Intensificação e precarização do trabalho docente nas universidades federais brasileiras.

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Transcrição:

Intensificação e precarização do trabalho docente nas universidades federais brasileiras. Eje 6. El Estudio de la Economía y el Derecho Paula Alves P. da Silva 1 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação Universidade Federal Fluminense Resumo Essa análise tem como objetivo apontar as transformações ocorridas no mundo do trabalho a partir da década de 1990 e o seu impacto sobre o trabalho docente nas universidades públicas brasileiras. A mudança no modelo de gestão do trabalho do fordismo/taylorismo para a atual acumulação flexível juntamente com a ascensão da ideologia neoliberal trouxe graves consequência para os trabalhadores. No caso do trabalho docente, os impactos dessas mudanças têm levado à intensificação e a precarização das suas atividades ocasionando, em muitos casos, no aumento de doenças decorrentes do excesso trabalho. Demonstraremos o papel cumprindo pelas reformas educacionais do ensino superior brasileiro realizado a partir da década de 1990 na consolidação desse modelo intensificado de exploração do trabalhador docente. Palavra chave: Mundialização do capital, superexploração do trabalho, reforma neoliberal do Estado e da educação. Apresentação Os trabalhadores do século XXI enfrentam um cenário de profundas alterações no chamado mundo do trabalho. A partir da mundialização do capital desenvolveu-se um complexo de reestruturação produtiva que impactou diretamente a classe trabalhadora 2 tendo como um dos seus resultados as atuais formas precarizadas e 1 Endereço Lattes: http://lattes.cnpq.br/1184081163851171 2 A concepção desenvolvida nesse artigo compreende como classe trabalhadora a totalidade dos assalariados, homens e mulheres que vivem da venda de força de trabalho, não se restringindo aos trabalhadores manuais diretos, incorporando também a totalidade do trabalho social, a totalidade do

intensificadas de exploração da força de trabalho. Em países de capitalismo dependente como o Brasil, essas mudanças têm conformações particulares predominando a superexploração dos trabalhadores colocando-os em situações de trabalhos cada vez mais aviltantes. A conversão do neoliberalismo em ideologia dominante também alterou a correlação de forças na relação capital-trabalho, atingindo a classe trabalhadora que viu muito dos seus direitos conquistados no período anterior serem destruídos. O impacto no campo social e político foi imediato, tal ideologia coloca que a luta central não deve mais ser em torno do aumento dos direitos trabalhistas, mas sim dos direitos individuais ou direitos do consumidor, acompanhado disso uma série de reformas econômicas, políticas e sociais são realizadas para acomodar a sociedade a esse ideário. Privatizações, terceirizações e, principalmente, alterações nas leis trabalhistas entram na pauta do dia afetando diretamente os trabalhadores. Esse reordenamento promovido pelo capital atingiu também as universidades federais brasileiras que passam a se orientar cada vez mais pelo ethos do mercado. O papel da educação escolar passa por uma série alterações e, consequentemente, o trabalho docente adquire novos contornos que merecem ser analisados. Portanto, o objetivo central desse artigo é apontar alguns dos impactos que os novos processos de trabalho têm causado sobre o trabalhador docente. Na primeira parte do artigo faremos um breve resgate sobre as chamadas mutações do mundo do trabalho a partir da década de 1990, na segunda parte discorreremos sobre como se configura essas alterações em um país de capitalismo dependente como o Brasil e, finalmente, apontaremos o impacto que esses processos têm causado a educação superior e ao trabalho docente nas universidades federais brasileiras. 1. Precarização e intensificação do trabalho no regime de acumulação flexível David Harvey (2008) analisando a transição do regime de acumulação do capitalismo no final do século XX aponta que existem duas áreas de dificuldade num sistema econômico capitalista que precisam ser negociadas: a qualidade anárquica dos mercados de fixação de preços (sofrem influência da ação do Estado ou de grandes trabalho coletivo que vende sua força de trabalho como mercadoria em troca de salário. (ANTUNES e ALVES, 2004).

