O PAPEL DO AUTOR NA FORMAÇÃO DO LEITOR



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Transcrição:

O PAPEL DO AUTOR NA FORMAÇÃO DO LEITOR Vanessa Alves do Prado (Universidade Estadual Paulista, Marília, SP) Apoio Financeiro: Secretaria de Estado da Educação/Bolsa Mestrado Com o objetivo de compreender os fatores que podem suscitar a transformação do leitor por meio de um gênero discursivo escrito por um autor, busquei o artigo acadêmico intitulado Considerações sobre o estatuto de leitor crítico, de Dagoberto Buim Arena que trata sobre a formação do leitor e apresenta o papel do autor como sujeito de um dos lados da ponte lançada na comunicação discursiva. A escolha deste tema que contempla a leitura de um texto e a análise de uma escrita tem o objetivo de refletir acerca dos elementos constitutivos do gênero do discurso, tais como o conteúdo, o estilo e a construção composicional e como os recursos expressivos podem mapear o texto de forma a conduzir e modificar o pensamento do leitor e contribuir para a sua formação. A análise do artigo selecionado fundamenta-se na perspectiva bakhtiniana de linguagem e no conceito vygotskiano de homem, da mesma forma, baseia-se nas ideias de leitura e escrita como produção e atribuição de sentido, germes para a transformação da mentalidade do sujeito pela apropriação de novos conhecimentos. Palavras-chave: Formação do leitor, Leitura, Artigo acadêmico

O PAPEL DO AUTOR NA FORMAÇÃO DO LEITOR Neste artigo faço uma análise do comportamento do autor no momento de sua produção escrita e do leitor que age a serviço da atribuição do sentido e recupera toda a significação criada pelo autor. Com o objetivo de compreender os fatores que podem suscitar transformação no leitor a partir do gênero escrito, este texto procura esclarecer, segundo Bakhtin (1995; 2003), a dialética encontrada nos recursos expressivos do gênero artigo acadêmico Considerações sobre o estatuto de leitor crítico, de Dagoberto Buim Arena. Para escrever, o autor precisa decidir para quem será endereçado o texto, ou seja, quem será o destinatário. A partir disso, o gênero do discurso é selecionado e ajustado ao conteúdo que o autor quer transmitir, de determinada forma e com certo estilo. Por meio das perguntas o que, para quem, para que, como, onde e quando, realizadas pelo autor e pelo leitor, o gênero ganha a sua função social nas relações reais de comunicação entre os interlocutores. O leitor também escolhe o gênero discursivo e busca no texto respostas para as suas perguntas, dialoga com o autor por meio das palavras escritas de outros e do próprio eu que escreve. O leitor não somente extrai sentido do texto, ele joga com a significação e atribui sentido à criação do autor. Nesse processo dialógico, o leitor é modificado pelo autor porque realiza afirmações e refutações não apenas com os conhecimentos diante dos olhos, mas com os conhecimentos prévios, segundo Smith (1989). Nesse sentido, é preciso contextualizar no tempo e no espaço o texto a ser lido e descobrir quem é o autor, como ele escreve, por que escreve, para quem escreve, quando escreve e onde escreve. Assim, a compreensão dos aspectos estruturais e linguísticos planejados pelo autor servirão como conhecimentos prévios para a leitura do texto. Sem autor não haveria produção de texto e sem esse a leitura se resumiria a outros níveis de leitura, que diferencia da perspectiva de leitura deste artigo. Passo agora a anunciar como está organizado este artigo. Primeiramente, apresento a definição de gênero discursivo de acordo com a perspectiva bakhtiniana de linguagem e busco compreender a linguagem nas interações verbais mediante os estudos referentes à produção e leitura de textos. Posteriormente, trato dos aspectos gerais do artigo acadêmico selecionado e realizo uma descrição minuciosa da estrutura e do conteúdo do texto. Na análise do artigo selecionado verifico o papel do autor na (trans) formação do leitor segundo os referencias teóricos apresentados e, ao final, apresento as conclusões e as referências.

