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HOMEM TAMBÉM TEM CADEIRA: AS INSTÂNCIAS DO PODER MASCULINO DENTRO DO CANDOMBLÉ - ESTUDO DE VIDA DO BABALORIXÁ KABILA DE OXOSSI 1 Danilo de Souza Serafim 2 1. INTRODUÇÃO Os estudos acerca do Candomblé sempre dão ênfase à imagem das Yalorixás 3 e do legado matriarcal, onde muitas vezes o homem não é bem visto como sacerdote. Representações foram criadas em torno do Candomblé, onde predominam a das grandes mães de santo da Bahia, deixando de lado o homem no exercício do sacerdócio dentro das religiões afro brasileiras. Algumas dessas inquietações serão levantadas ao longo da presente pesquisa, que visa mostrar o destaque que os Babalorixás têm conquistado dentro da religião dos Orixás. Essa pesquisa não tem intenção de desmerecer a importância das grandes Yalorixás do Candomblé, que são de grande importância na preservação da religião. Através da pesquisa será possível abordar as transformações e adaptações que a religião tem sofrido para se adequar a realidade dos seus adeptos, tendo como objetivo analisar a participação do homem na religião dos Orixás, através do estudo biográfico acerca da vida e trajetória do Babalorixá 4 Kabila de Oxossi 5, líder do Ilê Alaketu Asé Odé Akueràn, situado na cidade de Barueri, zona metropolitana de São Paulo. A proposta é realizar estudos dentro do Candomblé em torno da figura masculina, ou seja, da imagem do Babalorixá, algo que vai contra a maioria dos estudos sobre sacerdócio afro religioso, pois muito se pesquisa sobre a supremacia feminina 1 Projeto de pesquisa extraído do Trabalho de Conclusão de Curso que leva o mesmo título. 2 Graduando em História pela UNEB - Eunápolis 3 Yalorixá exerce a mesma função do Babalorixá, termo empregado às sacerdotisas, vulgo mãe de santo. 4 Babalórixá termo utilizado dentro do Candomblé referindo-se ao sacerdote masculino, vulgo pai de santo. 5 O senhor Wladimir de Carvalho, mais conhecido como Kabila de Oxossi é residente na cidade de Barueri na região metropolitana de São Paulo, onde está situada a sua casa de Candomblé, o Ilê Alaketu Asé Odé Akuerãn.

dentro da religião, as grandes Yalorixás, as grandes Egbons, e pouco se fala sobre os grandes sacerdotes que o Candomblé possui. A casa escolhida para pesquisa fica na região sudeste do Brasil situada na região metropolitana de São Paulo na cidade de Barueri, O Ilê Alaketu Asé Odé Akuerãn, distante das casas tradicionais da Bahia que são alvos de pesquisa, o Candomblé liderado pelo Babalorixá Kabila tem um calendário de festas anual onde são louvados os Orixás, seguindo as tradições dos candomblés baianos. Será possível observar, em linhas mais amplas, o destaque que alguns homens têm alcançado, resgatando o poder masculino que fora perdido em meio à diáspora africana no Brasil. O que levou esses homens adentrarem no Candomblé e atingirem o status de pais de santo é uma das inquietações que norteiam essa pesquisa, pois, é regido somente por mulheres, e ainda hoje, em algumas casas tradicionais, é perceptível uma melhor aceitação dentro do sacerdócio a figura da mulher, ou seja, tradição hierárquica feminina. A pesquisa está fundamentada sobre a oralidade, onde os dados serão colhidos na forma de entrevistas ao Babalorixá que serão dialogados com autores que versem sobre a temática, como por exemplo o livro de João José Reis intitulado Domingos Sodré Um sacerdote Africano que conta a história de vida do Babalorixá Domingos Sodré vivido no século XIX, mostrando que no já existia homens que exerciam o sacerócio nos Candomblés da Bahia oitocentista. Também será utilizada a obra de Ruth Landes A Cidade das Mulheres que será o ponto de contraposição à presente pesquisa, pois trata do poder das mulheres, a saber, o matriarcado das sociedades afro religiosas soteropolitanas do anos de 1930. Entrevistas com cargos da casa, principalmente mulheres a fim de analisar como este poder masculino, a saber a autoridade do Babalorixá Kabila exerce influências dentro e fora do Ilê. O presente projeto visa apresentar dados parciais já obtidos no campo da pesquisa. Alguns dados já colhidos em campo serão lançados e dialogados com fontes teóricas, a fim de identificar na biografia do Babalorixá Kabila elementos que culminem na compreensão acerca do poder masculino dentro das instâncias afro religiosas em contraposição ao matriarcado imposto por nossas ancestrais séculos atrás.

