Fractura do calcâneo

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Transcrição:

Rev Port Ortop Traum 21(1): 109-115, 2013 Caso Clínico Fractura do calcâneo Artrodese subastragalina com osteotomia varizante do calcâneo Hugo Cardoso, Portela da Costa Serviço de Ortopedia e Traumatologia. Centro Hospitalar do Oeste C.H.O. Unidade de Torres Vedras. Portugal. Hugo Cardoso Interno do Complementar Portela da Costa Assistente Hospitalar Graduado Serviço de Ortopedia e Traumatologia Centro Hospitalar do Oeste Unidade de Torres Vedras Submetido em: 11 outubro 2012 Revisto em: 30 dezembro 2012 Aceite em: 21 janeiro 2013 Publicação eletrónica em: 18 março 2013 Tipo de Estudo: Terapêutico Nível de Evidência: IV Declaração de conflito de interesses: Nada a declarar. Correspondência: Hugo Cardoso Rua Dr. Ricardo Belo 2560-324 Torres Vedras Portugal hugo32lx@gmail.com RESUMO Apresentamos o caso clínico de um doente do sexo masculino, 50 anos de idade, trabalhador da construção civil em Angola, onde sofreu queda em altura de que resultou fratura intra-articular bilateral dos calcâneos. Foi submetido a tratamento conservador. Passados dois anos, após regresso a Portugal o doente é observado na consulta externa do nosso serviço. Apresentava dor no médio e retropé, deformidade em valgo e perda total do arco plantar interno. Fazia marcha com duas canadianas, com perímetro limitado a quinhentos metros por dor, apresentava um Score A.O.F.A.S. pré-operatório de 26. A radiografia dos pés em carga mostrava perda de altura do calcâneo, redução do ângulo de Böhler e desvio em valgo do retropé com deformidade residual de tipo IV. Devido à idade, à notável limitação funcional, incapacidade laboral e intensidade das queixas álgicas - foi submetido a uma osteotomia varizante do calcâneo associada a uma artrodese subastragalina com parafusos de compressão. Obteve-se a reposição do arco plantar interno com um pé plantígrado. O doente recuperou a capacidade de fazer marcha sem auxiliares, com Score A.O.F.A.S. pós-operatório de 69. Regressou ao mercado de trabalho embora agora com tarefas de menor intensidade física. O tratamento cirúrgico poderia eventualmente ter sido a primeira opção num doente ativo e na plenitude das suas aptidões sociais e laborais. Atualmente os critérios para tratamento conservador são: (1) fraturas tipo I de Sanders, (2) fratura não deslocada ou com deslocamento inferior a dois milímetros, (3) sem afeção da superfície articular, (4) sem apresentar desvios em varo ou em valgo. Palavras chave: Calcâneo, artrodese subastragalina, osteotomia, varização. 109

Hugo Cardoso, Portela da Costa ABSTRACT We present the clinical case of a male patient, 50 years old, construction worker in Angola where he suffered a fall from a height with bilateral intra-articular fracture of the calcaneus, subjected to conservative treatment. Two years later he returned to Portugal, we observed the patient in our service, he had severe pain in the foot, with retro and medium valgus deformity, total loss of internal plantar arch. Was able to walk only with the help of crutches with perimeter limited to five hundred yards by pain, featured a preoperative AOFAS Score 26. The radiograph of the feet in charge showed loss of height of the calcaneus, reducing of the Böhler angle and hind foot with valgus deviation and residual deformity type IV. Because of his age, the remarkable functional and labour limitation, the intensity of pain complaints, underwent a calcaneal varus osteotomy combined with a subtalar arthrodesis with compression screws. We obtained internal plantar arch replacement with a foot able to do charge, the patient regained the ability to walk without crutches with postoperative A.O.F.A.S. Score 69. He returned to work, now with minor physical intensity tasks. The surgical treatment could possibly have been the first option in this particular patient, currently the criteria for conservative treatment in the calcaneus fracture are the Sanders type I fractures non displaced fracture or fracture with displacement less than 2 mm, without damage of joint surface, without deviations in valgus or varus position. Key words: Calcaneus, arthrodesis, subatalar, osteothomy, varus INTRODUÇÃO O tratamento eficaz das fraturas do calcâneo continua a ser um dos maiores desafios para o cirurgião ortopédico, Malgaine foi o primeiro a descrever as fraturas do calcâneo em 1843, contudo estas fraturas apenas se diagnosticaram de forma regular após a introdução da radiografia simples em finais do decénio de 1890[ 1, 13 ]. As fraturas do calcâneo são as mais frequentes nos ossos do tarso e atualmente constituem aproximadamente 2% de todas as fraturas [ 2, 13 ]. As fraturas intra-articulares deslocadas representam 60% a 75% de todas as fraturas do calcâneo e são responsáveis por 90% das complicações[ 2, 13 ]. Dez por cento dos doentes com fratura do calcâneo têm fraturas associadas na coluna vertebral e 26% apresenta outras lesões nos membros inferiores[ 2, 13 ]. Aproximadamente 90% das fraturas do calcâneo ocorrem em jovens do sexo masculino, na plenitude das suas capacidades físicas e laborais[ 13 ]. Após esta lesão os doentes podem permanecer totalmente incapacitados até três anos e, parcialmente incapacitados durante cinco anos como tal, as implicações económicas deste tipo de fratura são consideráveis[ 1, 13 ]. Historicamente as fraturas do calcâneo foram consideradas fraturas de mau prognóstico quase sempre tratadas conservadoramente[ 2, 13 ]. Atualmente, os critérios para tratamento conservador são: 1) fratura tipo I de Sanders; 2) fratura não deslocada ou com deslocamento inferior a dois milímetros; 3) sem afeção da superfície articular; 4) sem desvio em varo ou valgo[ 2, 13 ]. 110 REVISTA PORTUGUESA DE ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA

Fractura do calcâneo As deformidades residuais do calcâneo classificamse em cinco tipos[ 3 ]. O tipo I apresenta artrose mas sem desalinhamento do retropé, o tratamento indicado é a artrodese subastragalina[ 3 ]. No tipo II com deformidade, em varo ou valgo e no tipo III que apresenta perda de altura, ou desvio dorsal do astrágalo é necessário efetuar uma artrodese com um certo grau de distração[ 3 ]. No tipo IV que também apresenta um desvio lateral do calcâneo com grande valgo do retropé, abaulamento da faceta posterior e conflito com o maléolo externo requer uma osteotomia do calcâneo[ 3 ]. A osteotomia deve ser realizada preferencialmente ao nível onde ocorreu a fratura[ 3 ]. No tipo V, o mais raro e difícil de reconstruir cirurgicamente além de uma, externa e interna também é necessário uma abordagem anterior - devido à inclinação externa do astrágalo[ 3 ]. CASO CLÍNICO Apresentamos o caso clínico de um doente do sexo masculino, 50 anos de idade, trabalhador da construção civil em Angola, onde sofreu uma queda em altura. Da queda resultou uma fratura intra-articular bilateral do calcâneo, o doente foi submetido a tratamento conservador. Passados dois anos regressa a Portugal, recorre à consulta externa do nosso serviço com dor severa a nível dos calcâneos e dificuldade na marcha. O paciente referia dor no médio e retropé, apresentava deformidade em valgo com perda total do arco plantar interno. Caminhava com duas canadianas num perímetro de 500 metros, limitado pela dor, tinha um Score AOFAS pré-operatório de 26. A radiografia dos pés em carga mostrava perda de altura do calcâneo, diminuição do ângulo de Böhler e desvio em valgo do retropé com deformidade residual de tipo IV (Figura 1). Devido à idade, à notável limitação funcional, laboral e intensidade das queixas álgicas - realizou-se Figura 1. Rx pré-operatório, frente e perfil. 111

Hugo Cardoso, Portela da Costa uma osteotomia varizante do calcâneo associada a artrodese subastragalina com parafusos de compressão (Figura 2). Obteve-se a reposição do arco plantar interno, com um pé plantígrado (Figura 3). Aos três meses obteve-se a artrodese (Figura 4), um mês depois o paciente caminhava sem limitações, com um Score A.O.F.A.S. de 69. Mantinha contudo queixas álgicas intermitentes no mediopé, secundárias a alterações degenerativas prévias. Figura 2. Radiografia pós-operatória, frente e perfil. Figura 3. Reposição do arco plantar interno observado no podoscópio, pé plantígrado aos 3 meses. 112 REVISTA PORTUGUESA DE ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA

Fractura do calcâneo Figura 4. Rx axial do calcâneo onde se visualiza a translação. DISCUSSÃO O tratamento cirúrgico na fratura do calcâneo está normalmente indicado na fratura intra-articular com deslocamento e que afete a faceta posterior[ 1, 13 ]. O objetivo do tratamento cirúrgico é o restauro anatómico das superfícies articulares e o restabelecimento do funcionamento articular indolor[ 1,13 ]. Contudo ainda hoje encontramos fraturas intraarticulares do calcâneo com critérios para tratamento cirúrgico em que a opção acaba por ser o tratamento conservador - seja pelo desconhecimento das técnicas de estabilização e redução ou por medo das complicações do tratamento cirúrgico [2, 13 ]. O tratamento conservador da fratura do calcâneo com desvio resulta muitas vezes em consolidação viciosa e nas complicações daí resultantes: 1) artropatia pos-traumática das articulações subastragalina e calcaneo-cuboideia; 2) diminuição da dorsiflexão do tornozelo devido à dorsiflexão relativa do astrágalo; 3) compressão dos tendões peroneais pelo alargamento do calcáneo; 4) irritação do nervo tibial posterior e safeno externo; 5) marcha difícil pelo varo do retropé[ 2, 4, 13 ] Já em 1921 Cotton descrevia as consequências da fratura do calcâneo: as modificações na face lateral do calcáneo têm influência na mobilidade da articulação subtalar e nos tendões peroneais[ 5 ]. Cotton propôs: exostosectomia lateral com osteotomia extra-articular, associada a secção de esporão plantar e manipulação articular forçada da subtalar[ 6 ]. Foi já em 1977 que Kalamchi e Evans, propõem uma alteração à artrodese subtalar de Gallie utilizando o osso da exostosectomia para posterior interposição[ 8 ]. Braly e Col propuseram como alternativa à artrodese subtalar, uma exostosectomia externa com tenolise dos peroneais[ 9 ]. Varios autores descreveram diversas modificações à artrodese subtalar de Gallie, com resultados variáveis em relação à consolidação em varo e ao risco de pseudartrose[ 4, 10 ]. Romash descreveu uma complexa osteotomia do calcâneo através da linha primária de fratura, com translação do fragmento da tuberosidade abaixo do sustentaculum tali internamente permitindo o restauro da altura do calcâneo e correção do desvio en varo[ 4 ]. A classificação da consolidação viciosa do calcâneo basada em imagens tomográficas foi descrita por Stephens e Sanders, fornece propostas de tratamento para cada tipo[ 10 ]. A classificação da consolidação viciosa do calcâneo, baseada em imagens tomográficas, foi descrita por, e oferece propostas de tratamento para cada tipo. O tipo I apresenta uma artrose mas sem desalinhamento do retropé, o tratamento indicado é a artrodese subastragalina. No tipo II com deformidade em varo ou valgo e, no tipo III que apresenta perda de altura ou desvio dorsal do astrágalo é necessário efetuar uma artrodese com certo grau de distração[ 10 ]. O tipo IV com um desvio lateral do calcâneo, grande valgo do retropé, abaulamento da faceta posterior e conflito com o maléolo externo requer uma osteotomia do calcâneo[ 10 ]. A osteotomia deve ser realizada preferencialmente ao nível onde ocorreu a fratura[ 10, 13 ]. 113

