A RELEVÂNCIA DO ENSINO DE GÊNEROS TEXTUAIS PARA A FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DE PSICOLOGIA

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Transcrição:

A RELEVÂNCIA DO ENSINO DE GÊNEROS TEXTUAIS PARA A FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DE PSICOLOGIA Marcela Regina Vasconcelos da Silva Universidade Federal da Paraíba UFPB Faculdade Frassinetti do Recife FAFIRE Orientadora: Dra. Maria de Fátima Almeida Universidade Federal da Paraíba - UFPB 1. INTRODUÇÃO Todos os profissionais lidam, em suas atividades diárias, com inúmeras práticas sociais, que incluem aquelas que se constituem por meio da linguagem. A forma de concretização dessas práticas sociais lingüísticas dá origem ao que se denominam gêneros textuais. Mais do que estruturas textuais por meio das quais as pessoas interagem, os gêneros são formas de vida, modos de ser. São frames para a ação social (Bazerman, 2006, p. 23). Os gêneros nos ajudam a organizar e a estabilizar as ações da vida diária. Essas duas funções globais ganham relevo no mundo do trabalho, pois cada ambiente social demanda certas ações próprias do domínio discursivo no qual se insere e o êxito comunicativo em cada ambiente depende, também, dos conhecimentos acerca dos modos como se estabelecem as interações, que devem obedecer a padrões relativamente estáveis, o que exige o domínio de conhecimentos específicos. Por isso, um curso de graduação deve propiciar ao futuro profissional oportunidades de lidar com as práticas sociais próprias do âmbito profissional do qual este fará parte. É imprescindível que o graduando tenha acesso a gêneros textuais da sua esfera profissional e que aprenda a lidar com eles. Diante disso, esta pesquisa visa a analisar se a abordagem de gêneros textuais no Ensino Superior tem privilegiado aqueles que são mais relevantes para a formação profissional do graduando. 2. POR QUE ENSINAR GÊNEROS TEXTUAIS? Sempre que produzem enunciados, os sujeitos se baseiam em formas-padrão relativamente estáveis que se constituíram sócio-historicamente, de acordo com as práticas comunicativas em que estavam inseridos. A essas formas-padrão intrinsecamente relacionadas à vida sócio-cultural denominamos gêneros textuais, por meio de que se realizam todos os textos. Desse modo, não há comunicação verbal sem os gêneros textuais. De acordo com Bakhtin (2000 [1979], p. 301),

para falar, utilizamo-nos sempre dos gêneros do discurso, em outras palavras, todos os nossos enunciados dispõem de uma forma padrão e relativamente estável de estruturação de um todo. Possuímos um rico repertório dos gêneros do discurso orais (e escritos). Apesar de apresentarem uma estrutura relativamente estável, não se pode concluir que os gêneros são formas lingüísticas rígidas e inflexíveis. Ao contrário: a natureza dos gêneros é altamente dinâmica e plástica, visto que se constituem como um produto social e, como tal, acompanham as transformações pelas quais passa a sociedade. Sendo assim, para caracterizar os gêneros, importam mais os aspectos comunicativos e funcionais que os aspectos lingüísticos e estruturais. Não se restringem a formas lingüísticas: mais do que estruturas à disposição dos sujeitos, os gêneros, conforme explica Marcuschi (2002, p. 20), são entidades sóciodiscursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação discursiva. Os gêneros surgem em resposta às necessidades comunicativas que se apresentam nas mais diversas esferas de atividades humanas. Segundo Bakhtin (2000 [1979], p. 279), todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana, o que não contradiz a unidade nacional de uma língua. Assim, percebe-se que essas formas-padrão relativamente estáveis estão profundamente vinculadas à vida sócio-cultural, contribuindo para estabilizar e ordenar as atividades comunicativas cotidianas, visto que apresentam um alto poder preditivo e interpretativo das ações humanas. Por esse motivo, é possível afirmar que os gêneros caracterizam-se muito mais por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades lingüísticas e estruturais (MARCUSCHI, 2002, p. 20). Logo, para compreender a importância dos gêneros textuais para as atividades comunicativas do dia-a-dia, não basta se deter a aspectos lingüísticos e estruturais, uma vez que são mais relevantes os aspectos comunicativos e funcionais. Gêneros não se limitam a formas lingüísticas com uma estrutura prédefinida, caracterizam-se como formas de agir sócio-discursivamente em situações comunicativas específicas. Conseqüentemente, os gêneros se caracterizam como os textos de realização empírica em situações comunicativas específicas. Atendendo a um propósito

