MOVIMENTO DE INSERÇÃO DA GYMNASTICA NO GYMNASIO MINEIRO ( ) : APONTAMENTOS DE UMA PESQUISA RESUMO

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Transcrição:

446 MOVIMENTO DE INSERÇÃO DA GYMNASTICA NO GYMNASIO MINEIRO (1890 1930) : APONTAMENTOS DE UMA PESQUISA Aleluia Heringer Lisboa Teixeira Universidade Federal de Minas Gerais RESUMO Acompanhar o movimento de inserção da Gymnastica como um componente curricular no Gymnasio Mineiro é o meu objetivo com esta pesquisa em andamento. Fundado no ano de 1890 pelo Sr. Presidente do Estado de Minas Gerais Chrispim Bias Fortes, foi a primeira Instituição Pública de Ensino Secundário de Minas Gerais e compunha de um Internato em Barbacena e um Externato em Ouro Preto. De caráter propedêutico tinha por finalidade habilitar os alunos para as academias e estudos superiores da República. Equiparado ao Ginásio Nacional (antigo Imperial Colégio Pedro II), adotava o mesmo currículo e garantia aos seus alunos aprovados nos exames finais, a matrícula nos cursos superiores da República. Seu currículo inicial era composto pelas seguintes disciplinas : portuguez, latim, grego, francez, inglez, allemão, mathematica, astronomia, physica, chimica, historia natural, biologia, sociologia e moral, geographia, historia universal e do Brasil, litteratura nacional, desenho, gymnastica, evoluções militares, esgrima, e musica. O Gymnasio Mineiro simbolizava aquilo que se queria para o Ensino Secundário em Minas Gerais e o ensino da Ginástica nessa instituição tornouse referência para as escolas mineiras e brasileiras. Como parte dos requisitos exigidos para a inscrição ao 1 o concurso de professor de Gymnastica e Educação Physica, temos a contribuição dos estudos, do então candidato a vaga, Fernando de Azevedo, que foram publicados em 1915. Tais estudos são até os dias atuais, objeto de discussão da Educação Física. O recorte temporal vai do momento de sua criação 1890 - até os anos 30, período da implantação da Reforma Francisco Campos que remodelou a estrutura do Ensino Secundário no país são, portanto os quarenta anos iniciais da história da ginástica no Ensino Secundário em Minas Gerais. Interessame investigar qual sua função social e o que justificava sua presença. Quais as representações sobre a ginástica e suas práticas; do que se constituía; que tipo de saber lhe era próprio; qual o lugar e espaço ocupavam e que foi ocupando, e quem era seus professores. Para responder a estas perguntas venho utilizando fontes impressas e manuscritas tais como: a Legislação, Regimentos internos, Programas de Ensino, Relatórios dos Reitores e dos Secretários do Interior enviados ao Presidente de Estado, as Atas da Congregação do Ginásio Mineiro, Jornais, Revistas e fotografias. Este acervo se encontra no Arquivo Público Mineiro, Biblioteca do Colégio Estadual Milton Campos e na Emeroteca, todos em Belo Horizonte. A análise das fontes se orientará por referencial teórico-metodológico da História cultural: seus procedimentos e conceitos sobre fontes, cultura escolar, representações e práticas, tempos e espaços escolares. As primeiras análises das fontes mostram que a ginástica é justificada como forma de: fortalecer o organismo a serviço da capacidade intelectual.; formar o caráter do jovem; fornecer condições higiênicas necessárias ao seu desenvolvimento intelectual, da atenção, da ordem e da perseverança. Além disto, proporcionaria a flexibilidade, elasticidade e a coordenação necessária aos trabalhos manuais nas indústrias e nas artes. Pelos primeiros documentos analisados podemos perceber também que ginástica se confunde em muitos momentos com a esgrima e evoluções militares, também inclusas no currículo, dividindo os mesmos professores, tempos e espaço físico. Tudo indica que os problemas gerados pela estrutura do Ensino Secundário no período analisado, fizeram com que no trato com a ginástica no que se refere ao tempo, espaço físico, participação dos alunos, material didático, dentre outros, fosse de muita precariedade. Na década de 20 é perceptível um movimento de reestruturação do Ensino Secundário no qual a ginástica começa a ocupar um lugar de destaque. 1 INTRODUÇÃO TRABALHO COMPLETO Indicações preliminares sobre o ensino secundário em Minas Gerais mostram que a existência de colégios nos primórdios do século XIX, na província de Minas, era uma raridade, como constata Marisa Guerra de Andrade (1992). O entendimento de colégio, a que ela se refere, é de uma instituição que recruta alunos em determinados segmentos sociais, fornece um tipo particular de ensino centrado nas humanidades clássicas, preparando-os eventualmente para a academia (1992:100). Este processo de trazer para o interior dos muros dos colégios as aulas avulsas ou isoladas foi um processo lento. O Liceu Mineiro, que antecedeu ao Gymnasio Mineiro participou deste processo e foi instalado em 18 de Abril de

