LITERATURA: UM INSTRUMENTO PARA O LETRAMENTO E PARA A FORMAÇÃO DE LEITORES CRÍTICOS Mariana Jantsch de Souza (UFPel) Gabriela Rocha Rodrigues (UFPel) Resumo: A presente comunicação aborda a literatura como um instrumento para o letramento e formação de leitores críticos. A partir desta perspectiva, o assunto será ancorado naidéia de que a literatura é um meio eficiente para aperfeiçoar as habilidades lingüísticas de leitura, escrita, compreensão e produção textual. No entanto, para que a literatura produza esse efeito é preciso que o texto literário não seja abordado de forma fragmentada e como pretexto para discussões de cunho estritamente gramatical, conforme se observa na escola. Os textos não falam por si, daí a importância de formar um leitor crítico e apto a explorar o texto e atribuir sentidos ao que lê, para tanto é necessário que se estabeleça uma relação interativa entre texto e leitor e é neste ponto que se situa o professor de literatura como um guia nesse processo. Para tratar deste tema e destacar a importância do ensino de literatura,recorreu-se, principalmente, às considerações teóricas de RildoCosson e Vilson Leffa letramento literário e formação de leitores. Palavras-chave:Ensino. Literatura. Letramento. A presente comunicação aborda a literatura como um instrumento para o letramento e formação de leitores críticos, tema que surge de questionamentos sobre a relação entre literatura e educação. Em última análise, o cerne dessas discussões envolve a função educativa da literatura e os métodos de ensino da literatura. A discussão se mostra cada vez mais pertinente em razão das práticas pedagógicas de ensino de literatura, desde o nível fundamental até o nível superior, onde se encontram alunos despreparados para apresentar leituras coerentes e fundamentadas, porque não foram ensinados na escola a compreender o texto lido, atribuindo um significado global ao código decifrado.
Em razão das práticas de ensino, a literatura é abordada na escola como mero instrumento para desenvolver as habilidades linguísticas dos alunos, de modo que o texto literário é utilizado tão somente como fonte para o aprendizado da leitura (no sentido de simples decodificação do código linguístico), escrita (aprender a usar o código linguístico), compreensão e produção textual (saber reproduzir o que já foi criado com o código linguístico). Rildo Cosson, na obra Letramento literário: teoria e prática (2006), adverte que a literatura como instrumento para o letramento, para a construção de leitores proficientes, encontra empecilhos em pressupostos do senso comum que reinam no ambiente escolar, como por exemplo: Os livros falam por si; Ler é um ato solitário, É impossível expressar o que sentimos na leitura dos textos literários. Calcado em ideias pré-concebidas e cristalizadas como essas, se realiza o ensino da literatura e da leitura literária. Em razão disso, a literatura é mantida como objeto estranho e fora do alcance de qualquer leitor, vez que não é possível estabelecer qualquer contato com esse ente superior que está acima da capacidade de compreensão do leitor, que só consegue enxergar a distância diante do livro. A atividade da leitura deve ser desvinculada desses pressupostos falaciosos para fazer sentido, para ser percebida como um exercício que o leitor faz para atribuir significados ao texto: Ao ler, estou abrindo uma porta entre meu mundo e o mundo do outro. O sentido do texto só se completa quando esse trânsito se efetiva, quando se faz a passagem de sentidos entre um e outro. Se acredito que o mundo está absolutamente completo e nada mais pode ser dito, a leitura não faz sentido pra mim (COSSON, 2007, p. 27). Este é o objetivo principal da formação de leitores literários, ou seja, do letramento literário, conforme esclarece Cosson. Assim, para realizar o letramento literário e formar leitores literários os professores devem atuar como mediadores no processo de letramento, mediadores entre aluno e literatura de modo a orientar o contato entre eles e daí fazer surgir leitores literários.
