A LINGUÍSTICA NO CONTEXTO NACIONAL: QUE É LINGUISTICA? A LINGUISTICA É UMA CIÊNCIA?

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Transcrição:

A LINGUÍSTICA NO CONTEXTO NACIONAL: QUE É LINGUISTICA? A LINGUISTICA É UMA CIÊNCIA? META Apresentar a opinião de linguístas nacionais da modernidade sobre a Linguística e sua cientificidade. OBJETIVOS Ao final desta aula, o aluno deverá: comparar pontos de vista semelhantes e diferentes quanto à ciência Linguística; relacionar em que sentido o termo ciência é utilizado em Linguística; e diferenciar Linguística em sentido amplo e restrito. PRÉ-REQUISITOS Conhecimento sobre o surgimento da Linguística enquanto ciência, o objeto, a metodologia e os objetivos desta ciência, as relações da Linguística com as outras disciplinas e a Gramática.

Linguística INTRODUÇÃO Você acompanhou, nas duas aulas passadas, o surgimento de uma disciplina chamada Linguística. Os conhecimentos que fazem parte dessa área foram sistematizados primeiramente na Europa, por Saussure. Depois, essa disciplina teve um forte desenvolvimento nos Estados Unidos com Bloomfield, Chomsky e muitos outros. A fim de que esta disciplina não se desenvolva de uma forma tão distante de nós, sempre, em algum ponto do curso, direcionaremos nosso olhar a lingüistas nacionais. Os pesquisadores no Brasil, geralmente professores universitários, são líderes ou pertencem a algum grupo de pesquisa e direcionam suas pesquisas para o tema proposto neste grupo. Você pode consultar os diretórios de pesquisa no site do CNPq. Então, vamos começar por esta aula. Consideraremos dois aspectos: Que é Linguística? A Lingüística é uma ciência? Tomaremos por base um livro muito interessante que se chama Conversas com lingüistas. Vamos lá! Está pronto? Preste atenção, porque você pode encontrar posicionamentos diferentes quanto à mesma pergunta. Isso é muito produtivo em ciência; não estranhe! 0

A linguística no Contexto nacional: Que é linguística?... QUE É LINGÜÍSTICA? O que é Linguística? Para responder a essa primeira pergunta, selecionamos um grupo de cinco lingüistas brasileiros que atuam em alguma universidade nacional. Vamos conhecer suas opiniões e como eles responderam à questão acima. Ah, uma outra coisa: muitas vezes, suas respostas têm a ver com a linha de pesquisa em que atuam. CARLOS ALBERTO FARACO Tendo por base uma definição de manual, esse linguista responde: A lingüística é a ciência que tem como objeto a linguagem verbal ou as línguas naturais. Mas, para trabalhar de forma mais abrangente, o autor foge do conceito de manuais e procura programas de pós-graduação em lingüística, seja no Brasil, seja no mundo. Linguística seria, então, o conjunto de atividades científicas que os que se designam lingüistas desenvolvem no contexto universitário (FARACO, 200, p. 66). E no sentido restrito: o termo lingüística estaria abrangendo, com certeza, as teorias fonológicas e sintáticas, e talvez também (isso a discutir com quem faz) as teorias semânticas e aquelas que nós chamamos de semântico-pragmáticas (FARACO, 200, p. 66). FRANCISCO GOMES DE MATOS Eu caracterizaria a linguística como uma ciência que se ocupa do processo da linguagem em suas múltiplas representações, principalmente a linguagem escrita, a linguagem falada e linguagem gestual e que também se ocupa das descrições das origens, das estruturas, do funcionamento e dos efeitos do uso nos usuários (MATOS, 200, p. 9). Segundo o próprio lingüista, essa é uma caracterização abrangente que poderia ser mais detalhada, ao considerarmos que a linguística como ciência da linguagem e das línguas também interessa a dimensões que transcendem propriamente o estudo lingüístico. A Linguística é um campo com dupla face: teórica e aplicada (MATOS, 200, p 9). LUIZ ANTONIO MARCUSCHI O professor achou difícil definir Linguística de forma satisfatória, de maneira que abarcasse o complexo campo que ela abrange, porque esta agora se encontra dominada por várias tendências. Numa definição estrita Carlos Alberto Faraco Doutor em Linguística e professor na Univer-sidade Federal do Paraná. Escreveu uma importante obra para nossa disciplina: Lin-guística histórica: uma introdução ao estudo da história das línguas. Pragmáticas Estudo da língua efetivamente em uso. Luiz A. Marcuschi Doutor em Filosofia da Linguagem e professor titular de Linguística na Universidade Federal de Pernambuco. Entre seus livros, apontamos: Da fala para a escrita: atividade de retextualização. 1