447 1872 1. Não foi possível saber se esta instituição foi uma tentativa entre tantas outras, de idas e vindas, dos liceus provinciais, ou se tinha ele alguma singularidade. O Decreto n. 981 de 1 o de dezembro, que cria o Gymnasio Mineiro em 1890 é o mesmo que suprime o Lyceu da Capital Ouro Preto 2. O governador de Minas Gerais, Chrispim Jacques Bias Fortes, justifica esta criação dizendo que era conveniente uniformizar o ensino primário, normal e secundário. A legislação que vigorava era, segundo ele, defeituosa e reclamava uma reforma eficaz, urgente e adaptada às actuaes circumstancias. Só reformar o ensino secundário não seria proveitoso, havia a necessidade de estabelecer em Minas, uma nova forma de escola secundária, e o modelo essa para mudança seria o Ginásio Nacional (O Imperial Collegio de Pedro II) 3. Segundo Carlos Fernando Ferreira da Cunha Junior 4 (2002), o CPII foi a primeira tentativa do poder central em organizar o ensino secundário regular e devia, por isso mesmo, constituir, por meio do seu currículo e da forma de organização, em modelo para os demais estabelecimentos de ensino secundário. Fundado em 1837, foi uma alternativa ao sistema de aulas avulsas existentes no Município da Corte, sistema que perdurou durante a 1 a República. Oferecia uma formação ampla ao longo de sete anos. Para isso dispunha de um prédio próprio à tarefa educativa, efetivada por um conjunto de profissionais específicos. (2002:1999). Ali, os termos gymnastica ou exercícios gymnasticos foram utilizados para fazer referência às práticas corporais esgrima, jogos e exercícios ginásticos propriamente ditos. No Ginásio Mineiro, tudo indica que este também foi um procedimento utilizado. Estudos como os de Haidar (1972); Mourão (1962); Nagle (1974); Peres (1973), apontam para uma quase total frustração nas iniciativas do Governo Federal em organizar o ensino secundário até a entrada dos anos 30. Isto em função de dois sistemas paralelos que vigoravam. O primeiro sistema era aquele oferecido pelo CPII, e já referido acima. O aluno que cumprisse o percurso de sete anos sairia com o grau de bacharel em Sciencias e lettras, podendo ingressar assim, em qualquer curso superior sem a necessidade de prestar mais nenhum exame. Este percurso, considerado longo, produzia um decréscimo nas matrículas à medida que os anos se passavam. Poucos concluíam e muitos buscavam apressar o ingresso nos cursos superiores. Um exemplo está na relação entre o número de alunos matriculados e aqueles que formavam no Imperial Colégio de Pedro II após 7 anos de estudos. Entre 1844 e 1884, num total de 5729 alunos matriculados, somente 210 se formaram bacharéis, ou seja, 3,7% do total (Cunha Junior: 2002:74). O ensino avulso era o segundo sistema. Se organizava em torno dos exames preparatórios e era o mais curto caminho para o Curso Superior. As matérias desses exames eram específicas para o curso desejado e os programas e pontos, eram aqueles fixados pelo governo para os exames realizados em todo o país. As aulas secundárias ou avulsas proliferavam, pois atendiam a uma demanda de alunos que se interessavam em preparar somente para as disciplinas que seriam exigidas nos exames para ingresso nas faculdades. Esta situação, me levou a perguntar como a existência desses dois sistemas paralelos repercutiam no ensino da Ginástica? Conhecer esta situação se torna relevante à medida que torna emblemática a inserção não só da ginástica neste ensino, mas de todas as outras matérias que não eram exigidas para o acesso aos cursos superiores. Que motivos estariam justificando esta escolarização? A inserção e permanência da Ginástica não estaria contrariando a visão utilitarista do ensino secundário nesse período? 1 Sessão Provincial. Fundo: instrução pública IP.número 63 data: 1872. Atas de instalação da Escola Normal de Outro Preto, Liceu Mineiro e de sessão do Conselho Diretor da Instrução Pública. 2 Este Decreto também suprime os Externatos do Estado de Minas Gerais. 3 O Collegio Imperial de Pedro Segundo com a proclamação da República, passa a ser chamado de Ginásio Nacional. Em 1915, é renomeado Colégio Pedro II. Utilizarei a partir de agora CPII para designá-lo. 4 Trata-se da Tese História do Imperial Collegio de Pedro Segundo.

