Israel de Lucena Martins Ferreira e Tiago Pessoa Tabosa e Silva 1. DESCRITORES: Esquistossomose. Mortalidade. Epidemiologia. Schistosoma mansoni.

Documentos relacionados
Trabajo presentado en el VI Congreso de la Asociación Latinoamericana de Población, realizado en Lima-Perú, del 12 al 15 de agosto de 2014

Formas Hepatosplênicas da Esquistossomose Mansônica no Interior do Nordeste do Brasil

MORBIMORTALIDADE DA POPULAÇÃO IDOSA DE JOÃO PESSOA- PB

Internação hospitalar e mortalidade por esquistossomose mansônica no Estado de Pernambuco, Brasil, 1992/2000

Pró-Reitoria Acadêmica Escola de Saúde e Medicina Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Gerontologia

INDICADORES DE SAÚDE I

ANÁLISE DA MORTALIDADE E DISTRIBUIÇÃO DE NEOPLASIA CUTÂNEA EM SERGIPE NO PERIODO DE 2010 A 2015 RESUMO

ÓBITOS DE IDOSOS POR DEMÊNCIAS NA REGIÃO NORDESTE DO BRASIL: PANORAMA DE UMA DÉCADA

SITUAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA DA LEISHMANIOSE VISCERAL NA PARAÍBA: UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA

J. Health Biol Sci. 2016; 4(2):82-87 doi: / jhbs.v4i2.659.p

NOVA PERSPECTIVA DA EPIDEMIA DO HIV: INCIDÊNCIA DE HIV EM IDOSOS NO ESTADO DE ALAGOAS NA ÚLTIMA DÉCADA

EPIDEMIOLOGIA. Profª Ms. Karla Prado de Souza Cruvinel

Análise preliminar do Sistema de Informação do Programa de Controle da Esquistossomose no período de 1999 a 2003

TÍTULO: INCIDÊNCIA DE AIDS NA POPULAÇÃO DE 50 ANOS OU MAIS EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO-SP, NO PERÍODO DE 2003 A 2013

Mortality trends due to tuberculosis in Brazil,

INTERNAÇÕES HOSPITALARES DE IDOSOS POR PROBLEMAS PROSTÁTICOS NO CEARÁ NO PERÍODO

INDICADORES DE SAÚDE I

Análise crítica da estimativa do número de portadores de esquistossomose mansoni no Brasil

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

INDICADORES SOCIAIS (AULA 3)

Análise de custo-efetividade regional da vacinação universal infantil contra hepatite A no Brasil

Palavras-chave: doenças parasitárias; esquistossomose; educação em saúde. Keyword: parasitic diseases; schistosomiasis; health education.

DESIGUALDADES SOCIAIS E MORTALIDADE INFANTIL NA POPULAÇÃO INDÍGENA, MATO GROSSO DO SUL. Renata PalópoliPícoli

COBERTURA VACINAL E FREQUÊNCIA DE ÓBITOS POR FEBRE AMARELA NAS MACRORREGIÕES DO BRASIL

ESQUISTOSSOMOSE EM TRABALHADORES DA USINA CATENDE, PERNAMBUCO, BRASIL*

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS PACIENTES DIAGNOSTICADOS COM HIV NO BRASIL NA DÉCADA

ANÁLISE DE COMPLETUDE DAS FICHAS DE NOTIFICAÇÃO DA HANSENÍASE, DE RESIDENTES DO MUNICÍPIO DE PETROLINA (PE), NO PERÍODO DE 2011 A 2016

Mortalidade por epilepsia no Brasil, Mortality from epilepsy in Brazil,

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DA ESQUISTOSSOMOSE EM COMUNIDADE PERIFÉRICA DO MUNICÍPIO DE JEQUIÉ-BA

ANÁLISE DOS DADOS DE MORTALIDADE DE 2001

Aula 7 Limitações e qualidade dos dados de saúde 119

Informe Epidemiológico- Câncer de Mama

TENDÊNCIAS DA INCIDÊNCIA DA AIDS NO BRASIL E SUAS REGIÕES

HEPATITES VIRAIS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS EM IDOSOS: BRASIL, NORDESTE E PARAÍBA

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS CASOS DE HEPATITE A NOTIFICADOS EM UM ESTADO NORDESTINO

TRINTA ANOS DO SISTEMA DE INFORMAÇÕES SOBRE MORTALIDADE NO BRASIL: AVALIAÇÃO. M. Helena P. de Mello Jorge (FSP/USP) EPI 2008 Porto Alegre