Linguística Gêneros Neste contexto, refere-se a um conjunto de textos que apresentam forma e propósito comunicativo similares. Diana L. P. de Barros Professora da USP. Suas obras versam, principal-mente, sobre o texto e o discurso. Exemplos: Teoria do discurso: fundamentos semióticos; Teoria semiótica do texto. Heterogeneidade A língua pode ser pensada como homogênea ou heterogênea. Sendo hete-rogênea ela apresenta variação de uso. Mª Bernadete M. Abaurre Professora titular da UNICAMP. Entre suas obras: Cenas da aquisição escrita. (para alguns), Linguística seria o estudo das formas linguísticas através de seus objetos: Fonologia, Morfossintaxe e Semântica. Segundo Marcuschi, Chomsky ainda é mais restrito, pois considera a Linguística como estudo da linguagem internalizada algo como uma ciência natural da Psicologia ou Biologia, aspecto que o lingüista rejeita veementemente. Então, para ele, a linguística pode ser mais ampla e envolve inclusive lingüística de texto, análise do discurso e análise da conversação, por exemplo. Isto é, envolve processos, atividades, e outras coisas mais. É nesse sentido que eu tomo a lingüística. Ela envolve muito mais do que apenas o estudo das formas. Acho que seria a investigação das formas, dos usos e das atividades linguísticas. Aí podemos estudar o texto, os gêneros, os discursos, a aquisição, a interação, e, por que não?, também a sintaxe e a fonologia (MARCUSCHI, 200, p. 16). DIANA LUZ PESSOA DE BARROS Acompanhemos alguns tópicos da resposta apresentada pela professora Barros: Em sentido restrito, é a ciência que constrói um objeto que, a partir de Saussure, se considerou como sendo a língua, com Chomsky, como sendo a competência, enfim que constrói um objeto e que trata desse objeto de uma certa perspectiva teórica e metodológica (BARROS, 200, p. 15). O que caracteriza a lingüística, seja ela uma ciência, seja ela um objeto de ciência, é o fato de ser descritiva e explicativa do objeto que construiu, podendo, portanto, variar nas diferentes teorias, mas tendo sempre de ser descritiva e explicativa (BARROS, 200, p. 15). Se tomarmos a linguística como uma disciplina de caráter científico, a sua principal característica vai ser a de procurar descrever e explicar os fatos da língua, quer seja a língua pensada com heterogeneidade, quer seja a língua pensada como um sistema ou como fatos de competência. (BARROS, 200, p. 15). Como podemos acompanhar pelas respostas dadas, a professora responde com base no estruturalismo europeu (Saussure) e no gerativismo da escola americana (Chomsky). MARIA BERNARDETE MARQUES ABAURRE A professora vê a Linguística, hoje em dia, como um amplo campo de investigação sobre as questões da linguagem: por isso não aceita uma 2

A linguística no Contexto nacional: Que é linguística?... definição simplista da Linguística como ciência da linguagem. Sobre a primeira fase da disciplina, a lingüista comenta: num primeiro momento, a busca de um caráter científico para os estudos lingüísticos foi importante, para que a disciplina marcasse posição no âmbito das demais disciplinas reconhecidas como legítimos campos de investigação (ABAURRE, 200, p. 16) Segundo a autora, se voltarmos ao início do século XX, com certeza reconheceremos a importância de Saussure para a constituição da Linguística: exatamente porque foi naquele momento que se chegou com clareza à definição de um objeto e à definição de métodos de abordagem desse objeto (ABAURRE, 200, p. 16). Por fim, a linguista assevera que se sente: mais confortável com uma definição de linguística que toma como um amplo campo de estudos sobre a linguagem. Esses estudos estão relacionados aos seus mais variados aspectos: ao seu modo de estruturar-se, de evoluir; aos seus usos, à maneira como ela é apreendida, à maneira como se relaciona com o social, e assim por diante. Vejo a linguística, portanto, como um campo de estudos que acomoda os mais variados temas a respeito de linguagem e das línguas naturais (ABAURRE, 200, p. 16). A LINGUÍSTICA É UMA CIÊNCIA? Vamos continuar com a mesma dinâmica do tópico anterior; então se prepare para acompanhar mais alguns posicionamentos de linguistas nacionais. JOSÉ BORGES NETO Professor Borges considera a questão complexa, já que é difícil saber hoje o que é ciência. Ele afirma que O cientista, na medida em que investe tempo, conhecimento, prestígio numa teoria científica, mesmo diante das refutações mais sérias, não vai abrir mão de sua teoria (BORGES NETO, 200, p. 45). Ele defende que para aceitarmos a Linguística como ciência, vai depender de como definimos ciência e como definimos Lingüística. Dessa forma, vamos ter respostas bem variadas, individuais, discutíveis e polêmicas. Vejamos como ele encerra sua resposta: Eu pessoalmente acho que uma linguística feita no quadro da gramática gerativa é ciência para um dado tipo de definição do José Borges Neto Professor titular da Universidade Federal do Paraná e doutor em Ciências pela UNI- CAMP. Gramática gerativa Foi um modelo desenvolvido por Chomsky, a partir do ano de 1957, nos Estados Unidos da América. Nesta gramá-tica, o lingüista (ainda vivo hoje e já veio algumas vezes no Brasil) tenta explicar que através de um numero finito de regras, podemos falar e entender um número infinito de orações. Você poderá buscar Gramática Gerativa na Internet e encontrar mais explicações.

