PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA E O PAPEL DO ENSINO DE BIOLOGIA NA FORMAÇÃO DA CONCEPÇÃO DE MUNDO PEREIRA, Lucas Monteiro UNESP lucasmontp@gmail.com CAMPOS, Luciana M. Lunardi UNESP camposml@ibb.unesp.br Introdução Investigando a área de pesquisa em Ensino de Biologia, Slongo (2004) assinala que esta precisa desenvolver reflexões mais amplas, amparadas por pressupostos filosóficos que conjuguem o que ensinar ao por que ensinar, determinando assim finalidades sociais do ensino de ciências. Além disso, estudos recentes de Campos et al (2013; 2014) apontam, na pesquisa em ensino de Ciências e de Biologia e na prática de professores/as em serviço, um afastamento das perspectivas críticas de educação 1, o que se coaduna com uma tendência geral de declínio das teorias que visam compreender e transformar a realidade da sociedade capitalista. Portanto, assumimos neste estudo a perspectiva da pedagogia histórico-crítica, entendendo-se que esta via é parte da direção favorável aos interesses da classe trabalhadora em um cenário de crises e contradições do sistema capitalista e de sua relação com a educação escolar (SAVIANI; DUARTE, 2012). A pedagogia histórico-crítica resultou, a princípio, da busca pela superação das perspectivas não críticas e crítico-reprodutivistas em educação, valorizando essencialmente a transmissão e a apropriação de conhecimentos clássicos e a escola como instituição responsável por esse processo (SAVIANI, 2012a). Se configura, ainda, como uma pedagogia fundamentada no materialismo histórico-dialético, imbuída da concepção ontológica, epistemológica e metodológica do marxismo (SAVIANI, 2012b). 1
Desta forma, este texto possui o objetivo de apresentar e discutir algumas contribuições teóricas da pedagogia histórico-crítica para o ensino de biologia, em especial na formação da concepção de mundo dos alunos e alunas. Metodologia Esta proposição foi encaminha a partir de revisão teórica da literatura dos fundamentos filosóficos da pedagogia histórico-crítica, como a produção de Saviani (2012a; 2013) e Duarte (1999; 2015), sua concepção didática no livro de Gasparin (2005) e sua perspectiva no ensino de ciência no livro de Santos (2005). Esta investigação teve como norte teórico e metodológico o materialismo histórico-dialético (BENITE, 2009; KONDER, 2004). Com este referencial o objeto do ensino de biologia é tomado como objeto concreto, como síntese de múltiplas determinações e em relação com os níveis da totalidade da educação escolar e da relação mais ampla entre educação e sociedade. Espera-se, pela mediação teórica, superar uma visão sincrética do ensino de biologia e compreender sua concreticidade bem como buscar a transformação de sua dimensão prática, em uma concepção de unidade dialética entre teoria e prática. Resultados e Discussão Para a pedagogia histórico-crítica, o trabalho educativo se define como o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens (SAVIANI, 2013, p. 13) e disso deve decorrer, como tarefa da educação, a identificação dos elementos culturais necessários para a humanização dos indivíduos. Nesse sentido, Duarte (2015) pondera que, como o desenvolvimento do gênero humano está permeado pela luta de classes, estes elementos culturais estão necessariamente marcados pela luta ideológica associada, isto é, por uma luta entre concepções de mundo conflitantes. Considerando, primeiramente, que a formação de conceitos científicos ocorre de maneira diferente ou mesmo inversa da de conceitos espontâneos (VIGOTSKI, 2004) e que o pensamento cotidiano possui, também, uma atuação limitada na formação da concepção de mundo, o trabalho educativo deve ser dirigido em direção à conquista de níveis cada vez mais elevados de elaboração consciente da concepção de mundo (DUARTE, 2015, p. 14). Nesse sentido, a 1 Entendemos aqui as perspectivas críticas de educação como as perspectivas que concebem uma relação dialética entre educação e sociedade e educação e política, de modo que a educação seja vista como meio para a transformação do modo de produção capitalista (SAVIANI, 2012a). 2
seleção e a organização dos conteúdos escolares devem ser pensadas como socialização dos conhecimentos clássicos artísticos, científicos e filosóficos (DUARTE, 2015). Portanto, defendemos aqui que os conteúdos e conceitos de biologia são uma objetivação genérica produzida no desenvolver histórico da humanidade, devendo ser necessariamente apropriada pelos alunos para sua humanização. Como definem Duarte et al (2012) para a arte, a biologia deve ser ensinada como objetivação capaz de desfitichizar o cotidiano e ir além da aparência das coisas, contribuindo para uma visão imanente da realidade. A formação de uma concepção de mundo materialista, histórica e dialética também requer, no caso da biologia, uma abordagem histórica e um posicionamento específico em relação à religião. No primeiro caso, o ensino deve favorecer uma visão externalista de ciência, ao