Estudo do perfil clínico e epidemiológico da hanseníase no estado do Tocantins, no período de 2004 até os dias atuais

TENDÊNCIA DAS TAXAS DE SUICÍDIO NO MUNICÍPIO DE ALFENAS (MG), 1996 A 2012

CASOS DE SCHISTOSOMA MANSONI EM CIDADES PARAIBANAS ASSISTIDAS PELO PROGRAMA DE CONTROLE DE ESQUISTOSSOMOSE

DOENÇA DE PARKINSON NA VIDA SENIL PANORAMA DAS TAXAS DE MORBIMORTALIDADE E INCIDÊNCIA ENTRE AS REGIÕES BRASILEIRAS

Indicadores de Doença Cardiovascular no Estado do Rio de Janeiro com Relevo para a Insuficiência Cardíaca

PREVALÊNCIAS COMPARADAS DOS INTERNAMENTOS POR CONDIÇÕES SENSÍVEIS À ATENÇÃO PRIMÁRIA ENTRE MARINGÁ, PARANÁ E BRASIL

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DE IDOSOS HOSPITALIZADOS EM UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO

MORTALIDADE EM IDOSOS POR DOENÇAS E AGRAVOS NÃO- TRANSMISSÍVEIS (DANTS) NO BRASIL: UMA ANÁLISE TEMPORAL

EPIDEMIOLOGIA DA ESQUISTOSSOMOSE MANSÔNICA NA REGIÃO NORDESTE DO BRASIL NO PERIODO DE 2010 A 2017

PERFIL ANTROPOMÉTRICO DOS USUÁRIOS DE CENTROS DE CONVIVÊNCIA PARA IDOSOS NO MUNICÍPIO DE NATAL- RN

C.15 Taxa de mortalidade específica por afecções originadas no período perinatal

Paróquia Nossa Senhora de Lourdes PROPONENTE: PARÓQUIA N. SRA. DE LOURDES - PE. NATAL BRAMBILLA

Causas de morte em idosos no Brasil *

Unidade: Medidas de Frequência de Doenças e Indicadores de Saúde em Epidemiologia. Unidade I:

A importância do quesito cor na qualificação dos dados epidemiológicos e como instrumento de tomada de decisão em Políticas Públicas de Saúde

Aspectos Epidemiológicos do Acidente Ofídico no Vale do Ribeira, São Paulo, 1985 a 1989

ENFERMAGEM EPIDEMIOLOGIA E VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA. Aula 7. Profª. Tatianeda Silva Campos

Transição demográfica

Experiência Brasileira

MORBIDADE HOSPITALAR E MORTALIDADE POR DIABETES MELLITUS: RECIFE, 2016 e 2017

SITUAÇÃO DA ENDEMIA HANSÊNICA APÓS A IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA DE INTERIORIZAÇÃO DAS AÇÕES DE SAÚDE E SANEAMENTO NO ESTADO DA PARAÍBA

Plano de Ensino-Aprendizagem Roteiro de Atividades Curso: Medicina

do Vale do Araguaia UNIVAR - LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA HUMANA NO MUNICÍPIO DE GENERAL CARNEIRO MATO GROSSO

CÂNCER DE PULMÃO EM IDOSOS NO BRASIL: É POSSÍVEL VENCER ESTA BATALHA?

IMPACTOS NA SAÚDE E NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE BRASILEIRO DECORRENTES DE AGRAVOS RELACIONADOS A UM SANEAMENTO AMBIENTAL INADEQUADO

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DE DOENÇAS CRÔNICAS À PESSOA IDOSA INTRODUÇÃO

Administração de Sistemas e Serviços de Saúde Introdução ao Método Epidemiológico

TUBERCULOSE NA TERCEIRA IDADE NO BRASIL

Indicadores Demográficos. Atividades Integradas III

ESTUDO TÉCNICO N.º 05/ 2012

HANSENÍASE EM IDOSOS NO BRASIL DURANTE O ANO DE 2012

5º CICLO DE ENFERMAGEM. ENF 1081 PROMOÇÃO DA SAÚDE III EIXO TEMÁTICO 21 Medidas de Saúde Coletiva

TR A N A N C A I C ONA N L A L DE D E PR P O R DU D Ç U Ã Ç O Ã EM E

MORTALIDADE DE ADOLESCENTES NO BRASIL, 1977, 1980 E MAGNITUDE E TENDÊNCIAS*

Palavras chaves: Taxa de mortalidade; Câncer de tireoide; Brasil Sudeste. Keywords: Mortality rate; Thyroid cancer; South East Brazil.