corporações e instituições poderosas) e a necessidade de exercer suficiente controle sobre a força de trabalho (a disciplinarização da força de trabalho para os propósitos de acumulação do capital). Essas duas dimensões alteraram com a transição do fordismotoylorismo 3 para o atual sistema de acumulação flexível, tais mudanças ocorrem como forma de superar a crise do capital que vigorou a partir de 1945. As contradições do sistema de produção fordista alcançou o ápice nos países centrais, o Estado de bemestar social 4 entrou em falência e constatou-se que os seus benefícios não chegavam a todos, a classe trabalhadora continuava insatisfeita, principalmente diante da burocratização de seus sindicatos e do aumento crescente da fileira dos excluídos. Abrase, então espaço para um processo de transição e um novo regime de acumulação começa a ser gestado. Esse novo regime é denominado como acumulação flexível sendo marcado por um confronto direto com a rigidez do fordismo-taylorismo. Podemos apontar como principais manifestações desse modelo de produção os seguintes elementos: flexibilidade dos processos de produção e dos produtos de trabalho com a introdução das novas tecnologias da microeletrônica na produção e; alterações na gestão da força de trabalho com o avanço de iniciativas organizacionais de envolvimento do trabalhador. Para os trabalhadores tais processos expressa-se na fragmentação da classe exigindo dos sindicatos e partidos políticos novas estratégias de ação na intensificação e precarização das condições de trabalho e, finalmente, na gestão da força de trabalho por meio da tentativa de captura integral da subjetividade do trabalhador pela lógica do capital. (HARVEY, 2008; ALVES, 2000; ANTUNES e ALVES, 2004). É importante nesse momento desenvolvermos melhor o debate acerca dos impactos da acumulação flexível sobre o trabalhador. Começaremos com o conceito de precarização do trabalho. Segundo nos alerta Giovanni Alves (2007), a principal forma de precariedade social é o sistema de trabalho assalariado que predomina nas sociedades burguesas há séculos. O autor coloca que, 3 Sistema de produção e acumulação capitalista vigente do pós-guerra à década de 70, marcado por uma política de controle e gerência do trabalho, bem como pela produção de produtos em massa para consumo em massa. Ver mais em: ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho: Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. Campinas, SP: Cortez, 1995. 4 Estado de Bem-Estar Social ou Welfare State surgiu no contexto de formação dos estados nacionais, sendo um modelo estatal de intervenção que implantou e implementou sistemas de proteção social, especialmente a partir do segundo pós-guerra.

[...] a precariedade do mundo do trabalho é uma condição histórico-ontológica da força de trabalho como mercadoria. Desde que a força de trabalho se constitui como mercadoria, o trabalho vivo carrega o estigma da precariedade social. (ALVES, 2007, p 113). Desse modo, precisamos entender a precariedade como uma condição do sistema capitalista e a precarização como um processo que possui irremediável dimensão histórica determinada pela luta de classe e pela correlação de forças políticas entre capital e trabalho (Idem, p. 114). No momento atual sob a hegemonia do neoliberalismo a precarização do trabalho assume formas próprias, marcada pela diminuição ou ausência de seguridade e previdência social; falta de confiança na representação política e sindical; no aumento crescente de trabalhadores desempregados e; na ampliação dos contratos de trabalhos atípicos tais como os terceirizados, subcontratados, etc. Importante registrar que a operacionalização dessas mudanças não se dá apenas na dimensão do local de trabalho e das relações salariais, mas também das relações sociais de produção e reprodução da vida social. (Ibidem, p. 133). A precarização atinge a totalidade da vida social e o predomínio de valores mercantis e individualistas ocultam as reais contradições da sociedade de classe. É através da captura da subjetividade do trabalhador que o toyotismo consegue criar todo um complexo de inovação sócio-metabólicas que, por um lado, estende a produção (e o discurso do produtivismo do capital) para a totalidade social e, por outro lado, reduz a vida social à lógica neoprodutivista do toyotismo (ALVES, 2007, p. 189). Palavras-chaves como competência, empregabilidade, empreendedorismo são discursos empresariais que passam a fazer parte do cotidiano dos trabalhadores. O objetivo é fazer com que esses valores estendam-se para a totalidade da vida social, levando-os, por exemplo, a buscarem melhorar a qualificação para o próprio capital, transferindo para o trabalhador o que antes em sua maioria era realizado pelo capital. Diante disso, temos um aumento da alienação/estranhamento em relação ao trabalho principalmente nos estratos mais precarizados, conforme coloca Antunes e Alves (2004), Sob a condição da precarização, o estranhamento assume a forma ainda mais intensificada e mesmo brutalizada, pautada pela perda (quase) completa da dimensão de humanidade. Nos estratos mais