Linguística Ataliba de Castilho Professor titular de Filologia e Língua Portuguesa da USP, é coordenador do Projeto Gramática do Português Falado. Dialética Conflito, debate entre teoria e empirismo (experiência). Axiomas Verdades (que não são provadas), resultantes de generalizações das observações empiristas. Francisco G. de Matos Doutor em Linguística aplicada na Universidade Federal de Pernambuco. Entre suas publicações podemos apontar o livro: Linguística aplicada ao ensino de inglês. que é ciência. Outro tipo de linguística mais na linha da análise do discurso, por exemplo, não é ciência dado um tipo de definição de ciência que é adotado nas ciências duras. Mas, se definisse ciência como um historiador define ciência eu não estou querendo falar em ciências humanas, mas no fundo é isso a análise do discurso passa a ser considerada uma ciência. A semântica formal, por exemplo, assume métodos e procedimentos da lógica e da matemática, e pode ser considerada uma ciência formal. Então, na verdade, a resposta a essa questão é complicada (BORGES NETO, 200, p. 45-46). ATALIBA DE CASTILHO Acompanhe a resposta detalhada dada pelo professor Ataliba e como ela nos ajuda a entender o que é fazer ciência. Bom, se você está entendendo por ciência a capacidade de problematizar as coisas, fazer perguntas, identificar um objeto de preocupações, criar hipóteses prévias sobre esse objeto e verificar nos dados se essas suas hipóteses encontram guarida, e se depois você reformula suas hipóteses numa dialética constante entre teoria e empiria, até o momento em que você vê certa estabilidade nos seus achados, escrevendo ou falando sobre sua descoberta, bem, então você está fazendo ciência, e a linguística é uma ciência. Todos esses passos são necessários para o trabalho linguístico (CASTILHO, 200, p. 56). FRANCISCO GOMES DE MATOS O professor Gomes de Matos é mais objetivo em sua resposta (ou positivista) e afirma que, com certeza, a Linguística é uma ciência. Com suas palavras: Ainda mais: No momento em que a Linguística tem objeto de estudo próprio, uma metodologia, um método de estudos rigorosos que possam ser de natureza qualitativa e quantitativa, ela reúne as condições ou pré-condições para poder ser considerada ciência (GOMES DE MATOS, 200, p. 9). A linguística atende a critérios de cientificidade, tais como: sistematicidade (do conhecimento linguístico), objetividade e relevância (teórica e aplicativa), parcimônia (descritivo-explicativa) (GOMES DE MATOS, 200, p. 9). 4

