoente de uma equação ou função exponencial, isto é, a partir de então os logaritmos também são tratados nos livros didáticos brasileiros sob a concepção algébrico-funcional. Historicamente, o tratamento dos logaritmos tanto no campo da Aritmética quanto no da Álgebra já tinha ocorrido, conforme vimos anteriormente, com o desenvolvimento das ideias sobre função logarítmica, quando o logaritmo deixou de ser observado somente como facilitador de cálculos e passou a relacionar grandezas interdenpendentes, como, por exemplo, a área sob a curva da hipérbole. Introduz-se, então, a partir de 1929, o tópico Função Exponencial, o qual será vinculado à Função Logarítmica, no Programa de para o Curso Fundamental, apresentado no decreto 19890, de 18 de abril de 1931, dentro da Reforma Francisco Campos, que teve influência do matemático alemão Félix Klein (1849 1925). Assim, a concepção algébrico-funcional dos logaritmos, neste momento, focada no estudo da função logarítmica como inversa da função exponencial, torna-se parte integrante de todos os programas do que é o equivalente ao nosso ensino médio atual. Em Roxo, Cunha, Peixoto e Netto (1944), notamos que os autores definem a função exponencial, mostram sua continuidade e determinam a função logarítmica como a inversa da 5

na Contemporaneidade: desafios e possibilidades Sociedade Brasileira d exponencial, caracterizando a bijetividade das duas funções, segundo eles, por meio do exame da função exponencial e pela sua própria representação gráfica. Os autores abordam a representação gráfica da função logarítmica, enfatizando a simetria entre os gráficos da função exponencial e logarítmica. Seguindo esta abordagem, porém, com algumas diferenças no modo de expor o tema função logarítmica, Farah, Catunda e Castrucci (1949), primeiramente, definem o logaritmo como expoente, em seguida, definem a função logarítmica, ressaltando que ela e a exponencial são inversas uma da outra. Desse modo, os autores abordam a representação gráfica da função logarítmica, explorando a ideia da simetria e de quando ela é crescente ou decrescente. Tanto Roxo, Cunha, Peixoto e Netto, (1944), como Farah, Catunda e Castrucci (1949), são exemplos de livros didáticos, publicados depois da reforma Francisco Campos, que tratam da Teoria dos Logaritmos, desde suas propriedades até as tábuas de logaritmos, depois da conceitualização da função logarítmica. Porém, essa abordagem não se manteve a partir da década de 1980. A partir da segunda metade da década de 1960, por influência do Movimento da Moderna, de inspiração bourbakista, a concepção algébrico-funcional do logaritmo, visto tanto como operação inversa da potenciação quanto como função inversa da exponencial, passa a ser tratada de forma mais rigorosa e numa mesma série. Além disso, as funções exponencial e logarítmica não mais aparecem diretamente conectadas nem com a teoria das progressões e nem com noções de Geometria Analítica e de Cálculo Diferencial e Integral, mas passam a ser tratadas em capítulo independente dos dois tópicos. Depois de apresentar e desenvolver a função exponencial, Rocha, Barbosa e Neto (1967) retomam sua definição, utilizam sua representação gráfica para afirmar que, no caso a > 1, f x = a = é monotônica estritamente crescente e, para 0 < a < 1, é monotônica estritamente decrescente. 6

Sociedade Brasileira de na Contemporaneidade: desafios e possibilidades Com esse argumento, eles justificam que a função exponencial é bijetora e, por consequência, ela admite uma inversa, que é a função logarítmica. Logo, no livro destes autores, a função logarítmica é definida e apresentada como inversa da exponencial, o que fica mais evidente quando os autores mostram, após a definição, a simetria entre os gráficos das duas funções y = log T x e y = a U, em relação à reta de equação y = x. Figura 1 Gráficos da função exponencial e logarítmica de 1967. Fonte: Rocha, Barbosa e Neto,1967 p. 139. Estes autores enfatizam a importância de se aprender logaritmos e apresentam uma contextualização histórica e social, na qual são citados Jonh Napier, Jobst Burgi (1552-1632) e Henry Briggs (1561-1639), ressaltando neste último a ideia de base decimal como a mais conveniente para se fazer cálculos aritméticos extensos. Com isso, no segundo volume desta coleção, os autores retomam a ideia da função logaritmo-decimal, vista no primeiro volume, exploram a representação gráfica desta função e abordam os temas característica, mantissa e tábua de logaritmos. No entanto, neste segundo volume, quando os autores tratam das aplicações dos logaritmos, não há nenhuma associação deste tema com a função logarítmica. 7

