Winnicott em Ferenczi *

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Transcrição:

Winnicott em Ferenczi * Jane Kezem ** Resumo: A autora faz uma visitação a alguns textos de Ferenczi coletando suas idéias que guardam proximidades com as de Winnicott. Chama sua atenção o fato de tratar-se de dois autores de igual porte científico, que nunca conviveram, mas guardam entre si, uma impressionante proximidade de ideias. Sem pretender esgotar essas aproximações, coloca esses fatos como uma prévia para futuras incursões sobre o tema. Este breve texto que eu trouxe para conversar hoje aqui, veio na verdade, como fruto de um percurso que venho fazendo, dentro da obra de Ferenczi, há alguns anos. Ferenczi que esteve silenciado dentro contexto psicanalítico internacional por muitas décadas, vem ressurgindo em ondas que crescem no meio psicanalítico, tornando-se cada vez mais visível e impressionando a todos pela incrível modernidade de suas idéias. A leitura de sua obra surpreende por sua percepção psicanalítica extremamente avançada para sua época quando a psicanálise vivia seus momentos clássicos. O que quero dizer nesse momento é que ao ler autores da contemporaneidade, esbarramos com muitas das ideias de Ferenczi nas raízes de conceitos e teorias dos que se seguiram a ele. Pretendo hoje trazer apenas algumas das proximidades relativas às idéias desse autor com as de Winnicott. Destaquei algumas delas que me chamaram atenção ao longo de minhas leituras da obra do autor húngaro, sem pretender esgotá-las, nem explicá-las e espero que ecoe da platéia o que deixei escapar ou alguma correção que podem fazer-se necessária. 1-Para os que não o conhece, Ferenczi sempre esteve preocupado com o papel do ambiente no desenvolvimento da criança(1913), inicialmente como estruturante do psiquismo, até percebê-lo como agente desestruturante ou desorganizador do mesmo. Essa segunda percepção, como agente desorganizador do psiquismo, veio bem mais tarde no desenvolvimento de suas ideias, mas a tempo de criar em Freud verdadeira tensão supondo abalar o papel central que ocupava a pulsão em sua teoria psicanalítica. 1

*Psicanalista membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro **Texto apresentado no XVIII Encontro Latino-Americano Pensamento de D.W.Winnicott Diferente de Winnicott que começou com uma rica experiência pediátrica, Ferenczi conheceu a criança em pacientes adultos traumatizados ou não. Mas, curiosamente, suas ideias acerca do desenvolvimento precoce da criança são bastante próximas às que Winnicott contextualizou em seu tempo, sempre baseando-se, ambos, na importância do ambiente nesse contexto. 2-Ferenczi (1913) supõe a existência de um psiquismo já na vida intrauterina que daria ao novo ser um sentimento de onipotência, um sentimento de um ser poderoso de quem tem tudo e nada ter a desejar, a que ele chamou de Onipotência Incondicional, que carrega consigo ao nascer. Como a mãe suficientemente boa descrita por Winnicott, à qual atribui a capacidade de responder à onipotência do bebe, dando-lhe sentido, em Ferenczi, ela percebe e atende de pronto as necessidades e desejos do ego imaturo, preservando-lhe a ilusão no seu poder onipotente expresso pelo que ele chamou de gestos mágicos, expressão correlata ao que Winnicott chamou de gesto espontâneo. Ambos os gestos anunciam a crença no bebê de ser ele poderoso ou, em outras palavras, o mágico criador do mundo. O sentimento de onipotência de que nos fala Ferenczi será lentamente reduzido ao longo do percurso do desenvolvimento do ego, passando pelas etapas diferentes a que denominou de Período de Gestos Mágicos e por outro Período chamado de Palavras e Pensamentos Mágicos até o alcance do Sentido de Realidade. À bem da verdade, apesar do declínio da onipotência, ela nunca se extinguirá por completo. Esse caminho a ser percorrido desde o Período de Onipotência Incondicional até alcançar o Sentido de Realidade, em certa medida, se superpõe ao que Winnicott descreve como área da subjetividade à objetividade. 3- Outra proximidade entre os dois autores, diz respeito ao fato de o objeto passar a ocupar um universo mais amplo, o ambiente, como também desempenhar, não apenas a função estruturante do sujeito, mas também um papel desorganizador do psiquismo. Para prevenir esse desajuste no psiquismo foi natural Ferenczi concluir que caberia ao adulto adaptar-se à criança e não à criança adaptar-se ao mundo adulto, como revela em seu texto a que chamou de Adaptação da Família 2

