Locução em Propagandas: uma releitura da caracterização de vozes profissionais 1

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Transcrição:

Locução em Propagandas: uma releitura da caracterização de vozes profissionais 1 Broadcasting in Advertising: (re)reading characterization of professional voices Resumo A voz humana está presente na maioria das propagandas, publicidades e comerciais veiculados em rádio e televisão. Este artigo apresenta uma caracterização vocal de gravações de locuções profissionais nessas áreas. A análise aborda aspectos de psicodinâmica vocal relacionados aos principais tipos de vozes e parâmetros vocais identificados, comenta as implicações dessas opções vocais na saúde vocal do locutor e estabelece relações com as necessidades atuais da interpretação vocal na locução. Além disso, aponta a necessidade de superar padrões estereotipados de locução e a possibilidade de explorar a flexibilidade e plasticidade vocal que correspondam à liberdade e à criatividade de representação vocal requerida nos diversos trabalhos de locução. Para isso, sugere a participação mais efetiva do fonoaudiólogo na formação e preparo do locutor e de comunicadores sociais, oferecendo subsídios teóricos e práticos ao uso profissional da voz. Palavras chave locução publicidade e propaganda comunicação social voz fonoaudiologia. Abstract The sound of the human voice is present in most of the advertisings, publicities, and commercials broadcasted on radio and television. This article presents vocal characterization of recorded professional broadcasting. The analysis shows vocal psycho dinamics aspects related to the main types of voice and identificated vocal parameters, discussed the implications of these vocal options in the speaker s vocal health, and establishes a relationship with the present necessities of vocal interpretation in broadcasting, pointing to the need of overcoming the stereotyped patterns of broadcasting and the possibility of exploring a vocal flexibility and plasticity that corresponds to the freedom and creativity of vocal representation required in broadcasting. Thus, we suggest a more effective participation of the speech language therapist in the training and preparation of the broadcaster and social communicators, offering theoretical and practical support for the professional use of the voice. Keywords broadcasting advertising social communication voice speech language therapy. REGINA ZANELLA PENTEADO Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) rzpenteado@unimep.br 1 Artigo originalmente publicado na revista Impulso v. 10, n. 22/23, p. 55 70, 1998. Revisado, atualizado e ampliado em 2010. 85

Introdução A propaganda e a publicidade envolvem um conjunto de atividades de informação e técnicas de persuasão que utilizam apelos que exploram o inconsciente, o subjetivismo e a afetividade, na busca de representação de papéis socioculturais que, vinculados aos produtos, possibilitem uma aproximação e identificação com o público alvo, destinadas a influenciar, modificar e determinar opiniões, sentimentos, atitudes, hábitos, costumes, valores, estilos e condições de vida, relações e o comportamento humano. No processo de criação da propaganda, produtos e mercadorias são estetizados e recebem determinadas valorações que se relacionam, por exemplo, com a afetividade, a sexualidade, a jovialidade, a vitalidade, a saúde, a ética. A produção da propaganda se vale dos recursos pertinentes a cada veículo de comunicação no qual será veiculada. Nos casos específicos do rádio e da televisão são utilizados recursos comunicativos visuais e sonoros como imagem, música, canto, efeitos sonoros, pausas, palavra/texto e, principalmente, a voz e a fala, sendo que estas últimas se fazem presentes em quase todas as propagandas e comerciais, por meio do trabalho de locutores profissionais. Os locutores, que emprestam suas vozes para a veiculação de mensagens de produtos comerciais ou governamentais, trabalham para agências de publicidade e propaganda e gravando mensagens comerciais em estúdios especializados, sendo chamados de locutores comerciais, locutores de propagandas, locutores publicitários, ou ainda, profissionais da voz falada em publicidade. Esses profissionais se organizam em uma associação denominada Clube da Voz (BEHLAU et al., 2005). Tradicionalmente, os locutores iniciavam a carreira imitando colegas, quase sempre sem treinamento ou capacitação (BEHLAU et al., 2005; BORREGO e OLIVEIRA, 2008). Os avanços tecnológicos, bem como a preocupação crescente de empresários e das agências de