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Transcrição:

Tuberculose no Idoso Roberto A. Lourenço Introdução Indivíduos idosos, independente de sexo e grupo etário, são particularmente suscetíveis à infecção pelo Mycobacterium tuberculosis, provavelmente, devido tanto a fatores biológicos nutrição e estado imunitário comprometidos, comorbidades, polifarmácia e, talvez, fatores raciais quanto a fatores socioeconômicos pobreza, condições de vida e acesso a cuidados de saúde. No entanto, a população idosa é funcionalmente heterogênea, e aproximadamente 80% dos seus indivíduos são saudáveis quando considerados sob o ponto de vista da autonomia e da independência. Porém, um número significativo de indivíduos acumulou perdas funcionais associadas à idade, em particular déficits imunitários, desregulação neuroendócrina e sarcopenia, que atingiram os limites clínicos da síndrome de fragilidade, tornando-os propensos a uma série de desfechos mórbidos negativos, tais como dependência, incapacidade, quedas e lesões, lenta recuperação de doenças, institucionalização, mortalidade elevada, doenças agudas e hospitalização. É, provavelmente, entre esses indivíduos, que o Mycobacterium tuberculosis encontra um campo fértil para a sua multiplicação. A coorte que compõe a atual população de idosos teve seu primeiro contacto com o bacilo nas décadas da primeira metade do século XX, época de alta prevalência da doença e de indisponibilidade de formas eficientes de tratamento. Muitos foram expostos e desenvolveram a doença; alguns passaram a albergar o Mycobacterium em sua forma quiescente, manifestada, muitas vezes, por lesões fibróticas vistas em exames radiológicos de tórax. Neste Capítulo, analisaremos os aspectos especias da epidemiologia, patogenia, manifestação clínica e radiológica, diagnóstico e 90 Revista do Hospital Universitário Pedro Ernesto, UERJ

tratamento da tuberculose, nessa população especial definida pela sua inclusão em faixas etárias superiores aos 60 anos de idade. Epidemiologia A Organização Mundial de Saúde estima que entre 19% e 43% da população mundial esteja infectada (doentes e casos assintomáticos) pelo bacilo de Koch, e que, a cada ano, apareçam mais de 8 milhões de novos casos e ocorram 2 milhões de mortes por esta enfermidade. Noventa e cinco por cento dos casos ocorrem em países em desenvolvimento, e estima-se que 380 milhões de pessoas sejam infectadas nos países desenvolvidos. Na Europa, aproximadamente 80 por cento das pessoas infectadas têm 50 anos ou mais de idade. Em outras regiões do mundo, tal como no Sudeste da Ásia, a incidência de infecção pelo M. tuberculosis também mantém aumento similar, associado com o envelhecimento. Embora porcentagem significativa (80-90%) da infecção pelo bacilo tuberculoso ocorra em indivíduos que moram na comunidade, há uma incidência comparativamente maior (duas a três vezes) entre indivíduos institucionalizados, assim como em populações indígenas, nas populações em situação de rua e em presidiários. No Brasil, a incidência de tuberculose começa a crescer entre indivíduos idosos. Flávio Chaimowicz, analisando dados do Sistema Único de Saúde, encontrou que, entre 1986 e 1996, a proporção de casos em idosos subiu de 10,5% para 12%. Entre 1986 e 1991, observou-se correlação direta entre idade e mortalidade por tuberculose, e um declínio global dos coeficientes de mortalidade, declínio este menos expressivo entre indivíduos com 30 ou mais anos de idade. Patogenia A população geriátrica está mais predisposta ao desenvolvimento da tuberculose, tanto a partir da reativação endógena de focos bacilares residuais quiescentes quanto da reinfecção exógena (novo contágio), conforme demonstram técnicas de tipagem molecular. Cerca de 90% dos casos seriam causados por reativação de infecção primária (endógena), contituindo-se num foco importante de manutenção da enfermidade na comunidade. Nestas situações, ocorreria a reativação de algum foco de primoinfecção tuberculosa naturalmente curada ou mesmo de doença tuberculosa prévia, inadequadamente medicada ou que tenha sido tratada com esquemas antigos e menos efetivos. Entretanto, em instiutições de cuidados prolongados (asilos, casas geriátricas, etc), as normas