1. O BABALORIXÁ KABILA DE OXÓSSI Wladimir de Carvalho, conhecido por Pai Kabila, nasceu no ano de 1950 na cidade de Osasco, região metropolitana de São Paulo. Na época, Osasco ainda não era uma cidade, mas sim um subdistrito pertencente à São Paulo. Filho de imigrantes europeus, Pai Kabila possui ascendência portuguesa e italiana e formação católica. Chegou a ser coroinha na igreja de São Jorge, situada em Vila Isabel. Desde cedo, sua espiritualidade começou a dar sinais. Segundo o Babalorixá: Eu me lembro bem que era um domingo de Ramos a gente estava segurando a bandeira da Cruzada Eucarística, e todo mundo na igreja segurando os ramos porque o padre defumava naquele tempo costumava-se defumar os ramos pra por atrás das portas e essa coisa, e aquela defumação foi entrando dentro de mim foi me deixando tonto, foi me deixando tonto... E eu acho que desmaiei no meu interior eu achava que eu tinha desmaiado e na verdade não era isso, o padre disse que quando me levaram pra sacristia tinha alguém no meu corpo que falava uma língua diferente que era um caboclo, foi o caboclo que me pegou pela primeira vez eu ia fazer sete anos na Cruzada Eucarística na igreja de São Jorge. E ali começou praticamente a minha trajetória espiritual ainda não fiz santo nessa época não porque era criança e meus pais católicos jamais aceitariam o Candomblé ou qualquer outra religião a não ser a religião Católica, mas aquilo foi despertando realmente dentro de mim que eu tinha alguma coisa diferente. (Wladimir de Carvalho. Entrevista cedida a Danilo de Souza Serafim em 23/10/2013). Segundo a fala do entrevistado, a família não aceitava que ele fosse iniciado no Candomblé. Até que o primeiro contato direto com o Candomblé aconteceu. Com doze pra treze anos eu conheci uma senhora chamada dona Lindaura que morava na rua de casa, e ela era feita de santo ela tinha a digina de Obá Tunkué que ela era filha de Xangô, iniciada em Xangô, e ela olhou pra mim e disse assim, Wladimir você tem problema espiritual um dia vou te levar no Terreiro pra mãe de santo ver o que você tem, e daí isso foi feito, daí um dia ela me convidou pediu pra minha mãe, se podia me levar numa festa de criança, como minha mãe não sabia nada desse negocio de festa de Erê, de festa de São Cosme e Damião falou que podia me levar, e eu fui com ela cheguei lá era no Terreiro era festa de Cosme e Damião e eu passei mal, passei mal e vim achando de novo que tinha desmaiado, não na verdade eu já tinha bolado foi quando eu bolei pela primeira vez, pra poder fazer o santo Oxossi pedindo minha feitura e daí foi que eu iniciei no Candomblé, daí sim que comecei minha iniciação no Candomblé. (Wladimir de Carvalho. Entrevista cedida a Danilo de Souza Serafim em 23/10/2013)

Mesmo sendo um homem branco e de ascendência europeia, onde ele destaca que até o momento das manifestações do Caboclo não havia nenhum contato seu ou de sua família com as religiões afro-brasileiras o Babalorixá Kabila de Oxossi, começa a adentrar o Candomblé, até mesmo pra entender esses fenômenos, que serve de ingresso pra iniciação na religião dos orixás. Com sua saúde abalada, a irmã carnal do então menino Wladimir o levou para ser iniciado na nação de Angola 6 no ano de 1970 pela Yalorixá Sambauè 7 de Oxum, na cidade de Osasco em São Paulo, onde permaneceu até o falecimento de sua mãe de santo. O entrevistado afirma: Eu fiz santo na casa de Angola chamada Sociedade Senhor do Bonfim Rei Nagé de Obaluaiê, dirigida pelo Babalorixá Alaixè de Oxalá, e a Yalorixá Sambaué de Oxum, que foi ela que me raspou junto com pai Olegário, que era o patriarca do Axé vindo de Recife do Sitio do Pátio do Terço de Recife ele era filho de santo de lá, e foi nessa família que eu me iniciei no Candomblé. (Wladimir de Carvalho. Entrevista cedida