448 2 O GINÁSIO MINEIRO O Gymnasio Mineiro foi a primeira instituição pública de Minas Gerais a se equiparar ao Ginásio Nacional. Uma escola equiparada significava possuir a vantagem de ter seus exames finais validados junto aos cursos superiores. Com um Internato na cidade de Barbacena e um Externato em Ouro Preto 5, seu objetivo era habilitar alunos para as academias e estudos superiores da República e para isto o programa de ensino prescrito no decreto estava organizado em um curso de sete anos que incluía as seguintes disciplinas: portuguez, latim, grego, francez, inglez, allemão, mathematica, astronomia, physica, chimica, historia natural, biologia, sociologia e moral, geographia, historia universal e do Brasil, litteratura nacional, desenho, gymnastica, evoluções militares, esgrima, e musica. O fato de o Estado por meio da legislação estar intervindo neste momento para conformar a Ginástica no Ensino Secundário sinalizou para uma possibilidade de estudo sobre esta inserção 6. A leitura dos trabalhos de Eustáquia Salvadora de Sousa (1994) e de Tarcísio Mauro Vago (2002), que se debruçaram sobre a História da Educação Física em Belo Horizonte, motivou-me ainda mais a me enveredar no tema. Na tese de Sousa (1994) 7, o Ginásio Mineiro que se destinava inicialmente, à educação dos jovens do sexo masculino oriundos de famílias da elite (1994:54) é uma das sete instituições selecionadas por Sousa, sendo mencionado várias vezes como o palco de episódios envolvendo o ensino da Educação Física em Belo Horizonte. Um exemplo é o primeiro concurso ocorrido em 1916, para professor de Ginástica e Educação Física 8. O Ginásio Mineiro, contudo, não foi o foco central de seu estudo. Seu pioneirismo, no entanto, abriu caminhos para novas pesquisas, como a de Tarcísio Mauro Vago (2002), que investigou a inserção da Ginástica no Ensino Público Primário em Belo Horizonte (1906-1920). 9 Segundo Vago (2002:15), uma nova forma escolar foi instituída com o aparecimento dos Grupos Escolares em 1906, e a Educação Physica, em sentido alargado, era um de seus pilares. As representações sobre a corporeidade das crianças, especialmente as mais pobres, as produziram como vadias, sujas, doentes e abandonadas à própria sorte. A Ginástica foi então mobilizada na certeza que endireitaria e tornaria robustos os corpos destas crianças. Seu ensino estava centralmente orientado e configurado sob o primado da correção e constituição dos corpos (2002:340). Este envolveria não só a prática da ginástica e dos exercícios militares, mas os cuidados com o corpo, e a educação dos sentidos. No Ensino Secundário seria diferente? 5 O Externato foi transferido para a nova Capital de Minas Gerais em 17 de outubro de 1898. 6 Estudos iniciais indicam que o termo gymnastica era utilizado no sentido amplo. Fazia parte da ginástica a esgrima e evoluções militares. Para este estudo utilizarei ginástica englobando também a esgrima e evoluções militares. No momento em que os documentos se referirem à esgrima ou evoluções militares de forma separada, assim também farei. 7 Meninos, à marcha! Meninas, à sombra: A História do Ensino da Educação Física em Belo Horizonte (1897-1994). 8 O concurso contou com três candidatos: José Atalyba Santos, Fernando de Azevedo e o vencedor, Antônio Pereira da Silva. 9 Refiro-me a Tese de doutoramento defendida em 1999 na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - Cultura Escolar, Cultivo de Corpos: Educação Physica e Gymnastica como práticas constitutivas dos Corpos de Crianças no Ensino Público Primário de Belo Horizonte (1906-1920). Esta tese foi publicada em forma de livro pela Editora da Universidade São Francisco, em 2002.

