O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DAS LEIS E A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL:

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O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DAS LEIS E A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL: os tratados internacionais de direitos humanos como paradigma da produção normativa doméstica RESUMO O presente trabalho objetiva o estudo da tese do controle de convencionalidade das leis no ordenamento jurídico brasileiro, tomando como base os parágrafos 2º e 3º da Constituição da República. Analisa-se a hierarquia formal dos tratados internacionais ratificados pelo governo brasileiro e a necessária compatibilização formal e material, das normas infraconstitucionais, com esses tratados, como requisito de validade das normas domésticas. Vislumbra-se um duplo controle de convencionalidade das normas, difuso e concentrado, realizado nos moldes do controle de constitucionalidade. Palavras-chave: Controle de Convencionalidade Tratados Internacionais Direitos Humanos. ABSTRACT The present work aims to study of theory of the Conventionality Control of law in the Brazilian legal system, based on paragraphs 2nd and 3rd of the Constitution of the Republic. The formal hierarchy of the international treaties, ratified by the Brazilian Government, and the necessary formal and material compatibility of infra-constitutional law, with these treaties, to be valid domestic laws. There is a double control of conventionality in the legal system, diffuse and concentrated, organized along the lines of the control of constitutionality. Keywords: Conventionality Control International Treaties Human Rights. 1. INTRODUÇÃO Todos os seres humanos, apesar de serem singulares, devem ser respeitados em pé de igualdade e possuem a proteção de seus direitos, de forma universal, no âmbito internacional e interno dos Estados. A evolução da proteção dos direitos humanos tem, a cada dia, demonstrado que a escolha de qualquer critério que justifique a retirada de direitos de determinadas civilizações é, na realidade, uma prática de preconceito em prol da exclusão. A convicção da humanidade, como único fundamento para a proteção da dignidade humana, é o paradigma adotado pelo Direito Internacional contemporâneo. Durante muito tempo, na história, o modelo de Estado pressupunha o poder ilimitado da instituição estatal, um verdadeiro Leviathan, que, no exercício de sua governança, podia agir em detrimento dos direitos populares. Nessa perspectiva, as leis que constituíam os Estados não conferiam aos indivíduos os direitos a eles inerentes, e nem havia a permissão do ser humano de exigi-los em face do poder estatal, quando violados. (SOARES, 2008, p. 52). Nos dias atuais, os conceitos de cidadania, dignidade, direitos humanos, dentre outros, foram incluídos na norma constitucional, como fundamentais para a existência de um Estado Democrático de Direito. Entretanto, esses conceitos e fundamentos, até hoje, precisam ser monitorados constantemente para se evitar a violação de direitos humanos pelo Estado ou até mesmo, por outros seres humanos. A construção de um Estado Democrático de Direito, defensor dos direitos humanos, é trabalho árduo e contínuo que pressupõe uma análise devotada das ações do Estado, para a edificação de uma democracia humanitária.