a Danilo de Souza Serafim em 23/10/2013) Com a morte da Yalorixá Sambaué, ele da continuidade as suas obrigações 8 com Pai Oyá Miké da nação de Ketu filho de mãe Menininha do Gantois, com quem tomou obrigação de sete anos, dando inicio a sua casa de Candomblé e passa por uma fase de transição, onde antes ele pertencia a nação de Angola, sendo assim passa a integrar a nação de Ketu, onde começa iniciando os seus primeiros filhos de santo o que lhe outorga direitos de exercer o sacerdócio. Com o falecimento do seu Babalorixá Oyá Mike, Pai Kabila procura sua amiga a Yalorixá Nilzete de Yemanjá com o propósito de continuar dentro da religião, ele se torna filho de mãe Nilzete e passa a fazer parte do Ilê Axé Oxumarê Araká Axé Ogodô 9, onde está até os dias atuais. Atualmente, o Babalorixá Kabila de Oxóssi é um militante da causa afro religiosa dentro do estado de São Paulo, no objetivo de preservar os valores culturais da religião afrobrasileira. Sua casa de Axé, o Ilê Alaketu Asé Odé Akueràn situada na cidade de Barueri, 6 Candomblé de origem Banto. 7 Nome que o neófito recebe depois da iniciação, Orunkó ou Digina, isso varia de acordo com a nação. 8 Etapas que são cumpridas depois da iniciação até atingir a maioridade dentro da religião após a obrigação de sete anos. 9 Casa de Candomblé tradicional situado em Salvador Bahia.

recebem pessoas de diversas partes do Brasil e do mundo onde o Babalorixá atende filhos e clientes, a casa tem um calendário litúrgico onde festas são realizadas durante alguns meses do ano em louvor aos orixás. O ano se inicia no Ilê Alaketu Asé Odé Akueràn com a reverência aos ancestrais, no intuito de louvar os fundadores do Candomblé, e pedir permissão pra dar inicio as obrigações da casa essa cerimônia é restrita aos filhos do Ilê, e sempre é realizada no inicio do mês de janeiro. A primeira festa é em louvor a Oxalá, orixá considerado pai de todas as divindades do panteão afro-brasileiro, essa festividade acontece no final de janeiro. No mês de fevereiro é realizada a festa em louvor ao patrono do Ilê Alaketu Asé Odé Akueran, o orixá Oxossi, divindade que o Babalorixá Kabila foi iniciado, sendo que essa é a principal festa do egbé. Na sequência de festividades anuais, no mês de abril são louvados os orixás Ogum e Oxossi sendo essas duas divindades consideradas irmãos, portanto são reverenciados no mesmo período. Em julho a festa é em louvor a Xangô divindade dos trovões e da justiça. Já no mês de agosto a festa é em homenagem ao orixá Omolu, divindade relacionada com a saúde e as doenças. A ultima festa que encerra o ciclo de festividades anual é a festa das Yabás, onde são louvadas as divindades femininas Oxum e Yemanjá, essa festa recebe o nome de encontro das águas, fechando assim o ativo calendário litúrgico do Ilê. Ao todo, são seis as festas que compõe o calendário litúrgico do Ilê. As datas em que são agendadas as festas seguem o calendário da Casa Matriz, o Axé Oxumaré em Salvador. Segundo o Babalorixá Kabila, as festas de seu terreiro são feias em períodos em que não haja o choque de datas com a Casa Matriz. Assim, o Babalorixá demonstra respeito e submissão à hierarquia religiosa. Contudo, mesmo fora do ciclo festivo, a casa do Babalorixá está sempre em função de alguma atividade religiosa através de consultas, trabalhos, obrigações e outros afazeres. 2. AS INSTÂNCIAS DO PODER MASCULINO NO CANDOMBLÉ O Candomblé gerido por homens chama atenção pelo fato de romperem com as casas tradicionais 10, criando terreiros 11 onde são recriados e preservados ritos oriundos de suas 10 Entende-se por Casas Tradicionais, os terreiros mais antigos considerados matrizes do Candomblé, e geralmente são liderados por mulheres. 11 Palavra empregada para dar nome as Casas de Candomblé, a comunidade o egbé.

