Registro: 2014.0000155408 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0001212-96.2013.8.26.0003, da Comarca de, em que é apelante GERALDO FRANCISCO RAMOS, é apelado CIAFER COM DE FERRO E FERRAGENS LTDA. ACORDAM, em 21ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ADEMIR BENEDITO (Presidente sem voto), VIRGILIO DE OLIVEIRA JUNIOR E MAIA DA ROCHA., 10 de março de 2014 ITAMAR GAINO RELATOR Assinatura Eletrônica
Voto n : 29755 Apel. n : 0001212-96.2013.8.26.0003 COMARCA: F.R. do Jabaquara 1ª Vara Cível APTE. : GERALDO FRANCISCO RAMOS APDA. : CIAFER COMÉRCIO DE FERRO E FERRAGENS LTDA. Ação monitória Cheques Revelia Art. 319 do CPC Princípio da autonomia dos títulos de crédito Negócio jurídico subjacente. 1. Configurada a revelia, presumem-se verdadeiros os fatos alegados pela autora, ante a inexistência de elementos de convicção contrários a essa presunção, nos termos do art. 319 do CPC. 2. Para a desconstituição total ou parcial do cheque, o devedor deve provar, de forma irrefutável, cabal e convincente, que o título não tem causa ou essa é ilegítima ou demonstrar qualquer fato impeditivo ou extintivo do direito representado pelo documento. Ação procedente. Recurso improvido. Trata-se de apelação contra sentença de procedência de ação monitória, constituindo de pleno direito o título executivo judicial, com a obrigação do réu de pagar R$ 1.800,00 acrescidos de juros legais e de correção monetária desde a citação. Sucumbente o réu, restou condenado ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação. Irresignado, o réu apela. Em breve síntese, sustenta não ter mantido qualquer relação jurídica material subjacente com a apelada, a justificar a sua posse sobre os cheques. Pleiteia, destarte, a reforma da r. sentença combatida (fls. 40/44). Recurso bem processado, com preparo e sem apresentação de resposta. É o relatório. É incontroverso que a autora é credora da importância de R$ 1.800,00, representada por dois cheques no valor de R$ 900,00, emitidos pelo réu, com vencimentos em 05/08/2011 e 05/09/2011 (fls. 12 e 14), protestados em 21/11/2011 (fls. 11 e 13). Vencido o prazo prescricional para o exercício da pretensão executiva, e, buscando conferir eficácia de título executivo aos Apelação nº 0001212-96.2013.8.26.0003 - - VOTO Nº 2/6
cheques, a credora ingressou com a presente ação monitória, com base no art. 1.102 A do Código de Processo Civil. Citado, o réu não apresentou contestação, tornando-se revel, resultando, consequentemente, na presunção de veracidade dos fatos afirmados pela autora, nos termos do art. 319 do CPC. É certo que a presunção de veracidade dos fatos alegados pela autora em face à revelia do réu é relativa, e não absoluta. Nesse sentido: Se o réu não contestar a ação, devem ser reputados verdadeiros os fatos afirmados pelo autor. Todavia, o juiz, apreciando as provas dos autos, poderá mitigar a aplicação do art. 319 do Código de Processo Civil, julgando a causa de acordo com o seu livre convencimento (RF 293/244) (THEOTÔNIO NEGRÃO, Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, 35ª ed., : Saraiva, 2003, nota 6 ao art. 319, p. 401). A presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em face à revelia do réu é relativa, podendo ceder a outras circunstâncias constantes dos autos, de acordo com o princípio do livre convencimento do juiz (STJ 4ª Turma, REsp 47.107-MT, rel. Min. César Rocha, j. 19.6.97, deram provimento parcial, v.u., DJU 8.9.97, p. 42.504) (THEOTÔNIO NEGRÃO, Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, 35ª ed., : Saraiva, 2003, nota 6 ao art. 319, p. 402). Ocorre que, nos autos, não há nenhuma prova que possa mitigar a aplicação do referido art. 319 do