No Estado brasileiro, a norma interna que viabiliza a proteção democrática dos direitos humanos é a Constituição da República de 1988 que, em seu texto, prevê um rol exemplificativo de direitos inerentes à condição humana. Além do mais, há a possibilidade de inclusão de novos direitos humanos ao texto constitucional, que adota o princípio de proteção suprema do ser humano, conhecido como pro homine 1. O Estado brasileiro assume o compromisso de defender e efetivar os direitos humanos, em seu território e no exercício de sua soberania internacional, quando, no artigo 4º, inciso II 2, afirma comprometer-se com a prevalência dos direitos humanos. (BRASIL, 1988). Diante desse compromisso, os direitos humanos, em especial os prescritos na Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, são também positivados na Constituição da República de 1988, recebendo, assim, a nomenclatura de direitos fundamentais. A positivação dos direitos humanos, no texto constitucional brasileiro, tem o objetivo de conferir uma proteção constitucional e fundamental a esses direitos, através da norma suprema do Estado. O controle de constitucionalidade das leis e das atuações do órgão públicos tem como premissa a proteção suprema do texto constitucional brasileiro, que deve ser obedecido e executado de forma hierarquicamente superior, a qualquer norma abstrata ou decisão concreta, no Estado brasileiro. A inobservância do texto constitucional realizada pelo Legislativo, Executivo ou Judiciário equipara-se a um atentado contra a norma constitutiva do Estado e recebe o nome de inconstitucionalidade, verdadeiro câncer do ordenamento brasileiro. Diante dessa necessária proteção, o instituto conhecido como controle de constitucionalidade permite que os próprios órgãos públicos protejam-se da violação da constituição, por meio da análise sistemática de adequação de seus próprios atos ao texto da Carta Magna. Além disso, o Supremo Tribunal Federal é o órgão responsávelo pelo controle abstrato de constitucionalidade, realizado através de ações constitucionais específicas para essa finalidade. A globalização das relações, na sociedade internacional, acabou levando a uma demanda maior de utilização de tratados internacionais como meio de fixação de uma normatividade entre os sujeitos de direito internacional, com base no principio da pacta sunt servanda internacional. A chamada anarquia internacional, assim nomeada devido à inexistência de um órgão centralizador de poder na sociedade internacional, exige cada vez mais dos Estados a afirmação de seus compromissos travados em tratados internacionais, por 1 Por força do princípio interpretativo pro homine cabe enfatizar: quando se tratar de normas que asseguram um direito, vale a que mais amplia esse direito; quando, ao contrário, estamos diante de restrições ao gozo de um direito, vale a norma que faz menos restrições. (GOMES, 2012). 2 Art. 4º - A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - não-intervenção; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo político. Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações. (BRASIL, 1988).

meio da efetivação desses tratados tanto no âmbito internacional quanto no âmbito interno. Quando o tratado cuida, em especial da proteção dos direitos humanos, percebe-se a necessidade óbvia do Estado de cumprir esses tratados dentro de seu território e o primeiro passo para essa efetivação está na recepção dos tratados internacionais de direitos humanos, no ordenamento jurídico de cada Estado, de forma prioritária. A norma hipotética fundamental da teoria de Kelsen, nessa perspectiva, ganha uma conceituação mais alargada, sendo que, além da Constituição dos Estados, os tratados internacionais sobre direitos humanos, também fazem parte do bloco normativo hierarquicamente superior às outras normas jurídicas do Estado, que devem servir como parâmetro de validade de todas as outras normas. O objeto desse trabalho é discutir e compreender o chamado controle de convencionalidade das leis, no ordenamento jurídico brasileiro, levando em consideração as mudanças trazidas pelo parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição da República, que trata da possível recepção especial, pelo ordenamento jurídico brasileiro, de tratados internacionais sobre direitos humanos e suas consequências diante na nova teoria do controle de convencionalidade. Toma-se como base a análise constante da nova tendência jurídica de internacionalização dos diferentes ramos do Direito, em especial, no caso em tela, a internacionalização do Direito Constitucional. A teoria que trata do controle de convencionalidade foi desenvolvida no Brasil após duas decisões do Supremo Tribunal Federal no ano de 2008, sendo elas o julgamento do Recurso Extraordinário nº 466.343 de São Paulo e o Habeas Corpus nº 87.585 de Tocantins, nos quais a temática discutida é a hierarquia formal e material dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro. Sendo assim, a partir da observância da existência da necessária discussão da temática do controle de convencionalidade, no ordenamento jurídico brasileiro, escolhe-se pesquisar o tema, através do método analítico-indutivo, tendo como embasamento a pesquisa bibliográfica. O presente trabalho busca, portanto, fazer uma análise jurídica da problemática, a partir da perspectiva da necessária proteção dos direitos humanos, no âmbito interno e internacional, por meio da utilização dos tratados de direitos humanos, ratificados pelo Brasil, como pressupostos de validade das normas domésticas, através de um controle de convencionalidade. 2. O CONTROLE FORMAL DE CONSTITUCIONALIDADE DE TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS, PREVISTO NO 3º DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA Segundo o artigo 84 da Carta Constitucional compete ao Presidente da República exercer a função de Chefe de Estado, sendo ele o responsável pela celebração de tratados, convenções e atos internacionais que devem resguardar os interesses do povo brasileiro e estão sujeitos a referendo do Congresso Nacional, para se tornarem normas de validade, também no âmbito interno brasileiro. (BRASIL, 1988). As relações internacionais, no Direito Internacional Público, são ordenadas com base no respeito à igualdade soberana dos Estados que, por meio do princípio do pacta sunt servanda internacional estabelecem um direito positivo vigente entre eles e outros sujeitos de direito internacional, dotados de personalidade jurídica. Os tratados internacionais são espécies de acordos entre dois ou mais sujeitos de direito internacional que produzem efeitos na sociedade internacional e são regulados pelo próprio Direito Internacional. (DINH, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain, 2003, p.120).