A linguagem e o gênero do discurso De acordo com Bakhtin (1995), a verdadeira substância da língua é constituída pela interação verbal por meio das enunciações. O diálogo, entre todas as formas de comunicação, é uma das formas mais importantes de interação verbal, seja ele em voz alta ou como discurso escrito que é de certa maneira parte integrante de uma discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio, etc. (BAKHTIN, 1995, p. 123). O caráter dialético da língua promove uma corrente comunicativa ininterrupta propiciada pelos gêneros do discurso que são, segundo Bakhtin (2003), enunciados relativamente estáveis dos diferentes campos da atividade humana ligados à linguagem. Os enunciados ou gêneros orais e escritos, primários e secundários, refletem as finalidades de cada campo por meio do seu conteúdo, estilo e construção composicional. Os gêneros primários (considerados mais simples) são formados nas situações imediatas de comunicação e os gêneros secundários são considerados mais complexos e elaborados e são predominantemente os escritos. Entretanto, em cada enunciado, o estilo reflete a individualidade do falante ou daquele que escreve e está centrado no sentido dado pelo sujeito-autor que, escolhe entre tantos gêneros e recursos linguísticos, os mais adequados para comunicar a sua ideia ao leitor. Para Bakhtin (2003), o objetivo real da comunicação é a ativa posição responsiva, quando o ouvinte ou leitor compreende o que o falante fala ou o autor escreve e ocupa a posição responsiva com uma concordância, discordância ou complemento. A resposta ou réplica nem sempre vem depois do enunciado pronunciado ou escrito, ela pode vir também como compreensão responsiva silenciosa, por meio de ações ou nos discursos seguintes, o que gera a alternância dos sujeitos do discurso. O falante ou autor faz uso de enunciados passados que já foram alheias e que perdido a referência podem ser próprios ou quase próprios. De acordo com Bakhtin (2003, p. 293), as palavras podem entrar no nosso discurso a partir de enunciações individuais alheias, mantendo em menor ou maior grau os tons e ecos dessas enunciações individuais. No momento da produção do enunciado real escolhemos a palavra para dar ao discurso não somente a significação pretendida, mas a expressividade pretendida que pode vir de uma palavra ecoada do discurso alheio e compenetrada da expressão individual, quando apropriada pelo falante ou escrevente ou como palavra criada com chances de futuros elos discursivos no discurso dos outros.

O outro exerce um papel fundamental na comunicação discursiva. O autor produz o enunciado direcionado ou endereçado, como afirma Bakhtin (2003), para o seu destinatário que pode ser qualquer sujeito participante das situações reais de comunicação oral, escrita ou face a face. O gênero é produzido ao considerar as particularidades do seu destinatário: a forma, o tema e o estilo do enunciado são definidos pelo autor para atenderem as expectativas do outro para o qual o enunciado foi criado ou reacentuado, por isso, o falante ou autor posiciona-se como destinatário e responde as possíveis perguntas do outro. A escrita e a produção do sentido O homem possui além da experiência individual (ontogênese), a experiência do gênero humano ao longo da história (filogênese), transmitida mediante a linguagem. Neste movimento dialético e constante entre ontogênese e filogênese, o homem se apropria dos objetos materiais e imateriais da cultura, o que o faz evoluir e que evolui a história da humanidade. A escrita ocupa um lugar muito importante no desenvolvimento cultural do sujeito. De acordo com Vigotskii (1988, p. 184), a escrita é um sistema de símbolos e signos cujo domínio significa uma virada critica em todo o desenvolvimento cultural do sujeito. Isso equivale dizer que o domínio da escrita resulta no desenvolvimento das funções psíquicas superiores. A aprendizagem da escrita é uma aprendizagem da história da humanidade e para que haja a apropriação dessa função especificamente humana e a constituição do sujeito como sujeito-autor é preciso considerar as relações interpsíquicas (entre os sujeitos) que serão transformadas em função intrapsíquica. Segundo Vygotsky (1994, p. 20 tradução minha), o meio é a fonte do desenvolvimento do sujeito e o papel do entorno nesse desenvolvimento é possível porque existe a relação entre dois ou mais sujeitos. O desenvolvimento da linguagem é resultante do processo de evolução da humanidade. Conforme Bakhtin (1995), a linguagem somente pode ser vista como um fenômeno diacrônico resultante da criação social e da relação entre signo e realidade. Por conseguinte, a constituição do autor ocorre apenas quando o signo é flexível e se apresenta à consciência do sujeito inacabado como signo ideológico compreendido pelo contexto. Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal [...]. (BAKHTIN, 1995, p. 108)

