Biologia da célula neoplásica e interacção com o hospedeiro (I) Rui Henrique Departamento de Patologia e Imunologia Molecular Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar Universidade do Porto & Serviço o de Anatomia Patológica e Centro de Investigação Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, E.P.E. Neoplasia benigna vs. Neoplasia maligna 2
Na maioria das neoplasias malignas é possível identificar quatro fases de desenvolvimento: Transformação Crescimento Invasão local Metastização Iniciação e promoção Progressão 3 História natural das neoplasias 4
É o processo que conduz à formação de uma neoplasia a partir de células normais Requer a acção de agentes tumorigénicos (iniciação e promoção) É um processo relativamente longo na maioria dos casos pois implica a aquisição de um número variável de alterações genómicas, as quais conferem capacidade de crescimento autónomo e vantagem selectiva às células neoplásicas 5 Propriedades fundamentais das células neoplásicas malignas: Auto-suficiência de estímulos de crescimento Insensibilidade a sinais inibidores do crescimento Evasão da apoptose Defeitos na reparação do DNA Potencial replicativo ilimitado Angiogénese sustentada Capacidade de invadir e metastizar Evasão da imunidade e rejeição 6
Hanahan & Weinberg, 2011 7 As células neoplásicas possuem um grau de similaridade variável com as células normais do tecido no qual se tentam diferenciar (grau de diferenciação) Em regra, o processo de transformação conduz a uma perda de diferenciação (anaplasia) Na prática, podemos afirmar que reconhecemos que uma célula foi transformada quando estas características tradutoras de anaplasia se tornam aparentes 8
Algumas características morfológicas tradutoras de anaplasia: Pleomorfismo (celular e nuclear) Morfologia nuclear anormal Índice mitótico aumentado e mitoses atípicas Perda de polaridade Bizarria celular 9 10
O processo de transformação neoplásica é operado pelos agentes carcinogénicos, os quais têm a capacidade de infligir alterações genómicas que conferem às células transformadas uma vantagem selectiva de crescimento As alterações genómicas precedem a aquisição do fenótipo neoplásico 11 São as células alvo do processo de transformação neoplásica derivadas de: Células progenitoras normais dos tecidos, que através da aquisição de alterações genómicas adquirem o fenótipo neoplásico ou Células mais diferenciadas (células amplificadoras) que re-adquirem as propriedades de células progenitoras Estas células de origem podem também ser designadas Células iniciadoras tumorais 12
As linhas de evidência mais sólida apontam para a possibilidade de as TICs terem origem em células progenitoras as quais foram o alvo do processo de transformação neoplásica Alguns estudos suportam a hipótese de a activação de oncogenes e a inactivação de genes supressores tumorais poderem causar desdiferenciação celular e induzir a reprogramação como células estaminais pluripotenciais O mecanismo pode ser variável em função do tecido onde tem origem a neoplasia 13 A frequência da transformação neoplásica é muito variável de tecido para tecido, o que pode depender de vários factores, que podem actuar conjuntamente: Índice / risco de exposição a agentes tumorigénicos Predisposição hereditária Número total de divisões das células progenitoras dos tecidos no processo de auto-renovação Estudos recentes sugerem a existência de uma correlação significativa entre a taxa de divisão celular das células progenitoras e o risco de desenvolvimento de cancro
Os resultados deste estudo têm potenciais implicações na forma como abordámos as doenças oncológicas: A prevenção primária, como estratégia para redução da incidência de cancro, terá efeitos limitados, pois apenas uma proporção minoritária de tumores será devido essencialmente à acção de agentes ambientais Dado que a maioria dos cancros se deverá a mecanismos intrínsecos à biologia das células, a prevenção secundária (detecção precoce) será a estratégia com maior probabilidade de êxito