CPC. Pelo contrário, as cártulas acostadas aos autos corroboram o direito invocado pela autora. Não há, assim, justificativa para alteração do resultado da demanda, uma vez que inexistem nos autos elementos de convicção contrários ao referido efeito da revelia e aos fundamentos da sentença. O réu procura convencer esta Corte quanto ao desacerto do julgado, simplesmente aduzindo que não manteve com a autora qualquer relação de direito material subjacente a ensejar sua posse sobre os títulos. O cheque constitui uma ordem de pagamento incondicional, em dinheiro e à vista, contra uma instituição financeira. Assim, como todo título de crédito, o cheque é literal, autônomo e abstrato. Para EGBERTO LACERDA TEIXEIRA, cheque é ordem escrita de pagamento emitida por quem tenha fundos disponíveis em Apelação nº 0001212-96.2013.8.26.0003 - - VOTO Nº 3/6
poder de banco, para que este pague à vista, ao próprio sacador ou a terceiro, ou ao portador, quantia determinada (in A Nova Lei Brasileira do Cheque, Ed. Saraiva, pág. 14). A autonomia significa, nas palavras de WALDO FAZZIO JÚNIOR, que cada obrigação contida no documento é autônoma, existe por si só, de modo que o adquirente ou portador do título pode exercitar seu direito sem qualquer dependência das outras relações obrigacionais que o antecederam (Manual de Direito Comercial, 4ª edição, : Atlas, 2004, p. 372). Destarte, não pode o emitente do cheque opor contra terceiro adquirente de boa-fé defesa baseada no seu direito pessoal em relação ao credor primitivo (art. 51 da Lei nº 2.044/08, art. 17 do Decreto nº 57.663/66 e art. 22 do Decreto nº 57.595/66) e isto porque o título, ao circular mediante endosso, se liberta de sua origem, com o que estará sempre protegido o terceiro, pois, caso contrário, adquiriria um crédito que seria uma verdadeira caixa de surpresas. Assim sendo, o referido princípio de autonomia facilita a circulação do título de crédito, permitindo que o mesmo, passando de mão em mão, cumpra sua finalidade de mobilização do crédito (LUIZ EMYDIO FRANCO DA ROSA, Cheque Comentários à Lei Uniforme, Editora Freitas Bastos, pág. 19). Já a chamada abstração cambiária pode ser definida como sendo a desvinculação de um título de crédito em relação ao negócio jurídico que motivou a sua criação (FÁBIO BELLOTE GOMES, Manual de Direito Comercial, Barueri: Manole, p. 155). Por ser um título à ordem, transferível por endosso, preenche plenamente os elementos definidores dos títulos cambiários. Como tal, cria obrigação de natureza literal, autônoma e independente, já que a eficácia plena da obrigação repousa na obediência exata à manifestação extrínseca, exarada no título, o cheque vale por si mesmo, desvinculado da relação jurídica que causa a sua emissão, coexistindo com as demais obrigações cambiárias existentes no título. No caso em tela, basta o cheque para comprovar o crédito da autora. Sua desconstituição, total ou parcial, caberia ao réu devedor, sendo a ele aplicados os efeitos da revelia (CPC, art. 319). Em outras palavras, cabia ao devedor que suscita a discussão da causa debendi o ônus de provar a ausência de causa ou que sua causa é ilegítima, devendo fazê-lo por meio de prova irrefutável, cabal e convincente. Neste sentido: Ação anulatória de título - Cheque furtado - Sendo o cheque ordem de pagamento a vista, caracterizado pela autonomia, abstração e cartularidade, sua inexigibilidade depende de inequívoca prova a respeito - Ocorrência de furto não comprovado pela autora (art. 333, I do Apelação nº 0001212-96.2013.8.26.0003 - - VOTO Nº 4/6