à Criança (1928). Sem nenhuma dúvida, sua proposta de uma técnica psicanalítica de característica elástica segue esse mesmo padrão, no caso, de adaptação do analista às necessidades do paciente. Esta adaptação também pode ser reconhecida no que Winnicott (1956), por exemplo, descreveu como preocupação materna primária que se dá graças à identificação da mãe com seu bebê, guardando, em última instancia, as mesmas características das que acabo de me referir de adaptação ao bebê. Ainda em relação ao ambiente, Ferenczi aborda a questão da educação da criança pequena que considera sempre traumática embora estruturante. Enfatiza, então, a educação tratada com extremo rigor como mal maior quando aplicada a um ego ainda imaturo. Passa, nesse caso, de uma característica estruturante a um cunho desorganizador do psiquismo com conseqüências indesejáveis que tem por base uma espécie de confusão de línguas entre adultos e crianças (1931, 1933). 4- O quarto ítem que desejo abordar, refere-se à questão do asseio dentro do processo de educação, Ferenczi afirma que a tendência natural da criança é amar a si mesma, assim como tudo que considera fazendo parte dela; seus excrementos, por exemplo, são, efetivamente, uma parte de si mesma: algo de intermediário entre o sujeito e o objeto. O termo empregado por ele para intermediário é swichending, uma palavra alemã que significa uma coisa de permeio entre sujeito e objeto (1928). Difícil seria não reconhecer aí o prenúncio do que viria a ser o conceito winnicottiano de objeto transicional (1951). Essa percepção remete-nos ao cobertozinho sujo, mal cheiroso descrito por Winnicott que admite que o objeto transicional pode representar fezes pela organização anal-erótica, mas que não é por esse motivo que pode tornar-se mal cheiroso e não ser lavado. Vocês sabem que eu me lembro de um bebê, que, todos os dias pela manhã, era visto em seu berço, brincando com suas fezes, alegre e sorridente, enquanto aguardava ser levado ao seio materno, tendo seus cabelos e corpo emplastado com ela. 5-Outra questão interessante está no Diário Clínico de Ferenczi(1932), um livro onde ele descreve suas mais diversas experiências clínicas. Nele, ele se refere à sua conduta indulgente com uma paciente por quem, a princípio, tinha antipatia (RN - paciente que lhe sugeriu a tão contestada análise mútua ), razão pela qual ela acreditou que ele estava enamorado dela. Ele se assustou e interpretou o sentimento dela como reação terapêutica negativa, interpretação que causou impacto na paciente, reativando uma situação traumática, vivida no passado. Em 3

suas reflexões, ele correlacionou sua atuação contratransferencial ao ódio que ele próprio sentiu pela mãe quando criança. É importante dizer que Ferenczi nunca perdoou Freud por não ter interpretado nele a transferência negativa. Chamava de hipocrisia do analista quando esse evitava transparecer qualquer sentimento de desafeto pelo paciente. Considerava que o analista deve reconhecer seus erros e via a sinceridade como qualidade indispensável ao analista. Como não lembrar aí as idéias de Winnicott (1947) sobre O ódio na contratransferência? Nesse texto, riquíssimo, ele trata, sem preconceito, do ódio do analista e à importância dele, considerando que o reconhecimento por parte do analista de seus sentimentos contratransferenciais desagradáveis era benéfico para o paciente e para o processo analítico. Para ambos, Ferenczi e Winnicott, a análise do analista é o melhor caminho para o analista superar essas dificuldades e melhorar seu desempenho analítico. 6- Outra questão diz respeito ao trauma que ocupou papel importante no pensamento ferencziano (1931,1933) trazendo grande contribuição para a compreensão de processos patológicos, particularmente, em pacientes muito comprometidos. Por questão de ordem, começo por abordar um aspecto que diz respeito à questão da clivagem do ego como mecanismo de defesa frente ao trauma. Na clivagem simples, uma das partes identifica-se com o agressor e a outra contém a criança frágil, traumatizada. Essa identificação com o agressor faznos compreender o superego cruel, expressão de Ferenczi que ele reconheceu como um mal introduzido à força pela pessoa adulta na mente infantil. Outros processos defensivos se desenvolvem sob a forma de progressões traumáticas chamadas de pseudomaturidades que estão expressas nas crianças amadurecidas precocemente às quais Ferenczi compara, metaforicamente, com frutos que amadurecem antes do tempo quando bicados por pássaros (1933). São crianças que se comportam como adultos, facilmente reconhecidas como um pequeno adulto. Outra expressão para esse mesmo fenômeno, inspirada em um sonho de um paciente seu, é a do bebê sábio. Sonho em que o mesmo se via criança, sentado em seu berço, a falar e a dar sábios conselhos aos pais e outros adultos. Essa progressão traumática guarda equivalência com o falso self descrito por Winnicott. Da mesma forma que esse protege o verdadeiro self, o pequeno adulto protege pela via mecanismo de defesa a criança traumatizada descrita por Ferenczi, mas lida com ela também de forma cruel em razão da identificação com o agressor, circunstância em que desenvolve um superego cruel. 4