449 Já os trabalhos de Carmem Lúcia Soares 10 trazem questões interessantes para se pensar as razões da presença da Ginástica e, especialmente, da Esgrima no Ensino Secundário 11. Seus estudos mostram que para a educação das elites, somente a ginástica, como era prescrita para o Ensino Primário, não bastaria para se obter um jeito nobre de se apresentar. Era preciso ir mais além. Se a ginástica, genérica e utilitária, poderia ser comum a todos, entretanto, para o completo trabalho de educação do corpo, seriam necessários também exercícios específicos. Estes seriam o salto, a carreira, a natação, a equitação e a esgrima, que poderiam desenvolver uma educação da sensibilidade, além de atenderem aos preceitos da elegância. Estes exercícios eram um distintivo da classe burguesa e ditavam para o corpo atitudes respeitosas, o fortalecimento morfofuncional e os lisonjeios ao espírito, qualidades enaltecidas, por suas intermináveis vantagens, pelos médicos (200:80). Outra contribuição de Soares é possibilitar a reflexão sobre como os modelos europeus foram sendo apropriados no Brasil. Esta estreita ligação pode ser percebida nas idéias de Fernando de Azevedo em sua tese apresentada no referido concurso à vaga de Professor da Cadeira de Ginástica e Educação Física do Externato. Ele se fundamenta nas idéias de Amoros 12, George Demeny 13, P. Tissié 14 dentre outros nomes, que segundo Soares, são alguns dos autores de estudos e pesquisas que deram origem a um movimento de sistematização dos exercícios físicos, na França, que se pautou pelo conteúdo médico-higiênico (2001:65). Estas questões contempladas nestes estudos contribuíram na construção do problema desta pesquisa à medida que me levaram a perguntar: A ginástica no Ginásio Mineiro teria essas mesmas características e influências? Em que circunstâncias acontecia o ensino da Ginástica? Que representações de ginástica e de seus professores circularam naquela escola 15? Que práticas eram propostas e prescritas na legislação? Perguntar sobre os espaços e os tempos escolares se torna relevante no estudo da inserção de uma disciplina, já que os mesmos não são neutros. Aprende-se em lugares e tempos concretos que por sua vez, são determinados e determinam modos de ensino e de aprendizagem (Frago2000:99). O espaço também tem uma dimensão dinâmica, pois segundo Certeau, é um lugar praticado. Certeau nos dá um exemplo do que seria este lugar praticado ao se reportar aos pedestres que transformam aquilo que foi geometricamente definido pelo urbanismo, em rua (p.202). Sendo assim, quando e como os lugares conhecidos como a sala d armas, o pátio, ou um galpão foram sendo ocupados, utilizados e transformados em espaços de ginástica, exercícios militares e esgrima por seus alunos e professores? Que tempos e espaços a ginástica ocupava? Que requisitos eram considerados no momento de se definir a localização das suas salas? Que mudanças na materialidade destes lugares foram 10 Educação Física: Raízes Européias e Brasil (2001-2 a edição) e Imagens da Educação no Corpo: estudo a partir da Ginástica Francesa no século XIX (1996). 11 A esgrima constava no programa do Ginásio Mineiro, e pelas primeiras observações, era uma prática que pertencia à ginástica. 12 Nasceu em Valença, Espanha em 1770. Em 1816 naturalizou-se Francês e iniciou seus empreendimentos para a criação dos ginásios. Em 1820 começou a publicar seus estudos sobre a ginástica. Fonte: SOARES (1996:15). 13 Biólogo, fisiologista e pedagogo. Nasceu em Dowai, França, em 12 de junho de 1850. Era um seguidor do positivismo e buscava nesta abordagem de ciência as respostas para a Educação Física. Fundou o círculo de Ginástica Racional, cuja atividade incluía cursos, palestras e publicações destinadas aos professores que ensinavam Ginástica. Organizou em 1903, o primeiro curso superior de Educação Física na França. Morreu em Paris, em 26 de dezembro de 1917. Fonte: SOARES (1996:60) 14 Médico entusiasta da Ginástica. Na França ele foi um defensor do Método Sueco a contrário de Demeny. 15 Representação aqui entendida como aquilo que tanto dá a ver uma coisa ausente como exibe uma presença, conceito desenvolvido por Chartier (1990). A representação pode impressionar, ostentando signos visíveis como provas de uma realidade que não o é. Esta deturpação da representação transforma-se em máquina de fabrico de respeito e submissão, num instrumento que produz constrangimento interiorizado (p.22).