Nos termos da Convenção de Viena de Direito dos Tratados de 1969, é por meio da ratificação 3 dos tratados internacionais que os sujeitos de Direito Internacional manifestam a sua vontade de seguir os tratados intencionais, no âmbito internacional, de forma cogente, como hard law. (ONU, 1969). Antes da ratificação a norma é vista apenas como uma regulação branda das relações internacionais, opcional, conhecida como soft law. (SHAW, 2010, p. 75). Os atores internacionais, dotados de capacidade jurídica internacional para celebrar tratados, em especial os Estados, podem adotar dois posicionamentos doutrinários diante dessas normas internacionais: o monismo ou o dualismo. Os Estados que adotam o monismo não fazem uma divisão entre o direito interno e o internacional, sendo que os tratados de direito internacional, nesse caso, deveriam ter aplicação imediata no âmbito interno dos Estados, após a ratificação pelos chefes de Estado. Entretanto, o dualismo faz uma distinção entre as esferas normativas, interna e internacional. Nesse caso, ratificação do tratado internacional obriga o Estado a segui-lo como hard law somente no âmbito internacional, sendo necessário o tratado ser referendado pelo órgão legislativo competente para transformá-lo em norma interna, para que ela possa ser aplicada no âmbito nacional. (MACLEAN, 1997, p. 11). O Brasil adota a teoria do dualismo, pois prevê o necessário referendo do Congresso Nacional para a ratificação e posterior transformação dos tratados em normas internas e consequente aplicação no território nacional. 4 O Estado que realmente se compromete a obedecer a um tratado internacional, o faz não somente na esfera de suas relações internacionais, mas também o introduz em seu ordenamento jurídico interno, estendendo os seus benefícios e regras ao seu próprio povo. Tratados internacionais sobre direitos humanos, por exemplo, não teriam sentido de serem celebrados sem que os seus benefícios fossem levados ao povo constituinte de cada Estado. 2.1. HIERARQUIA DE TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS GERAIS Como o Brasil adota o dualismo, os tratados e convenções internacionais só terão validade no território nacional após serem aprovados pelo Congresso Nacional e serem transformados em norma interna. Nos termos do artigo 49, inciso I, é competência exclusiva do Congresso Nacional: resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. (BRASIL, 1988). No Brasil, a celebração internacional de tratados, de competência do Presidente da República, não vincula a obrigação da norma ser aplicada no Estado brasileiro, uma vez que dependerá de referendo do Congresso Nacional a recepção do tratado como norma interna, para que ele possa ser regularmente aplicado. Portanto, após a celebração do tratado internacional, o Congresso deve analisar a sua conveniência e viabilidade interna. (LENZA, 2009, p. 445). 3 «Ratificação», «aceitação», «aprovação» e «adesão» designam, conforme o caso, o ato internacional assim denominado pelo qual um Estado manifesta, no plano internacional, o seu consentimento em ficar vinculado por um tratado. (ONU, 1969). 4 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional. (BRASIL, 1988).