A enunciação é resultante da interação entre os sujeitos e a palavra é a materialização dessa relação. A significação não está na palavra, o sentido é decorrente de uma construção de ordem interacional entre texto e leitor porque o autor, no momento da sua produção, elabora um projeto: decide o que quer dizer (conteúdo), como dizer (estilo) e a forma de dizer (construção composicional) e cabe ao leitor recuperar as sinalizações planejadas pelo produtor, a fim de atribuir sentido ao texto. O autor não escreve tudo, ele supõe que o leitor possua conhecimentos prévios, por isso, o objeto do discurso pode aparecer de forma lacunar, implícito e incompleto no texto, restando ao leitor à atribuição do sentido. O sujeito-autor é inconcluso assim como o seu discurso. A cada novo enunciado, o autor constrói e reconstrói uma forma inovada de refletir sobre a língua, sobre o tema e sobre as finalidades do gênero. A cada nova apropriação, um novo enunciado transforma as palavras-alheias em palavras-próprias-alheias e palavras-próprias. Escrever é produzir sentido e o texto é a manifestação das trocas verbais entre autor e leitor. Para ser autor é preciso assumir a posição de leitor e escrever um gênero que cumpra uma finalidade e que corresponda às expectativas do leitor. O leitor também exerce um comportamento particular diante dos diferentes gêneros discursivos, esses satisfazem os seus interesses e o transformam a cada nova leitura. Algumas considerações sobre a leitura Ler o texto pode ser uma atitude aparentemente igual para todos, entretanto, o texto pode ser lido de maneiras diferentes e por leitores diferentes que compartilham do mesmo material escrito, mas são diferenciados pelas atividades intelectuais aplicadas na atribuição do sentido. Ler é, a princípio, ter condições de se apropriar do legado escrito, da memória da humanidade. A leitura é uma prática cultural que modifica o comportamento do leitor e transforma a mentalidade do homem. Ler é atribuir sentido e compreender é requisito para realizar a leitura. Para ler é necessário fazer perguntas; compreender é saber fazer perguntas, porque o sentido não brota da palavra, é o próprio leitor que o atribui e assim o faz devido ao conhecimento prévio ou, de acordo com Smith (1989, p. 103), a informação não-visual, que é o conhecimento que já temos em nosso cérebro, relevante para a linguagem e para o tema do que estamos lendo [...]

Foucambert (1998, p. 120) afirma que a compreensão é um processo, não um resultado; é o processo de questionamento recíproco de um capital gráfico diante dos olhos e de um capital semântico atrás dos olhos. O resultado é a significação atribuída ao texto, a mudança que o texto provocou nas representações do leitor. A atitude de ler exige do leitor a necessidade, o interesse, a busca pelo conhecimento, a transformação como ser humano e a mudança como leitor. Não lemos somente quando não temos nada para fazer ou tão-somente por hábito, nem mesmo lemos apenas o que gostamos ou o que nos dá prazer. Lemos porque temos interesse sobre determinado assunto e vamos para o texto com o sentido. A formação do leitor é derivada do desequilíbrio e da superação das condições cotidianas e não-cotidianas do ser humano e, para Foucambert (1998, p. 32) formar é entrar num processo de transformação da realidade e, portanto, de si mesmo. Desse modo, pode-se dizer que atribuir sentido é pouco diante da grandiosidade do poder da leitura em modificar o sujeito. A atribuição do sentido ocorre quando há conhecimentos prévios sobre o conteúdo, as chamadas informações não-visuais e que, de acordo com Smith (1989, p. 86), quanto mais informações não-visuais um leitor possui, menos informação visual necessita. Quanto menos informação não-visual estiver disponível por detrás dos olhos mais informação visual será necessária. Quanto mais sentido os leitores atribuem para o que leem, menos informações visuais são necessárias. Em busca de conhecimentos prévios para lermos o texto Considerações sobre o estatuto de leitor crítico, de Dagoberto Buim Arena, apresento os aspectos gerais do texto. O artigo acadêmico Aspectos gerais do texto O capítulo 28 Considerações sobre o estatuto de leitor crítico, de Dagoberto Buim Arena, com 14 páginas, tem início na página 409 até a página 422 e faz parte do livro intitulado Formações de educadores: artes e técnicas, ciências políticas, impresso pela Editora UNESP na cidade de São Paulo em 2006, que conta com 640 páginas e tem como organizadora a professora e pesquisadora Raquel Lazzari Leite Barbosa. Esse livro é tema do VIII Congresso Estadual Paulista sobre a Formação de Educadores: Modo de ser: Artes e técnicas, Ciências e políticas, ocorrido na cidade de Águas de Lindóia-SP, no mês de setembro de 2005, e é destinado aos educadores das escolas pública e privada, desde a educação básica até a superior, o que inclui os formandos e pesquisadores da área.