450 ocorrendo e que novos nomes foram recebendo em função dos seus usuários e de suas práticas? O estudo de Andréz Zarandin (2002:44) demonstra como sistemas de significados e subjetividades são geradas pela cultura material. Esta entendida como todos os produtos, conscientes ou não, elaborados pelo homem desde objetos até paisagens. Este autor parte do princípio que os objetos produzidos e utilizados pelos homens são ativos, dinâmicos, portadores e geradores de significados (p. 16). Na composição do lugar próprio para as aulas de ginástica que objetos eram indispensáveis? 3 A GINÁSTICA NO GINÁSIO MINEIRO Ginástica, Esgrima e Evoluções Militares aparecem, como já visto, no programa do Ginásio Mineiro no momento de sua criação. Estava prevista para ser ministrada duas vezes por semana até o 5 o ano, e, nos 6 o e 7 o anos, uma vez por semana. Apesar de no programa estar escrito de forma separada consta no Decreto 260 que Cada um dos estabelecimentos, de que se compõe o Gymnasio, terá os seguintes lentes: [...] um de desenho, um de gymnastica, esgrima, e evoluções militares e um de música. Ou seja, um professor bastaria para ministrar as três disciplinas (art. 3 o ). Também ao demonstrar a divisão das matérias ao longo dos 07 anos, consta somente Gymnastica como se estivesse implícito aí a presença da Esgrima e Evoluções Militares. O decreto as agrupa deixando transparecer que eram uma única cadeira de ensino. (art. 4 o ). Seriam elas realmente consideradas uma só disciplina, matéria ou cadeira de ensino? Qual a relação entre elas? Seriam elas vizinhas ou combinadas? Quais os traços comuns entre as mesmas? Dentre os constituintes de uma disciplina escolar apontados por André Chervel (1999:200), tais como estrutura própria, economia interna, conteúdo de conhecimentos dentre outros, o autor levanta questões pertinentes àquelas disciplinas que escondem atrás de uma única denominação, duas ou três disciplinas. Será necessário investigar a economia interna dessas três práticas para perceber se constituíam uma única cadeira, ou se eram práticas distintas. Era também previsto três exames de avaliação. O primeiro chamado de suficiência seria para as matérias que iriam continuar no ano seguinte. Neste caso a prova seria oral. O segundo seria os exames finais que previam provas escritas e orais, além de provas práticas para as seguintes cadeiras physica e chimica, biologia, geographia, desenho e musica e gymnastica (Art. 7).O terceiro exame era o de madureza, que prestado no final do curso integral, destinava-se a verificar se o aluno tinha cultura intellectual necessaria. A prova prática de ginástica estava prevista para acontecer no final do sétimo ano. De que constava esta prova? Que pontos eram exigidos? Os compêndios e livros adotados nas aulas seriam propostos pelos próprios lentes (art. 19). Circulariam compêndios de Ginástica? De onde viam? Sabemos também através do Decreto 290. que as primeiras nomeações para o provimento das cadeiras do ginásio, seriam feitas pelo Governador. O critério seria os candidatos que lhe parecerem mais capazes e que tenham já dado provas de idoneidade profissional (art. 22). Interessa-me investigar de onde viam estes professores? E onde se dava a preparação profissional dos mesmos? 4 TEMA/PROBLEMA DE PESQUISA Com esse trabalho busco investigar a inserção e permanência da Ginástica como prática constitutiva da cultura escolar do Ginásio Mineiro (Internato/Externato). O período a ser pesquisado é o que vai do momento de sua fundação, em 1890 a 1940.