de biossegurança nem sempre são seguidas e a forma etiopatogênica mais comum parece ser a infecção exógena recente; essas disseminações, às vezes epidêmicas, ocorrem a partir da exposição a indivíduos com tuberculose pulmonar ativa, não diagnosticada. Em idosos, ocorre a exaustão progressiva do sistema imune. Modelos de estudo em animais documentaram a relação entre o declínio na resposta mediada pelas células T, relacionada com a idade, e o risco aumentado de infecção por patógenos intracelulares, incluindo o Mycobacterium tuberculosis. Além da depressão imunitária característica da idade, acredita-se que as alterações no clearance mucociliar e na função pulmonar também possam favorecer a reativação do bacilo de Koch na idade avançada. Além disso, supõe-se que as inúmeras condições imunossupressoras associadas, tais como diabetes, malignidade, insuficiência hepática, insuficiência renal, desnutrição e terapia prolongada com corticosteroides, também possam contribuir de forma decisiva para o desenvolvimento da lesão tuberculosa. As estimativas de que a infecção pelo vírus HIV aumente em idosos nos próximos anos também é fator de preocupação. A ruptura de uma lesão endógena pode resultar na disseminação hematogênica do bacilo, afetando muitos órgãos e sistemas. Na ausência de reação imunitária adequada, uma situação vista em parcela significativa da população idosa, desenvolve-se quadro difuso de difícil detecção, conhecido como tuberculose Ano 5, Julho / Dezembro de 2006 91

críptica, caracterizado por febre de origem indeterminada, radiografia de tórax normal e teste tuberculínico negativo. Na presença de sistema imunitário competente, a disseminação bacilar gera granulomas e produz um quadro miliar. Nas últimas décadas,tem-se verificado considerável mudança no perfil de apresentação da tuberculose miliar, que representa a disseminação hemática do bacilo de Koch e formação de tubérculos em vários órgãos. Se antigamente a tuberculose miliar era mais frequente nas crianças, como manifestação da primoinfecção tuberculosa progressiva, ela é, atualmente, mais comum na idade avançada, representando possivelmente o recrudescimento de focos antigos pulmonares (lesão residual). Especula-se que a maior incidência dessa forma da doença em pessoas idosas teria relação tanto com o desgaste da competência imunológica verificado nestes pacientes quanto pela associação com outras enfermidades, também capazes de gerar imunossupressão. Manifestações Clínicas E Radiológicas 1. Manifestações Clínicas Tal como no jovem, a tuberculose no idoso é mais comumente localizada nos pulmões. De modo geral, a tuberculose senil é mais insidiosa e dificilmente se anuncia de modo ruidoso. Os sintomas respiratórios são mínimos e os sintomas gerais, arrastados. Alguns pacientes não apresentam as características clínicas mais conhecidas da doença como tosse produtiva, febre vespertina, dor torácica, sudorese noturna, emagrecimento e hemoptoicos. Por outro lado, podem apresentar dificuldade nas atividades da vida diária, fadiga crônica, anorexia progressiva, prejuízo cognitivo ou febre baixa sem explicação. A isto soma-se também, não raramente, tosse seca e rebelde. Além disso, a dispneia é relatada em maior porcentagem de casos, provavelmente pela menor reserva cardiopulmonar ou pela maior incidência de outras doenças torácicas nesta faixa etária. Quando essas manifestações clínicas persistem ao longo de semanas ou mesmo meses, a possibilidade de tuberculose senil deve ser sempre lembrada. As formas extrapulmonares da tuberculose são mais diagnosticadas na velhice, ocorrendo em até 17% dos casos. A frequência de tuberculose miliar, meningite tuberculosa, tuberculose geniturinária e tuberculose esquelética é bem maior na população idosa. A forma crônica da tuberculose miliar incide com maior freqüência em pacientes idosos nos quais as manifestações clínicas são menos exuberantes, a não ser pela presença de febre e adinamia. Um número considerável de casos não é diagnosticado pela ausência ou pela pobreza de sinais e sintomas ou ainda pela falta do aspecto miliar característico ao exame radiológico. Tais casos constituem a chamada tuberculose miliar oculta (a clássica granulia fria ), cujo diagnóstico quase sempre se dá durante a necrópsia. A meningite tuberculosa apresenta mortalidade extremamente alta nessa população, bem como são freqüentes as sequelas neurológicas; alguns pacientes podem manifestar demência ou obnubilação não explicada, sem febre ou rigidez de nuca. A tuberculose geniturinária é mais comum da terceira à quinta décadas,apresenta o rim como local mais comum de acometimento e é assintomática em até 30% dos casos. A artrite tuberculosa, em geral, incide em grandes articulações, mas, nos idosos, pode acometer articulações periféricas, sendo freqüentemente confundida com doença articular degenerativa. 