A linguística no Contexto nacional: Que é linguística?... SÍRIO POSSENTI Ele considera que alguns pedaços da Linguística poderiam ser considerados ciência, tais como Fonética, Fonologia e aspectos da Sintaxe e Morfologia. Porém, ele não acha que isso seja vantagem, mas apenas uma constatação, pois, para ele, a ciência trabalha com um quadro reducionista. Possenti afirma que jamais reivindicaria que a análise do discurso fosse considerada ciência. Em resumo, ele expõe: há domínios da linguística que são científicos, isto é, neles funciona mais claramente a relação hipótese com o dado, com o contra-exemplo, com o experimento, a regularidade (POSSENTI, 200, p. 168). KANAVILLIL RAJAGOPALAN Puxa vida! Eu, em curso introdutório, nem toco mais nessa questão! Quando entrei no curso de Linguística, como aluno (nos fins da década de 1960, ainda na Índia), diziam; Linguística é ciência. E daí? Que tipo de ciência é essa? Dane-se a ciência, dane-se a Linguística (RAJAGOPALAN, 200, p. 178, 179). Qual a razão de o indiano ser tão radical em seu posicionamento? Para ele, esses rótulos servem apenas para limitar nossa reflexão sobre a linguagem. O que adianta ser cientista ao custo de não poder pensar livremente a linguagem em seu momento histórico? O que limita o ponto de vista do estudioso da linguagem são os dogmas da ciência que vêm camuflados em forma de postulados, axiomas, etc. Então ele afirma: prefiro abdicar do título de cientista para poder pensar a linguagem livremente. É sobre linguagem que temos de pensar, porque quando falo que a linguagem é uma questão de política, quero dizer que isso não é coqueluche teórica, mas que a linguagem mexe com a nossa vida diária (RAJAGOPALAN, 200, p.179). CRÍTICA EM LINGÜÍSTICA Lendo as duas questões anteriores, você pôde verificar respostas que estão de acordo com o posicionamento assumido na primeira aula, em relação à Linguística, mas também encontra posturas críticas, numa evidência de que o conhecimento não ocorre de forma tão pacífica. Na verdade, essa é uma característica interessante da ciência. Vamos acompanhar mais alguns posicionamentos, tendo por base outros referenciais teóricos. Rajan (200, 2004) defende a linguagem como uma questão política, aspectos que os primeiros linguístas não assumiram para si. Segundo o mesmo linguísta, Sírio Possenti Professor de Linguística na UNICAMP e trabalha com análise do discurso. Entre suas obras: Discurso, estilo e subjetividade; Os limites do discurso. Kanavillil Rajagopalan Também chamado no meio linguístico por Rajan, é indiano de nascimento, mas já está aqui no Brasil por muitos anos. Na Índia, os estudos lingüísticos são bem anteriores à contribuição da própria Gré-cia; assim, o contexto nacional brasileiro quanto à Lingüística é um quadro bem recente em relação à Índia. Então, entenda muito do posicionamento de Rajan dentro deste contexto, ainda porque ele tem amplo conhecimento e vivência da Lingüística em outros con-textos internacionais. Em outros capítulos, você também vai entrar em contato com opiniões bem críticas de Rajan. 5

Linguística todo cientista, inclusive o linguista, está autorizado a depurar de um fenômeno observado o tipo de objeto que quer estudar. Mas há um preço a pagar quando o grau de abstração é tão alto que o objeto estudado não tem quase nenhuma semelhança com o modo como os homens e mulheres comuns compreendem o mesmo fenômeno. E, para os homens e mulheres comuns, a língua é um potente símbolo de conotações sociais, políticas, ideológicas e muitas vezes étnicas (RAJAGOPALAN, 2004, p. ). Ele continua defendendo que o único modo pelo qual os linguistas podem contribuir para os temas práticos que envolvem a linguagem seria adotando um olhar crítico em face de sua própria prática. Sempre é tempo de começar a fazer um exame, questionar se, por atos ou omissão, o estudioso não se eximiu da responsabilidade de ver a linguagem como fenômeno social, com todas as implicações políticas e ideológicas que daí derivam. Em tese, os lingüistas precisam assumir uma postura política diante de temas como ensino de língua ou planejamento linguístico. Muitos linguistas, infelizmente, seguem ainda o velho caminho da Linguística, afastando-se das questões políticas e éticas que emergem do estudo da linguagem. Reafirmando essa mesma postura política de Rajagopalan, encontramos o posicionamento de Borges Neto (2004, p. 19) que defende que a linguagem deve ser apreendida em suas múltiplas relações com o homem e com as instituições humanas. ATIVIDADES Você pôde verificar que os linguistas da atualidade, de modo geral, sempre colocam a Linguística, segundo a proposta saussuriana, como sendo uma visão restrita dessa ciência, tendo em vista o campo ter crescido e ter incorporado outras dimensões não consideradas pelo pai da disciplina quando definiu seu objeto. Considerando esse aspecto, trabalhe as questões abaixo: 1 Faça um levantamento dos linguístas que abordaram a Linguística em sentido amplo e restrito e que definição apresentaram. 2 Que tipos de linguagens Gomes de Matos apresenta como objeto da Lingüística? Marcuschi e Barros fazem menção a Chomsky; como os dois apresentam a contribuição desse lingüista? 6

