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Artigo Original Análise comparativa da incidência de câncer em pacientes operados com e sem hipertireoidismo Comparative analysis of cancer incidence in patients operated with and without hyperthyroidism Daniel Marin Ramos 1 Renata Regina da Graça Lorencetti Mahmoud 2 Erivelto Martinho Volpi 3 Vergilius José Furtado Araújo Filho 4 Lenine Garcia Brandão 5 Resumo Introdução: A incidência de câncer de tireoide em pacientes operados por hipertireoidismo vem aumentando nos últimos anos. A maioria desses casos é composta por tumores pequenos que são achados no resultado anátomo-patológico, o que implica em grande desafio ao cirurgião de cabeça e pescoço. Objetivo: Avaliar a relação entre hipertireoidismo e câncer de tireoide. Método: Estudo retrospectivo de pacientes operados em uma única instituição entre 2004 e 2010. Foram identificados 1133 pacientes submetidos à tireoidectomia dos quais 761 foram analisados. Os pacientes foram divididos em 2 grupos, com e sem diagnóstico de hipertireoidismo. Foi realizada revisão de prontuário com avaliação de variáveis clínicas e patológicas. Realizada análise estatística dos dados. Resultados: Do total de pacientes do estudo 8,3% tinham diagnóstico pré-operatório de hipertireoidismo. Desses, 39,7% tinham doença de Graves, 49,2% bócio multinodular tóxico e 11,1% doença de Plummer. A incidência de câncer foi de 20,6% no grupo com hipertireoidismo e 38,7% no grupo sem (p=0,024). Os pacientes com hipertireoidismo apresentaram maior incidência de carcinoma micropapilífero (p=0,011) e tireoidite (p=0,02), menor sensibilidade para detecção de doença maligna na punção biópsia (50%) e congelação (25%). A maioria dos pacientes foi submetido à tireoidectomia total, à exceção dos pacientes com doença de Plummer (p<0,01). Conclusão: Em nossa casuística os pacientes com hipertireoidismo operados apresentaram incidência de malignidade menor que a de pacientes sem hipertireoidismo, sendo acometidos preferencialmente por microcarcinomas. Em grande parte dos casos o diagnóstico foi realizado apenas no anátomo-patológico. Punção biópsia e exame de congelação mostraram baixa sensibilidade para diagnóstico de doença maligna nesse grupo. Abstract Introduction: The incidence of thyroid cancer in patients surgically treated for hyperthyroidism has increased in recent years. Most of these cases are composed of small tumors that are found only in the pathological analyze, which implies a big challenge for the head and neck surgeon. Objective: To evaluate the relationship between hyperthyroidism and thyroid cancer. Method: A retrospective study of patients operated in a single institution between 2004 and 2010. We identified 1133 patients underwent thyroidectomy of whom 761 cases were analyzed. Patients were divided into two groups, with and without diagnosis of hyperthyroidism. Chart review was performed with assessment of clinical and pathological variables. Statistical analysis of data was performed. Results: Among the patients studied, 8.3% had diagnosis of hyperthyroidism. Of these, 39.7% had Graves disease, 49,2% toxic multinodular goiter and 11.1% Plummer s disease. The incidence of cancer was 20.6% in patients with hyperthyroidism and 38.7% in patients without (p=0.024). Patients with hyperthyroidism showed higher incidence of papillary thyroid microcarcinoma (p=0.011) and thyroiditis (p=0.02), lower sensitivity for detecting malignancy in fine needle aspiration (50%) and frozen section (25%). Most patients underwent total thyroidectomy, except for patients with Plummer s disease (p<0.01). Conclusion: In our series the patients with hyperthyroidism had lower incidence of malignancy, and were mainly affected by papillary thyroid microcarcinoma. In most cases diagnose was done only in pathological analyses. Fine needle aspiration and frozen section examination showed low sensitivity for diagnosis of malignancy in this group. Key words: Thyroid Neoplasms; Hyperthyroidism; Thyroidectomy Descritores: Neoplasias da Glândula Tireoide; Hipertireoidismo; Tireoidectomia 1) Médico Especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Médico Colaborador do Grupo de Doenças Benignas da Glândula Tireoide da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Médico Assistente do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP). 2) Médico Especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Médico Colaborador do Grupo de Doenças Benignas da Glândula Tireoide da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. 3) Médico Especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Médico Assistente do Grupo de Doenças Benignas da Glândula Tireoide da Disciplina e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. 4) Professor Doutor e Médico especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Médico Livre Docente e Chefe do Grupo de Doenças Benignas da Tireoide da Disciplina e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. 5) Professor Doutor e Médico Especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Médico Livre Docente e Professor Titular da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina da USP. Insituição: Grupo de Doenças Benignas da Glândula Tireoide da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo / SP Brasil. Correspondência: Daniel Marin Ramos - Rua Afonso de Freitas, 523 - Apto. 74 - Paraíso - São Paulo / SP - Brasil - CEP 04006-052 - E-mail: danimramos@gmail.com Recebido em 16/05/2010; aceito para publicação em 14/09/2010; publicado online em 16/11/2010. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.39, nº 3, p. 161-168, julho / agosto / setembro 2010 161

Introdução A incidência de câncer de tireoide tem aumentado nos últimos 30 anos e atualmente é o sétimo mais frequente em mulheres. O carcinoma papilífero é o mais comum, respondendo por cerca de 80% dos casos, seguido pelo carcinoma folicular, carcinoma de células de Hurthle, carcinoma medular, carcinoma indiferenciado, linfoma e outras neoplasias raras (carcinoma espinocelular, sarcomas, etc) 1. Mas apesar do aumento na incidência houve diminuição na mortalidade nos últimos anos (cerca de 21%), provavelmente devido ao diagnóstico mais precoce 2. Para o carcinoma bem diferenciado de tireoide (papilífero e folicular) os fatores prognósticos bem estabelecidos são idade, tamanho do tumor, grau de diferenciação, extensão extra-tireoidiana e metástase à distância. Vários sistemas de estratificação foram desenvolvidos para tentar predizer o risco individual de recidiva e orientar a agressividade do tratamento (AMES, AGES, MACIS, etc..). O hipertireoidismo, porém, é um fator que não tem claro seu papel no que se refere à influência na gênese e desenvolvimento dos cânceres de tireoide, principalmente os bem diferenciados, e sua influência no comportamento da doença. Na população em geral a incidência de câncer bem diferenciado de tireoide é de 0.45% a 35.6% 3 (achado de autópsias). Em séries de pacientes operados por suspeita de doença benigna da tireoide a incidência de câncer de tireoide foi de 2% a 24% 4,5,6 Já nos pacientes. operados por hipertireoidismo a incidência de câncer é de 0,21% a 13,3% 3,7, dependendo dos critérios de seleção dos pacientes e extensão