451 A razão deste recorte decorre do fato de este ser um momento rico em elementos e esforços que criaram condições para a afirmação da hoje denominada Educação Física no Ensino Secundário em Minas. Acompanhar estes cinqüenta anos de existência da Ginástica significa investigar seu enraizamento e de sua configuração como prática constitutiva daquela cultura escolar. Como limite temporal desta pesquisa estão as repercussões da Reforma Francisco Campos (Decreto n. 19.890, de 18 de Abril de 1931) no ensino da Ginástica no Ginásio Mineiro. Nos primeiros anos da década de 30, segundo Sousa, o ensino secundário ministrado em Belo Horizonte, deixa suas feições tipicamente literárias e humanística, para ter como destaques as ciências físicas, químicas e a Educação Física (1994:88). A Reforma Francisco Campos deu uma nova configuração à Ginástica passando a utilizar o termo Educação Física, a partir de então. No art. 9 o do Capítulo I prescreve: Durante o ano letivo haverá ainda, nos estabelecimentos de ensino secundário, exercícios de educação física obrigatórios para todas as classes. Chama a atenção que ao mesmo tempo em que a Educação Física recebe um destaque, ela desaparece da relação das matérias que constituíam o curso de cinco anos. O que esta mudança significou no cotidiano das aulas? No Ensino Primário ocorreu também uma transição, ao longo da década de 20, em torno do termo que designa essa disciplina. Segundo Vago (2002), o termo educação física vai sendo cada vez mais empregado e isto, segundo ele, não se trata de uma simples e mecânica mudança de nomes, mas de uma paulatina especialização de tarefas. Mas, este movimento parece ter sido o de atribuir a uma disciplina específica do programa a responsabilidade por realizála, a ponto de assumir tal designação, que vai perdendo seu sentido alargado, como antes, e assumindo um sentido restrito. Isso indicia a consolidação de um campo disciplinar específico para uma tarefa específica, que requer professores específicos, práticas específicas, demandas das décadas anteriores que marcam o enraizamento escolar da Ginástica (Educação Física), em Minas Gerais, especialmente a partir da segunda metade da década de 20 (2002:351). Estes são alguns motivos para este recorte temporal, que poderá ser reduzido ou ampliado a partir da coleta e tratamento das fontes. Já no Internato em Barbacena, pretendo acompanhar este movimento apenas até o período de 1912, momento em que ele é extinto, para ser criado em seu lugar um Colégio Militar 16. É ali também que a ginástica permanece no currículo, ao contrário do Externato, mesmo após o Decreto n. 1.285 de 30 de maio de 1899, que a extinguiu. Este fato impediu que houvesse uma interrupção no movimento das aulas de ginástica no Internato, e que por isto, torna-se interessante para esta pesquisa. Para perseguir os objetivos traçados neste projeto, penso ser essencial apropriar-me e operar com conceitos e procedimentos que a História Cultural oferece para educação. Segundo Roger Chartier (1990:16), a história cultural tem por principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler. Para isto, Chartier trabalha com o conceito de representação. As representações do mundo social não são discursos neutros, mas sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam daí ser necessário relacionar os discursos proferidos com a posição de quem os utiliza. Estes discursos produzem estratégias e práticas que se impõem, ou tentam se impor, à medida que menospreza a autoridade do outro. Chartier utiliza então o termo lutas de representações, para dar ênfase a este campo de concorrências e 16 Decreto Federal n. 9507 de abril de 1912.