O autor do artigo acadêmico Considerações sobre o estatuto de leitor crítico organizou o texto da seguinte maneira: Introdução, A tecnologia da escrita ocidental, A cultura impressa e os modelos de abordagem do escrito, O leitor sênior e os gêneros do discurso, A educação literária o leitor crítico, O leitor seletivo e refinado, Conclusão e Referências Bibliográficas. Estrutura e conteúdo do artigo acadêmico A Introdução tem início na página 409 com a explicação do autor, em primeira pessoa do singular, sobre a difícil tarefa de escrever acerca da constituição do leitor crítico sem definir de maneira clara e sucinta a existência dos atributos desse leitor que são constituídos num longo percurso do sujeito na escola e na sociedade. Nesse sentido, o autor aponta a dúvida que o fez refletir sobre o estatuto do leitor crítico: o complemento do verbo ler como complemento do leitor crítico. De acordo com Buim (2006), o verbo ler sempre será um verbo transitivo porque depende de um material escrito, de um gênero discursivo para estabelecer relações. Entretanto, o autor alerta para o fato de que a expressão leitor crítico é relativa, em meio à razoável estabilidade dos gêneros discursos e, portanto, das necessidades e motivos que levam o leitor a ler. No terceiro parágrafo é apresentada a síntese das partes que seguem a introdução e, no último, a explicação de que as formas ideais de leitor crítico podem variar de época para época e que essa expressão pode ceder lugar a outra, denominada pelo autor de leitor sênior, sempre considerando a inconclusibilidade do leitor e a instabilidade dos gêneros discursivos. As atitudes do leitor podem variar para cada movimento social. Para um grupo, a leitura crítica é a realizada com domínio de conhecimentos políticos e, para outro, o leitor ideal é o que lida com os diversos gêneros do discurso, o que inclui também a escrita dos gêneros. Em ambos os modos, as relações humanas estão presentes e podem fazer flutuar as possíveis idealizações de leitor crítico. No item A tecnologia da escrita ocidental é resgatado o sistema de escrita como invenção e reinvenção por aqueles que leem, porque o escrito é organizado pelo autor e reorganizado pelo leitor, que ao ler, se reorganiza intelectualmente. Buim (2006) cita as palavras alheias de Vigotski (2001) e se apropria das de McLuhan (1969) enquanto palavras alheias-próprias para explicar a mudança dos sentidos, dos modos e das formas da escrita a

cada nova geração e as transformações do pensamento do homem por meio da produção escrita de significados. O autor apresenta duas grandes transformações que ocorreram na história da leitura e nos modos de ler. A compreensão do mundo pelos ouvidos passou à compreensão do mundo pelos olhos e a leitura da escrita manuscrita para a escrita impressa. Em recuo, o autor faz uma citação de Eisenstein (1998) para comprovar a importância da imprensa que se configurou como uma revolução de nova tecnologia para a mudança do homem em relação à cultura e em relação às ideias. Destaca ainda a relevância dos estudos da autora citada a respeito do comportamento variável do leitor em relação aos materiais impressos e como as formas de uso do leitor são determinantes para a criação do escritor que, ao escrever, seleciona um gênero e pensa nos futuros leitores de seu texto. Ao apresentar o perfil de leitores dos textos literários, Buim (2006) nos remete à ideia enraizada ao longo da história de que o leitor crítico e pleno era o leitor de literatura. Uma nova citação em recuo de Eisenstein (1998) faz prosseguir a ideia de que os leitores literários e, portanto, considerados leitores ideias e críticos não foram, na França do século XVII, os trabalhadores, mas os ociosos que buscavam o prazer e o lazer mediante a leitura, uma ideia perpetuada séculos depois com o conceito de leitor que sabe fruir. (BUIM, 2006, p. 412) A maneira como o leitor é considerado pelas pesquisas e por muitos estudos que vinculam leitura e literatura é criticado pelo autor, que coloca em questão o que é ser leitor. Para resolver o problema de como o modo e o acesso da produção escrita afetam o pensamento do homem, o autor retoma Eisenstein (1998) que afirma pouco saber como os materiais impressos afetam o comportamento do homem e assegura, pelas palavras de Goody (1988), a evolução do modo de pensar pelo uso da língua e de suas diferentes formas escritas de manifestação, o que nos leva a pensar que a transição do leitor para leitor sênior está pautada na mudança dos processos cognitivos, a partir dos modos de operar os materiais impressos. Sobre isso, o autor defende que o uso das tecnologias, e entre elas a da língua escrita, transforma os processos cognitivos que podem contribuir [...] para a formação do leitor sênior, considerado, de certo modo, o leitor crítico. Para finalizar este item, o autor recupera as ideias dos autores citados e as conclusões realizadas ao longo do texto e, de acordo com as discussões realizadas até o momento, Buim (2006, p. 414) elabora a tese de que