do procedimento cirúrgico. Especificamente nos casos de doença de Graves a incidência de malignidade na literatura varia de 0,3% a 16,6% 8. Esses dados sugerem que a relação entre câncer de tireoide e hipertireoidismo não deve mais ser considerada rara. Howard Means disse em 1937 que hipertireoidismo era um seguro contra câncer de tireoide 9, porém atualmente estudos têm demonstrado que essa relação pode sim ocorrer, e que a incidência vem aumentando, provavelmente por maior cuidado na análise anátomopatológica 3. Parece haver 2 grupos distintos de pacientes quando analisamos casos de hipertireoidismo e carcinoma bem diferenciado de tireoide: o primeiro grupo são os pacientes sem nódulos palpáveis no pré-operatório, que os estudos demonstram ter bom prognóstico 10, incluído doença de Graves 11,12. Felizmente a maioria dos pacientes se enquadra nesse grupo 13. O segundo grupo são os pacientes com nódulos palpáveis, nos quais a doença parece ser mais agressiva 7,14, principalmente na doença de Graves, com maior incidência de metástase regional, distante e maior risco de recidiva 15. Casos de carcinoma indiferenciado também são descritos na literatura 16. O tratamento cirúrgico para o hipertireoidismo é a ressecção total ou parcial do tecido tireoidiano (tireoidectomia total, parcial ou subtotal), já nos casos de câncer de tireoide o tratamento cirúrgico mais aceito é a tireoidectomia total com ou sem esvaziamento cervical (alguns serviços preconizam que em casos de microcarcinoma papilífero selecionados, apenas a lobectomia pode ser realizada). Porém por se tratar de neoplasia de evolução lenta (na maioria dos casos), o seu estudo é muito difícil, e não há consenso na literatura sobre o melhor tratamento em todos os casos 1,2. O objetivo do presente estudo é avaliar a relação entre hipertireoidismo e câncer de tireoide em pacientes submetidos à tireoidectomia. Método Após aprovação pela Comissão de Ética, foi feito estudo retrospectivo de pacientes consecutivos operados em Instituição única no período de janeiro de 2004 a março de 2010 por hipertireoidismo. Foram identificados 1133 pacientes submetidos à tireoidectomia no período de janeiro de 2004 a março de 2010, dos quais 72 tinham diagnóstico pré-operatório de hipertireoidismo. Desses pacientes, 9 não apresentavam dados suficientes para análise adequada do prontuário, sendo excluídos do estudo, restando 63 pacientes submetidos a procedimento cirúrgico por hipertireoidismo. Dos pacientes operados e sem diagnóstico de hipertireoidismo (1061), 363 não tinham dados suficientes em prontuário para análise adequada, restando 698 pacientes para comparação. Hipertireoidismo foi diagnosticado com base em avaliação clínica e quantificação de hormônios tireoidianos séricos (TSH e T4 livre) e anticorpos (Trab). Para fins descritivos e analíticos os pacientes com hipertireoidismo foram divididos em 3 grupos conforme o diagnóstico: Doença de Graves (cirurgias indicadas por intratabilidade clínica, nódulos, exoftalmo intenso ou sintomas compressivos/mergulhante); Bócio multinodular tóxico/bmt (cirurgias indicadas por intratabilidade clínica, sintomas compressivos/mergulhante ou nódulos suspeitos); e Doença de Plummer. Foram coletados dados em prontuário referentes à idade, sexo, raça, diagnóstico, resultado de exame de punção aspirativa por agulha fina (PAAF), tratamento cirúrgico (data e tipo de tratamento), exame de congelação e exame anátomo-patológico (AP), e realizada análise estatística dos dados. Resultados Os diagnósticos/indicações do tratamento cirúrgico nos pacientes com hipertireoidismo foram: Doença de Graves (25 casos 3,28%); Bócio multinodular tóxico (31 casos 4,07%); e doença de Plummer (7 casos 0,91%). As indicações cirúrgicas de todos os pacientes são vistas na Tabela 1. Importante observar que classificamos o diagnóstico dos pacientes independente do 162 Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.39, nº 3, p. 161-168, julho / agosto / setembro 2010