CARACTERIZAÇAO SOCIODEMOGRÁFICA DE IDOSOS COM NEOPLASIA DE PULMAO EM UM HOSPITAL DE REFERENCIA EM ONCOLOGIA DO CEARA

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DAS VIOLÊNCIAS INTERPESSOAIS E AUTOPROVOCADAS EM IDOSOS. RECIFE, 2010 A 2017

2 MATERIAL E MÉTODOS 1.1 OBJETIVOS DO TRABALHO

B O L E T I M EPIDEMIOLÓGICO SÍFILIS ano I nº 01

Causas responsáveis pelos maiores gastos globais com internação - SUS Brasil,

MORTALIDADE E LETALIDADE POR LEISHMANIOSE VISCERAL NA REGIÃO NORDESTE DO BRASIL

Análise da demanda de assistência de enfermagem aos pacientes internados em uma unidade de Clinica Médica

ANÁLISE DE TENDÊNCIA DA AIDS EM IDOSOS NO BRASIL E NOS ESTADOS DO NORDESTE BRASILEIRO

DESCRIÇÃO DA MORTALIDADE INFANTIL EM PELOTAS A INTRODUÇÃO

PERFIL DA POPULAÇÃO DE UMA MICRO-ÁREA DA UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE DO BAIRRO FACULDADE DO MUNICÍPIO DE CASCAVEL-PR

ACIDENTES POR ANIMAIS PEÇONHENTOS NA TERCEIRA IDADE: DADOS EPIDEMIOLÓGICOS ( )

CISTICERCOSE BOVINA EM PROPRIEDADES RURAIS DO MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA-MG: INVESTIGAÇÃO E FATORES DE RISCO

6.3. INFECÇÃO PELO VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA Introdução

Inquérito domiciliar de basepopulacional. infecção pelo vírus do dengue em três áreas do Recife.

Estatísticas do Registro Civil 2017

Sistemas de informação em saúde aplicados ao monitoramento da mortalidade materna no estado de Pernambuco, 2000 a 2005

ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO DE SÍFILIS CONGÊNITA EM PALMAS - TOCANTINS.

Indicadores Integrados de Saúde e Ambiente para o Espírito Santo, Brasil

MINISTÉRIO DA SAÚDE/SPS/CONSULTORIA PROGRAMA DE REDUÇÃO DA MORTALIDADE INFANTIL E MATERNA NO NORDESTE BRASILEIRO

MORBIDADE E MORTALIDADE POR CÂNCER DE MAMA E PRÓSTATA NO RECIFE

PROVA DE CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS Cód. 35. Entende-se por comportamento endêmico de uma doença quando:

ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA DOS CASOS DE LEISHMANIOSE VISCERAL NA MACRORREGIÃO DO CARIRI, CEARÁ

ESTUDO DE COMPARAÇÃO DA TENDÊNCIA DA AIDS NO BRASIL, REGIÕES E ESTADOS, DE 1990 A 2012, POR SEXO E FAIXA ETÁRIA

Vigilância Epidemiológica das Doenças Negligenciadas e das Doenças relacionadas à pobreza 2018

MORBIDADE HOSPITALAR

PALAVRAS-CHAVE Morte Fetal. Indicadores de Saúde. Assistência Perinatal. Epidemiologia.

Mortalidade Infantil: Afecções do Período Perinatal

Transcrição:

artigo original MORTALIDADE POR ESQUISTOSSOMOSE NO BRASIL: 1980-2003 Israel de Lucena Martins Ferreira e Tiago Pessoa Tabosa e Silva 1 RESUMO O objetivo deste estudo foi contribuir para a análise da mortalidade por esquistossomose no Brasil, no período de 1980 a 2003. Os dados, obtidos do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e da base demográfica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam redução de 62,9% do coeficiente de mortalidade por esquistossomose no Brasil (0,70/100.000 em 1980 para 0,26/100.000 em 2003). Tal redução, porém, não se deu de modo uniforme ao longo dos anos, tornando-se mais expressiva após 1986 quando foram modificadas as estratégias de controle da esquistossomose no Brasil, o que resultou na maior utilização da quimioterapia. A análise dos óbitos, segundo as características epidemiológicas, evidenciou que a mortalidade foi mais elevada no sexo masculino, nos grupos etários mais avançados e na região Nordeste. DESCRITORES: Esquistossomose. Mortalidade. Epidemiologia. Schistosoma mansoni. INTRODUÇÃO Entre as grandes endemias, a esquistossomose é uma das que apresentam os problemas profiláticos mais difíceis (20). O controle da transmissão da esquistossomose é essencial para a erradicação da doença, pois visa interromper o ciclo evolutivo do parasito (17). Porém, tal controle é difícil em áreas endêmicas por diversas razões, dentre as quais destacam-se: a ampla disseminação dos hospedeiros intermediários; a inexistência de uma vacina eficaz para a prevenção da doença; o longo tempo necessário para a educação sanitária resultar em efetiva adesão da comunidade aos programas de controle e, sobretudo, as dificuldades políticas e econômicas relacionadas ao alto custo das obras de engenharia sanitária que possibilitem o aporte 1 Acadêmicos de Medicina, Universidade Federal do Ceará. Endereço para correspondência: Israel de Lucena Martins Ferreira, Av. Rui Barbosa, n.º 258, apt.º 500, CEP 60.115-220, Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: israellucena@secrel.com.br Recebido para publicação em 14/8/2006. Revisto em 18/12/2006. Aceito em 2/4/2007. Vol. 36 (1): 67-74. jan.-abr. 2007 67

adequado de água para as casas e a adequada eliminação dos dejetos, de modo que seja impedida a contaminação dos recursos hídricos (11, 12, 16). O controle da morbidade e a redução da mortalidade, no entanto, são possíveis por meio da quimioterapia humana com oxamniquine ou praziquantel (26). Há bastante tempo em 1946, precisamente, Jansen (14) já havia sugerido que o tratamento em massa da população de áreas endêmicas era capaz de prevenir o desenvolvimento de formas clínicas graves, letais, da doença fato este confirmado posteriormente por Silva (em 1957) (23), Kloetzel (em 1967) (18) e Bina (em 1981) (5). Mas foi somente em 1984 alguns anos após o desenvolvimento das novas medicações mais eficazes e menos tóxicas, oxamniquine (13) e praziquantel (22) que a Organização Mundial da Saúde recomendou uma mudança na estratégia dos programas de controle da esquistossomose, tornando a quimioterapia humana o componente operacional principal. Assim, deveriam ser tratados todos os casos positivos detectáveis pelos exames de rotina e, regularmente, os grupos de alto risco (por exemplo, crianças em idade escolar) (15, 27). Antes de 1984, a estratégia adotada pelo Programa Especial de Controle da Esquistossomose (PECE) programa criado em 1975, no Brasil, com o objetivo de controlar a esquistossomose (15) baseava-se no tratamento da população humana conforme orientação por inquéritos coproscópicos. Segundo essa metodologia, dever-se-ia tomar como amostra a população de 7 a 14 anos e o tratamento em massa seria feito apenas se a prevalência por município, obtida nos inquéritos, fosse maior que 20%, o que já possibilitou a redução da mortalidade (24, 25, 26). A mortalidade por esquistossomose ocorre principalmente na fase crônica da doença, em sua forma hepato-esplênica. Nessa forma, as manifestações clínicas da doença são decorrentes da hipertensão portal e as principais complicações são a ascite e a formação de varizes gastroesofágicas que, quando rompem, resultam em hemorragias graves e, muitas vezes, fatais (10, 20). As informações sobre os óbitos por esquistossomose constituem elementos importantes para o monitoramento de sua tendência e, conseqüentemente, do impacto de intervenções e políticas públicas voltadas para a sua redução. Além disso, conhecer quem é vulnerável é imperioso quando se pensa em termos de prevenção. Desse modo, a identificação dos grupos populacionais que estão sujeitos a maior risco de morte por esquistossomose constitui uma tarefa imprescindível (21, 26). Reconhecendo que a estimativa da magnitude da mortalidade por esquistossomose no Brasil é essencial para subsidiar processos de planejamento, gestão e avaliação dos programas de controle, este estudo foi realizado com o objetivo principal de analisar o comportamento da mortalidade por esquistossomose no Brasil, no período de 1980 a 2003. MATERIAL E MÉTODOS As informações acerca dos óbitos foram obtidas do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS) (6). Uma das 68 REVISTA DE PATOLOGIA TROPICAL