[...] o leitor crítico, tal como foi construído pelos estudos do século XX, é resultado da ação do trabalho educativo específico em determinada área do saber ou das artes, e que o pressuposto para a elevação a essa categoria estaria na competência exigente de produzir leitura que seria a característica do leitor sênior. No último parágrafo de A tecnologia da escrita ocidental, o autor anuncia o próximo item que tratará sobre as características da formação do leitor crítico. O item A cultura impressa e os modelos de abordagem do escrito é iniciado com a distinção de dois modos de abordar o escrito: a atribuição do sentido e a tradução da escrita em sons, uma prática que perdurou por muito tempo, mas sabemos hoje que é inadequada para refletir sobre a formação do leitor. Buim (2006) cita Bajard (2002) e Foucambert (1998) para tratar a respeito do problema da prática de libertação do som. Discute, pela visão de Foucambert (1998), os três modelos de leitura: ascendente, descendente e interativo (que integra os dois outros modelos, separando o código do sentido), que, evidentemente, são opostos ao significado compreendido por Foucambert a respeito do que é interação e do que é ler. A partir da citação em recuo de Foucambert (1998), Buim (2006) enumera três afirmações importantes sobre o processo da leitura e escreve a própria compreensão acerca da leitura como relações estabelecidas entre sujeito e texto, ancoradas pelos conhecimentos por detrás dos olhos e em constante movimento, não apenas pela atribuição do sentido às marcas gráficas, mas pela transformação do próprio leitor. Diante desse processo de leitura, o autor critica o modo como a leitura é pensada e praticada na escola: uma leitura que somente avalia a relação entre perguntas (realizadas por outros) e respostas e não leva em consideração a mudança do pensamento do aprendiz e o desenvolvimento das novas funções psíquicas, capazes de modificar o cérebro e o modo de agir daquele que lê. Uma nova citação é introduzida. Foucambert (1998) busca em Goody e Vigotsky o apoio para argumentar a respeito do desenvolvimento do pensamento abstrato por meio da linguagem escrita e Buim (2006, p. 416-17) afirma com base nas proposições de Foucambert que o leitor crítico, em oposição a um leitor não crítico, seria o leitor que opera com a linguagem escrita em situações de elaborações do pensamento abstrato, consideradas superiores, a ponto de transformar o modo de pensar. Em O leitor sênior e os gêneros do discurso, o autor anuncia que fará neste tópico uma ligação entre as ideias de Foucambert e Bakhtin (2003) no que se refere ao leitor sênior. Se para Foucambert, o leitor juntamente com o uso da escrita opera de tal forma com o seu pensamento que é capaz de transformar a si mesmo e os outros, essa transformação só pode

ocorrer quando o sujeito lida com os gêneros primários e secundários, de acordo com a perspectiva bakhtiniana, e, principalmente, com os gêneros secundários, que se formam nas condições mais complexas de comunicação. A fim de validar essa conexão entre ambos os autores citados, Buim (2006) apresenta, nas palavras de Bakhtin (2003), a possível definição acerca da natureza dos gêneros do discurso. Para o autor do texto aqui analisado, a formação do leitor crítico ou leitor sênior, que transforma a si mesmo e os outros, tem as condições favoráveis para a produção da leitura e do pensamento reflexivo nas relações com os gêneros do discurso secundários e com os outros. O autor apresenta, ainda, a oposição existente entre o leitor sênior, homem de uma sociedade grafo-eletrônica e o leitor da antiguidade, apoiado na memorização e nos gêneros primários e orais. Face ao exposto, Buim (2006) afirma que ler é uma ação que envolve complexos mecanismos mentais, abstratos, construídos pelo aprendiz progressivamente [...] com funções construídas pela intenção de compreender e refletir. Esses mecanismos mentais e abstratos não são revelados ao outro com aspecto material, como, por exemplo, com a leitura oral decodificada, mas são organizados no cérebro do leitor como perguntas e respostas, responsáveis por organizar a própria compreensão e estabelecer ligações com o acervo cultural detrás dos olhos. Esses são os mecanismos que, ao encontro dos avanços tecnológicos, fazem do leitor um leitor crítico ou eficiente, produtor de novas formas de pensar. Diferentemente dessa linha de raciocínio, a afirmação de Colomer e Camps (2002), em citação recuada, aponta a descontextualização como fator que desvincula o pensamento da linguagem e que pode impedir o acesso aos níveis superiores de abstração. No último parágrafo desse item, o autor do texto faz uma discussão sobre as críticas realizadas ao leitor da tela do computador e, para entender o fundamento da crítica e demonstrar a instabilidade que há nela, Buim (2006) relembra a crítica feita à revolução do impresso com Gutenberg, que também utilizou de uma técnica desestabilizadora das velhas práticas e modificou a mentalidade do homem e as novas configurações sobre o modo de ler. Parece que outra revolução está acontecendo, conclui. O autor inicia o último item do seu artigo A educação literária o leitor crítico, o leitor seletivo e refinado, traçando os caminhos que tentam delinear o leitor crítico e, para isso, volta ao passado e compreende a expressão leitor crítico como o leitor seletivo e apreciador dos textos literários, vínculo esse estabelecido desde a revolução do material impresso em consonância com a disseminação da produção dos textos literários. Com isso, o