resultado da PAAF, portanto pacientes com punção suspeita ou sugestiva de doença maligna foram alocados em grupos com base na presença de nódulos e função tireoidiana. Somente pacientes que apresentavam metástase cervical como primeiro sintoma, e aqueles portadores de neoplasia endócrina múltipla (NEM I e II), foram classificados em grupos separados. Dos 63 pacientes com hipertireoidismo estudados, 55 são mulheres (87,30%) e 08 são homens (12,70%), com relação de 6,8 : 1. A análise do sexo nos diferentes grupos com diagnóstico de hipertireoidismo é mostrada na Tabela 2. A idade média dos pacientes com hipertireoidismo foi de 44,07 anos (variação de 12 a 89 anos). Nos pacientes operados por doença de Graves a idade média foi de 41,58 anos (12 a 89 anos). Nos operados por BMT a média de idade foi de 51,58 anos (22 a 82 anos). Já nos operados por doença de Plummer a média foi 36 anos (23 a 51 anos). Dos 63 pacientes do grupo com hipertireoidismo, 42 (66,66%) eram brancos, 11 (17,46%) pardos, 7 (11,11%) negros, 1 (1,58%) amarelo e 2 (3,17%) não tinha dados referentes à raça no prontuário. A análise da raça nos diferentes grupos de pacientes com hipertireoidismo é mostrada na Tabela 3. A extensão da cirurgia realizada nos dois grupos (com e sem hipertireoidismo) é mostrada na Tabela 4. No teste qui-quadrado não foi possível detectar uma diferença de proporção significativa da presença de hi- pertireoidismo entre as diferentes extensões de tireoidectomia (p=0,151). Especificamente no grupo de pacientes com diagnóstico de hipertireoidismo, a extensão cirúrgica nos diferentes diagnósticos (Graves, BMT e BUT) é mostrada na Tabela 5. O teste qui-quadrado para a relação entre diferentes diagnósticos de hipertireoidismo e extensão cirúrgica mostra resultado com significância estatística (p<0,01) na comparação entre extensão cirúrgica (tireoidectomia total Tabela 1. Indicações cirúrgicas nos pacientes com e sem hipertireoidismo. Indicação Cirúrgica Pacientes Com Hipertireoidismo Doença de Graves 25 (3,3%) Bócio multinodular tóxico 31 (4,1%) Plummer 7 (0,9%) Total com hipertireoidismo operados 63 (8,3%) Sem Hipertireoidismo Bócio multinodular simples 468 (6,5%) Bócio uninodular simples 206 (27,1%) Metástase cervical 13 (1,7%) NEM 11 (1,4%) Total sem hipertireoidismo operados 698 (91,7%) Total 761 (100%) Tabela 2. Indicações Cirúrgicas de pacientes com diagnóstico de hipertireoidismo e sexo. Indicação Cirúrgica Total Mulheres Homens Relação Doença de Graves 25 (39,7%) 20 (80%) 5 (20%) 4 : 1 BMT 31 (49,2%) 28 (90,3%) 3 (9,7%) 9,33 : 1 Doença de Plummer 7 (11,1%) 7 (100%) 0 - Total 63 (100%) 55 (87,3%) 8 (12,7%) 6,8 : 1 Tabela 3. Diagnóstico e Raça dos pacientes operados e com hipertireoidismo. Branco Negro Pardo Amarelo Sem dados Total Graves 16 (64%) 1 (4%) 6 (24%) 1 (4%) 1 (4%) 25 BMT 21 (67,7%) 6 (19,3%) 3 (9,7%) 0 1 (3,2%) 31 Plummer 5 (71,4%) 0 2 (28,6%) 0 0 7 Total 42 (66,7%) 7 (11,1%) 11 (17,5%) 1 (1,6%) 2 (3,1%) 63 Tabela 4. Extensão cirúrgica nos pacientes operados com e sem diagnóstico de hipertireoidismo. Extensão da tireoidectomia Sem hipertireoidismo Com hipertireoidismo Total Tireoidectomia total 460 (65,9%) 49 (77,7%) 509 Tireoidectomia parcial 1 200 (28,6%) 13 (20,6%) 213 Tireoidectomia com esvaziamento 2 38 (5,4%) 1 (1,5%) 39 Total 698 (100%) 63 (100%) 761 Legenda: 1. Pacientes submetidos à tireoidectomia subtotal, lobectomia direita ou esquerda, nodulectomia, biópsia de tireoide e istmectomia; 2. Esvaziamento cervical central ou lateral. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.39, nº 3, p. 161-168, julho / agosto / setembro 2010 163