informações primordiais é a causa básica de óbito, que é codificada com base nas declarações do médico atestante, segundo regras estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde. A partir de 1996, as declarações de óbito passaram a ser codificadas utilizando-se a 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10). Até então era utilizada a 9ª Revisão (CID-9). A esquistossomose, como causa básica de óbito, é denominada na 9ª Revisão de Esquistossomíase e, na 10ª Revisão, de Esquistossomose. Realizou-se um levantamento do número de óbitos de pessoas residentes no Brasil cuja causa básica tenha sido esquistossomose, no período de 1980 a 2003. Após a tabulação dos dados, calculou-se a distribuição percentual dos óbitos por esquistossomose segundo as características epidemiológicas sexo, idade, local de residência e assistência médica. Para o cálculo dos coeficientes de mortalidade foram utilizados dados populacionais obtidos da base demográfica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (7), estratificados segundo a população residente no Brasil, por ano e por característica epidemiológica. Para a estimativa da evolução temporal dos coeficientes de mortalidade, foi utilizada sua variação percentual no período analisado. RESULTADOS No total foram registrados 14.463 óbitos por esquistossomose no Brasil, no período de 1980 a 2003. Em média, ocorreram 602,6 mortes por ano, com cifras extremas de 446 (no ano de 1999) e 834 (no ano de 1980). Houve redução de 62,9% do coeficiente de mortalidade por esquistossomose no Brasil, no período total estudado (0,70/100.000 em 1980 a 0,26/100.000 em 2003). Porém, tal redução não foi uniforme ao longo dos anos (Figura 1). No período de 1980 a 1986, houve redução de 25,7% (0,70/100.000 em 1980 a 0,52/100.000 em 1986) e, no período de 1986 a 2003, houve redução de 50% (0,52/100.000 em 1986 a 0,26/100.000 em 2003). Figura 1. Distribuição temporal dos coeficientes de mortalidade por esquistossomose no Brasil, no período de 1980 a 2003. Vol. 36 (1): 67-74. jan.-abr. 2007 69

A distribuição percentual dos óbitos por esquistossomose, segundo o sexo, evidenciou 8.463 óbitos (58,5%) em indivíduos do sexo masculino e 5.993 óbitos (41,4%) em indivíduos do sexo feminino. O sexo não foi mencionado em sete óbitos (0,05%). O coeficiente de mortalidade por esquistossomose para o sexo masculino sofreu redução de 66,7% (0,84/100.000 em 1980 a 0,28/100.000 em 2003) e o coeficiente de mortalidade para o sexo feminino sofreu redução de 55,4% (0,56/100.000 em 1980 a 0,25/100.000 em 2003). A distribuição percentual dos óbitos por esquistossomose, segundo os grupos etários, (Figura 2) evidenciou 535 óbitos (3,7%) em menores de 20 anos; 3.049 óbitos (21,1%) em indivíduos com idade entre 20 e 39 anos; 5.605 óbitos (38,8%) em indivíduos com idade entre 40 e 59 anos e 5.144 óbitos (35,6%) em indivíduos com 60 anos ou mais. A idade foi ignorada em 130 óbitos (0,9%). O cálculo dos coeficientes de mortalidade por esquistossomose, segundo os grupos etários, evidenciou redução de 98% para indivíduos com menos de 20 anos (0,10/100.000 em 1980 a 0,002/100.000 em 2003); de 87,7% para indivíduos com idade entre 20 e 39 anos (0,81/100.000 em 1980 a 0,10/100.000 em 2003); de 75,1% para indivíduos com idade entre 40 e 59 anos (1,85/100.000 em 1980 a 0,46/100.000 em 2003) e de 24,7% para indivíduos com 60 ou mais anos (2,23/100.000 em 1980 a 1,68/100.000 em 2003). Figura 2. Distribuição percentual do número de óbitos por esquistossomose segundo grupos etários no Brasil, no período de 1980 a 2003. A distribuição percentual dos óbitos por esquistossomose, segundo a região (Figura 3), mostrou que ocorreram 196 óbitos (1,4%) na região Norte; 9.016 óbitos (62,3%) na região Nordeste; 4.675 óbitos (32,32%) na região Sudeste; 272 óbitos (1,9%) na região Sul e 304 óbitos (2,1%) na região Centro-Oeste. O cálculo dos coeficientes de mortalidade por esquistossomose, segundo a região, evidenciou redução de 88,2% na região Norte (0,17/100.000 em 1980 a 0,02/100.000 em 2003); de 50,4% na região Nordeste (1,29/100.000 em 1980 a 0,64/100.000 em 2003); 70 REVISTA DE PATOLOGIA TROPICAL