Classicamente, considerava-se que as neoplasias eram constituídas por uma população celular relativamente homogénea e que apenas nas fases mais avançadas da progressão adquiriam maior heterogeneidade por aumento da proliferação e da instabilidade genética, originando subpopulações clonais 19 Actualmente, propõe-se que todas ou, pelo menos, a maioria das neoplasias malignas possua um conjunto de células com características estaminais Estas células serão responsáveis por gerar a heterogeneidade celular das neoplasias, que é patente ao nível fenotípico e genotípico 20
As células c estaminais/progenitoras dos tecidos normais possuem 2 características básicas: Capacidade de auto-renovação Capacidade de divisão celular assimétrica, gerando células com capacidade de diferenciação A teoria das células estaminais do cancro propõe que nas neoplasias existem células tumorais que possuem características semelhantes 21 Célula iniciadora tumoral (TIC) Corresponde ao conceito de célula de origem do cancro Célula estaminal do cancro (CSC) Corresponde ao conceito de célula propagadora do cancro Supõe a existência de uma organização hierárquica na neoplasia, a qual é sustentada por uma subpopulação celular, com capacidade de autorenovação ilimitada capaz de gerar todo o repertório celular tumoral, o qual se reflecte na heterogeneidade genotípica e fenotípica 22
Visvader, 2011 23 Células estaminais do cancro (CSC) 24
As células c estaminais do cancro podem ser identificadas através de: Capacidade de reconstituir novos tumores quando inoculadas em modelos animais imunodeficientes Expressão de marcadores de superfície, muitas vezes presentes nas células progenitoras dos tecidos normais. 25 Li et al., 2007 Os primeiros exemplos de células estaminais do cancro foram observados em leucemias mielóides agudas, sendo posteriormente identificadas em tumores sólidos. 26
A proporção de CSCs numa dada neoplasia é variável, sendo, em regra, muito baixa (0,001 a 1%) na maioria dos tumores Em alguns casos essa proporção pode ser elevada (aprox. 25%), postulando-se que a proporção de CSCs poderá relacionar-se com a agressividade biológica e clínica da neoplasia 27 Células estaminais do cancro (CSC) Implicações terapêuticas 28
Conceptualmente, a mais pequena massa tumoral clinicamente detectável pesa 1g e contem cerca de 10 9 células neoplásicas, resultando de cerca de 30 ciclos de duplicação da população celular Para atingir o limite de massa compatível com a vida bastarão 10 ciclos adicionais Quando uma neoplasia é detectada clinicamente, já completou a maior parte do seu ciclo de vida! 29 30
Factores determinantes da taxa de crescimento tumoral: Tempo de duplicação celular Fracção de células neoplásicas no compartimento replicativo Taxa de morte / eliminação celular Estes factores influenciam a velocidade de crescimento da massa tumoral e a sensibilidade do tumor aos agentes quimioterapêuticos 31 Tempo de duplicação celular Embora as células neoplásicas entrem mais facilmente em divisão celular comparativamente às células normais, a duração do ciclo celular é semelhante Fracção de células neoplásicas no compartimento replicativo (fracção de crescimento) Nas fases iniciais, a maioria das células neoplásicas encontram-se no compartimento proliferativo À medida que o tumor cresce, a maioria das células deixa este compartimento 32
Fracção de células c neoplásicas no compartimento replicativo durante a evolução da neoplasia 33 Taxa de morte / eliminação celular Para que um tumor cresça (taxa de crescimento), a taxa de proliferação celular tem que exceder a taxa de eliminação Frequentemente, existe uma relação directa entre a taxa de crescimento da neoplasia e o curso clínico da neoplasia Tumores com elevada taxa de proliferação tendem a ser mais quimiossensíveis, pois os agentes quimioterapêuticos agem, predominantemente, nas células em divisão celular activa Em regra, a taxa de crescimento dos tumores correlaciona-se com o seu grau de diferenciação 34
A vasta maioria das neoplasia requer períodos longos de crescimento até ser clinicamente significativa (anos a décadas!) Este processo de crescimento está dependente da taxa de aquisição de alterações genómicas que conferem vantagem selectiva ( driver mutations ), a qual é variável de tumor para tumor e explica a heterogeneidade observada ao nível clínico 35