na Contemporaneidade: desafios e possibilidades Sociedade Brasileira d A partir de meados da década de 1980, as críticas ao Movimento da Moderna começam a se intensificar e novas tendências vêm a se configurar na brasileira. Logo, o ensino de logaritmos passa por uma redefinição. Entretanto, a concepção algébrico-funcional de logaritmo como função inversa da função exponencial continua dominante. Em tal abordagem, também continuam prevalecendo algumas características do período anterior tais como a total desvinculação dos logaritmos da teoria das progressões e do ensino de Cálculo Diferencial e Integral, tema este que não é mais incluído entre aqueles recomendados para o ensino médio. Embora a orientação pedagógica de trabalho com os logaritmos presente na atual Proposta Curricular do Estado de São Paulo tenha reestabelecido a concepção aritmética dos logaritmos, esta orientação não é a que tem prevalecido nos livros didáticos brasileiros surgidos a partir da segunda metade da década de 90 até os dias de hoje, o que é possível verificar nos livros de Paiva (1999), Dante (1999), Iezzi, Dolce, Degenszajn, Périgo e Almeida (2004) e Moderna (2013). 4. Considerações finais Alguns resultados parciais indicam que a função logarítmica passou a estar presente nos livros didáticos brasileiros a partir de 1893, depois da Reforma da Brasileira proposta por Benjamin Constant, no Decreto nº 891 de 8 de novembro de 1890. Porém, o ensino da função logarítmica passou a ser vinculado às aplicações de logaritmos somente a partir da década de 1980, através dos problemas de juros compostos e dinâmica populacional, por exemplo. Antes da década de 1980, vimos que alguns autores tratavam a Teoria dos Logaritmos, desde suas propriedades até as tábuas de logaritmos, depois da conceitualização da função logarítmica. Isso mostra a importância do ensino da função logarítmica em períodos anteriores à década de 1980, mas não evidencia seus aspectos utilitários, pois a aplicabilidade dos logaritmos, até este momento, não exigia o conhecimento das propriedades da função 8

Sociedade Brasileira de na Contemporaneidade: desafios e possibilidades logarítmica, e sim propriedades de logaritmos, a fim de explorar o uso das tábuas e a conceitualização de característica e mantissa. Atualmente, nos livros didáticos brasileiros, é muito raro a abordagem em que são utilizadas as tábuas, pois, com o advento das calculadoras e dos computadores, não há mais sentido explorar a ideia dos logaritmos somente como facilitador de cálculos. Com isso, hoje verificamos que os livros didáticos, de modo geral, definem os logaritmos, como expoentes, sob a concepção algébrica-funcional, apresentam as consequências da definição e exploram as propriedades. Após esta abordagem, a função logarítmica é definida como inversa da exponencial, são apresentadas suas principais características e é explorada sua representação gráfica. Depois disso, os autores atuais geralmente apresentam uma série de problemas interdisciplinares que enfatizam a aplicabilidade da função logarítmica em diversas áreas do conhecimento, como na economia, física, biologia, química e informática. Vimos que, em 1614, quando Napier publicou sua obra Mirifici Logarithmorum Canonis Descriptio, sua intenção era facilitar os cálculos extensos provenientes da Astronomia, Navegação e Comércio. Com as contribuições de Gregorius de Saint Vicent, Euler, Leibniz, Newton, Fermat, dentre outros, o logaritmo não é mais visto somente no campo aritmético, mas passa a também fazer parte da Álgebra, pois aparece como expoente de uma equação ou como função inversa da exponencial. Esta última concepção dos logaritmos, denominada algébrica-funcional ganhou força com a Reforma Francisco Campos na década de 1930, que teve influência do matemático alemão Félix Klein. Posteriormente passou a ser tratada de forma mais rigorosa a partir da década de 1960 e, mesmo com as críticas ao Movimento da Moderna e as novas tendências da, atualmente se mostra dominante nos livros didáticos atuais, com a diferença que no momento atual a função logarítmica aparece nos livros por meio das aplicações e de sua relação com o uso de software. 9

