Gestão de subprodutos

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Transcrição:

Gestão de subprodutos

O termo cera é normalmente usado como referência a uma mistura de compostos apolares de cadeia longa, podendo constituir uma ampla gama de diferentes classes químicas, incluindo hidrocarbonetos, ésteres de cera, ésteres de esteróis, cetonas, aldeídos, álcoois graxos, ácidos graxos e esteróis

CERAS NATURAIS CERAS SINTÉTICAS

Dentre as naturais, podem ser classificadas em vegetais ou animais. As ceras possuem propriedades específicas importantes para o uso alimentício, cosmético e no setor de limpeza e polimento.

A cera de cana forma-se em depósitos, principalmente perto dos nós e das bainhas foliares, e tem a função de proteção contra a perda de água por evaporação.

Quando a cana é moída, a cera se apresenta como impureza em suspensão no caldo, sendo posteriormente concentrada na chamada torta.

Atualmente não há produção industrial de cera de cana-de-açúcar no Brasil e a torta de filtro é um resíduo desperdiçado. O Brasil é um grande produtor de cana-deaçúcar e um potencial fornecedor de ceras obtidas a partir desse subproduto da indústria sucro-alcooleira.

A cana-de-açúcar é uma gramínea tropical formada pela hibridização de duas ou mais espécies do gênero Saccharum. O Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo e também é o maior exportador mundial de açúcar.

O uso do etanol como combustível renovável apresenta um grande potencial. No entanto, para que haja uma maior difusão do seu uso em termos mundiais, deve-se atentar para alguns aspectos.

Os custos de produção devem ser reduzidos, com um cultivo mais racional da cana-deaçúcar e o uso de toda a energia estocada na cana-de-açúcar é um dever para garantir a imagem do etanol como combustível "limpo" e associado à idéia de proteção do meio ambiente. Daí, a importância da utilização de subprodutos da cana.

O processamento da cana-de-açúcar para a produção de açúcar e álcool envolve as etapas iniciais de extração do caldo e sua posterior purificação.

Nesta etapa, o caldo sofre um processo de clarificação para a remoção das impurezas solúveis e insolúveis, geralmente através da utilização de CaO e aquecimento como agentes clarificantes. A separação das impurezas precipitadas geralmente é feita através de filtros rotativos, mas também pode ser feita de forma descontínua, com filtro-prensa.

A torta resultante do filtro-prensa geralmente tem maior umidade (cerca de 80%) em comparação com a torta resultante de filtro rotativo (cerca de 65%). A quantidade e composição das tortas de filtro variam conforme a variedade da cana, processo de moagem, método de clarificação empregado e safra.

FILTRO PRENSA FILTRO ROTATIVO

Tabela 01. Composição típica de torta de filtro de cana-de-açúcar (expressa em % de matéria seca) Teor (%) Lipídios totais Fibras Açúcares Proteína Cinzas totais SiO2 CaO P2O5 MgO 5-14 15-30 5-15 5-15 9-20 4-10 1-4 1-3 0,5-1,5 Fonte: PATURAU (1989)

A utilização das tortas de filtração do caldo está relacionada à diminuição do descarte de materiais e ao aproveitamento de um subproduto. Em geral, a torta de filtro é simplesmente espalhada sobre o campo de cultivo de canade-açúcar como fertilizante. No entanto, pode ser utilizada para a obtenção de cera, um produto de alto valor agregado.

A cera representa uma pequena proporção em peso na planta (cerca de 0,12%) (PATURAU, 1989). Considerando a massa de folhas e colmo por cada 100 kg de cana, o teor de cera no colmo representa 70% de toda a cera contida na cana.

Quando a cana é moída, uma parte do material lipídico permanece no bagaço. Porém, cerca de 40% é arrastado como impureza e permanece em suspensão no caldo, concentrando-se na chamada torta de filtro.

A cera da cana, assim como outras ceras vegetais, consiste em uma mistura de ésteres de cera, ácidos graxos livres, álcoois graxos livres e triglicerídios.

Cuba que possui programas para o desenvolvimento dos derivados da cana-deaçúcar. No que diz respeito à diversificação açucareira, há um conjunto de produtos, que em Cuba são muito difundidos, como os produtos obtidos da exploração do bagaço da cana (papel, resinas obtidas de furfural) e a cera da cana-deaçúcar.