Dessa forma, o poder formador da literatura se revelaria, pois ea seria utiizada como instrumento formador de seres mais humanizadas, cidadãos conscientes de seu papel e função social, pois os integra ao corpo social do qual fazem parte por torna-los conscientes de si e do mundo a sua volta. No entanto, para que a literatura produza esse efeito é preciso que o texto literário não seja abordado de forma fragmentada e como pretexto para discussões de cunho estritamente gramatical, conforme se observa na escola. O aluno aprende a manusear o texto literário tão somente para extrair dele concordâncias verbais e nominais, descobrir quais os tempos verbais utilizados sem tirar proveito dessas informações para, a partir delas, interpretar o texto, ou seja, atribuir sentidos às palavras lidas e conseguir compreender algum sentido global no texto. Num outro nível do ensino escolar, o aluno é programado para ler o texto literário e dele extrair características de algum período da produção literária, preso às divisões, por vezes falhas, da história da literatura. O aluno, portanto, não é ensinado a utilizar essas divisões históricas dos períodos literários para associar o texto e os sentidos que esse textoproduz à sociedade em que se insere a produção literária, o aluno não é ensino a perceber essas relações que o texto estabelece, por isso não explora todas as dimensões do texto: porque não foi apresentado a todas essas dimensões. Assim, o contato estabelecido entre aluno e texto literário se limita a observações superficiais que não contribuem para a compreensão do texto, mas tão somente para a decodificação do código linguístico e como exemplo de uso/manuseio do código. Esta forma de contato não explora, portanto, a atividade da leitura em todas as suas dimensões e ignora que os textos não falam por si, conforme salientado por Cosson. É justamente por esse motivo que a formação de leitores críticos e aptos a explorar o texto e atribuir sentidos ao que leem mostra-se como fator chave para melhorar a qualidade do ensino. No entanto, o leitor crítico, ou o leitor literário, não nasce pronto, para que isso ocorra é necessário que se estabeleça uma relação interativa entre texto e leitor. É neste ponto que se situa o professor de literatura como um
guia nesse processo -, e os métodos de ensino da literatura, os quais atuam na formação dos alunos como leitores no sentido mais profundo que a ideia de leitura traz. Percebe-se, então, que a formação de leitores literários depende da forma como a literatura é apresentada e retratada na escola, momento embrionário da formação dos leitores. A esse respeito, Rildo trata do letramento literário como um nova forma de ler o texto literário, encarando essa leitura como um processo que se desenvolve em três etapas (COSSON, 2006, p. 40-42): 1 - Antecipação: várias operações que o leitor realiza ante de penetrar no texto propriamente dito. Nesse caso, são relevantes tanto os objetivos da leitura, que levam o leitor a adotar posturas diferentes ante o texto, quanto os elementos que compõem a materialidade do texto, como a capa, o título, o número de páginas, entre outros. É uma antecipação do que o texto diz. 2 - Decifração: entramos no texto através das letras e palavras. Quanto maior é a nossa familiaridade e o domínio delas, mais fácil é a decifração. Um leitor iniciante despenderá um tempo considerável na decifração (...). Um leitor maduro decifra o texto com tal fluidez que ignora palavras escritas de modo errado (...). Aliás, usualmente ele nem percebe a decifração como uma etapa do processo da leitura. 3 - Interpretação: diz respeito às relações estabelecidas pelo leitor quando processa a leitura. O centro desse processamento são as interferências que levam o leitor a entretecer palavras com o conhecimento que tem do mundo. Por meio da interpretação, o leitor negocia o sentido do texto, em um diálogo que envolve autor, leitor e comunidade. A interpretação depende, assim, do que escreveu o autor, do que leu o leitor e das convenções que regulam a leitura em uma determinada sociedade. Interpretar é dialogar com o texto tendo como limite o contexto. Esse contexto é de mão dupla: tanto é aquele dado pelo texto quanto o dado pelo leitor. Esta forma de perceber a leitura como um processo realizado em etapas, ressalta que a leitura não deve ser encarada como simples processo de decodificação, sendo esta a principal mudança a ser realizada no ensino de
literatura. A partir deste ponto, (do momento em que as práticas de ensino de literatura forem voltadas para além da decodificação), o ensino seguirá os caminhos propostos pelas teorias do letramento literário. Ao atentar para a leitura como um processo, também se passa a perceber que no ato da leitura é o leitor que age sobre o texto, que precisa intermediá-lo para conseguir atribuir algum sentido ao texto. É o leitor que empreende esforços nessa atividade para a partir disso a leitura começar a produzir sentidos. O ensino de literatura deve ser guiado por esses pressupostos para que a literatura seja um instrumento para o letramento e para a formação crítica de leitores. Formar leitores proficientes/competentes em última análise significa formar cidadãos mais conscientes, habilidosos em ler o mundo, em ler a sociedade em que vivem e ler a si mesmos. A leitura é a atividade fundante da compreensão, a qual extrapola os níveis do texto, do código e passa a ser exercida diante do outro, diante da sociedade. Nas palavras de Cosson: O bom leitor, portanto, é aquele que agencia com os textos os sentidos do mundo, compreendendo que a leitura é um concerto de muitas vozes e nunca monólogo (COSSON, 2007, p. 27). É este leitor que o ensino de literatura deve ter em vista, é para este leitor que devem ser repensadas as práticas de ensino da literatura e da leitura, pois como pondera Rildo aprendemos a ler literatura do mesmo modo como aprendemos tudo mais, para formar leitores literários, é preciso ensinar os alunos a serem leitores literários, pois eles não nascem prontos. REFERÊNCIAS COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006. LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. A formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 1999.
LEFFA, Vilson J.; PEREIRA, Aracy E. (Org.) O ensino da leitura e produção textual: alternativas de renovação. Pelotas: Educat, 1999.