na Contemporaneidade: desafios e possibilidades Sociedade Brasileira d Segue abaixo uma tabela que resume alguns períodos e fatos importantes apontados em nosso estudo e evidencia a inserção e o desenvolvimento da função logarítmica nos livros didáticos brasileiros. Tabela 1 Função logarítmica nos livros didáticos brasileiros Período Fatos importantes e observações Teoria dos Logaritmos no campo da Aritmética; logaritmos 1850 até 1912 associados à teoria das Progressões; função logarítmica aparece implícita na concepção aritmética. Reforma da Brasileira, proposta por Benjamin Constant, 1893 até 1912 em 1890. Logaritmos aparecem tanto no campo da Aritmética como no campo da Álgebra A partir deste ano, os programas oficiais situam os logaritmos 1915 exclusivamente no terreno da Álgebra. 1929 Introdução do tópico Função Exponencial nos programas oficiais. Reforma Francisco Campos. Por influência do alemão Félix Klein, o 1931 tópico Função Exponencial é vinculado à Função Exponencial. Portaria Ministerial de 17 de março de 1936 Programas Propostos para o Curso Complementar. O estudo das funções exponencial e logarítmica é associado ao Cálculo Diferencial e Integral e à 1936 Geometria Analítica; a concepção algébrico-funcional dos logaritmos é focada na função logarítmica como inversa da função exponencial, o que permanece até hoje. Movimento da Moderna. A concepção algébrica funcional do logaritmo passa a ser tratada de forma mais rigorosa e 2ª metade da década de 1960 numa mesma série; a função exponencial e logarítmica não mais aparecem associadas à teoria das progressões e nem com noções de Geometria Analítica e Cálculo Diferencial e Integral. Críticas ao Movimento da Moderna; configuração de novas tendências na Brasileira. Nos programas oficiais, os logaritmos aparecem como um sub-tópico da função exponencial; a função logarítmica é apresentada depois da Década de 1980 teoria dos logaritmos; a concepção algébrico-funcional de logaritmo como função inversa da função exponencial continua dominante, assim como permanece a desvinculação do tema logaritmos da teoria das progressões e do ensino de Cálculo Diferencial e Integral. A função logarítmica está praticamente desvinculada da concepção Década de 1990 até os dias de hoje aritmética, seu tratamento é dado sob a concepção algébricofuncional e sua abordagem é feita depois do tema logaritmos. 10

Sociedade Brasileira de na Contemporaneidade: desafios e possibilidades 5. Referências BOYER, Carl. B. História da matemática. Revista por Uta C. Merzbach; Tradução Elza F. Gomide 2ª Ed. São Paulo: Editora Edgard Blucher, 1996. BRASIL. Decreto nº 19890 de 18 de abril de 1931. Organização do Ensino Secundário. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto- 19890-18-abril-1931-504631-publicacaooriginal-141245-pe.html>. Acesso em 20 de Nov. de 2015. BRASIL. Decreto n 891 de 08 de novembro de 1890. Regulamento da Instrucção Primaria e Secundaria do Districto Federal. Disponível em: < http://legis.senado.gov.br/legislacao/listanormas.action?numero=981&tipo_norma=dec&da ta=18901108&link=s>. Acesso em 20 de Nov. de 2015. BRASIL. Portaria Ministerial de 17 de março de 1936. Sobre Programa proposto para o Curso Complementar. Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/diarios/2018851/pg-5-secao-1-diario-oficial-da-uniao-dou-de-17-03-1936>. Acesso em 13 de Nov. de 2015. DANTE, Luiz Roberto. : Contexto e Aplicações. 1ª Ed. vol1. São Paulo: Ática, 1999. EULER, Léornard. Introductio in analysin infinitorum, 1748. Traduzido para o francês por J. B. Labey. FARAH, Edison; CATUNDA, Omar; CASTRUCCI, Benedito. Segunda Série Curso Colegial Clássico e Científico. Série Colegial. 2ª edição. vol. 19. São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Curitiba, Porto Alegre: Editora do Brasil S/A, 1949. IEZZI, Gelson; DOLCE, Osvaldo; DEGENSZAJN, David. ; PÉRIGO, Roberto; ALMEIDA, Nilze de. : Ciência e Aplicações. 2ª Ed. Vol. 1. São Paulo: Atual, 2004. KATZ, Victor J. A history of mathematics: an introduction. 2 nd ed. United States of America: Addison-Wesley Educational Publishers, 1998. MAOR, Eli. e: A história de um número. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 2008. 11

na Contemporaneidade: desafios e possibilidades Sociedade Brasileira d MIORIM, Maria Ângela; MIGUEL, Antônio. Os logaritmos na cultura escolar brasileira. Natal: SBHMat, 2002. MODERNA, Editora. Conexões com a 1. São Paulo: Moderna, 2013 NAPIER, John. Mirifici Logarithmorum Canonis Descriptio,1614. Traduzido para o inglês por Ian Bruce. Disponível em: http://www.17centurymaths.com/contents/napiercontents.html. Acesso em: 21 ago. 2011. ROCHA, Luiz Mauro; BARBOSA, Ruy Madsen; NETO, Scipione Di Pierro. Curso Colegial Moderno. 2ª edição. Vol. 1 1ª série colegial. São Paulo: Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas, 1967. ROCHA, Luiz Mauro; BARBOSA, Ruy Madsen; NETO, Scipione Di Pierro. Curso Colegial Moderno. Vol. 2 2ª série colegial. São Paulo: Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas, 1968. ROXO, Euclides; CUNHA, Haroldo Lisbôa da; PEIXOTO, Roberto; NETTO, Cesar Dacorso. 2º Ciclo 2ª série. v.2. Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte: Livraria Francisco Alves, 1944. SOARES, Diogo Oliveira. Logaritmos: Napier versus Dante.São Paulo: IFSP, 2012. Disponível em: https://ifspmatematica.files.wordpress.com/2015/07/tcc_diogo.pdf. 12