O Parlamento aprova o tratado através de Decreto Legislativo, por meio do qual se dá a aceitação para a ratificação do tratado ao Presidente que, se achar conveniente, poderá ratificar o instrumento internacional, manifestando a vontade do Estado de se obrigar a seguir o tratado de forma cogente, como hard law. A ratificação é de competência do Presidente da República, por ser um ato típico de Direito Internacional Público, ou seja, de competência do Chefe de Estado. O texto do tratado entrará em vigor, no território nacional, a partir de sua promulgação e publicação em português e após o prazo da vacatio legis. (BARROSO, 2008). Os tratados internacionais e convenções internacionais gerais são recepcionados com a mesma hierarquia de Leis Ordinárias Federais, pois integram o plano normativo brasileiro com o caráter de norma infraconstitucional. 2.2. CARÁTER SUPRALEGAL DE TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS O Ministro Gilmar Mendes, em voto proferido no Recurso Extraordinário nº. 466.343-1/SP polemizou acerca da hierarquia dos tratados internacionais recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro. Ele propôs um exame da relação hierárquiconormativa entre os tratados internacionais de direitos humanos e a Constituição da República, a fim de pacificar a questão. Segundo ele, há quatro correntes principais que tratam do status normativo dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos: a) a vertente que reconhece a natureza supraconstitucional dos tratados e convenções em matéria de direitos humanos; b) o posicionamento que atribui caráter constitucional a esses diplomas internacionais; c) a tendência que reconhece o status de lei ordinária a esse tipo de documento internacional; d) por fim, a interpretação que atribui caráter supralegal aos tratados e convenções sobre direitos humanos. (STF, 2008). Os tratados internacionais gerais equiparam-se a leis ordinárias federais, mas tratados internacionais sobre direitos humanos deveriam ser recepcionados de forma especial, devido à importância da temática que abordam, uma vez que o próprio texto constitucional corrobora preocupação com a problemática. Na tese do ministro, os tratados internacionais sobre direitos humanos só estariam subordinados ao texto constitucional, norma suprema do Estado brasileiro. O ministro destacou a necessidade de se realizar uma mudança de posição quanto ao papel dos tratados internacionais sobre direitos humanos na ordem jurídica nacional, com o objetivo prioritário de proteção do ser humano. ( ) diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internacionalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante. Nesse sentido, é possível concluir que, diante da supremacia da Constituição sobre os atos normativos internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (art. 5º, inciso LXVII) não foi revogada pelo ato de adesão do Brasil ao Pacto Internacional dos direitos civis e políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre

direitos humanos Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria, incluídos o artigo 1287, do código civil de 1916 e o Decreto lei nº 911, de 1º de outubro de 1969. (STF, 2008). Apesar da discussão especifica sobre a prisão do depositário infiel, não ser o objeto desse trabalho, a análise é importante, pois dessa decisão extrai-se o entendimento de que as normas infraconstitucionais devem guardar compatibilidade vertical tanto com os tratados de direitos humanos, quanto com a Constituição. Se houver incompatibilidade com a norma humanitarista internacional, suspende-se a sua eficácia o que comprova que os tratados internacionais são vistos como normas supralegais. Houve, com certeza, uma evolução inegável do pensar do poder judiciário e uma interpretação mais condizente com o momento e com as necessidades atuais. Nesse sentido, tratados de direitos humanos, referendados pelo Congresso Nacional de forma simples, recebem, pelo menos, o caráter de norma supra legal, uma vez que a matéria que os compõe é de caráter constitucional. 2.3. ARTIGO 5º, 3º - TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS COM STATUS DE EMENDA CONSTITUCIONAL A Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, implementou a Reforma do Poder Judiciário e trouxe uma grande inovação em relação à recepção dos Tratados internacionais de Direitos Humanos no ordenamento jurídico brasileiro. O parágrafo 3º, do artigo 5º, da Constituição da República, prescreve que: os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às Emendas Constitucionais. (BRASIL, 1988). Entretanto, o 3º do artigo 5º tem que ser interpretado com cuidado, uma vez que os 1º e 2º 5 também devem ser levados em consideração para a análise do novo texto constitucional. A inovação trazida pela Emenda Constitucional 45/2004 poderia ser vista como inconstitucional, uma vez que dificulta a incorporação de tratados internacionais de direitos humanos ao texto constitucional brasileiro, com a exigência de um quórum qualificado para a aprovação dos tratados. (FIGUEIREDO, 2011). Resolveu-se o problema da controvérsia sobre a hierarquia destes tratados, conferindo-lhes lugar privilegiado no ordenamento jurídico, somente quando houver o quórum qualificado. Além disso, a mudança constitucional afastou a tese da legalidade ordinária dos tratados e convenções internacionais já ratificados pelo Brasil, que vinha sendo refutada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal desde o julgamento do Recurso Extraordinário nº 80.004/SE 6, de relatoria do ministro Xavier de Albuquerque (julgado em 1º/06/1977, D.J. 29/12/1977). 5 Art. 5º 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. ( ). (BRASIL, 1988). 6 O Recurso Extraordinário nº 80.004/SE trata da tese defendida na época de recepção de tratados internacionais como leis ordinárias, passíveis de revogação pela criação de normas internas supervenientes que sejam incompatíveis com os tratados internacionais.