penalizados pela precarização/exclusão do trabalho, o estranhamento e o fetichismo capitalista são diretamente mais desumanizadores e bárbaros em suas formas de vigência. (ANTUNES e ALVES, 2004, p. 348). O resultado é a penetração dos valores mercantis na esfera da vida privada. Não há exagero quando se diz você é o que você consome, essa máxima pode ser percebida facilmente pelo consumo desenfreado de bens materiais e imateriais, a realização do sujeito se dá na esfera do mercado 5. Dos serviços públicos cada vez mais privatizados, até o turismo, no qual o tempo livre é instigado a ser gasto no consumo dos shoppings, são enormes as evidências do domínio do capital na vida fora do trabalho, [...] A alienação/estranhamento e os novos fetichismos que permeiam o mundo do trabalho tendem a impedir a autodeterminação da personalidade e a multiplicidade de suas qualidades e atividades. (Idem, 2004, p. 349). A precarização e intensificação do trabalho é a marca da atual fase de expansão do capital. Os trabalhadores encontram um cenário de exploração intensa de sua força de trabalho e da captura da sua subjetividade, e aqui os docentes também são afetados por essa ofensiva do capital sendo impelidos a presenciar a deteriorização da sua condição de trabalho e a penetração cada vez maior da lógica do mercado na área educacional. No próximo tópico iremos apontar as particularidades históricas desse processo num país de capitalismo dependente como o Brasil. 2. Capitalismo dependente e a superexploração da força de trabalho Partimos do conceito de capitalismo dependente desenvolvido pelo teórico brasileiro Florestan Fernandes para compreendermos como se manifesta a atual fase de expansão do capital em um país dependente. Julgamos necessário realizar tal empreendimento, pois a nossa formação social possui particularidades que a difere dos países centrais de modo que processos como a reestruturação produtiva, apesar de serem mundiais, impactam de forma diferente em cada região. 5 Destacamos que tal processo sempre ocorre em um campo de disputa entre a alienação e desalienação, não sendo nunca algo mecânico, e sim marcado por conflitos e mediações.

Segundo Florestan Fernandes (2008), capitalismo dependente é uma forma particular e especifica do desenvolvimento do capitalismo no seu atual momento monopolista, sociedades desse tipo (dependente) são caracterizadas por economia de mercado capitalista destituída de auto-suficiência e possuidora, no máximo, de uma autonomia limitada. O capitalismo dependente é marcado pela heteronomia cultural 6, sua dinâmica de crescimento e desenvolvimento é sempre decidida pelos fatores externos 7, assim há direção, controle, apropriação e expropriação das economias dependentes pelas economias hegemônicas (LIMOEIRO, 2005, p.20). Essa dominação externa manifesta-se em um país dependente por meio da superexploração da classe trabalhadora por parte das classes dominantes locais, é através dessa superexploração que a burguesia local mantém seus privilégios e garante a partilha do excedente econômico com as burguesias das economias hegemônicas. (Idem, 2005). No atual cenário marcado pela mundialização do capital, a superexploração do trabalho intensifica-se. Tendo como referência o pensamento do teórico brasileiro Ruy Mauro Marini 8, Amaral e Carcanholo (2012) aponta na mesma direção que Florestan Fernandes ao afirmar que a superexploração do trabalho possibilita a continuidade do processo de acumulação capitalista em uma economia dependente. Os autores citam quatro formas principais de superexploração que atuam de forma isolada e combinada: a) o aumento da intensidade do trabalho; b) o prolongamento da jornada de trabalho; c) a apropriação, por parte do capitalista, de parcela do fundo de consumo do trabalhador [...]; d) a ampliação do valor da força de trabalho sem que seja pago o montante necessário para o tal. (AMARAL e CARCANHOLO, 2012, p.99). Essas formas de superexploração do trabalho enumeradas anteriormente são uma realidade constitutiva dos países de capitalismo dependente como o Brasil. No entanto, a partir dos anos de 1990 tomaram proporções maiores com as políticas neoliberais que 6 Segundo Limoeiro (2005), estudiosa das obras de Florestan Fernandes, heteronomia cultural ocorre com a introjeção de valores e disposições subjetivas dos centros de dominância pelos satélites submetidos a essa dominância. 7 O capitalismo dependente não decorre exclusivamente da dominação externa, seu desenvolvimento atendeu, e atende aos interesses da burguesia brasileira, sendo que ela é conivente com o grande capital internacional e aproveita das vantagens que essa relação lhe proporciona, formando assim um padrão compósito de hegemonia. Ver mais em: FERNANDES, F. Sociedade de classe e subdesenvolvimento. São Paulo: Global, 2008. 8 Ver: MARINI, Ruy. Dialética da dependência. In: STÉDILE, João Pedro; TRANSPADINI, Roberta. Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2005.