comparada com tireoidectomia parcial) entre os grupos com Plummer e outros diagnósticos, sendo que os pacientes com Plummer foram submetidos a procedimentos parciais em maior proporção que os outros dois grupos. Os demais não apresentaram variação significante. Dos pacientes operados com diagnóstico de hipertireoidismo, 50(79,36%) tiveram resultado benigno e 13(20,63%) resultado maligno. Já nos pacientes sem diagnóstico de hipertireoidismo 428 (61,31%) tiveram resultado benigno e 270 (38,68%) tiveram resultado maligno. O resultado da análise anátomo-patológica de todos os pacientes com e sem diagnóstico de hipertireoidismo é mostrado na tabela 6. Realizada a partição do teste qui-quadrado nos dois casos (AP benigno e maligno), observa-se diferença com significado estatístico para os casos de Bócio e Tireoidite (AP benigno), sendo estes mais prevalentes no grupo com hipertireoidismo (p=0,002). Porém ao comparar a soma dos pacientes com bócio e tireoidite entre os dois grupos (com e sem hipertireoidismo) não notamos diferença significante (p=0,225). Para os casos malignos houve diferença significativa entre os casos de CA Papilífero (mais prevalente nos pacientes sem hipertireoidismo) e Micropapilífero (mais prevalente nos pacientes com hipertireoidismo, p=0,011). Porém quando comparamos os pacientes com AP de carcinoma papilífero e micropapilífero entre os grupos com e sem hipertireoidismo não notamos diferença significante (p=0,532). Quando analisamos a incidência de doença maligna nos diferentes diagnósticos dos pacientes com hipertireoidismo notamos 16% de casos malignos nos pacientes com Graves, 29,03% nos pacientes com BMT e nenhum caso maligno nos pacientes com Plummer (gráfico 1). Ao analisarmos os pacientes com resultado anátomo-patológico de câncer no grupo com diagnóstico de hipertireoidismo, observamos os resultados obtidos na Tabela 7. O resultado de PAAF dos pacientes dos grupos com e sem diagnóstico de hipertireoidismo são mostrados na Tabela 8. Tabela 5. Indicação e extensão da cirurgia no grupo de pacientes operados por hipertireoidismo. Extensão da tireoidectomia Graves BMT Plummer Total Tireoidectomia total 21 (84%) 28 (90,3%) 0 49 Tireoidectomia parcial 1 4 (16%) 2 (6,4%) 7 (100%) 13 Tireoidectomia com esvaziamento 2 0 1 (3,2%) 0 1 Total 25 (100%) 31 (100%) 7 (100%) 63 Legenda: 1. Lobectomia direita, esquerda e tireoidectomia subtotal (2 casos no grupo com doença de Graves). 2. Esvaziamento cervical central. Tabela 6. Resultado da análise anátomo-patológica dos pacientes com e sem diagnóstico de hipertireoidismo. AP Com Sem Bócio 38 (60,3%) 353 (50,5%) Hiperplasia 3 (4,8%) 6 (0,8%) Tireoidite 9 (14,3%) 25 (3,6%) Adenoma - 33 (4,7%) Cisto - 1 (0,1%) Normal - 10 (1,4%) Total benigno 50 (79,4%) 428 (61,3%) p=0,010 Ca papilífero 3 (4,8%) 177 (25,3%) Ca micropapilífero 8 (12,7%) 66 (9,4%) Ca folicular 2 (3,2%) 17 (2,4%) Ca insular - 3 (0,4%) Ca medular - 5 (0,7%) Linfoma - 1 (0,1%) Ca células claras - 1 (0,1%) Total maligno 13 (20,6%) 270 (38,7%) p=0,024 Tabela 7. Resultado anátomo-patológico dos pacientes com diagnóstico de hipertireoidismo e resultado de câncer. Diagnóstico BMT Graves Peso glandular médio 109,6g 41,2g Variação do peso 24g-410g 23g-82g Tipo histológico Ca Papilífero 2 2 Ca Micropapilífero 5 2 Tamanho médio do tumor 1,2cm 0,5cm Variação do tamanho 0,3cm-2,5cm 0,1cm-1,2cm Multicentricidade Sim 2 - Não 7 4 Total 9 4 164 Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.39, nº 3, p. 161-168, julho / agosto / setembro 2010