2. Manifestações Radiológicas Em idosos, a doença cavitária pulmonar possui menor prevalência do que aquela observada em adultos jovens. A apresentação radiológica da tuberculose pulmonar pode ser atípica em mais de 20% dos casos. Diversos autores têm mostrado maior frequência do padrão retículonodular nesta população (Fig. 11.1), assim como de lesões em regiões médias e inferiores que se confundem com 92 Revista do Hospital Universitário Pedro Ernesto, UERJ

pneumonias bacterianas (Fig. 11.2). Também, não é incomum as imagens mimetizarem carcinoma brônquico, quando iniciam como infiltrado hilar ou peri-hilar aparentando massas hilares. No estudo de Morris, somente 7% das radiografias mostravam imagens superiores isoladas. Do restante, metade apresentava sombras pulmonares exclusivas de zonas médias e inferiores, e a outra metade, uma combinação de imagens em zonas superiores, médias e basais. Cavidades estavam presentes em somente um terço, e metade destas ocorria em campos médios e inferiores. Reação pleural inferior, podendo corresponder tanto a derrame como a espessamento ou a ambos, associava-se a alterações pulmonares em metade dos casos. Confirmação Diagnóstica A baciloscopia de escarro permanece o exame confirmatório de escolha em pacientes que apresentam expectoração, sendo realizada preferencialmente em pelo menos três amostras. Entretanto, nos idosos, observa-se maior proporção de casos sem confirmação bacteriológica. Essa dificuldade para identificar o M. tuberculosis no escarro espontâneo pode se dever a alguns fatores, incluindo: 1) menor facilidade em obter amostras de escarro nessa população; 2) deficiência no transporte mucociliar. Entretanto, a confirmação bacteriológica da doença deve ser sempre buscada, visto que, no idoso, os sintomas clássicos sugestivos da enfermidade são menos frequentes e o número de afecções que mimetizam a tuberculose é muito maior. Dessa forma, se o exame de escarro for negativo (incluindo, aí, o exame de escarro induzido), métodos invasivos não devem ser descartados para a elucidação diagnóstica. A fibrobroncoscopia permite a realização do lavado brônquico e biópsia transbrônquica, sendo exeqüível na grande maioria dos pacientes. Em decorrência da senescência do sistema imunocelular, a reatividade à prova tuberculínica tende a diminuir ou até mesmo desaparecer nos idosos, voltando o organismo ao estado de anergia tal como se observa nos indivíduos que nunca tiveram a infecção. A caquexia, que é freqüentemente observada nessa população de pacientes, também contribui de forma deci- Figura 11.1. Homem, 93 anos, internado com quadro de hemoptise. A pesquisa de BAAR foi positiva (+++). Sua radiografia de tórax demonstrava infiltrado intersticial em terço inferior de ambos os pulmões, além de pequena lesão cavitária na base do pulmão direito. Figura 11.2. Homem, 65 anos, internado com queixas de emagrecimento, tosse produtiva e dispnéia aos mínimos esforços. A pesquisa de BAAR foi positiva (+). Sua radiografia de tórax mostrava infiltrado reticulonodular difuso. Ano 5, Julho / Dezembro de 2006 93