leitor, especificamente, o leitor crítico passou ser sinônimo de leitor dos gêneros literários e dos textos dos autores consagrados. Com as novas tecnologias, o conceito de leitor crítico caminha para a formação de um leitor de diferentes áreas e com variações de desempenho, visto que é improvável acreditar na existência de um leitor expert em todas as áreas. De acordo com Buim (2006, p. 421), há uma educação específica em cada área, mas não um leitor crítico com estatuto padrão e hegemônico. Na Conclusão, o autor revisa as teses anunciadas na introdução, na qual adiantou a instabilidade das características do leitor crítico como conceito criado histórico e socialmente e refaz todo o percurso, ao apontar objetivo de cada item abordado. Para finalizar, Buim (2006) afirma ser os gêneros do discurso o instrumento para a formação do leitor sênior, crítico e expert que muda constantemente. Nas Referências Bibliográficas, na página 422, são registrados todos os dados do texto dos autores citados: autor, título, cidade de publicação, editora e ano de publicação. O papel do autor na (trans) formação do leitor Para compreender o papel do autor na transformação do leitor busco apoio em Bakhtin (2003) e na perspectiva do gênero do discurso como pontapé inicial da mudança do sujeito. Buim (2006), ao ser convidado para compor o livro Formações de educadores: artes e técnicas, ciências políticas e solicitado a escrever sobre o estatuto do leitor crítico, teve a incumbência de adequar o seu discurso falar sobre o leitor crítico a um gênero, mais especificamente, o gênero aqui denominado como artigo acadêmico. Como o gênero do discurso é, para Bakhtin (2003), enunciados dos diferentes campos da atividade humana, Buim (2006) sendo professor universitário, pesquisador e colaborador de pesquisas 1, escreveu para os destinatários professores e pesquisadores o artigo acadêmico composto pelos três elementos defendidos por Bakhtin (2003): conteúdo, construção composicional e estilo. O conteúdo, embora tenha sido delimitado pelos organizadores do evento, expressa a trajetória dos estudos e pesquisas que o autor realiza e já realizou e a maestria com que ele diz o que deve dizer e o que quer dizer. Ainda que o artigo acadêmico tenha uma estrutura relativamente estável, a sua construção composicional demonstra as escolhas do autor e a composição em um gênero que apresenta determinada sequência de itens, mas que o autor 1 As informações sobre o autor foram pesquisadas através do Currículo Lattes/Plataforma Lattes http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=k4708641y7, no dia 20/10/2009.

organiza à sua maneira: introduz, desenvolve discussões e parte para a definição ou conclusão do tema. A composição à sua maneira ou o estilo é a marca individual que o autor deixa no seu texto, o como ele escreve e assim o faz porque domina a língua e suas variações. Partindo dos três elementos constitutivos dos gêneros, nesse caso, um gênero escrito e secundário, é possível refletir sobre os recursos utilizados pelo autor para interagir com o leitor do seu texto e transformá-lo, ou seja, desenhar pela forma escrita a dialética da leitura ao longo da história para que esse conhecimento chegasse até o leitor e o fizesse refletir, ao conectar os conhecimentos prévios aos novos conhecimentos advindos do texto escrito. A reprodução dos conhecimentos acumulados pela humanidade e a discussão desses conhecimentos pelo autor oferecem condições para o leitor se apropriar de novos conhecimentos e transformar as relações com o mundo e consigo mesmo. Face ao exposto, objetivo identificar o que ficou para trás de todo o detalhamento do artigo de Buim (2006): a intenção do autor em fazer um mapeamento para que o leitor seja capaz de alcançar a conclusão do texto ao utilizar a mesma linha de pensamento daquele que escreve. Para responder ao problema sobre o estatuto do leitor crítico ou o que é um leitor crítico, Buim (2006) realiza um percurso para resolver a questão posta, que tem início na introdução, quando anuncia o que vai fazer e qual a linha de pensamento a ser considerada, perpassa os tópicos ao longo do texto e é finalizada na conclusão. O autor trava um diálogo, em primeira pessoa, com o leitor e o direciona para as possíveis hipóteses refletidas pelo próprio autor, a partir dos estudos de outros autores. No item A tecnologia da escrita ocidental, Buim (2006) se apropria das ideias de Vigotski, McLuhan, Eisenstein e Goody e dialoga com esses autores, instaurando as palavras alheias dos outros e as palavras próprias-alheias que são ideias próprias constituídas e percebidas como ideias de outros. Há outros momentos, como, por exemplo, quando trata sobre a compreensão no decurso da história, o autor enuncia as palavras-alheias, que no instante da objetivação perdeu a referência e se tornou palavras-próprias, que vieram de leituras prévias de autores como Manguel, Chartier, Smith, entre outros. Assim como o autor, o leitor entra nesse processo de construção da subjetividade quando lê os textos dos autores, se apropria e objetiva também pelo escrito. Ao tratar sobre a escrita impressa, as formas de operar do homem e o comportamento do leitor em relação ao texto e a suas finalidades, Buim (2006) explica o que aqui neste artigo é visto claramente: As formas de usar, como leitor, o sistema de escrita orientam também a criação, pelo escritor, de determinados gêneros dirigidos a certos perfis de leitores. (BUIM,