privatizaram os serviços sociais, promovendo a abertura da economia e aumentando a intensificação e precarização da força de trabalho. O neoliberalismo caracteriza-se enquanto ideologia, movimento intelectual e político, possuindo dois postulados fundamentais: a apologia do livre mercado e as críticas à intervenção estatal. Esse dois postulados vão abrir uma nova frente de acumulação capitalista para a burguesia envolvendo; 1) a privatização de empresas estatais, 2) a desregulamentação dos mercados e, 3) a transferência de parcelas crescentes da prestação de serviços sociais como a educação para o setor privado (GALVÃO, 2002). O papel do Estado Burguês mostra-se fundamental, em especial, no tratamento que irá dedicar ao funcionalismo público brasileiro. Os governos implementam uma política de redução de servidores e de arrocho salarial, no caso das universidades federias brasileiras a ausência de funcionários (técnico-administrativos e docentes) e o abandono das estruturas dessas instituições (sala de aulas, laboratórios,etc.) principalmente a partir dos anos de 1990, é uma realidade fácil de ser observada e ainda predominante nos dias de hoje. A educação superior e os servidores públicos federais são afetados por uma série de reformas tendo como objetivo flexibilizar tanto a educação pública superior quanto o trabalho desses profissionais. No próximo tópico iremos apresentar de forma sucinta quais foram essas reformas e seu o impacto sobre o trabalho docente. 3. O trabalho docente na contra-reforma da educação superior Sob a orientação dos organismos internacionais (Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização Mundial do Comércio) que elaboraram uma série de documentos 9 destinados à educação dos países dependentes, a burguesia local em parceria com os governos neoliberais 10 executam sua agenda na educação superior. 9 Alguns desses documentos são: La enseñanza superior. Las lecciones derivadas de la experiência (1994); o Documento Estratégico do Banco Mundial: a Educação na América Latina e Caribe (1999); Educación superior en los países en desarrollo: peligro y promesas (2000); Educación superior en los países en desarrollo: peligro y promesas (2002). Acesso em junho de 2012. 10 Não haverá espaço nesse artigo para discutirmos o papel do Estado na implementação da agenda neoliberal. Cabe registrarmos que consideramos os últimos cinco governos brasileiros (Fernando Collor de Mello, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luis Inácio Lula da Silva) cada um com a sua especificidade como governos neoliberais. Para aprofundar, ver: ANTUNES, Ricardo. A desertificação neoliberal no Brasil: Collor, FHC e Lula. Campinas: Autores Associados, 2005.