Desta forma, como já explicitado, os tratados de direitos humanos não incorporados pelo rito das Emendas Constitucionais teriam hierarquia supralegal, enquanto aqueles aprovados por maioria qualificada (art. 5º, 3º), teriam status de emenda constitucional. 7 3. O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DAS LEIS O 3º do artigo 5º da Constituição da República, incluído pela emenda 45 de 2004, conforme explicitado anteriormente, prevê a possibilidade de recepção de um tratado internacional sobre direitos humanos com status de norma constitucional, desde que, nos termos do 3º o tratado seja referendado pelo Congresso Nacional com uma aprovação em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros. (BRASIL, 1988). Diante da possibilidade de equiparação do tratado internacional sobre direitos humanos, com a norma constitucional, foi desenvolvida a teoria do CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DAS LEIS que tem o mesmo pressuposto de validade do controle de constitucionalidade, mas que utiliza como parâmetro de controle os tratados internacionais de direitos humanos. O que se defende é, que se os tratados possuem o mesmo status formal e material das normas constitucionais, eles deveriam gozar, também, dos mesmos mecanismos de controle de validade. Nesse sentido, seria plenamente possível utilizar da Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade, Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, entre outras, para questionar a validade das normas infraconstitucionais quando elas fossem conflitantes com os tratados internacionais recepcionados com status de norma constitucional, por meio de um controle de convencionalidade. Além disso, como previamente demonstrado, os tratados internacionais de direitos humanos, não aprovados por quórum qualificado, serão hierarquizados como normas supralegais e estarão, portanto, em hierarquia superior às normas infraconstitucionais. Nesse sentido, Valério MAZZUOLI, idealizador do controle de 7 Tecnicamente, os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil já têm status de norma constitucional, em virtude do disposto no 2º, do art. 5º, da Constituição. ( ) o que se deve entender é que o quórum que o 3º, do art. 5º estabelece, serve tão somente para atribuir eficácia formal a esses tratados no nosso ordenamento jurídico interno, e não para atribuir-lhes a índole e o nível materialmente constitucionais que eles já têm, em virtude do 2º, do art. 5º, da Constituição. Contudo, como já dissemos, a nossa tese sobre o nível (materialmente) constitucional dos tratados de direitos humanos não aprovados pela maioria qualificada do art. 5º, 3º, da carta de 1988, não foi adotada, ainda, pela maioria dos membros da nossa Suprema Corte. Mas a tese que defendemos (aceita no antológico voto do ministro Celso de Mello) é a que melhor se coaduna com a sistemática internacional de proteção dos direitos humanos. ( ) A tese da supralegalidade dos tratados de direitos humanos não aprovados por maioria qualificada (defendida pelo ministro Gilmar Mendes no RE nº 466.343-SP) peca por desigualar tais instrumentos em detrimento daqueles internalizados pela dita maioria, criando uma duplicidade de regimes jurídicos imprópria para o atual sistema (interno e internacional) de proteção de direitos, uma vez que estabelece categorias de tratados com o mesmo fundamento ético. E este fundamento ético lhes é atribuído não pelo direito interno ou por qualquer poder do âmbito interno (v.g., o poder legislativo), mas pela própria ordem internacional de onde tais tratados provêm. Ao criar as categorias dos tratados de nível constitucional e supralegal (caso sejam ou não aprovados pela dita maioria qualificada), a tese da supralegalidade acabou por regular assuntos iguais de maneira totalmente diferente, ou seja, desigualou os iguais. Daí ser equivocado alocar certos tratados de direitos humanos abaixo da Constituição e outros (também de direitos humanos) no mesmo nível dela, sob pena de subverter-se toda a lógica constitucional de proteção de tais direitos, a exemplo daquela situação onde um instrumento acessório teria equivalência de Emenda Constitucional, enquanto o principal estaria em nível hierárquico superior. (MAZZUOLI, 2009, p. 54-55).