CPC) - Boletim de ocorrência que, por si só, não gera presunção absoluta de veracidade quanto ao fato constitutivo alegado, uma vez que produzido de forma unilateral - Conjunto probatório que não demonstra de forma convincente a ilegitimidade da causa subjacente nem a má-fé do portador na recepção do título - Exigibilidade do título reconhecida. Sentença mantida (Apelação 7064464500, Relator(a): Francisco Giaquinto, Comarca: Jundiaí, Órgão julgador: 20ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 22/06/2009, Data de registro: 28/07/2009). A prova documental que instruiu a inicial reforça a certeza e liquidez do título de crédito, não havendo justo motivo para deixar de lhe conferir exigibilidade, motivo pelo qual não há razão para a reforma da r. sentença. Sem expor maiores detalhes, afirma o apelante que os cheques acabaram chegando ao poder da apelada, com quem não manteve qualquer relação jurídica. Ressalte-se que em nenhum momento esta é apontada como portadora de má-fé. Somente no caso de ter sido adquirido de má-fé, em detrimento do devedor, poderia este aduzir exceção fundada na origem do título (Lei Uniforme, artigos 13, 19 e 22; Lei nº 7.357, art. 25). A autonomia, com aquele conceito de início exposto, é característica essencial do cheque e fundamental na análise da presente questão. Tal constatação implica na inoponibilidade de exceção pessoal do devedor ao credor que, de boa-fé, detém o título. Este último é terceiro em relação aos participantes do negócio anterior, que gerou a emissão das cártulas. de Justiça: Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal EXECUÇÃO AJUIZADA POR PORTADOR DE CHEQUE, TERCEIRO DE BOA-FE. EMBARGOS DO DEVEDOR OFERECIDOS PELO EMITENTE, ALEGANDO DESCUMPRIMENTO DO NEGOCIO SUBJACENTE, REJEITADOS PELA SENTENÇA E ACOLHIDOS EM SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. O CHEQUE E TITULO LITERAL E ABSTRATO. EXCEÇÕES PESSOAIS, LIGADAS AO NEGOCIO SUBJACENTE, SOMENTE PODEM SER OPOSTAS A QUEM TENHA PARTICIPADO DO NEGOCIO. ENDOSSADO O CHEQUE A TERCEIRO DE BOA-FE, QUESTÕES LIGADAS A CAUSA DEBENDI ORIGINARIA NÃO PODEM SER MANIFESTADAS CONTRA O TERCEIRO LEGITIMO PORTADOR DO TITULO. LEI 7357/85, ARTIGOS 13 E 25. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO, PARA O RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA DE IMPROCEDENCIA DOS EMBARGOS. (REsp 2814/MT, Rel. Ministro Athos Carneiro, Quarta Turma, d.j. 19.06.1990) (grifo não original). Apelação nº 0001212-96.2013.8.26.0003 - - VOTO Nº 5/6
Este Tribunal também acompanha essa posição: Monitória - Cheque - Alegação de pagamento - Embargos julgados procedentes - Apresentante do título que exerceu regularmente seu direito, sendo terceiro de boa-fé - Inoponibilidade de exceções pessoais - Sentença reformada, com inversão do ônus da sucumbência - Apelo provido. (Apelação 990093684373, Rel. Jacob Valente, 12ª Câmara de Direito Privado, d.j. 03.11.2010). MONITÓRIA - Cheque prescrito - Possibilidade (Súmula n 299 do E. STJ) - Literalidade e autonomia - Aplicação do princípio da inoponibilidade das exceções aos portadores de boa-fé - Inteligência do art. 25 da Lei n 7.357, de 02 de setembro de 1.985 - Embargos improcedentes - Decisão mantida. (Apelação 990103660102, Rel. Sebastião Junqueira, 19ª Câmara de Direito Privado, d.j. 28.09.2010). Por fim, ao emitir a cártula em questão, assumiu o devedor a responsabilidade pelo pagamento do valor nela descrito, nos termos do art. 15 da Lei nº 7.357/85, que assim determina: O emitente garante o pagamento, considerando-se não escrita a declaração pela qual se exima dessa garantia.. Destarte, deve ser mantida a r. sentença que julgou procedente a presente ação monitória, pelos seus fundamentos. Ante o exposto, nega-se provimento ao apelo. ITAMAR GAINO Relator Apelação nº 0001212-96.2013.8.26.0003 - - VOTO Nº 6/6