publicidade e propaganda, direcionada à qualidade e eficácia dos serviços prestados, estimulam os profissionais do ramo a buscar preparo e formação específica nas questões do uso profissional da voz e da locução. Assim, disciplinas proferidas por fonoaudiólogos, com foco no uso profissional da voz e saúde vocal, passam a integrar a matriz curricular de cursos técnicos profissionalizantes e também de nível superior em Comunicação Social. Assim, por exemplo, podem ser citadas as disciplinas de Laboratório de voz (Cursos de Jornalismo e de Rádio e Televisão da Universidade Metodista de Piracicaba) e Fonoplastia (Curso de Radialismo/Setor Locução, do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial). Nessas disciplinas, cujo caráter é teórico/prático, a voz falada e a locução passam a ser vistas com importância e profissionalismo na construção da mensagem em produtos e programas de rádio, televisão e mídia digital. Nelas são abordados e trabalhados aspectos de produção da voz, qualidade vocal, promoção da saúde vocal, psicodinâmica vocal, relações entre voz/emoção, bem como o desenvolvimento dos recursos 86

vocais e da expressividade na construção da relação entre mensagem, corpo e voz na perspectiva da Fonoaudiologia. Conteúdos similares também são abordados em assessorias fonoaudiológicas a locutores, apresentadores e demais profissionais de empresas de comunicação, rádio e televisão (KYRILLOS, COTES e FEIJÓ, 2003; FERREIRA, 2004). A fonoaudiologia brasileira vem publicando estudos sobre voz do locutor há mais de 20 anos, sendo as primeiras publicações voltadas para o conhecimento do locutor e seu perfil; mais recentemente, o foco dos estudos deslocou se para a prática fonoaudiológica na área (BORREGO e OLIVEIRA, 2008). Nessa perspectiva, avaliando ações fonoaudiológicas em saúde vocal de profissionais da voz, autores como Ueda, Santos e Oliveira (2008) evidenciaram desconhecimento e pouca importância em relação aos cuidados com a saúde vocal. A hidratação foi referida, pela maioria dos sujeitos, como a prática de evitar gelados, comer maçã e realizar exercícios de aquecimento vocal, respiração e projeção. Apesar de contar com orientação fonoaudiológica nos cursos de formação, conforme já mencionado, as autoras notaram que os locutores utilizam apenas parte das orientações recebidas sobre saúde vocal. Navarro e Behlau (2001) e Borrego e Oliveira (2008) também confirmaram que locutores deixam de adotar medidas importantes para a manutenção da saúde vocal e possuem conhecimentos insuficientes sobre cuidados com a voz. Estudos epidemiológicos com essa categoria profissional são escassos e devem ser ampliados (SOUZA e THOMÉ, 2006). Nesse sentido, Navarro e Behlau (2001) destacaram uma série de sintomas vocais relacionados ao abuso vocal agudo ou crônico de locutores publicitários. Souza e Thomé (2006) também enfatizaram prevalência de um ou mais sintomas vocais em 21% dos locutores estudados, sendo as queixas mais frequentes dor na garganta, falhas na voz, ar insuficiente e ardor na garganta, associadas, dentre outros aspectos, a não ter formação preparatória para o exercício da profissão, a hábitos prejudiciais como não realizar aquecimento vocal, ingerir gelados, café, chocolates, leite ou derivados durante a locução e o tempo de profissão. Isso afirma a importância de um processo de educação continuada nas questões de saúde e uso profissional da voz nessa categoria. Farghaly e Andrade (2008) avaliaram a eficácia de um programa para formação de locutores de rádio e concluíram que a atuação fonoaudiológica deve ser estruturada com base em parâmetros como qualidade vocal, loudness, 2 ressonância, coordenação pneumofonoarticulatória, articulação, modulação, ritmo e velocidade de fala. Em relação ao perfil vocal dos locutores, vários autores (BEHLAU e ZIEMER, 1988; BEHLAU et al., 2005; BORREGO e OLIVEIRA, 2008) consideram que a história, a sociabilidade e a cultura deixam suas marcas de estilos de locução e de uso da voz, de maneira que as qualidades vocais de profissionais atuantes, na mesma década, podem se assemelhar, em decorrência de processos de mimetismo cultural, a padrões de identificação e de imitação de vozes de colegas e de profissionais consagrados. Assim, locutores publicitários desenvolvem marcadores vocais de estilo específico (MEDRADO, 2002). São apontados como marcadores vocais do locutor comercial: a qualidade vocal fluida, flexível e adaptada ao produto e público alvo, plasticidade vocal, tendência à voz grave, com velocidade reduzida ou aumentada e articulação precisa. O grau de risco