convencionalidade no Brasil, propõe um duplo controle de validade das normas: um controle de constitucionalidade e de convencionalidade. Segundo ele, toda a norma infraconstitucional deve passar por dois níveis de aprovação para ser válida no ordenamento jurídico brasileiro: primeiro analisa-se a sua compatibilidade constitucional e, em segundo lugar, a sua compatibilização com os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil, recepcionados com ou sem quórum qualificado. MAZZUOLI vai ainda mais longe e toma também como pressuposto de validade das normas internas os tratados internacionais gerais, ratificados pelo Estado, que para ele, também servem de parâmetro para o controle de convencionalidade. Isso tudo somado demonstra que, doravante, todas as normas infraconstitucionais que vierem a ser produzidas no país devem, para a análise de sua compatibilidade com o sistema atual de Estado Constitucional e Humanista de Direito, passar por dois níveis aprovação: (1) a Constituição e os tratados de direitos humanos (material ou formalmente constitucionais) ratificados pelo Estado; e (2) os tratados internacionais comuns também ratificados e em vigor no país. (MAZZUOLI, 2011, p. 75). Assim sendo, mesmo que os tratados internacionais de direitos humanos não tenham sido recepcionados de forma qualificada, como previsto no 3º do artigo 5º da Constituição, todos os tratados internacionais que têm como matéria a proteção dos direitos humanos são em sua essência constitucionais e seriam, na pior das hipóteses, recepcionados como normas supralegais. Logo, todos os tratados internacionais sobre direitos humanos, ratificados pelo governo brasileiro, terão caráter constitucional seja um caráter material e formal, quando há a recepção pelo quórum qualificado, ou somente, material, quando o referendo do Congresso é simples e apenas materialmente ele é constitucional, sendo formalmente uma norma supralegal. Em todas as hipóteses, os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil servem como paradigma de controle da produção legislativa doméstica. 3.1. A DUPLA COMPATIBILIDADE VERTICAL MATERIAL DA LEGISLAÇÃO INTERNA É clara a conclusão de que os tratados internacionais possuem superioridade hierárquica formal, determinada pelo texto constitucional brasileiro, entretanto não se pode esquecer que os limites materiais de controle de validade das normas devem também ser levados em consideração. As normas internas do Estado Brasileiro devem ser compatíveis com as matérias explicitadas no texto constitucional, para serem válidas. Entretanto, no novo paradigma do controle de convencionalidade, somente essa análise não é satisfatória. A norma deve, também, estar materialmente de acordo com os tratados ratificados pelo governo brasileiro, independente do quórum de ratificação. As normas que sejam materialmente incompatíveis com os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, poderão ter sua validade questionada e, através do controle concentrado de convencionalidade, o Supremo Tribunal Federal, poderá suspender seus efeitos de forma definitiva, nos mesmos moldes do controle de constitucionalidade e das determinações do artigo 52, inciso X da Constituição. (MAZZUOLI, 2011, p. 118). São quatro as possibilidades de invalidade material das normas infraconstitucionais:

1º) Lei antinômica anterior à Constituição Não seria viável que a mudança do texto constitucional determinasse toda a invalidade das normas infraconstitucionais produzidas anteriormente à nova Constituição. Diante disso, aplica-se o fenômeno da recepção do direito anterior, por meio do qual se permite a manutenção da aplicabilidade da legislação ordinária, desde que seja materialmente compatível com o novo parâmetro constitucional. Segundo Pontes de MIRANDA, tem-se com a recepção o princípio da continuidade da legislação que atende a necessidade de se evitar o vazio jurídico (o vácuo); a anterioridade não se impõe contra as regras posteriores que sejam contrárias às anteriores, mas enche o que, no tempo futuro, está vazio. (1987, p. 379). Assim, através da recepção, ao entrar em vigor, a Constituição revoga, tacitamente, o ordenamento jurídico que se mostre com ela incompatível e recepciona as normas que se mostrem compatíveis. As normas infraconstitucionais, compatíveis com o novo texto constitucional, serão recepcionadas pela nova Constituição. Entretanto, as leis antinômicas, materialmente incompatíveis com a norma constitucional serão tacitamente revogadas, ou seja, não recepcionadas, por não atenderem mais ao pressuposto material de validade constitucional das normas jurídicas. Há, na realidade, uma revogação da norma por ausência de recepção do novo texto constitucional. (MAZZUOLI, 2011, p. 118). 