raízes culturais afro-brasileira. O terreiro se torna um espaço de elaboração e transmissão cultural, onde a memória e a continuidade se tornam as prioridades de todo egbé, onde o sacerdote é o guardião e transmissor dos saberes relacionados à religião. Através da função sacerdotal o homem vem se destacando no Candomblé, exercendo o posto de Babalorixá, esses sacerdotes ascendem na hierarquia dos terreiros conquistando respeito e autoridade religiosa, esse fenômeno é sinalizado por João José Reis em seu livro Domingos Sodré Um sacerdote Africano, nessa biografia Reis enfatiza as relações de poder exercidas pelo adivinho Domingos Sodré, mostrando que homens já ocupavam o sacerdócio dentro do Candomblé e isso conferia aos sacerdotes uma posição de destaque nos campos religioso e social. O Babalorixá Kabila de Oxossi fala como se tornou um sacerdote no Candomblé: (...) Eu na verdade eu nunca quis ser Babalorixá, nunca tive nos meus planos de ter uma casa de Candomblé e cuidar das pessoas, e aconselhar e ajudar as pessoas a trilharem suas vidas dando explicações e ensinamentos, mas é o que eu falei eu nasci pra ser Babalorixá eu acho que nasci mesmo pra ser sacerdote, se eu não fosse sacerdote da religião afro-brasileira, com certeza eu seria sacerdote de uma outra religião eu nasci pro sacerdócio e graças a Oxalá a todos os Orixás que é da religião afro-brasileira, que é realmente onde eu me encontrei. (Wladimir de Carvalho. Entrevista cedida a Danilo de Souza Serafim em 23/10/2013) Podemos observar na entrevista citada acima que o papel do Babalorixá é o mesmo exercido pelas Yalorixás, o de liderança religiosa, conselheiro espiritual e guardião dos ensinamentos da ritualística do Candomblé. Sendo que na hierarquia religiosa tanto o sacerdote ou sacerdotisa ocupam a mesma função dentro do universo da religião dos orixás onde se tornam provedores de suas comunidades (egbé). A comunidade religiosa presente no Candomblé remonta o quadro familiar, onde o centro da estrutura é a figura paterna ou materna. No cenário religioso em questão, o Babalorixá encontra-se no cerne do egbé, tendo em torno de si o poder de comando e a responsabilidade de manter e organizar a famiília espiritual. Toda essa responsabilidade é subdividida através da organização hierárquica do Ilê. Este aspecto está presente no espaço dirigido pelo Babalorixá Kabila. Segundo sua fala: Já foram delegados os postos a algumas pessoas pelo tem que me acompanham que tem de trinta a quarenta anos, já de iniciados são pessoas da minha extrema

confiança, e tudo a gente não pode fazer sozinho, você veja bem o Papa tem os Cardeais, os Bispos, os Padres os Seminaristas então precisa de todas aquelas pessoas pra poder ele comandar a Igreja, e como Babalorixá também pra poder comandar ele precisa daquelas pessoas todas de confiança na volta dele pra poder ajuda-lo, que o Candomblé é uma religião de muito detalhe, é uma religião de muitos detalhes, então pra que você não esqueça nunca os detalhes, você qualifica uma pessoa pra determinada função, assim pras coisas saírem certas não ter o perigo de você for fazer uma obrigação, uma iniciação e as coisas darem erradas não serem completadas (Wladimir de Carvalho. Entrevista cedida a Danilo de Souza Serafim em 25/06/2014) Observando a fala do sacerdote, a subdivisão de funções dentro da casa de Candomblé garante a extensão de seu poder, logo a extensão de seu conhecimento. O Babalorixá repassa para os membros escolhidos, segundo seu tempo de iniciação e capacidade de aprendizado, parte do seu conhecimento a fim de facilitar o desenvolvimento da ritualística dos orixás. Por se tratar de uma casa de Candomblé ampla e que abrange um grande contingente humano, se faz necessária esta subdivisão hierárquica. No entanto, a autoridade maior da casa continua se concentrado em torno do Bablorixá, detentor absoluto da soberania máxima do Ilê. As relações hierárquicas presentes no Ilê Alaketu Asé Odé Akueràn ocorrem de forma espontânea onde a influencia e autoridade