Tabela 8. Resultado de PAAF dos pacientes com e sem diagnóstico de hipertireoidismo. PAAF Sem hipertireoidismo 1 Com hipertireoidismo 2 Total Benigno Bócio 119 (21,5%) 12 (50%) 131 Tireoidite 2 (0,3%) 0 2 Cisto 1 (0,2%) 0 1 Total benigno 122 12 144 p=1,000 Maligno/ suspeito Ca Papilífero 101 (18,3%) 2 (8,3%) 103 p<0,001 Ca Folicular 0 2 (8,3%) 2 p<0,001 Hurthle ou suspeito 24 (4,3%) 0 24 p=0,331 Total maligno/ suspeito 125 4 129 p=0,001 Indeterminado Indeterminado 27 (4,9%) 1 (4,2%) 28 Folicular 278 (50,4%) 7 (29,2%) 285 Total indeterminado 305 8 313 p=0,532 Não realizado 146 39 185 Legenda: 1. Percentual referente ao total de pacientes sem hipertireoidismo que realizaram PAAF (552); 2. Percentual referente ao total de pacientes com hipertireoidismo que realizaram PAAF (24). Os resultados de PAAF nos diferentes diagnósticos dos pacientes com hipertireoidismo operados são mostrados na Tabela 9. Ao correlacionarmos os resultados de PAAF e anátomo-patológico no grupo com hipertireoidismo obtivemos os dados da Tabela 10. Dos 4 pacientes com PAAF sugestivo de malignidade no grupo com hipertireoidismo, 2 tinham resultado indicando Ca folicular (1 com AP de Ca folicular e outro de tireoidite), e 2 com resultado indicando Ca papilífero (1 com AP de Ca papilífero e outro de bócio). O cálculo da sensibilidade, especificidade e acurácia da PAAF para detectar resultado maligno no AP é mostrado na Tabela 11. Quando correlacionamos o resultado do exame intra-operatório de congelação e o resultado do anátomo-patológico dos pacientes com e sem diagnóstico de hipertireoidismo, obtivemos os resultados mostrados na Tabela 12. O cálculo da sensibilidade, especificidade e acurácia da congelação para detectar resultado maligno no AP é mostrado na Tabela 13. Ao avaliarmos a concordância dos exames de congelação e de punção, mostrando o mesmo diagnóstico (benigno ou suspeito/maligno), obtivemos os resultados mostrados na Tabela 14. Ao analisarmos a concordância da PAAF e da congelação apontando para resultado maligno ou suspeito, obtemos sensibilidade, especificidade e acurácia mostrados na Tabela 15. Discussão Em nossa casuística os pacientes submetidos à tireoidectomia com diagnóstico de hipertireoidismo corresponderam a 8,3% do total (3,9% com doença de Graves, 4,1% com BMT e 0,9% com Plummer Tabela 1). Tabela 9. Resultado de PAAF nos pacientes operados com diagnóstico de hipertireoidismo estratificado pela indicação cirúrgica. PAAF Graves BMT Plummer Total Bócio 1 9 2 12 Folicular 4 2 1 7 Inconclusivo - 1-1 Ca folicular 1 1-2 Ca papilifero 2 - - 2 Não realizado 17 18 4 39 Tabela 10. Correlação entre PAAF e anátomo-patológico nos grupos com e sem hipertireoidismo. Hipertireoidismo PAAF AP AP Total Benigno Maligno Não Suspeito/ Maligno 26 99 125 Benigno 104 18 122 Inconclusivo 189 116 305 Não realizado 109 37 146 Sim Suspeito/ Maligno 2 2 4 Benigno 10 2 12 Inconclusivo 4 4 8 Não realizado 35 4 39 Tabela 11. Cálculo da especificidade, sensibilidade e acurácia da PAAF em detectar resultados malignos no AP dos grupos com e sem hipertireoidismo. PAAF X AP maligno Sem Com Sensibilidade 0,846 0,500 Especificidade 0,800 0,833 Acurácia 0,822 0,750 Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.39, nº 3, p. 161-168, julho / agosto / setembro 2010 165