vocal varia de discreto a moderado, e a psicodinâmica vocal preferencialmente gerada é de honestidade, credibilidade e confiança (NAVARRO, RODRIGUES e BEHLAU, 1994; BEHLAU e PONTES, 1995; BEHLAU, 2001). Analisando locuções publicitárias e comerciais, Penteado (1998 a; 1998 b) evidenciou características estilísticas estereotipadas e padronizadas, com tendência às qualidades vocais fluidas e neutras e aproximação da fala coloquial. Diferenciações em função dos gêneros masculino e feminino afirmam os estereótipos e os padrões estilísticos arcaicos, 2 Loudness corresponde à sensação de intensidade de um som que, de acordo com a sua projeção, pode ser considerado forte, médio ou fraco. (BEHLAU et al., 2001). 87

como o pitch 3 grave, o registro 4 modal peito e a qualidade vocal crepitante, marcadores encontrados nas locuções masculinas, representativos da psicodinâmica que perpassa por uma imagem de força, autoridade e segurança. Já os marcadores femininos identificados foram: registro modal cabeça e qualidades vocais soprosa e sussurrada, com ataque vocal aspirado, suscitando representações de sensualidade, sedução e suavidade. Portanto, melhores condições de saúde vocal, flexibilidade e expressividade vocal seriam quesitos necessários para a representação vocal que supere as estereotipias e respondam mais diretamente às demandas representativas da produção das propagandas. Estudos demonstraram, ainda, que os locutores publicitários geralmente transferem os ajustes da emissão locucionada para outras situações de emissão não locucionada, em contextos não profissionais (MEDRADO, 2002). Isso evidencia dificuldades em lidar com as questões de uso cotidiano e profissional da voz. A voz dos locutores vem sendo observada e comentada também por profissionais da área da comunicação (locutores, jornalistas, radialistas, oradores, dentre outros), preocupados com a capacidade de persuasão e credibilidade. Nesse sentido, os comunicadores destacam a respiração, a dicção, o ritmo/velocidade, a intensidade, a inflexão vocal, e alguns se referem ainda à voz agravada (SAMPAIO, 1971; HOLSOPPLE, 1988; CÉSAR, 1990; POLITO, 1991). As fonoaudiólogas Panico e Fukusima (2003), em um estudo específico dos traços acústicos que caracterizam a confiabilidade/credibilidade em vozes de locuções jornalísticas, indicam os parâmetros: intensidade um pouco aumentada, articulação precisa, frequência grave para vozes masculinas (o que não se aplica para as vozes 3 Pitch é a sensação psicofísica da frequência fundamental ou forma como julgamos o som, no que diz respeito à sua altura, considerando o mais grave ou mais agudo (BEHLAU et al., 2001). 4 Em relação à voz humana, registro refere se aos diferentes modos de emitir os sons da tessitura. Os principais registros vocais são: basal, modal e elevado, com zonas de passagens entre eles, sendo o modal o que geralmente se usa na fala habitual; este é categorizado em modal peito, modal misto e modal cabeça ou, respectivamente, modal grave, modal médio e modal agudo (BEHLAU et al., 2001). femininas) e duração de fala com ritmo dinâmico e pausas breves. O trabalho de interpretação vocal parece ser o ponto fundamental para o locutor publicitário. Para Klippert (1980), a voz não pode ser considerada apenas como um meio para a produção de palavras; na peça radiofônica, a voz assume o caráter de um papel, de uma personagem e se transforma em voz representativa. Assim, o autor distingue a voz mediadora que apresenta da voz na peça radiofônica a voz que representa. É nessa perspectiva que a voz, na locução de publicidades e propagandas, assume função de representação, não somente do texto ou mensagem, mas também do locutor/personagem, dos serviços e produtos que elas anunciam, do público alvo ou potenciais consumidores, além da empresa de comunicação que as veicula. O comunicador social, que tem na voz e na fala seus instrumentos de trabalho primordiais, necessita de preparo e formação. Além dos aspectos de promoção da saúde vocal e prevenção de alterações vocais e de disfonias, que são, sem dúvida, fundamentais para o futuro profissional da voz, os processos formativos de locutores e de comunicadores sociais (especialmente no campo da publicidade e propaganda) demandam investigações sobre como a voz vem sendo utilizada nos meios de comunicação, bem como análises que ultrapassem a dimensão de mero canal de expressão para englobar aspectos e fatores de significação, representação, interpretação e expressividade, valendo se da criatividade, flexibilidade e plasticidade vocal (PENTEADO, 1998a/b). Este artigo apresenta o resultado parcial de uma pesquisa que teve por objetivo a caracterização vocal de locuções publicitárias e de propagandas. Desenvolvimento Foi realizada avaliação perceptivo auditiva fonoaudiológica de trinta trechos de locuções de comerciais, publicidades e propagandas, sendo vinte trechos de gravação de vozes masculinas e dez de vozes femininas, escolhidos aleatoriamente dentre vários de uma fita de demonstração de locuções 88