452 competições. O que está em jogo nestes pontos de afrontamento, é a ordenação, logo a hierarquização da própria estrutura social (p.17 e 23). Miriam Jorge Warde e Marta Maria Chagas de Carvalho (2000:15) assinalam um deslocamento do interesse dos historiadores para práticas diferenciadas e que diante deste quadro, o que ganha destaque são as idéias encarnadas, os dispositivos de organização e o cotidiano de suas práticas. Esta mudança de olhar produz várias transformações, como a forma de ver e interrogar as fontes disponíveis, até a própria escola que passa a ser concebida como produto histórico de interação de dispositivos de normatização pedagógica e das práticas dos agentes que deles se apropriam. Neste caso, a escola não é um dado natural, mas todas as pessoas, objetos, decisões, tempos e espaços passam a ser objetos de estudos. O conceito de cultura escolar proposto, entre outros, por Vinão Frago (2000:100) será uma ferramenta indispensável. Para ele, cultura escolar é definida como conjunto de idéias, princípios, critérios, normas e práticas sedimentadas ao longo do tempo nas instituições educativas. Interferem, neste todo, a mentalidade, atitudes, rituais, mitos, discursos, ações, dentre outros. Este conceito, segundo Luciano Faria Filho(digit.:4), nos permite articular, descrever e analisar, de uma forma muito rica e complexa, os elementos chave que compõem o fenômeno educativo, tais como os tempos, os espaços, os sujeitos, os conhecimentos e as práticas escolares. Faria Filho 17 também diz que pensar os componentes de uma cultura escolar implica não apenas examinar a sua historicidade, mas também determinar as necessidades e forças sociais, incluindo as escolares, que presidiram a sua elaboração enquanto conhecimento escolarizado. É nesse sentido que penso ser importante acompanhar o movimento de inserção da ginástica no Ginásio Mineiro, no período proposto, procurando captar as necessidades e forças sociais nele envolvidos. Entendo o rastreamento dos registros sobre o Ginásio Mineiro como o momento de identificar no conjunto dos materiais produzidos por uma determinada época, aqueles que poderão dar sentido à pergunta que inicialmente se propôs. (Lopes 1996:37). Estes serão então, recortados e reagrupados. Estes documentos que estão nos arquivos e que, portanto sobreviveram de um passado, não são conforme Le Goff, o conjunto daquilo que existiu, mas é fruto de uma escolha já efetuada por alguém, ou seja, produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder (1985:102). Dada esta condição, é que o passado nunca será plenamente conhecido e compreendido; no limite, podemos entendê-lo em seus fragmentos, em suas incertezas (2001:77). Lopes diz que é difícil, senão impossível, penetrar no cotidiano da escola somente através da Legislação ou de relatórios escritos por autoridades do ensino, mas se a história se faz com tudo o que, pertencendo ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem (Le Goff 1985:98), é então, nas perguntas que faço a estes documentos e no cruzamento de informações que os mesmos oferecem, que se torna possível escrever sobre o cotidiano da escola. Sendo assim, conhecer por meio do relatório de um reitor quais cadeiras funcionaram, ou então, por meio de uma nota fiscal de compra identificar o tipo de material que ia sendo adquirido para a composição das aulas de ginástica, são formas que pretendo utilizar para falar dos procedimentos que foram aos poucos constituindo a ginástica como prática constitutiva do programa de Ensino do Ginásio Mineiro. Sendo assim, já está em andamento a consulta dos seguintes documentos: Ordenamentos Jurídicos sobre Educação. Correspondências referentes à Instrução Pública destinadas ao externato e internato do Ginásio Mineiro. Regimentos Internos. Discursos; programas de Ensino; atas da Congregação do Ginásio Mineiro de 1891 a 1930, que se 17 Escolarização, culturas e práticas escolares no Brasil: elementos teórico-metodológicos de um programa de pesquisa. Pg.6 mimeografado.