denotar as relações entre a sociedade e as práticas científicas (SANTOS, 2005). Deve também concebê-la como saber totalizante, distinguindo objetividade de neutralidade e superando tanto o relativismo quanto o dogmatismo quando da seleção dos conteúdos (DUARTE et al, 2012; DUARTE, 2015). Em relação ao segundo ponto, o ensino de biologia não deve reconhecer na religião nenhuma autoridade de ensino, visto que a alienação religiosa é parte da alienação generalizada do sistema capitalista, ocultando e justificando as forças do capital (DERISSO, 2014). Desse modo, os conteúdos escolares se posicionam no embate ideológico ao favorecer uma compreensão materialista da realidade objetiva, ao mesmo tempo em que contribuem para a formação humana mesmo sem necessariamente se relacionar à temática da exploração da classe trabalhadora. A metodologia de ensino da pedagogia histórico-crítica prevê também o momento da catarse, que se define como a elaboração sintética do conhecimento pelo aluno, em que os instrumentos culturais apropriados se tornam um elemento de transformação social (GASPARIN, 2005; SAVIANI, 2012a). Mais do que isso, a catarse é um salto qualitativo na consciência dos indivíduos, em que estes não só se apropriam do conhecimento, mas estabelecem uma relação consciente e intencional com ele, se homogeneizando com o gênero humano (DUARTE, 1999). No caso da biologia, a intenção é que aconteça um salto qualitativo na relação consciente entre o aluno e o conhecimento científico biológico, sendo a expressão da superação de concepções comumente antropomórficas e teleológicas sobre a natureza. Isto significa que a apropriação de conceitos centrais da biologia, como a teoria evolutiva e a do ecossistema, se sintetiza como uma visão imanente da realidade, ou no caso, da natureza. 3
Considerações finais A pedagogia histórico-crítica, enquanto teoria pedagógica marxista, busca a superação da estrutura social capitalista. No entanto, considerando que o trabalho educativo deve incidir na formação de uma concepção de mundo materialista, histórica e dialética, a relação entre a educação e a prática social se dá por uma dimensão mediata, na qual deve atuar o ensino de biologia com um papel específico na formação humana em relação à totalidade da educação escolar, qual seja influir na relação entre a consciência subjetiva do aluno e o conhecimento sobre a natureza. Referências: BENITE, A. M. C. Considerações sobre o enfoque epistemológico do materialismo históricodialético na pesquisa educacional. Revista Ibero-americana de Educação, n. 50/4, p. 1-15, ago. 2009. CAMPOS, L. M. L. et al. Mapeando aproximações entre Pedagogias Críticas e Ensino de Ciências Biológicas. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 9, 2013. Águas de Lindoia. Atas... Rio de Janeiro: ABRAPEC, 2013. CAMPOS, L. M. L.; DAL RI, C. S.; SANTOS, F. S. S.; SILVA, C. R. P. Qual a maior contribuição do ensino de ciências à sociedade? O que revelam professores da educação infantil ao ensino médio. Revista da SBEnBio, v. 7, p. 4952-4964, 2014. DERISSO, J. L. O marxismo e a religião. In: JORNADA DO HISTEDBR, 12; SEMINÁRIO DE DEZEMBRO, 10, 2014. Caxias, MA. Anais... Caxias, MA: HISTEDBR-MA/CESC, 2014. Pp 883-903. DUARTE, N. A importância da concepção de mundo para a educação escolar: porque a pedagogia histórico-crítica não endossa o silêncio de Wittgenstein. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v. 7, n. 1, p. 8-25, jun. 2015.. Educação escolar, teoria do cotidiano e a Escola de Vigotski. 2. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 1999. et al. O marxismo e a questão dos conteúdos escolares. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL, 9, 2012. João Pessoa. Anais eletrônicos... João Pessoa: UFPB, 2012. Pp 3953-3979. GASPARIN, J. L. Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica. 3. ed. rev. Campinas, SP: Autores Associados, 2005. KONDER, L. O que é dialética. 5ª reimpr., 28ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2004. 4
SANTOS, C. S. Ensino de Ciências: Abordagem Histórico-Crítica. Campinas, SP: Armazém do Ipê (Autores Associados), 2005. SAVIANI, D. Escola e democracia. 42. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2012a.. Marxismo, educação e pedagogia. In: SAVIANI, D.; DUARTE, N. (Org.) Pedagogia histórico-crítica e luta de classes na educação escolar. Campinas, SP: Autores Associados, 2012b.. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11. ed. rev. Campinas, SP: Autores Associados, 2013..; DUARTE, N. Prefácio. In: SAVIANI, D.; DUARTE, N. (Org.) Pedagogia históricocrítica e luta de classes na educação escolar. Campinas, SP: Autores Associados, 2012. SLONGO, I. I. P. A produção acadêmica em ensino de biologia: um estudo a partir de teses e dissertações. Tese (Doutorado em Educação). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004. VIGOTSKI, L. S. Psicologia pedagógica. Trad. Paulo Bezerra. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. 5