7- Por fim quero mencionar outro ponto de proximidade entre os dois autores que diz respeito à regressão, um tema que interessou a ambos e que foi abordado em vários contextos por Ferenczi. Para esse espaço curto de tempo, escolhemos falar apenas do que se compreendeu como regressão terapêutica. Ferenczi (1930) não propunha provocar a regressão, mas quando ela se apresentava, espontaneamente, no setting, recomendava uma postura de acolhimento, de tato por parte do analista de modo a permitir ao paciente alcançar o estágio de amor passivo de objeto, portanto, a um estágio de não integração primária ou de dependência absoluta a que Winnicott ( 1945) se refere e, com isto, possibilitar ao paciente obter o que lhe foi negado na infância precoce. É impossível acompanhar as ideias de Ferenczi sem que sejamos remetidos, com freqüência, como nesse caso, às de Winnicott. Em ambos os autores, chama a atenção a produtividade criativa e a originalidade, razão até para refletirmos sobre a proximidade em muitas de suas idéias, levando em consideração o fato surpreendente de pertencerem a gerações diferentes e nunca terem convivido. Referências Ferenczi, S. (2003) O Desenvolvimento do Sentido de Realidade e Seus Estágios. In S.Ferenczi, Psicanálise I. Trad. A. Cabral. Segunda Ed., p. 39.S.Paulo: Martins Fontes (Trabalho original publicado em 1913)...( 1993) Prolongamentos da Tecnica Ativa em Psicanálise. In S. Ferenczi, Psicanálise III. Trad. A. Cabral. p.109-125. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1921)...( 2003) A Técnica Psicanalitica. In S. Ferenczi, Psicanálise II. Trad. A. Cabral. Segunda Ed., p. 357-367. S.Paulo: Martins Fontes. (trabalho original publicado em 1919)....(2003) Elasticidade da Técnica Psicanalítica. In S. Ferenczi, Psicanálise IV. Trad. A. Cabral. Segunda Ed., p. 25-36. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1928). ---------------(2003) A adaptação da família à criança. In S.Ferenczi, Psicanálise IV.Tradução. A. Cabral. Seg. Ed., p.1-14. São Paulo: Martins Fontes (Trabalho Original publicado em 1928). 5

...(2003). Princípio do Relaxamento e Neocatarse. In S. Ferenczi, Psicanálise IV. Trad. A. Cabral. Segunda Ed., p. 53-65. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1930)...(2003). Análises de Crianças com Adultos (1931) In S.Ferenczi, Psicanálise iv. Trad. A. Cabral. Segunda Ed. p. 69-83. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1931). ----------------(2003). Confusão de línguas entre adultos e a criança. In S. Ferenczi, Psicanálise IV. Trad. A. Cabral. Segunda Ed. p. 97-108 São Paulo: Matins Fontes (Trabalho original publicado em 1933)....(2003). Diário Clínico. Trad. A. Cabral. Segunda Ed. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1985. Título original: Journal Clinique). Winnicott, D.W. (1975) O ódio na contratransferência. In D.W. Winnicott, O Brincar e a Realidade. Trad. J.O.A.Abreu & V.Nobre, p. 121-131. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1953). -------------------- (1975) Objetos Transicionais e Fenômenos Transicionais. In D.W.Winnicott, O Brincar e a Realidade. Trad. J.O.A.Abreu &V.Nobre. p.13-44.rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1953) ---------------------(1956) Preocupação materna primária. In Textos Selecionados. Da pediatria à psicanálise. Trad. Jane Russo. P.491-498. Rio de Janeiro. Livraria Francisco Alves Editora S.A. -----------------(1975). In Desenvolvimento Emocional Primitivo. In Textos Selecionados. Da Pediatria à Psicanálise. Trad. Jane Russo. P. 269-85. Rio de Janeiro. Livraria Francisco Alves Editora S.A. (Trabalho original publicado em 1960). (1975) Deformación del ego em términos de un ser verdadero y falso. In El Proceso de maturacion em El niño. Estudios para uma teoria del desarrollo emocional. D.W.Winnicott. Trad. Enric Satué. Barcelona. Editorial Laia S.A. (trabalho original publicado em 1960) 6