exercida pelo Babalorixá Kabila abrange toda comunidade em que as pessoas que exercem postos, os Egbons e os Yawos o reverenciam não apenas por ver no sacerdote a figura de pai espiritual, mas principalmente pelo conhecimento que possui juntamente com sua idade iniciática, o que lhe confere o status de detentor da sabedoria ritual e guardião dos segredos religiosos do Candomblé. A influência do Babalorixá Kabila de Oxóssi vai além dos limites de sua casa de Axé. Sua dedicação aos Orixás, sua militância em prol dos valores afro-religiosos e com seu profundo conhecimento acerca do Candomblé o dão propriedade para angariar títulos e comendas, recebidos ao longo dos anos das instâncias de poder político do estado de São Paulo. Por este motivo, o sacerdote já participou de eventos, congressos e até programas de televisão em que defende o Candomblé, sempre com a propriedade de quem entende do assunto. Algo marcante no Candomblé em geral se relaciona com a preservação da memória, tanto coletiva quanto individual. Todos os ritos e preceitos são repassados através da oralidade,

através do pai ou mãe-de-santo os ensinamentos são repassados pra a comunidade (egbé), a fim de perpetuar a herança cultural e religiosa afro-brasileira. O Babalorixá ou a Yalorixá tornam-se guardiões da tradição, a ponto de serem tratados como pais e mães, que zelam pelo bem estar de seus filhos e de todo egbé. A memória não é apenas um ato de recordar o passado, é a reconstrução de vivências, experiências e emoções e estão intimamente ligadas com o presente. No que tange ao conhecimento adquirido através da oralidade afro-religiosa, o Babalorixá Kabila possui um vasto conhecimento e uma grande dedicação à causa afro religiosa. Isto faz com que o mesmo seja visto como um ícone do Candomblé paulistano. No entanto, o sacerdote demonstra humildade em afirmar que: Eu não me sinto um ícone não, ao contrário eu acho que ainda tenho muito que aprender, porque dentro do Candomblé, o Candomblé essa religião africana essas coisas do Orixá, Orixá é a natureza, e a natureza não tem uma definição, não é uma matemática, não é uma coisa exata, então a cada dia a gente aprende uma coisa, é muito mais fácil quando você sabe que um mais um é dois, dentro do Candomblé essa matemática não funciona, então cada dia a gente se depara com uma situação ou com alguma coisa que o Orixá nos determina, então a cada dia a gente está aprendendo alguma coisa, então eu acho que não existe ninguém supremo dentro do Candomblé, todos os sacerdotes e as sacerdotisas do Candomblé estão a cada dia aprendendo alguma coisa que os Orixás a natureza nos ensina a cada dia. (Wladimir de Carvalho. Entrevista cedida a Danilo de Souza Serafim em 23/10/2013) O que pode ser observado é que para o Babalorixá, todo aprendizado acerca da religião do Candomblé, são influenciados pelas divindades africanas (Orixás), e que todo sacerdote ou sacerdotisa está sob a influência dessas forças divinas, sujeitando assim seus atos e decisões aos desígnios das divindades. Dessa forma é possível assimilar que, dentro do candomblé, a única autoridade que está acima da do Sacerdote é somente o Orixá. No entanto, o posto de chefia e liderança exercido por homens dentro da religião do Candomblé não é bem visto por todos os seus adeptos. Ainda existem casas antigas que guardam em seu estatuto hierárquico a ideia de que somente as mulheres eram dignas e aptas a exercerem o posto de Sacerdotisa de um Ilê. O Babalorixá Kabila fala sobre este assunto: (...) As mulheres, as Yalorixás sim; veem os Babalorixás de olho diferente. Percebo porque aqui no Brasil até mesmo se criou essa fama que o Candomblé tem que ser dirigido por mulher que é matriarcal, e não é verdade porque na África segundo o