Hugo Cardoso, Portela da Costa No tipo V, o mais raro e difícil de reconstruir cirurgicamente, além de uma abordagem externa e interna, também é necessário uma via anterior devido à inclinação externa do astrágalo[ 10 ]. Mais recentemente, Clare e Col, documentaram os resultados do seu tratamento a médio e longo prazo[ 11 ]. Obtiveram consolidação em posição neutra ou valgo ligeiro em 93,3% e todos em posição plantígrada[ 11 ] A artrodese subtalar é utilizada nas alterações degenerativas primárias ou secundárias da articulação subtalar[ 10 ]. A associação de osteotomia de translação do calcâneo e estiramiento do tendão de Aquiles nas sequelas de fraturas do calcâneo permite: 1) corrigir consolidações viciosas do calcáneo; 2) pés esteticamente favoráveis; 3) pés menos dolorosos; 4) utilização de calçado normal[ 10, 13 ]. A artrodese primária como opcção no tratamento das fraturas do calcâneo e não nas sequelas recebeu um importante impulso com o desenvolvimento do Sistema Vira [ 12 ]. Este sistema permite a reconstrução da morfologia do calcáneo, devolvendo a funcionalidade ao sistema calcâneo-aquíles-plantar[ 12 ]. Permite em simultaneo fixá-lo ao corpo do astrágalo para conseguir a artrodese da articulação subastragalina[ 12 ]. O conceito cirúrgico é mínimamente invasivo, não necessita de enxerto na maioria dos casos, utiliza-se para a artrodese o osso resultante da fresagem para a colocação do implante[ 12 ]. Este sistema tem sido aplicado em doentes com fraturas intra-articulares graves do calcáneo, constitui um novo conceito na cirugía do calcáneo. Permite uma artrodese com reduzida agressividade, alta eficacia, reduzindo o período de recuperação de um modo relevante[ 12 ]. A correção das deformidades resultantes da fratura do calcâneo representa muitas vezes a possibilidade de: 1) Recuperar um pé indolor; 2) corrigir a morfologia do pé; 3) de caminhar com um calçado convencional[ 13 ]. A correção da deformidade e estabilização peri calcaneana numa mesma intervenção cirúrgica representa um ganho temporal na recuperação funcional do pé com sequelas de fratura do calcâneo[ 13 ] O alargamento da indicação de tratamento conservador nas fraturas do calcâneo implica: 1) Aumento da morbilidade; 2) absentismo; 3) atraso da recuperação funcional[ 2,13 ]. Atualmente, os critérios para tratamento conservador são: 1) Fratura tipo I de Sanders; 2) fratura não deslocada; 3) fratura com deslocamento inferior a 2 milímetros; 3) fratura sem lesão da superfície articular; 4) fratura sem desvio em varo ou valgo[ 2, 13 ]. O tratamento cirúrgico poderia ter sido a primera opção neste caso particular, tratando-se de um homem ativo socioprofissionalmente, poderia ter-se encurtado o período de incapacidade e dor. O paciente recuperou a capacidade de caminhar autónomamente, regressou ao mercado de trabalho mas com más funções mais burocráticas. 114 REVISTA PORTUGUESA DE ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA

Fractura do calcâneo REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Roy W. Sanders; Michael P. Clare; Fratures do calcaneus, En: Surgery in foot and ankle 8 edition e, Mosby; 2007. p.1703-1749. 2. Timothy C. Fitzgibbons; Scott T. Mcmullen, Mattew A Mormino Fraturas e luxações do calcâneo, Em: Rockwood e Grenn. Fraturas no Adulto, São Paulo, Brasil: Editorial Manole SA; 2006. p.2133-2179. 3. Zwipp H; Rammelt S; Subtalar arthrodesis with calcaneal osteotomy Orthopade. 2006 Apr;35(4):387-98, 400-4. 4. Romash MM; Reconstructive osteotomy of the calcaneus with subtalar arthrodesis for malunited calcaneal fratures; Clin Orthop Relat Res. 1993 May;(290):157-67. 5. Cotton EJ; Old Os Calcis Fratures; Ann Surg,1921 74:p- 294-303. 6. Gleich A, Beitrag zur operativen Plattfussbehandlung, Achh Klin Chir, 1893, p46 e p 358. 7. Magnuson PB, Na operation for relief of disability in old fratures of the os calcis, JAMA, 80, 1923, p1511-1513, 1923 8. Kalamchi A, Evans J, Posterior subtalar fusion, J. Bone Joint Surg Br, 59, 1977, p287-289. 9. Braly WG, Bishop JO, Tullos HS, Lateral decompression for malunited os calcis fratures. Foot Ankle 6, 1985 p.90-96. 10. Stephens HM, Sanders R, Calcaneal malunions: Results of a Prognostic Computed Tomography, Classification System, Foot Ankle Int, 17, 1996, p.395-401. 11. Clare MP, Lee WE JJJ, Sanders RW, Intermediate to long term results of a treatment protocol for calcaneal frature malunions, J. Bone joint surg Am 87:2005,p. 963-973. 12. López-Oliva, Muñoz F, Sánchez Lorente T, López Hernández G, Rodríguez Macías MªJ, Forriol F. Desenho e desenvolvimento de um sistema de osteossíntese para a reconstrução-artrodese mínimamente invasiva de fraturas intra-articulares do calcâneo. Rev Ortop Traumatol (Madr) 2007; p51,94-101. 13. Michael J. Coughlin, Roger A. Mann, Charles L. Saltzman, Surgery of the foot and ankle, Morby, 2011, 38: 1703-1751. Texto em conformidade com as regras do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, convertido pelo programa Lince ( 2010 - ILTEC). 115