453 encontram no arquivo da Escola Estadual Milton Campos. Relatórios dos Secretários do Interior ao Presidente de Estado, de 1890 em diante; relação de assuntos tratados nos Relatórios de Prefeitos; inventário analítico da Nova Capital de Minas de 17.02.1894 03.01.1898, com o livro de registro das medições dos trabalhos executados por tarefeiros, para a construção do Ginásio Mineiro, apresentando detalhes técnicos. Jornais, almanaques, revistas e fotografias. No trato com estes documentos, entendo ser importante a advertência de Jacques Le Goff, de que cabe ao historiador não fazer o papel de ingênuo, pois se todo documento é um monumento, e este é, em primeiro lugar uma roupagem, é preciso então começar por desmontar, demolir esta montagem, desestruturar esta construção e analisar as condições de produção dos documentos-monumentos (1985:103). Tenho encontrado ao vasculhar os arquivos, ao mesmo tempo em que atuo como professora do Ensino Fundamental e Médio, aquilo que disse Certeau (2000:46), a história não pára de encontrar o presente no seu objeto, e o passado, nas suas práticas. Lidar com esta pesquisa tem se revelado, por isto, uma desafiadora e perturbadora experiência.

454 RERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ANDRADE, Mariza Guerra de. A porta do céu : a educação exilada Colégio do Caraça. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. CERTEAU, Michel de. A escrita da História. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. 345 p. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano Artes de Fazer. Petrópolis: Vozes. 6 a edição. 2001.351 p. CHARTIER, Roger. A História cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil S. A. 1990. 229 p. CHERVEL André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Porto Alegre: Pannonica. Teoria & Educação, 2, p. 177-229.1990. CUNHA JUNIOR, Carlos Fernando Ferreira da. Cultura escolar e formação da boa sociedade: A história do Imperial Collegio de Pedro Segundo. 2002. 211 p. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. FRAGO, Antonio Vinão. El Espacio y el Tiempo Escolares Como Objeto Histórico. Contemporaneidade e Educação, Rio de Janeiro, n.7.p. 93-110, 1 o semestre 2000. HAIDAR, Maria de Lourdes Mariotto. O ensino secundário no Império. São Paulo, Grijalbo, Ed. Universidade de São Paulo, 1972. LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. Enciclopédia Einaudi. Porto, Artes Gráficas, 1985. MOURÃO, Paulo Kruger Corrêa. O ensino em Minas Gerais no tempo da República. Edição do Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Minas Gerais. 1962. NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. São Paulo, EPU; Rio de Janeiro. Fundação Nacional de Material Escolar, 1974, 1976 reimpressão. LOPES, Eliane Marta Teixeira. Métodos e Fontes na História da Educação e Educação Física. In. Coletânea do IV Encontro Nacional de História do Esporte, Lazer e Educação Física. p 35 a 49. Belo Horizonte, 1996. MINAS GERAIS. Decreto n. 260 1 dez. 1890. Collecção de Decretos do Governo Provisório do Estado de Minas Gerais, Ouro Preto, p. 490 a 499, 1889-1890. PERES, Tirsa Regazzini. Educação Republicana: Tentativas de Reconstrução do Ensino Secundário Brasileiro 1890 1920. Tese (Doutoramento em Educação) Faculdade de Educação, Araraquara, São Paulo, 1973. SOARES, Carmem Lúcia. Educação Física: raízes européias e Brasil. 1. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 1994. 167 p.

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