de 71,4% na região Sudeste (0,63/100.000 em 1980 a 0,18/100.000 em 2003); de 87,5% na região Sul (0,16/100.000 em 1980 a 0,02/100.000 em 2003) e de 73,9% na região Centro-Oeste (0,23/100.000 em 1980 a 0,06/100.000 em 2003). Figura 3. Distribuição percentual do número de óbitos por esquistossomose segundo região brasileira, no período de 1980 a 2003. A distribuição percentual dos óbitos por esquistossomose, segundo a assistência médica, evidenciou a ocorrência de 10.582 óbitos (73,2%) com assistência médica e 377 óbitos (2,6%) sem assistência médica. A assistência médica foi ignorada ou não foi informada em 3.504 óbitos (24,2%). DISCUSSÃO Recomenda-se cautela na interpretação dos dados, uma vez que eles são provenientes dos registros de óbitos no Brasil e apresentam problemas de subenumeração. Todavia, os dados analisados mostram-se consistentes, possibilitando a configuração de um quadro geral da mortalidade por esquistossomose no Brasil. Apesar da evolução do SIM nos últimos anos com aumento na cobertura e notificação dos óbitos, observou-se redução considerável da mortalidade por esquistossomose no Brasil. Logo, tal redução pode estar relacionada à eficácia das medidas de controle da doença no país, sobretudo às estratégias de controle da morbidade. O impacto do tratamento em massa da população das áreas endêmicas na redução da mortalidade pode ser explicado pela substancial redução da prevalência das formas graves da doença, nas décadas de 1980 e 1990 (1, 4, 12, 15). Não se pode deixar de mencionar, no entanto, a possível influência de outros fatores na redução da mortalidade por esquistossomose no Brasil: a melhoria das condições socioeconômicas e sanitárias; as ações de controle dos hospedeiros intermediários; a maior oferta de serviços de saúde e a melhoria na qualidade da assistência médica prestada, principalmente às populações socialmente desfavorecidas. Vol. 36 (1): 67-74. jan.-abr. 2007 71

A redução da mortalidade foi mais expressiva após 1986 quando a modificação das estratégias de controle da esquistossomose no Brasil resultou na maior utilização da quimioterapia. Embora a redução da mortalidade possa ser um ótimo indicador de sucesso das ações de controle, dados da literatura (2) revelam que, paralelamente, as prevalências humanas e o estabelecimento de novos focos de transmissão ativa da parasitose continuam em expansão. Desse modo, a endemia assume uma expressão menos letal, porém largamente incapacitante, provocando danos físicos e morais irreversíveis nas populações afetadas. Além disso, é preocupante a falta de maiores investimentos em ações que visem ao controle da transmissão da doença. As obras de engenharia sanitária (saneamento básico) são pouco priorizadas no Brasil sob o argumento da escassez de recursos financeiros, embora sejam medidas fundamentais para a prevenção e a erradicação da esquistossomose, além de prevenirem muitas outras doenças de veiculação hídrica (4, 11, 16, 17). Em conformidade com os dados de prevalência (21), a mortalidade por esquistossomose foi mais elevada no sexo masculino, que apresentou o maior percentual de óbitos (58,5%) e os coeficientes de mortalidade mais elevados. Importa considerar, porém, que a associação entre sexo e infecção é muitas vezes contraditória. Em geral, atividades ocupacionais, econômicas, entre outras, são mais úteis como indicadores de risco do que simplesmente o sexo. A redução da mortalidade por esquistossomose foi menos acentuada no sexo feminino, talvez em razão das modificações culturais que ocorreram nos últimos anos com a progressiva inserção desse grupo em atividades anteriormente dominadas pelo sexo masculino. A análise da mortalidade por esquistossomose, segundo os grupos etários, permitiu observar que a maioria dos óbitos ocorreu em indivíduos com 40 anos ou mais (percentual acumulado de 74,3%) e os coeficientes de mortalidade foram progressivamente mais elevados com o aumento da idade. A mortalidade maior nas faixas etárias mais avançadas está relacionada não somente ao caráter crônico da enfermidade, mas também a aspectos imunológicos e fisiológicos característicos da idade (21). Além disso, também pode ter contribuído para este achado o fato de a quimioterapia, como medida profilática, ser direcionada prioritariamente para o tratamento de indivíduos mais jovens (por exemplo, crianças em idade escolar). Este parece ser o principal motivo de a redução da mortalidade ter sido menos expressiva nos grupos etários mais elevados, o que não deve causar surpresa, pois o deslocamento das formas hepato-esplênicas para os grupos mais idosos da população já havia sido documentado (3) no Brasil há alguns anos. A análise da mortalidade por esquistossomose, segundo a região, possui algumas limitações decorrentes dos variáveis graus de cobertura do SIM entre as regiões do país, o que prejudica a comparação. Atualmente, considera-se que, nas regiões Sul e Sudeste, os dados do SIM estejam sendo bem coletados. Nas regiões Norte e Nordeste, porém, os dados do SIM ainda apresentam problemas de falta de informação ao sistema (subnotificação) e isso faz com que o coeficiente de 72 REVISTA DE PATOLOGIA TROPICAL