2006, p. 411-12) Isso significa que o perfil do leitor os professores, pesquisadores e estudantes de licenciaturas do artigo em discussão influenciou a escolha do gênero artigo acadêmico feita por Buim (2006). Buim (2006) volta ao século XX e apresenta os laços existentes entre leitura e literatura, o que exime a leitura do povo por não se classificar na categoria ler literatura e consumir livros. Para um leitor mais experiente e conhecedor mínimo do assunto, o período por não ler literatura ou por não consumir livros, o povo nem pode ser leitor, muito menos leitor crítico, ou, como quero tratar aqui, leitor sênior (BUIM, 2006, p. 412) não soa como uma afirmação defendida por Buim (2006) já que, previamente, tratou sobre o ponto de vista literário e direcionou o leitor para os fatos históricos, fazendo-o compreender o texto na sua totalidade. Isso explica a significação que há no texto e não na frase. Após percorrer alguns fatos da história, o autor chama a atenção do leitor para o problema a ser buscado na conexão entre os modos de compreensão do escrito e o modo de pensar do homem, reposta ou indícios a serem encontrados na história da leitura, do livro e da literatura. Mais uma vez, o autor trata sobre o que também buscamos: como o autor, por meio do material escrito, afeta o modo de pensar do leitor, provocando mudanças no seu pensamento? Buim (2006, p. 412) utiliza as citações de alguns autores para provar ou avançar nas suas discussões ou como ele mesmo afirma à medida que o leitor se aprofunda no domínio do uso da língua, em suas diferentes manifestações, modifica seu próprio modo de operar o seu pensamento [...] Antes de atuar como autor ou escritor, Buim (2006) também é leitor de outros autores que utilizam a língua para produzir sentido. O leitor se apropria das palavras do outro, se apropria do sentido e utiliza a língua e a escrita para objetivar tudo o que aprendeu ou está a aprender. Todas as referências citadas no artigo em análise são, a princípio, discussões entre Buim (2006) e os outros autores. Quando o leitor mergulha no texto, ele também participa das discussões e coloca autores de outras experiências que já teve e que não estão citados no texto, mas fazem parte do seu pensamento, seja como palavras-alheias ou palavras próprias. No gênero, o foco não é apenas o conteúdo. A forma como o autor organiza o seu texto faz surgir marcas do estilo. É possível verificar a marca do estilo quando o autor no item A cultura impressa e os modelos de abordagem do escrito utiliza palavras que agem como metáforas é o caso de flashes, linkadas e relinkadas, na tentativa de se fazer entender pelo seu interlocutor. Ao delinear a leitura com bases nos seus estudos, o autor lança críticas à didática na escola que trabalha com a formação do leitor, ou melhor, com a não formação do leitor. Essa