Tabela 12. Correlação entre resultado de congelação e anátomo-patológico nos grupos com e sem hipertireoidismo. Hipertireoidismo Congelação AP AP Total Benigno Maligno Não Suspeito / Maligno 4 93 97 Benigno 192 31 223 Inconclusivo 106 73 179 Não realizado 126 73 199 Sim Suspeito / Maligno 0 1 1 Benigno 14 3 17 Inconclusivo 3 4 7 Não realizado 33 5 38 Tabela 13. Cálculo da especificidade, sensibilidade e acurácia da congelação em detectar resultados malignos no AP dos grupos com e sem hipertireoidismo. Congelação x AP maligno Sem Com Sensibilidade 0,750 0,250 Especificidade 0,980 1,000 Acurácia 0,891 0,833 Tabela 14. Correlação entre resultado da congelação e PAAF, e resultado anátomo-patológico, nos grupos com e sem diagnóstico de hipertireoidismo. Hipertireoidismo Congelação + PAAF AP AP Benigno Maligno Não Suspeito / Maligno 2 60 Benigno 49 3 Sim Suspeito / Maligno 0 0 Benigno 1 0 Tabela 15. Sensibilidade, especificidade e acurácia da congelação e PAAF quando ambos apontam para resultado anátomo-patológico maligno ou suspeito. Estatística Sem Com Sensibilidade 0,952 -* Especificidade 0,961 -* Acurácia 0,956 -* Legenda: * Não foi possível realizar análise estatística neste caso, pelo baixo número de pacientes com PAAF e congelação. A maioria dos pacientes desse grupo é do sexo feminino e raça branca (tabelas 2 e 3). A média de idade dos pacientes com hipertireoidismo foi de: Plummer 36 anos, Graves 44 anos e BMT 51,5 anos. A incidência de câncer nos pacientes com diagnóstico pré-operatório de hipertireoidismo foi de 20,6% (Ta- bela 6), bem acima da encontrada na literatura 3,7. Isso pode ter ocorrido por viés de seleção dos pacientes, visto que nosso serviço é referencia e recebe maior fluxo de pacientes com câncer. O fato da incidência de câncer no grupo sem diagnóstico de hipertireoidismo (38,6%) também ter sido maior que a relatada na literatura 4,5,6, corrobora com essa tese. Porém, esses dados também favorecem a tendência de aumento na incidência de câncer em pacientes com hipertireoidismo, e justificam estudos específicos. Em comparação com os pacientes sem hipertireoidismo, os pacientes com esse diagnóstico demonstraram menor incidência de câncer (p=0,024%), o que está de acordo com outras séries 3,7. Em contraste com a literatura, que demonstra maior chance de malignidade em nódulos autônomos 17 (principalmente quando dominantes) do que nos casos de doença de Graves ou BMT, na nossa casuística todos os pacientes (7) operados por doença de Plummer tiveram resultado benigno (gráfico 1). Isso pode ter ocorrido pelo baixo número de pacientes nesse grupo. Em concordância com a literatura, nossos dados favorecem a maior incidência de tumores pequenos nos pacientes com hipertireoidismo, sendo que dos 13 casos operados com anátomo-patológico mostrando câncer, 8 (61,5%) apresentaram tumores menores que 1 cm (7 papilíferos e 1 folicular, tabelas 6 e 7). A análise estatística mostra maior incidência de micropapilífero nos pacientes com hipertireoidismo em comparação com os pacientes sem esse diagnóstico (p=0,011). Isso provavelmente implica em melhor prognóstico, porém impõe grande desafio para o cirurgião que tem grande dificuldade em estabelecer o diagnóstico de câncer no pré ou intra-operatório. Dos pacientes com hipertireoidismo e diagnóstico anátomo-patológico de câncer que realizaram PAAF na avaliação pré-operatória (9), apenas 3 tiveram resultado sugestivo ou suspeito para malignidade (33%). Em dois casos o resultado foi benigno e em 4 casos inconclusivo (Tabela 10). Isso demonstra a dificuldade em estabelecer o diagnóstico de câncer no pré-operatório, e está em concordância com alguns trabalhos que mostram índices de diagnóstico incidental de até 90% 18,19. Esse achado deve motivar