mortalidade calculado seja subestimado. Na região Centro-Oeste, a subnotificação é menor que a encontrada nas regiões Norte e Nordeste (8, 9). Apesar da menor cobertura do SIM na região Nordeste, foi nela que se observou a maior mortalidade; logo, é provável que a mortalidade nesta região seja ainda mais elevada do que a registrada em nosso estudo. A mortalidade mais elevada na região Nordeste está em conformidade com os dados de prevalência (11). Áreas litorâneas e de mata abundantes na região Nordeste reúnem condições ecológicas e de organização do espaço que propiciam intensa transmissão (21). A análise da evolução temporal dos coeficientes permitiu concluir que a redução da mortalidade foi obtida de forma mais expressiva nas regiões que possuíam previamente as menores taxas. Este achado contrasta com o planejamento das atividades de controle da esquistossomose no Brasil, que recomendava a atuação prioritária nas regiões que apresentavam maiores taxas. Isso pode sugerir a influência de outras variáveis além das ações de controle na redução da mortalidade (24). Com relação à mortalidade por esquistossomose segundo a assistência médica, destaca-se o achado de que a quantidade expressiva de 3.504 óbitos (24,2%) teve assistência médica ignorada ou não informada. Isso denota uma má qualidade no preenchimento das declarações de óbito cuja causa básica haja sido a esquistossomose. Essa deficiência decorre, provavelmente, da falta de treinamento, portanto é necessário insistir que os registros de eventos vitais sejam corretamente preenchidos a fim de que as informações geradas sejam úteis para os programas de controle. Os órgãos competentes devem exercer um controle mais rigoroso sobre a qualidade desses registros (19, 21). ABSTRACT Mortality by schistosomiasis in Brazil: 1980-2003 The objective of this study is to contribute for the analysis of mortality by schistosomiasis in Brazil, in the period from 1980 to 2003. The data were obtained through the SIM (Mortality Information System) and from the demographic base of IBGE (Brazilian Institute of Geography and Statistics). There was a reduction of 62,9% in the mortality rate for schistosomiasis in Brazil (0,70/100.000 in 1980 to 0,26/100.000 in 2003). However, such reduction was not uniform throughout the years. The reduction of mortality was more expressive after 1986, when the modification in the schistosomiasis control strategies in Brazil resulted in the largest use of chemotherapy. The analysis of the deaths according to epidemiologic characteristics evidenced that mortality was higher in the male sex, in the more advanced age groups and in the Northeast region. KEY WORDS: Schistosomiasis. Mortality. Epidemiology. Schistosoma mansoni. Vol. 36 (1): 67-74. jan.-abr. 2007 73