A linguística no Contexto nacional: Que é linguística?... ATIVIDADES 1 De que modo Ataliba de Castilho argumenta que Linguística é uma ciência? 2 Compare as respostas de Sírio Possenti com as de Borges Neto. Com base nos comentários de Rajan, justifique por que ele considera mais importante abordar a linguagem livre do rótulo de ciência. COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES Para responder à questão 1, observe como o Prof. Castilho explica os passos para se fazer ciência: a capacidade de problematizar as coisas; identificar um objeto; criar hipóteses sobre o objeto e verificar se os dados comprovam as hipóteses etc. Na questão 2, verifique que tanto Possenti quanto Borges Neto defendem que uma parte da Linguística pode ser considerada ciência e outra não. Observe como ambos consideram a análise do discurso e outros aspectos da língua. Para responder à questão, utilize também as informações que se encontram no tópico crítica em linguística. Aponte o que é para ele pensar a linguagem livremente, destacando o aspecto político e o ideológico. CONCLUSÃO Grande parte desta aula foi elaborada com base no livro Conversas com lingüistas, lançado em 200. No mesmo ano, ele foi resenhado por Silva (200). Dezoito professores, com mais de 20 anos de experiência em ensino, responderam a uma entrevista formada por dez perguntas. Assim se expressa Silva: os dezoitos entrevistados responderam oralmente as mesmas perguntas, que foram gravadas e transcritas pelos organizadores. Depois de transcritas as entrevistas, cada um recebeu pelo correio eletrônico uma cópia do texto resultante para as ratificações necessárias para elaboração da forma final a ser publicada (SILVA, 200, p. 145) Ainda na resenha, o professor destaca os dois objetivos a que o livro se propõe. Usando as próprias palavras dos organizadores quando apresentam seus objetivos, temos: 7

Linguística (...) revelar as controvérsias da linguística, aquecendo o debate interno entre os mais de.000 lingüistas atuantes hoje no Brasil, e, ao mesmo tempo, divulgar e popularizar um pouco mais esta área de estudos ainda tão desconhecida, não apenas por ser nova, mas também por falta de presença pública dos propósitos linguísticos (XAVIER; CORTEZ, 200, p. 10). Então, o fato é que você pôde, já nos primeiros contatos com a disciplina Linguística, conhecer a opinião de linguístas nacionais que gozam de um bom conceito profissional entre seus pares. RESUMO Você teve a oportunidade de conhecer alguns linguístas brasileiros e seus posicionamentos em relação a essa ciência que você está estudando. Procuramos selecionar respostas bem diversificadas, a fim de que você pudesse ter uma visão ampla e mesmo polêmica da Linguística. Assim você pode acompanhar a pergunta Que é Linguística? Respostas como a de Faraco separam Lingüística no sentido amplo (o conjunto de atividades científicas que os linguístas desenvolvem no contexto universitário) e restrito (que abrange as teorias fonológicas, sintáticas, semânticas e semântico -pragmáticas); já Marcuschi responde que a Linguística envolve a investigação das formas, dos usos e das atividades linguísticas. Já em relação à pergunta - A Linguística é uma ciência? - respostas como a de Gomes de Matos enfatizavam ser a Linguística uma ciência; como também respostas de Possenti defendiam só alguns domínios da Linguística como científicos. AUTO-AVALIAÇÃO Sempre que concluir uma aula, faça uma auto-avaliação; isso norteará suas próximas atividades, pois se ainda não estiver bem nos textos anteriores, é bom não ir avante sem uma devida revisão. Qual foi seu grau de dificuldade? Quantas questões ficaram sem resposta? 8

A linguística no Contexto nacional: Que é linguística?... REFERÊNCIAS BORGES NETO, José. Ensaios de Filosofia da Linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. PENNYCOOK, Alastair. Os limites da Lingüística. IN: SILVA, Fábio Lopes da; RAJAGOPALAN, Kanavillil (orgs). A Linguística que nos faz falhar: investigação científica. São Paulo: Parábola, 2004, p. 40-4. RAJAGOPALAN, Kanavillil. Línguas nacionais como bandeiras patrióticas, ou a Lingüística que nos deixou na mão: observando mais de perto o chauvinismo lingüístico emergente no Brasil. IN: SILVA, Fábio Lopes da; RAJAGOPALAN, Kanavillil. A Linguística que nos faz falhar: investigação científica. São Paulo: Parábola, 2004, p. 11-8. SILVA, José Pereira da. Conversas com lingüistas. Resenha. In: Revista Philologus. Ano 9, n. 25, jan-abril, 200. XAVIER, Antonio Carlos; CORTEZ, Susana. Conversas com linguístas: virtudes e controvérsias da lingüística. São Paulo: Parábola, 200. 9