comunicativo, os gêneros textuais se constituem como realizações concretas cujas características predominantes são as sócio-comunicativas, que envolvem conteúdo, propriedades funcionais, estilo e composição, no que divergem dos tipos textuais, que se caracterizam por sua natureza lingüística. Os tipos textuais se constituem como seqüências definidas por propriedades lingüísticas intrínsecas, relacionadas a aspectos lexicais, sintáticos etc. Esses constructos teóricos abrangem um número limitado de categorias (narração, descrição, argumentação, exposição e injunção); ao passo que os gêneros se configuram como a realização concreta de textos que cumprem uma função comunicativa específica e abrangem um conjunto incomensurável de categorias, tais como cartas, bilhetes, e-mails, telegramas, telefonemas, diálogos, aulas expositivas, artigos científicos, artigos de opinião, notícias, reportagens, editoriais, bulas de remédio, anúncios publicitários, anúncios classificados, entre outros. Essa diversidade de gêneros é justificável por sua própria natureza. Como surgem de acordo com as necessidades que se apresentam em cada esfera de atividade humana e, tendo-se em vista que essas esferas também são bastante diversas, apresentando necessidades igualmente diversas, é natural que tenha surgido uma grande variedade de gêneros. De acordo com Koch (2002, p. 54), sendo as esferas de utilização da língua extremamente heterogêneas, também os gêneros apresentam grande heterogeneidade, incluindo desde o diálogo cotidiano à tese científica. Com isso, percebe-se que, em virtude dessa heterogeneidade que os caracteriza, os gêneros textuais realizam desde textos relacionados a atividades cotidianas da vida familiar, como diálogos e cartas, até textos característicos de situações públicas e mais complexas, como conferências e teses científicas. Sobre isso, Bakhtin (2000, [1979], p. 281) esclarece que: não há razão para minimizar a extrema heterogeneidade dos gêneros do discurso e a conseqüente dificuldade quando se trata de definir o caráter genérico do enunciado. Importa, nesse ponto, levar em consideração a diferença essencial existente entre o gênero de discurso primário (simples) e o gênero de discurso secundário (complexo). Por gêneros primários se compreende aqueles que surgiram em situações de comunicação verbal espontânea. Por sua vez, deve-se compreender por gêneros secundários aqueles que resultam da transmutação dos gêneros primários em virtude do surgimento de situações comunicativas relativamente mais complexas, que geralmente estão relacionadas à escrita. De acordo com essa concepção, Koch (2002, p. 54) explica a distinção feita por Bakhtin entre os gêneros primários e os secundários da seguinte maneira:

enquanto os primeiros (diálogo, carta, situações de interação faca a face) são constituídos em situações de comunicação ligadas a esferas sociais cotidianas de relação humana, os segundos são relacionados a outras esferas, públicas e mais complexas, de interação social, muitas vezes mediadas pela escrita e apresentando uma forma composicional monologizada, absorvendo, pois, e transmutando os gêneros primários. Constata-se, assim, que os critérios para definição dos gêneros textuais não se limitam àqueles de ordem lingüística e estrutural, ao contrário, estão intrinsecamente relacionados aos aspectos sócio-históricos e culturais das esferas de atividades humanas que lhes dão origem. As atividades são, então, materializadas pelos gêneros, que, dessa forma, se constituem como instrumentos utilizados pelos sujeitos para executar uma dada ação mediada pela linguagem, o que está de acordo com a posição defendida por Schneuwly (2004). Para esse autor, ao desenvolver uma atividade, o sujeito executa uma ação entre dois pólos: o objeto sobre o qual age e a situação em que pratica essa ação. Todavia, para que possa realizar essa ação, o sujeito utiliza instrumentos, os quais foram sócio-historicamente desenvolvidos para esse objetivo e, por essa razão são capazes de guiar e controlar as ações que podem ser desenvolvidas. No que diz respeito à comunicação verbal, os gêneros são os instrumentos que fazem a mediação entre os sujeitos e as ações que pretendem realizar por meio da linguagem. Os gêneros, como instrumentos que são, têm por função mediar a atividade humana e, à medida que exercem essa função, materializam a atividade, dando-lhe forma. Por isso, pode-se afirmar que, embora não se constituam como a própria atividade, que existe independentemente dos instrumentos, são estes que a representam e significam. Sobre isso, afirma Schneuwly (2004, p. 24): o instrumento torna-se, assim, o lugar privilegiado da transformação dos comportamentos: explorar suas possibilidades, enriquecê-las, transformálas são também maneiras de transformar a atividade que está ligada à sua utilização. Diante disso, compreende-se por que é imprescindível que haja, por parte do sujeito, o domínio de uma grande variedade de gêneros textuais, pois isso permitirá a sua atuação, de acordo com os seus objetivos, nas mais diversas situações de comunicação. Em virtude disso, defendemos que o ensino de língua materna, em qualquer nível, não pode ignorar esse fato, cabendo-lhe o importante papel de garantir ao aluno a integração a diversos usos de gêneros textuais, uma vez que os

gêneros estabilizam elementos formais e rituais das diversas práticas sociais nas quais será necessário agir discursivamente. Portanto, é primordial desenvolver no educando o domínio de um rico repertório de gêneros textuais, inclusive daqueles que lhe serão úteis em sua prática profissional, pois, conforme explica Bakhtin (2000 [1979], p. 304), é de acordo com nosso domínio dos gêneros que usamos com desembaraço, que descobrimos mais depressa e melhor nossa individualidade neles (quando isso nos é possível e útil), que refletimos, com maior agilidade, a situação irreproduzível da comunicação verbal, que realizamos, com o máximo de perfeição, o intuito discursivo que livremente concebemos. 3. O ENSINO DE GÊNEROS TEXTUAIS E A FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DE PSICOLOGIA Quando se encontra em uma determinada situação comunicativa, em um lugar social definido, inserido em uma esfera de atividade humana específica, o sujeito, para se comunicar, precisa utilizar um gênero textual que seja adequado a essa situação. Para que isso aconteça de modo produtivo, é necessário que saiba reconhecer quais gêneros são possíveis nessa esfera; consiga escolher, entre essas possibilidades, aquele que é mais adequado ao seu propósito comunicativo e tenha desenvolvido o necessário domínio do gênero escolhido. Logo, dominar diversos gêneros textuais é imprescindível, uma vez que se constituem como os instrumentos por meio dos quais é possível agir em diversas situações comunicativas. Esse domínio se obtém através da ampliação da competência sócio-comunicativa dos sujeitos, o que ocorre quando se aumenta o contato com diferentes gêneros textuais. Todavia, o ensino, nos mais diversos níveis, durante muito tempo ignorou a relevância desse fato e investiu quase todos os esforços na aquisição, por parte do aluno, de conteúdos gramaticais, em detrimento do desenvolvimento de competências textuais. Disso, resultou a formação de alunos que, ainda que apresentassem algum domínio do sistema lingüístico, sentiam-se, não raras vezes, incompetentes para produzir textos indispensáveis às suas práticas sociais. Esse entrave já era apontado por Bakhtin (2000 [1979], p. 303), São muitas as pessoas que, dominando magnificamente a língua, sentemse logo desamparadas em certas esferas da comunicação verbal, precisamente pelo fato de não dominarem, na prática, as formas do gênero de uma dada esfera.