siva para a negatividade do teste tuberculínico, mesmo na presença de tuberculose-doença. É frequente, entre os idosos, o efeito booster, com resposta de aumento da enduração quando se realiza um novo teste sequenciado. A confusão com sintomatologia de outras afecções pode contribuir de maneira significativa para o retardo no diagnóstico da tuberculose pulmonar e extrapulmonar. Nas idades avançadas, muitas vezes, o diagnóstico só é feito a partir de biópsias teciduais de vários locais, como pulmão, pleura, linfonodos, fígado, medula óssea e sinóvia, as quais revelam granulomas com necrose caseosa. Tratamento A vasta maioria dos casos de tuberculose em idosos é consequente a cêpas sensíveis às drogas tuberculostáticas. A resistência aos antimicrobianos empregados é incomum, pois estima-se que a maior parte dos pacientes foi contaminada antes do advento da quimioterapia antituberculose. Desse modo, o tratamento antimicrobiano no paciente idoso não difere daquele padronizado pelo Ministério da Saúde. Talvez o principal problema para o tratamento adequado da tuberculose nos idosos seja a má aderência ao tratamento. Como vários medicamentos são utilizados, déficits de memória, estados depressivos, distúrbios de visão, estados confusionais associados à isquemia cerebral, dificuldades de deambulação todos frequentes na velhice, podem impedir o tratamento correto. Dessa forma, o tratamento supervisionado e os esquemas intermitentes na fase de manutenção podem ser recomendáveis em muitos casos. O idoso apresenta alterações morfológicas, metabólicas e de homeostase que favorecem o aparecimento de reações adversas dos medicamentos com muito maior frequência do que as encontradas em pacientes de menor idade. Insuficiência hepática e renal e diminuição da absorção intestinal são fatores que devem ser levados em consideração no tratamento medicamentoso da tuberculose no idoso. A senescência apresenta maior risco para hepatotoxidade pela isoniazida, principalmente nos casos com história de doença hepática preexistente. Assim, recomenda-se o estudo da função hepática antes do início da terapia tuberculostática e durante o tratamento. A isoniazida também pode provocar manifestações neuropsiquiátricas possivelmente em razão da semelhança química com a iproniazida e da deficiência de piridoxina, constituindo-se a idade avançada em importante fator predisponente. O etambutol pode causar neurite óptica, cujas manifestações incluem diminuição do campo visual, escotomas e distúrbios da visão do verde-vermelho. Esses sintomas podem não ser valorizados em idosos que já apresentem alterações visuais. Assim, está indicada a avaliação oftalmológica antes do início da terapia com etambutol. Os pacientes idosos também têm risco aumentado de desenvolver disfunção vestibular quando usam estreptomicina. Assim, a dose desse medicamento deve ser muito bem estabelecida em relação ao peso, estando recomendada, em geral, a metade da dose preconizada para o adulto jovem. Sendo freqüente o uso de outros medicamentos pelo velho, deve-se estar atento para possíveis interações entre fármacos. Lembrar que a rifampicina aumenta a probabilidade de lesões hepáticas em algumas associações e diminui os níveis plasmáticos dos digitálicos, hipoglicemiantes orais, anticoagulantes orais, barbitúricos e corticosteroides, o que, por vezes, tornam-se necessários acertos de dose ou troca de medicação. A internação desses pacientes pode ser uma solução para abordar apresentações graves, efeitos adversos, constantes descompensações de doenças associadas e, não raramente, graves situações sociais relacionadas ao isolamento ou rejeição do idoso. 94 Revista do Hospital Universitário Pedro Ernesto, UERJ

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CADERNO ZERO Titulação dos Autores Editorial: A Tuberculose Nos Primeiros Anos do Século XXI Professor Substituto da Disciplina de Pneumologia e Tisiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Mestre em Pneumologia pela Universidade Federal Fluminense. Doutorando em Pneumologia pela Professor Titular da Disciplina de Pneumologia e Tisiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Doutor em Pneumolgia pela Universidade Federal de São Paulo. Membro Titular da Academia Nacional de Medicina. Professor Adjunto da Disciplina de Pneumologia Doutor em Radiologia e Imagenologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Artigo 1: Tuberculose Epidemiologia E Controle No Brasil Miguel Aiub Hijjar Centro de Referência Prof. Hélio Fraga Secretaria de Vigilância em Saúde Ministério da Saúde. Maria José Procópio Centro de Referência Prof. Hélio Fraga Secretaria de Vigilância em Saúde Ministério da Saúde. Artigo 2: Etiologia Fabrice Santana Coelho Setor de Micobactérias do Laboratório de Bacteriologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto. Mestre em Microbiologia. Elizabeth de Andrade Marques Professora Adjunta do Departamento de Microbiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Chefe do Laboratório de Bacteriologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto. Doutora em Microbiologia. Ano 5, Julho / Dezembro de 2006 11