A cera contida na torta de filtro de canade-açúcar pode ser recuperada juntamente com os lipídios totais através da extração com solvente.

A primeira tentativa de se isolar cera de canade-açúcar das tortas de filtro foi feita em 1841 por Avequin, em New Orleans. Em 1909, um método básico de recuperação de cera de torta de filtro com solvente foi patenteado.

Somente em 1916, na África do Sul, a cera de canade-açúcar começou a ser produzida industrialmente. No entanto, a produção foi encerrada alguns anos depois. Em 1958, três unidades de produção de cera de cana estavam em operação: duas em Cuba e uma na Austrália. A Austrália encerrou as atividades em 1960 devido aos altos custos de produção.

Para a seleção do solvente de extração dos lipídios totais de uma matriz deve-se levar em consideração a quebra de qualquer ligação existente entre eles e os componentes não lipídicos.

- solventes orgânicos apolares (como clorofórmio e hexano): para quebrar interações hidrofóbicas e de dipolo (por exemplo, entre aminoácidos apolares e lipídios). - solventes orgânicos polares: com alta constante dielétrica (como metanol e etanol): promovem a quebra de pontes de hidrogênio (por exemplo, grupos carboxila-, hidroxila- e amino- de um lipídio). - solventes não neutros (ph ácido ou alcalino): promovem a quebra de ligações iônicas, podendo levar à formação de estruturas complexas.

A extração pode ser contínua (por percolação) ou intermitente, e o seu rendimento depende dos procedimentos de extração utilizados (tipo de solvente, temperatura de extração, relação entre solvente e soluto) e das características da matriz que está sendo extraída (tamanho de partícula e umidade).

A extração industrial de cera de cana a partir de tortas de filtro pode ser realizada em unidades de extração de óleo adaptadas, em equipamentos para extração contínua como rotocélulas. Entretanto, a eficiência da extração de cera é baixa, cerca de 70% (PATURAU, 1989).

Segundo AZZAM (1984), o método de extração contínua de cera de cana-de-açúcar pode trazer dificuldades mecânicas relacionadas à transferência do material, devido ao alto ponto de fusão da cera.

Os métodos de refino descritos na literatura para promover uma descoloração da cera de cana-de-açúcar incluem o uso de ácidos fortes (ácido sulfúrico, nítrico e crômico) e destilação sob vácuo alto.

O uso de ácidos fortes está relacionado a problemas ambientais e, por isso, é cada vez mais evitado pelas indústrias.

PHUKAN & BORUAH (1999) apresentaram um processo conduzido em escala laboratorial utilizando carvão ativo como agente descolorante.

A aplicação desses métodos de refino pode apresentar alguns inconvenientes, por exemplo, a necessidade da utilização de vários insumos de processo para a obtenção de uma cera sem impurezas.

O solvente mais utilizado para o fracionamento de lipídios é o hexano. Este solvente é utilizado na indústria de óleos e gorduras para a extração do óleo de grãos e, por esse motivo, é facilmente aceito pela indústria (THOMAS, 1985). Frações mais específicas podem ser obtidas com o uso de solventes seletivos, como a acetona ou o isopropanol.

As ceras naturais dividem o mercado com ceras sintéticas derivadas do petróleo, mas a qualidade das ceras naturais ainda é considerada insuperável. Tais ceras, devido às suas propriedades ímpares, apresentam várias aplicações técnicas.

São componentes de produtos para polimento, produtos para proteção de couro, lubrificantes, vernizes, tintas, proteção para papel, material de revestimento para alimentos e produtos farmacêuticos

No setor alimentício, além do uso como material de revestimento com função de proteção (queijos e frutas), as ceras são utilizadas na elaboração de emulsões e biofilmes (GREENER- DONHOWE & FENNEMA, 1993).

Emulsões de cera são utilizadas para retardar a deterioração de algumas frutas cítricas, pois as ceras naturais são componentes adequados para emulsões alimentícias por serem inertes e por sua dispersibilidade

Por apresentarem em sua composição alcoóis graxos de cadeia longa, algumas ceras são utilizadas como matéria prima para a indústria farmacêutica.