Esse problema se torna ainda mais grave quando os gêneros de que não se tem domínio são justamente aqueles que fazem parte da esfera profissional do indivíduo. Os cursos de ensino superior já não podem mais ignorar, como historicamente fizeram, o fato de que todos os profissionais lidam, em suas atividades diárias, com inúmeras práticas sociais, que incluem aquelas que se constituem por meio da linguagem e a forma de concretização dessas práticas sociais lingüísticas dá origem ao que se denominam gêneros textuais. Portanto, o domínio dos gêneros do seu âmbito profissional é primordial para o indivíduo. Esses gêneros textuais precisam ser ensinados aos educandos, para que sejam formados profissionais preparados para experienciar de modo positivo o universo do mercado de trabalho. Diante disso, pode-se afirmar que um curso de graduação deve propiciar ao futuro profissional oportunidades de lidar com as práticas sociais próprias do âmbito do trabalho do qual este fará parte. É imprescindível que o graduando tenha acesso a gêneros textuais desse universo e que aprenda a lidar com eles. Por esse motivo, nesse trabalho, decidimos analisar se os textos que são os principais objetos de estudo das disciplinas de Língua Portuguesa no curso de graduação em Psicologia de duas Instituições de Ensino Superior do Estado de Pernambuco (uma pública e outra particular) são, de fato, os mais relevantes para a inserção dos profissionais que serão formados por esse curso nas práticas sóciocomunicativas específicas de um psicólogo. Para tanto, partimos de um levantamento de quais gêneros são os mais utilizados por profissionais formados há mais de cinco anos em Psicologia e que, durante esse tempo, vêm exercendo regularmente a profissão. Esse levantamento foi feito por meio de questionários que foram respondidos por cinco profissionais dessa área. Cada um dos profissionais entrevistados apontou, entre outras coisas, os cinco gêneros que mais utilizam no seu dia-a-dia profissional. A análise dos dados obtidos permitiu que constatássemos que os gêneros mais utilizados por esses psicólogos em suas práticas comunicativas no âmbito profissional são esses apresentados no quadro a seguir. NÚMERO DE GÊNERO PROFISSIONAIS QUE O INDICARAM Laudo 05 Entrevista 05 Parecer 04 Atestado 04 E-mail 03 Outros 04

De acordo com os profissionais que os apontaram, esses gêneros são imprescindíveis para a prática de um psicólogo, visto que o laudo é utilizado para descrever os resultados obtidos por meio de testes sobre o comportamento humano; a entrevista é indispensável à coleta de dados sobre o indivíduo; o parecer é utilizado para indicar, de forma resumida, os resultados apontados no laudo; o atestado é uma forma de declarar, para fins específicos, os resultados a que chegou o psicólogo e o e-mail é utilizado predominantemente para trocar informações entre colegas e pacientes e para tratar de questões burocráticas relativas às clínicas onde exercem a profissão. É interessante destacar que, ao responder ao questionário, todos os profissionais enfatizaram o fato de que não aprenderam a usar esses textos na universidade e alguns comentaram acerca das dificuldades que sentiram quando se depararam com eles pela primeira vez, no exercício da profissão. A depender do que se verificou a respeito de como está sendo conduzido o ensino desses gêneros textuais, hoje em dia, nas instituições cujos alunos responderam ao nosso questionário, esse quadro se repetirá muito em breve, porquanto constatamos que nenhum dos gêneros apontados por esses profissionais foi objeto de ensino do curso de graduação nas duas Instituições de Ensino Superior analisadas. Na Instituição de Ensino Superior particular, verificamos que são ministradas duas disciplinas de Língua Portuguesa no curso de Psicologia. Sobre os cinco gêneros que foram mais solicitados a produzir nas atividades dessas duas disciplinas, os alunos apontaram a redação (nos padrões da redação escolar) como o gênero mais solicitado. Além desse, de acordo com os cinco alunos entrevistados, foram produzidos apenas mais dois gêneros: carta pessoal e relatório. NÚMERO DE ESTUDANTES GÊNERO DA IES PARTICULAR QUE O INDICARAM Redação 05 Carta pessoal 05 Relatório 05 Questionados sobre o objetivo da produção desses textos, os alunos afirmaram que serviam para a professora verificar se a turma estava acompanhando o conteúdo de ortografia e gramática que estava sendo dado. Os alunos eram convidados a escrever sobre um tema livre, apenas para que as professoras pudessem fazer uma avaliação de aspectos meramente lingüísticos. Percebe-se que exatamente os aspectos mais relevantes para a produção de um gênero textual (aqueles de ordem sócio-comunicativa e funcional) foram completamente ignorados.