que eu sei, eu nunca fui na África mas segundo o que eu sei quem governa quem é o sacerdote é o homem então o Candomblé na verdade na África é patriarcal esse negócio de matriarcal é coisa do Brasil. (Wladimir de Carvalho. Entrevista cedida a Danilo de Souza Serafim em 05/07/2014) Através da fala do Babalorixá Kabila é possível observar que ele busca na ancestralidade africana uma forma de se legitimar como sacerdote sendo que ele expressa que em África os homens que exercem o sacerdócio no culto aos orixás, e que aqui no Brasil as mulheres assumem um papel que antes era ocupado por homens, e que os Babalorixás não são aceitos por uma grande parte das Yalorixás. Todavia, a ascensão masculina dentro do Candomblé, que se constitui num fenômeno dentro da estrutura religiosa, fornece a não a quebra desta tradição feminina, mas a possibilita que homens e mulheres, Babalorixás e Yalorixás caminhem lado a lado, dedicando suas vidas aos Orixás e ao egbé 12. 3. CONCLUSÕES PARCIAIS E OBJETIVOS EM VISTA A relação entre Brasil e África pode ser observada dentro dos Terreiros de Candomblé, que na sua organização recriaram os reinos africanos, através da religião que rememora os aspectos político e social, onde a figura do rei é substituída pelo Babalorixá e Yalorixá que são os senhores de suas comunidades, onde preservam os ensinamentos e tradições ancestrais. O Babalorixá torna-se líder do seu egbé, conselheiro espiritual e o elo entre as divindades (Orixás), e os seus filhos. O Babalorixá Kabila de Oxóssi mostra-se como uma rica fonte de pesquisa, pois os múltiplos saberes, temas e propostas metodológicas que cercam a sua biografia faz com que a cada nova entrevista, o interesse em desvendar os enigmas deste poder masculino aumente a fim de trazer à tona uma problemática um tanto abafada em meio à dominação feminina no Candomblé, não sendo aqui a intenção de desmerecer a importância das mulheres na preservação e perpetuação do legado religioso afro-brasileiro. 12 Palavra de origem Iorubá cujo significado está associado à comunidade ou uma organização social.

Sua abrangência sacerdotal transcende aos limites físicos do Ilê Alaketu Asé Odé Akueràn, exercendo suas influências religiosas a filhos e clientes de outros estados e até mesmo de fora do país. A subdivisão de poderes dentro do Ilê denota a confiança que o Babalorixá deposita em seus cargos de confiança, sendo que a maioria dos cargos é exercida por mulheres, o que culmina numa fragmentação do conhecimento litúrgico aprendido e repassado por meio da oralidade. Na busca de conclusões, alguns dos objetivos pretendidos ao término desta pesquisa buscam entender as relações de poder patriarcal dentro do Candomblé a partir do Estudo de Vida do Babalorixá Kabila, percebendo assim de que forma esses sacerdotes contribuem para preservação da religião.dessa forma, será possível estudar as representações de poder e da hierarquia através da religiosidade afro-brasileira identificando as modificações que o Candomblé tem sofrido, e quais espaços da religião o homem vem ocupando. A pesquisa aqui desenvolvida contribuirá de forma significativa para o entendimento da formação da religião do candomblé e as mudanças que foram necessárias para que ocorresse a inserção do homem como sacerdote. O mesmo ocorre com a entrada do branco, uma vertente posterior para pesquisa, que independente de gênero, mostra que o candomblé é uma religião que é aberta a todos e não apenas aos que descendem de negros. REFERÊNCIAS: ALBERTI, Verena. Manual de história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. BENISTE, José. Dicionário Yorubá - Português. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. LANDES, Ruth. A Cidade das Mulheres. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002.

LEITE, Fábio Rubens da Rocha. A Questão Ancestral: África Negra. São Paulo: Palas Athena: Casa das Áfricas, 2008. SILVEIRA, Renato da. O Candomblé da Barroquinha: Processo de constituição do primeiro terreiro baiano de Keto. 2ª Edição. Salvador: Maianga, 2006 PRANDI, Reginaldo. Os Candomblés de São Paulo: A velha Magia na Metrópole Nova. São Paulo: Hucitec, 2001 REIS, João Jose. Domingos Sodré um sacerdote africano: escravidão, liberdade e candomblé na Bahia do século XIX. São Paulo, Companhia das Letras, 2008.