2º) Lei antinômica posterior à Constituição A lei antinômica, criada posteriormente à vigência da Constituição, pode ser incompatível por desobedecer aos parâmetros formais do processo legislativo, ou por possuir inconstitucionalidade material, em relação ao texto da Carta Magna. Em ambos os casos surge a inconstitucionalidade da lei, que deve ser combatida, em proteção ao texto constitucional, que goza de superioridade no ordenamento jurídico brasileiro. A inconstitucionalidade pode ser combatida por meio do controle difuso de constitucionalidade, que permite que qualquer órgão do judiciário faça uma análise da constitucionalidade das normas, no caso concreto, aplicando-as ou não, de acordo com o exame da constitucionalidade dessa aplicabilidade. Os efeitos da declaração da inconstitucionalidade, no exame de um caso concreto, serão, em regra, inter partes e ex tunc, não invalidando, portanto a norma de ser aplicada em outras circunstâncias. Todavia, excepcionalmente, o Supremo Tribunal Federal pode, em nome da proteção do texto constitucional, permitir que a decisão produza efeitos erga omnes. Além do controle difuso, há o controle concentrado de constitucionalidade, de competência do Supremo Tribunal Federal, nos termos do artigo 103 da Constituição. O controle concentrado é arguido, independente de caso concreto em litígio. O objetivo do desse controle é julgar a própria lei e sua inconstitucionalidade, sendo que a decisão produz efeitos ex tunc e erga omnes, uma vez afirma a invalidade da norma perante o texto constitucional, e consequente retira a sua eficácia. 3º) Lei antinômica anterior ao Tratado Comum, com status de norma supralegal, ou com Tratado de Direitos Humanos, com status de norma constitucional Nesse caso a análise deve ser hierárquica. Qualquer lei anterior entra em choque com um tratado ratificado pelo Brasil ela será imediatamente revogada, pois o tratado

que lhe é posterior está em uma posição hierarquicamente superior no ordenamento jurídico brasileiro. (MAZZUOLI, 2011, p. 118). 4º) Lei antinômica posterior ao com Tratado Comum, com status de norma supralegal, ou com Tratado de Direitos Humanos, com status de norma constitucional A norma posterior que possui matéria incompatível com tratado internacional ratificado pelo governo brasileiro é inválida, pois os tratados são pressupostos de validade normativa para a produção legislativa doméstica. Entende-se que é possível a aplicação dos mesmos mecanismos de controle de constitucionalidade para a análise de validade e do controle de convencionalidade dessas normas. Caso se verifique a antinomia de uma norma, em relação a um tratado internacional ratificado pelo Brasil, cabe aos órgãos do Judiciário, por meio do controle difuso analisar, no caso concreto, a viabilidade de aplicação das normas. Do mesmo modo, é responsabilidade e competência constitucional do Supremo Tribunal Federal a apreciação do controle concentrado de convencionalidade, nos termos do artigo 103 da Constituição. Assim sendo, todas as normas infraconstitucionais domésticas, para serem válidas, devem ser compatíveis com o texto constitucional e com os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, podendo ser objeto do controle de constitucionalidade ou do controle de convencionalidade. CONCLUSÃO Diante do exposto, conclui-se que o controle de convencionalidade das leis em muito se assemelha ao controle de constitucionalidade, seja ele realizado na modalidade difusa ou concentrada. Os tratados de direitos humanos, recepcionados