cirurgiões a uma análise minuciosa da glândula no intra-operatório para buscar esse diagnóstico e poder oferecer tratamento adequado no momento da primeira intervenção. Interessante observar que os pacientes com diagnóstico de hipertireoidismo tiveram menor incidência de PAAF sugestivo de Ca papilífero (p<0,001), e maior incidência de Ca folicular (p<0,001) em comparação com pacientes operados sem esse diagnóstico (Tabela 8). Dos 2 casos desse grupo suspeitos de Ca folicular, 1 teve esse resultado no AP (50%) e dos 2 suspeitos de Ca papilífero, também 1 teve esse resultado no AP (50%). Esses dados também demonstram a dificuldade do exame de PAAF em demonstrar malignidade nos pacientes com hipertireoidismo. 166 Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.39, nº 3, p. 161-168, julho / agosto / setembro 2010

A sensibilidade do PAAF em predizer AP maligno (PAAF maligno ou suspeito) quando há diagnóstico de hipertireoidismo foi sensivelmente menor do que nos casos sem hipertireoidismo (50% com hipertireoidismo contra 84% sem hipertireoidismo), e a acurácia também foi pouco menor (75% contra 82%, Tabela 11). Isso também demonstra a dificuldade em definir malignidade no pré-operatório dos pacientes com hipertireoidismo, e pode estar relacionado com processo inflamatório intenso (maior incidência de anátomo-patológico de tireoidite nos pacientes com hipertireoidismo p=0,002), que dificulta tanto a identificação dos nódulos suspeitos quanto à interpretação dos achados citológicos. O exame intra-operatório de congelação também demonstrou pouca capacidade de definir malignidade no grupo com hipertireoidismo, sendo que, dos pacientes com hipertireoidismo e resultado de câncer que realizaram esse exame (8), apenas 1 teve resultado suspeito para malignidade (12,5%). Em três casos o resultado foi benigno e em 4 inconclusivo (Tabela 12). A sensibilidade para detecção de doença maligna (maligno ou suspeito) foi menor no grupo com hipertireoidismo (25%) do que no grupo sem hipertireoidismo (75%, Tabela 13). Esses dados apontam para a necessidade de melhor avaliação pré-operatória (com PAAF de todos os nódulos), desenvolvimento de novas formas de avaliação citológica (imunocitoquímica), análise com ultra-som doppler para estratificação de risco de malignidade e avaliação clínica adequada. Quando tanto a PAAF quanto a congelação apontaram para resultado maligno, houve melhora da sensibilidade, especificidade e acurácia no grupo sem hipertireoidismo. Porém não foi possível a análise no grupo com hipertireoidismo pelo baixo número de pacientes (Tabelas 14 e 15). Visivelmente notamos preferência pela tireoidectomia total nos dois grupos (com e sem hipertireoidismo), à exceção dos pacientes no grupo com hipertireoidismo e doença de Plummer que foram todos submetidos à lobectomia + istmectomia (p<0,01, Tabelas 4 e 5). Conclusão Em nossa casuística os pacientes com hipertireoidismo operados mostraram incidência de malignidade menor em comparação com os pacientes sem hipertireoidismo, com a maioria dos casos sendo de tumores pequenos (menores que 1 cm). O diagnóstico de malignidade no pré-operatório (PAAF) e intra-operatório (congelação) é mais difícil no grupo de pacientes com hipertireoidismo em comparação com os pacientes sem hipertireoidismo. A extensão da cirurgia realizada não difere entre os pacientes com e sem hipertireoidismo, com preferência pela tireoidectomia total. Exceção são os pacientes operados por doença de Plummer que preferencialmente foram submetidos à tireoidectomia parcial. Referências 1. Elaraj DM, Clark OH. 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