Entendemos que essas reformulações, principalmente a partir do ano de 2003, fazem parte da contra-reforma na educação superior e segundo Lima (2007), tem como objetivos principais: a) o alívio da pobreza, que se amplia e se aprofunda nos países da periferia, constituindo a política educacional como uma política internacional de segurança do capital; b) a difusão de um novo projeto de sociabilidade burguesa; c) a constituição de uma promissora área de investimento para o capital internacional em busca de novos mercados e novos campos de exploração lucrativa. (LIMA, 2007, p.125). Essas alterações na educação superior já foram ou estão sendo implementadas por uma série de leis, decretos e portarias que alteram substantivamente a estrutura das universidades públicas brasileiras. As medidas de maior impacto podem ser assim resumidas: 1) SINAES Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior; 2) PROUNI Programa Universidade para todos; 3) Lei de Inovação Tecnológica; 4) Fundações de Apoio; 5) Educação a distância; 6) REUNI Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais 11. Não será possível nos limites desse artigo aprofundar no significado de cada uma dessas medidas enumeradas anteriormente, todavia podemos afirmar que todas elas têm em comum a diluição da fronteira entre o público e o privado. A educação, portanto, deixa de ser concebida como direito social e passa a ser vista como mais mercadoria a ser consumida. O professor torna-se dentro dessa lógica um prestador de serviço educacional ficando responsável por preparar o estudante futuro profissional para a competitividade e para empregabilidade, reforçando assim os ideais neoliberais. O Estado passa a cumprir a função de fiscalizador das universidades, racionalizando seus gastos através do estabelecimento de avaliações custo-benefício e incentivando formas privadas de financiamento. Portanto, as universidades públicas brasileiras são estimuladas a funcionarem na mesma lógica do mercado buscando maior eficiência, competitividade e produtividade com o objetivo de dar respostas às necessidades do capital produtivo. Segundo Roberto Leher (2005) uma das consequências é a conversão das universidades em organizações pertinentes com o capitalismo dependente. 11 Ver mais em: NEVES, Lucia Maria; SIQUEIRA, Ângela (org). Educação Superior: uma reforma em processo. São Paulo: Xãma, 2006.

As instituições gozam de reduzida autonomia didático-ciêntifica, pois cada vez mais, um conjunto de normas e diretrizes elaboradas pelo Executivo instam-nas a se engajar na formação de quadros com modesto perfil acadêmico. No que diz respeito às pesquisas, essas diretrizes sinalizam que a investigação deve servir, de um lado, para a captação de recursos adicionais, fazendo frente à dramática penúria financeira e, de outro suprir as necessidades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) que, conforme experiência capitalista internacional comprova, deveriam ser desenvolvidas pelas empresas. (LEHER, 2005, p.239). Dos trabalhadores docentes exigi-se também mais produtividade, levando a intensificação do seu trabalho. No próximo tópico iremos apresentar melhor esses impactos no cotidiano dos professores universitários. 4- Intensificação e precarização do trabalho docente O cotidiano das universidades vem sendo tomado pela lógica empresarial em que o máximo de produtividade e eficiência é exigido, tal exigência não coaduna com a forma particular que envolve a produção autônoma de conhecimentos científicos. Segundo Deise Mancebo (2007) as consequências desse processo são múltiplas para um professor universitário e aponta três aspectos que merecem consideração: a precarização do trabalho; a flexibilização das tarefas; e uma nova relação que se estabelece com o tempo de trabalho. Segundo a autora a precarização do trabalho docente é nítida nas universidades públicas onde proliferam contratações temporárias de professores, pagos por hora aula ministrada em turmas de graduação. Esse professor não participa do importante tripé da universidade pesquisa, ensino e extensão tornando-se apenas responsável pelas aulas. A necessidade de contratação temporária deve-se ao reduzido orçamento das instituições federais que impede a contratação de professores com dedicação exclusiva, cabe aos temporários tapar um buraco que é as aulas, porém as outras atividades acadêmicas como extensão, pesquisa, orientações, atividades da pós-graduação, participação em conselhos internos da universidade, etc., ficam sob a responsabilidade dos professores com dedicação exclusiva. As consequências para os docentes são bastante problemáticas,