crítica está fundamentada por tudo o que o autor entende ser leitura e língua, dito ao longo do texto com o apoio de autores tais como Foucambert, Vygotski, Eisenstein, Bakhtin e outros que não são referenciados no texto, mas que podem estar na cabeça do autor como palavraspróprias e identificadas pelo leitor que ainda mantêm na sua cabeça as palavras-próprias alheias. Em O leitor sênior e os gêneros do discurso, Buim (2006) cita Bakhtin e afirma que o gênero do discurso produz um diálogo entre os interlocutores capaz de transformar o próprio eu, o outro e o gênero. Mais adiante, quando o autor estabelece relações entre leitura e linguagem, de acordo com a perspectiva bakhtiniana e vygotskiana, realiza também uma analogia entre produzir leitura como visão virtual e estar diante da televisão, com o intuito de oferecer ao leitor formas de entender a visão virtual da leitura como uma lógica flexível de escolhas para criar o próprio texto. (BUIM, 2006) Buim (2006) se apropria também das ideias de Lévy sobre as críticas às tecnologias que superam as práticas antigas e esclarece ao leitor, por meio da comparação com o conflito gerado pela invenção de Gutenberg, a resistência às tecnologias atuais. Por fim, no último item abordado A educação literário o leitor crítico, o leitor seletivo e refinado, o autor trata com maiores detalhes sobre a definição criada de leitor crítico a partir da literatura, o que julga uma definição insuficiente visto o percurso que realizou para definir leitura, leitores, comportamentos e gêneros discursivos. O autor finaliza o texto com a discussão originária do problema e conclui que o estatuto de leitor crítico, criada pela visão literária de fundo histórico, não se sustenta, pelo contrário, o leitor crítico ou sênior é o que atua com diferentes gêneros discursivos de acordo com suas necessidades e interesses. O autor trilha na conclusão todos os caminhos percorridos no texto, todas as ideias defendidas e criticadas que oferecem uma provável resposta ao problema do texto. O problema não é somente do autor, o leitor na interação com o texto também compartilha do mesmo problema e espera, ao final do texto, poder elaborar a própria resposta com ajuda dos pressupostos teóricos e argumentos apresentados pelo autor e se apropriar de novos conhecimentos capazes de transformar a si mesmo e as relações com o mundo. Conclusão A fim de compreender o papel do autor na (trans) formação do leitor, foi verificada a relevância do gênero do discurso como elemento central para estabelecer a interação verbal

entre os interlocutores. Apoiados na perspectiva de escrita como produção do sentido e de leitura como atribuição do sentido, autor e leitor mergulham na verdadeira corrente comunicativa da linguagem: a língua com função social e movida pela interação verbal. O autor escreve quando tem algo a dizer a alguém, o seu destinatário, e utiliza do gênero discursivo para transmitir suas ideias e seus conhecimentos. O leitor tem a necessidade de conhecer e seleciona um gênero na busca de responder as suas dúvidas. Nesse processo de escrever e ler, o autor e o leitor estabelecem um diálogo por meio das palavras escritas. Primeiramente, foi apresentada a concepção de gênero discursivo como ação dialógica fundamentada na perspectiva bakhtiniana de linguagem e as concepções de estudiosos que tratam sobre a produção e leitura de textos. As ideias de homem, desenvolvimento cultural e aprendizagem, conceitos estudados pelos autores que fazem parte da Teoria Histórico- Cultural, também foram mencionados a fim de basear a transformação do sujeito por via humanização. Alguns apontamentos sobre a atividade de ler foram discutidos a partir dos estudos de Foucambert (1998), Smith (1989) e Eisenstein (1998) e colaboraram para compreender como o leitor age diante do texto. Posteriormente, a descrição do artigo acadêmico de Buim (2006) pareceu driblar o pensamento em voz alheia, entretanto, a atitude responsiva ocorreu no momento da leitura e a escrita foi refutada, confirmada, antecipada e complementada por ideias de outros. De acordo com Foucambert (1998, p. 111), um texto nunca existe sozinho, mas por referência, oposição ou contribuição a outros textos, com os quais ele abre um diálogo no mais das vezes implícito. O próprio artigo do autor explica o comportamento do leitor diante do texto e o papel do autor na transformação do leitor, por meio dos gêneros discursivos. Ao realizar a análise do artigo acadêmico de Buim (2006), uma ponte foi estabelecida para vincular as concepções de gênero, autor e leitor à forma, conteúdo e estilo que o autor utiliza na tentativa de fazer refletir e modificar o leitor. Referências ARENA, D. B. Considerações sobre o estatuto de leitor crítico. In: BARBOSA, R. L. L. (Org.) Formação de educadores: artes e técnicas, ciências políticas. São Paulo: UNESP, 2006. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BAKHTIN, Mikhail. (V. N. Volochínov). Marxismo e filosofia da linguagem. 7. ed. São Paulo: Hucitec, 1995, p. 69-136.

FOUCAMBERT, J. A criança, o professor e a leitura. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. SMITH, F. Compreendendo a leitura: uma análise psicolingüística da leitura e do aprender a ler. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. VIGOTSKII, L. S. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. In: VIGOTSKII, L. S., LURIA, A. R. e LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 4.ed. Tradução Maria da Penha Villalobos. São Paulo: Ícone: Universidade de São Paulo, 1988, p.103-118. VYGOTSKY, L. S. El problema del entorno. (mimeo). Tradução cubana para o texto The problem of the environment. In: VAN DER VEER, R. e VALSINER, J. The Vygotsky Reader, 1994, p. 338-354. SITE http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=k4708641y7