Artigo 3: Patogenia e Imunologia (Vide Editorial Artigo 4: Patologia Daurita D. Paiva Professora Adjunta da Disciplina de Anatomia Patológica da Faculdade de Ciências Médicas da Artigo 5: História Natural e Apresentação Clínica Ursula Jansen Médica Pós-Graduada em Pneumologia e Tisiologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Especialista em Pneumologia pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Professor Adjunto da Disciplina de Pneumologia Doutor em Radiologia e Imagenologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor Titular da Disciplina de Pneumologia e Tisiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Doutor em Pneumolgia pela Universidade Federal de São Paulo. Membro Titular da Academia Nacional de Medicina. Artigo 6: Diagnóstico Radiográfico e Tomográfico da Tuberculose Pulmonar Mario Oti Soares Médico Residente do Serviço de Radiologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Ricardo dos Santos Pinto Médico Residente do Serviço de Radiologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Hélio Ribeiro de Siqueira Professor Assistente da Disciplina de Pneumologia Mestre em Pneumologia pelo Instituto de Doenças do Tórax da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IDT-UFRJ). Rafael Barcelos Capone Acadêmico de Medicina da Universidade Gama Filho. Artigo 7: Tuberculose Extrapulmonar Roberto Mogami Professor Adjunto da Disciplina de Radiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Bernardo Tessarollo Médico Residente do Serviço de Radiologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Daniel Leme da Cunha Médico Residente do Serviço de Radiologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Rafael Barcelos Capone Acadêmico de Medicina da Universidade Gama Filho. 12 Revista do Hospital Universitário Pedro Ernesto, UERJ

Hélio Ribeiro de Siqueira Professor Assistente da Disciplina de Pneumologia Mestre em Pneumologia pelo Instituto de Doenças do Tórax da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IDT-UFRJ). Artigo 8: Diagnóstico Laboratorial da Tuberculose Angela Maria Werneck Barreto Médica do Serviço de Laboratório do Centro de Referência Professor Hélio Fraga. Mestre em Microbiologia. Paulo Cesar de Souza Caldas Biólogo do Serviço de Laboratório do Centro de Referência Professor Hélio Fraga. Especialista em Microbiologia. Carlos Eduardo Dias Campos Biólogo do Serviço de Laboratório do Centro de Referência Professor Hélio Fraga. Especialista em Microbiologia. Fátima Moreira Martins Farmacêutica e Bioquímica do Serviço de Laboratório do Centro de Referência Professor Hélio Fraga. Mestre em Microbiologia. Artigo 9: Tuberculose e Aids Arnaldo José Noronha Filho Professor Auxiliar da Disciplina de Pneumologia Teresinha Yoshiko Maeda Professora Assistente da Disciplina de Pneumologia e Tisiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Mestre em Pneumologia pela Universidade Federal Fluminense. Denis Muniz Ferraz Professor Assistente da Disciplina de Pneumologia Mestre em Pneumologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Artigo 10: Tuberculose na Infância Clemax Couto Sant Anna Professor adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Artigo 11: Tuberculose no Idoso Roberto Alves Lourenço Professor Adjunto da Disciplina de Medicina Interna e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Artigo 12: Tratamento Helio Ribeiro de Siqueira (Vide capítulo 7) Artigo 13: Quimioprofilaxia Teresinha Yoshiko Maeda (Vide capítulo 9) Arnaldo José Noronha Filho (Vide capítulo 9) Artigo 14: Tratamento Cirúrgico da Tuberculose Pulmonar Giovanni Antonio Marsico Cirurgião Torácico do Instituto de Doenças do Tórax da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IDT-UFRJ). Cirurgião Torácico do Hospital Geral do Andaraí. Ano 5, Julho / Dezembro de 2006 13