Na Instituição de Ensino Superior pública, surpreendeu-nos o fato de que não há uma única disciplina de Língua Portuguesa, embora o desenvolvimento de competências comunicativas seja indispensável à formação de um profissional de Psicologia. Diante disso, reformulamos nosso questionário e pedimos aos cinco formandos entrevistados que indicassem os cinco gêneros que mais produziram no curso como um todo. O resultado se verifica no quadro abaixo. NÚMERO DE ESTUDANTES GÊNERO DA IES PÚBLICA QUE O INDICARAM Prova 05 Resumo 04 Resenha 04 Relatório 03 Artigo científico 03 Outros 06 É revelador o fato de que foi apontado pelos formandos da IES pública o gênero prova como o mais produzido ao longo do curso. Na verdade, sabemos que esse gênero não foi, literalmente, produzido pelos alunos. A prova é produzida pelos professores, cabendo aos educandos a tarefa de respondê-la. Apesar disso, consideramos importante apresentar esse resultado porque isso é indicativo de que a preocupação com a avaliação dos alunos recebeu maior ênfase no decorrer do curso do que a produção de gêneros com funções sócio-comunicativas que extrapolam o domínio pedagógico. O que constatamos, a partir das respostas dos formandos da instituição pública, é que essa preocupação com a avaliação norteou não só a realização das provas, mas também a produção dos demais gêneros apontados, que, de acordo como os alunos, serviam para o professor avaliar se os conteúdos trabalhados nas disciplinas tinham sido corretamente aprendidos pelos alunos. Novamente, aspectos sócio-comunicativos e funcionais desses gêneros não foram trabalhados com os alunos. Os formandos das duas instituições, quando questionados acerca da relevância da abordagem desses gêneros para a sua futura prática profissional, lamentaram o fato de que não conhecem os textos com os quais precisarão lidar em suas práticas profissionais e se mostraram inseguros quanto à sua inserção nessas práticas, pois acreditam que estão terminando o curso sem desenvolver essa competência.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com a realização dessa pesquisa, constatamos que há uma disparidade entre o que se estuda no curso de graduação em Psicologia e aquilo que é de fato relevante para a inserção dos educandos nas práticas sociais mediadas pela linguagem, no que diz respeito às práticas necessárias à sua atuação profissional. Isso ratifica a idéia de acordo com a qual é necessário fazer profundas alterações no ensino de língua materna, que historicamente, desde as séries iniciais do Ensino Fundamental, não atua dando ênfase ao que é mais relevante para o desenvolvimento da competência sócio-comunicativa dos educandos. Diante desse quadro, não é de se surpreender que muitos profissionais sintam dificuldade para interagir socialmente por meio de textos escritos do seu próprio âmbito de atuação profissional, já que os gêneros textuais que estão sendo objeto de ensino no curso de Psicologia não correspondem àqueles que são socialmente exigidos durante a atuação profissional do psicólogo, o que comprova a necessidade de mudança nos encaminhamentos pedagógicos no Ensino Superior. Um trabalho relevante e produtivo com diversos gêneros textuais se mostra indispensável à formação de bons profissionais e cidadãos críticos, visto que os gêneros estão diretamente relacionados às práticas discursivas, nos mais diversos contextos culturais, de modo que não se deve ignorar as relações entre linguagem e atuação social. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. 3. ed. Trad. de Maria Ermantina Galvão; rev. de Marina Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 277-326. BAZERMAN, Charles. Gêneros textuais, tipificação e interação. Trad. e adapt. de Judith Chambliss Hoffnagel; org. de Ângela Paiva Dionísio, Judith Chambliss Hoffnagel; rev. De Ana Regina Vieira [et al]. São Paulo: Cortez, 2005.. Gênero, agência e escrita. Trad. e adapt. de Judith Chambliss Hoffnagel; org. de Ângela Paiva Dionísio, Judith Chambliss Hoffnagel. São Paulo: Cortez, 2006.

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