Intensifica o trabalho, aumenta o sofrimento subjetivo, neutraliza a mobilização coletiva e aprofunda o individualismo, atingindo obviamente, não somente os trabalhadores precários, mas carregando grandes consequências para a vivência e conduta de todos aqueles que trabalham nas instituições de ensino superior. (MANCEBO, 2007, p. 77). A flexibilização de tarefas, aspecto levantado pela autora, ocorre com as novas atribuições destinadas aos professores em grande parte devido a informatização dos serviços que geraram uma série de demandas que antes eram executas pelos funcionários técnicos administrativos (relatórios, formulários, emissão de pareceres, captação de recursos, etc.) e que agora consomem uma quantidade de considerável de tempo dos professores. O último ponto levantado por Mancebo (2007) refere-se a relação estabelecida com o tempo, relação na qual pode-se verificar não só uma aceleração da produção docente, bem como o prolongamento do tempo que o professor despende com o trabalho. (Idem, p. 77). A jornada do professor continua ao retornar para casa, uma série de tarefas necessita ser executadas tais como: correção de provas, produção de artigos ou livros, leitura de monografias, dissertações e teses, preparação de aulas, ou seja, atividades impossíveis de serem realizadas durante a jornada normal de trabalho. Discutimos em outro tópico que a superexploração do trabalho em países de capitalismo dependente ocorre por meio do aumento da intensidade do trabalho, do prolongamento da jornada de trabalho e da ampliação da força de trabalho. O trabalho docente hoje é marcado por essas características, de modo que o professor sofre com a superexploração da sua força de trabalho e as consequências desse quadro têm sido as mais adversas possíveis. O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior ANDES-SN tem denunciado o crescente adoecimento dos professores 12 devido às atuais condições de trabalho vivenciadas pelas universidades federais brasileiras, tal fato demonstra que a superexploração do trabalho docente é uma realidade concreta vivenciada por uma quantidade cada vez maior de professores. Considerações finais 12 Ver mais em: ANDES. Universidade e Sociedade Ano XXII. Brasília

No momento em que terminamos de redigir esse artigo os professores das universidades federais brasileiras acabam de completar 103 dias de greve 13. No total são mais 50 instituições federias que paralisaram total ou parcialmente a suas atividades. A pauta da greve além das reivindicações salariais denuncia também a falta de estrutura e funcionários nas universidades. Essa forte greve aponta que esse cenário complicado pelo qual passa as universidades federais brasileiras só será possível de ser revertido por meio de ações coletivas que exijam outro modelo de educação. A atual greve já é uma das maiores greves da categoria dos últimos anos, demonstra que a situação de superexploração dos professores é cada dia mais real e insuportável. Referências Bibliográficas ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez; Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1995. ANTUNES. R. ALVES, G. As mutações no mundo do trabalho na era da mundialização do capital. 2004. Disponível em http://www.praxis.ufsc.br:8080/xmlui/bitstream/handle/praxis/122/as%20muta%c3%a 7%C3%B5es%20no%20mundo%20do%20trabalho%20na%20era%20da%20mundializ a%c3%a7%c3%a3o%20do%20capital.pdf?sequence=1 Acesso em 07 de agosto de 2012. ALVES, G. O novo (e precário) mundo do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2000. FERREIRA, C. OSÓRIO, J. LUCE, M (orgs.). Padrão de Reprodução do Capital. São Paulo: Boitempo, 2012. FERNANDES, F. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. 5.ed. São Paulo: Global, 2008. GALVÃO, A. Neoliberalismo e reforma trabalhista no Brasil. Tese de doutoramento em Ciências Sociais, Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2003. HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Ed. Loyola, 2003. 13 Ver mais em http://exame.abril.com.br/brasil/educacao/noticias/professores-universitariosanunciam-amanha-decisao-de-greve. Acesso em 30 de agosto de 2012.

LEHER, R. Florestan Fernandes e a universidade no capitalismo dependente. In FÁVERO, Osmar (Org.). Democracia e educação em Florestan Fernandes. Campinas, São Paulo: Autores Associados. Niterói, Rio LIMA, K. Contra-reforma na educação superior: de FHC a Lula. São Paulo, Xãma, 2007. LIMOEIRO-CARDOSO, M. Sobre a teorização do capitalismo dependente em Florestan Fernandes. In FÁVERO, Osmar (Org.). Democracia e educação em Florestan Fernandes. Campinas, São Paulo: Autores Associados. Niterói, Rio MANCEBO, D. Trabalho Docente: Subjetividade, Sobreimplicação e Prazer. Psicologia. Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 20, n.1, p. 74-80, 2007. NEVES, Lucia Maria W.; SIQUEIRA, Ângela (org.). Educação superior: uma reforma em processo. SP: Xamã, 2006.