REFERÊNCIAS 1. Andrade ZA. The situation of hepatosplenic schistosomiasis in Brazil today. Mem Inst Oswaldo Cruz 93 (suppl.1): 313-316, 1998. 2. Barbosa CS, Silva CB, Barbosa FS. Esquistossomose: reprodução e expansão da endemia no Estado de Pernambuco no Brasil. Rev Saúde Pública 30: 609-616, 1996. 3. Barbosa FS, Gonçalves JF, Melo MCV. Formas hepatosplênicas da esquistossomose mansônica no interior do Nordeste do Brasil. Cad Saúde Pública 11: 325-331, 1995. 4. Barbosa FS. Determination and control of schistosomiasis in Brazil: perspectives and control. Mem Inst Oswaldo Cruz 90: 257-260, 1995. 5. Bina JC. Influência da terapêutica específica na evolução da esquistossomose mansoni. Rev Patol Trop 10: 221-267, 1981. 6. Brasil. Datasus. Informações de Saúde. Disponível em: http://www.datasus.gov.br. 7. Brasil. Fundação IBGE. Informações Estatísticas e Geocientíficas. Disponível em: http://www.ibge.gov.br. 8. Brasil. Ministério da Saúde. Sistemas de Informações sobre Mortalidade (SIM) e Nascidos Vivos (Sinasc) para os profissionais do Programa Saúde da Família. Brasília. 2ª Edição Revisada Atual. 2004. 40p. 9. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância Epidemiológica. Brasília. 6ª Edição, 2005. 816p. 10. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa de Controle da Esquistossomose. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/svs/visualizar_texto. cfm?idtxt=22072. Acessado em 16/Dez/2006. 11. Carvalho EMF, Acioli MD, Branco MAF, Costa AM, Cesse EAP, Andrade AG, Mello EMLL. Evolução da esquistossomose na Zona da Mata Sul de Pernambuco. Epidemiologia e situação atual: controle ou descontrole?. Cad Saúde Pública 14: 787-795, 1998. 12. Coura JR, Amaral RS. Epidemiological and control aspects of schistosomiasis in Brazilian endemic areas. Mem Inst Oswaldo Cruz 99 (suppl.1): 13-19, 2004. 13. Foster R. The preliminal development of oxamniquine. Rev Inst Med Trop São Paulo 15 (Supl.): 1-9, 1973. 14. Jansen G. Profilaxia experimental da esquistossomose de Manson. Mem Inst Oswaldo Cruz 44: 549-578, 1946. 15. Katz N. Schistosomiasis control in Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz 93 (suppl.1): 33-35, 1998. 16. Katz N. Dificuldades no desenvolvimento de uma vacina para a esquistossomose mansoni. Rev Soc Bras Med Trop 32: 705-711, 1999. 17. Katz N, Almeida K. Esquistossomose, xistosa, barriga d água. Ciênc Cult 55: 38-43, 2003. 18. Kloetzel K. A suggestion for the prevention of severe clinical forms of schistosomiasis mansoni. Bull World Health Org 37: 686, 1967. 19. Paes NA, Silva LAA. Doenças infecciosas e parasitárias no Brasil: uma década de transição. Rev Panam Salud Pública 6: 99-109, 1999. 20. Prata A. Esquistossomose mansoni. In: Veronesi R, Foccacia R. (ed) Tratado de infectologia. Atheneu, São Paulo, 1997. p. 1354-1372. 21. Resendes APC, Souza-Santos R, Barbosa CS. Internação hospitalar e mortalidade por esquistossomose mansônica no Estado de Pernambuco, Brasil, 1992/2000. Cad Saúde Pública 21: 1392-1401, 2005. 22. Seubert J, Pohlke R, Loebiah F. Synthesis and properties of praziquantel, a novel broad spectrum antihelmintic with excellent activity against schistosomes and cestodes. Experientia 33: 1036-1037, 1977. 23. Silva JR. Valor e importância do tratamento específico da esquistossomose mansoni no campo da profilaxia. Rev Bras Med 14: 514, 1957. 24. Silveira AC, Vasconcelos MFB, Melo JEM. Mortalidade por esquistossomose no Brasil, 1977-1988. Rev Soc Bras Med Trop 23: 133-140, 1990. 25. World Health Organization. Public health impact of schistosomiasis: disease and mortality. Bull World Health Org 71: 657-662, 1993. 26. World Health Organization. The Control of Schistosomiasis. Second report of the WHO Expert Committee on the Control of Schistosomiasis. Geneva. WHO Technical Report Series, n. 830, 1993. 27. World Health Organization. TDR Strategic Direction: Schistosomiasis. Special Programme for Research and Training in Tropical Diseases (TDR). Geneva. 2002. 74 REVISTA DE PATOLOGIA TROPICAL