de forma especial, com base no 3º do artigo 5º da Constituição da República, possuem status de emenda constitucional e, sendo assim, equiparam-se hierarquicamente ao texto da Carta Magna. Portanto, qualquer norma infraconstitucional que viole tratados de direitos humanos, que possuem status de emenda constitucional, produz uma inconstitucionalidade. Assim, esses tratados servem de parâmetro para o chamado controle difuso de convencionalidade, passível de ser realizado por qualquer órgão do Judiciário e para o controle concentrado de convencionalidade, realizado nos mesmos moldes do controle concentrado de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. Os tratados de direitos humanos, recepcionados de forma especial, com base no 2º do artigo 5º da Constituição da República, possuem status supralegal, ou seja, são formalmente superiores às normas infraconstitucionais, mas submetem-se ao texto constitucional. Esses tratados são parâmetros para o controle de legalidade das normas infraconstitucionais, realizado de forma difusa no direito brasileiro. Apesar dessa questão formal, tratando-se de tratados internacionais que versem sobre direitos humanos, entende-se que a matéria abordada por ele é, na sua essência, constitucional. A redemocratização do Estado brasileiro, marcada pela a promulgação da Constituição de 1988, reafirma o compromisso brasileiro de proteção precípua dos direitos humanos, positivados pela Declaração Universal de 1948. Estudar o controle de convencionalidade das leis, no ordenamento jurídico brasileiro, não é somente fazer uma análise formal e positivista das formas de recepção dos tratados internacionais. A concretização do ideal democrático humanista, defendido pelo texto constitucional

brasileiro, só pode ser levada a sério a partir da análise do controle de convencionalidade baseada no princípio pro homine, ou seja, no princípio da proteção da adoção da norma mais favorável ao ser humano. REFERÊNCIAS BARROSO, Luís Roberto. Constituição e tratados internacionais: alguns aspectos da relação entre direito internacional e direito interno. In: DIREITO, Carlos Alberto Menezes et al. (Coords.). Novas perspectivas do direito internacional contemporâneo: estudos em homenagem ao Professor Celso D. de Albuquerque Mello. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. DINH, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. Tradução Vítor Marques Coelho. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. FIGUEIREDO, Patrícia Cobianchi. Os tratados internacionais de direitos humanos e o controle de constitucionalidade. São Paulo: LTr, 2011. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2009. MACLEAN, Robert M. Public International Law. Great Britain: Old Bailey Press, 1997. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. A tese da supralegalidade dos tratados de direitos humanos. In: Revista Jurídica Consulex. Ano XIII. N. 295. 30 de abril/2009. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Controle Jurisdicional da Convencionalidade das Leis. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n 1 de 1969. São Paulo: Forense, 1987, Tomo VI. GOMES, Luiz Flávio. Direito dos direitos humanos e a regra interpretativa "pro homine". Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10200/direito-dos-direitos-humanos-e-a-regrainterpretativa-pro-homine#ixzz25we9vjdn>. Acesso em: 10 jul. 2012. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Convenção de Viena de Direito dos Tratados de 1969. Disponível em: <http://www.fd.uc.pt/ci/cee/oi/conv_viena/convencao_viena_dt_tratados- 1969-PT.htm>. Acesso em: 10 jul. 2012. SHAW, Malcom M. Direito Internacional. Tradução Marcelo Brandão Cipolla, Lenita Ananias do Nascimento, Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2010. SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado: novos paradigmas em face da globalização. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2008. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Recurso Extraordinário nº. 466.343-1/SP, Relator Ministro César Peluso, 31.12.2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 18 abr. 2012.