produzida pelo Clube da Voz. 5 As vozes foram avaliadas por 12 fonoaudiólogas, sendo dez alunas e duas professoras do Curso de Especialização em Voz, do Centro de Estudos da Voz (SP). Cada fonoaudióloga recebeu um protocolo de avaliação de múltipla escolha, englobando opções de aspectos de qualidade e parâmetros vocais que deveriam ser assinaladas segundo a percepção da avaliadora: qualidade vocal (fluida, bitonal, infantilizada, rouca, gutural, nasalidade mista, soprosa, branca, áspera, crepitante, sussurrada, comprimida e outra, a especificar); parâmetros vocais: pitch (grave, médio ou agudo); loudness (forte, média ou fraca); modulação (excessiva, variada, repetitiva, restrita ou monótona); ressonância (nasal, laringo faríngea, equilibrada ou oral); velocidade (aumentada, reduzida ou média); articulação (sobrearticulada, imprecisa, normal ou precisa); registro (falsete, basal ou modal, sendo este último caracterizado entre peito, médio ou cabeça); e ataque vocal (brusco, isocrônico ou aspirado). O protocolo foi elaborado com base em estudos de textos que, posteriormente, compuseram capítulos de livros (BEHLAU e PONTES, 1995; BEHLAU et al., 2001). A partir do somatório das marcações em cada característica vocal, foi calculada a porcentagem tomando por base o número total de identificações (360). Pela possibilidade de análise diferenciada pelo gênero, locutor/locutora, também foi feito outro cálculo percentual, que diz respeito ao total de identificações das locuções masculinas (240) e das locuções femininas (120). Resultados e Discussão A qualidade vocal fluida prevaleceu, identificada em 49,44% das locuções analisadas, confirmando a literatura que afirma ser essa a marca de locução comercial (NAVARRO, RODRIGUES e BEHLAU, 1994; BEHLAU e PONTES, 1995; 5 O Clube da Voz é uma associação que tem a finalidade de assegurar o crescimento profissional de locutores e profissionais da propaganda e publicidade por meio da divulgação do trabalho dos locutores entre as agências. A entidade foi criada, em São Paulo, por locutores profissionais. Essa associação produz gravações de trechos de locuções, spots e comerciais de seus associados, identificando as vozes pelo nome dos locutores, a fim de que esse material seja uma amostra dos serviços profissionais para as agências e as empresas, facilitando a escolha de vozes adequadas para representarem seus produtos. BEHLAU, 2001; BEHLAU et al., 2001). Na voz fluida, a laringe está baixa, com tendência à frequência fundamental grave; o movimento de vibração da mucosa é amplo, sendo que representa um estágio de contração glótica intermediária entre as vozes neutra e soprosa. Tais características fonatórias conduzem a um maior conforto à fonação, com redução do desgaste e da fadiga vocal. A qualidade vocal fluida é percebida auditivamente como uma emissão agradável, solta e relaxada, com uma leitura vocal psicodinâmica indicativa de charme e sedução (BEHLAU e PONTES, 1995; BEHLAU et al., 2001). Supõe se que o predomínio da qualidade vocal fluida seja decorrente do mimetismo cultural e da imitação de modelos vocais comumente reconhecidos como padrão e aceitos socialmente (BEHLAU e ZIEMER, 1988; BEHLAU et al., 2005; BORREGO e OLIVEIRA, 2008). A despeito das considerações acima mencionadas, que não deixam dúvidas a respeito das vantagens do emprego da qualidade vocal fluida para a saúde vocal do profissional da voz, quando se trata de pensar o uso da voz na publicidade e na propaganda, cabem algumas considerações. Nota se que os produtos midiáticos, veiculados no campo da publicidade e da propaganda, contemplam uma diversidade enorme de temas dentro dos quais caberiam variadas qualidades vocais. Especialmente por se tratar de um campo no qual a emoção, a imaginação, a criatividade, a inovação e a ousadia podem fazer toda a diferença para o sucesso na construção da imagem e divulgação de um produto, há que se considerar que a manutenção da qualidade vocal fluida, por reafirmar as formas já estereotipadas de locução comercial, pode contribuir para tolher a criação na representação vocal e do emprego da diversidade de produções e recursos vocais nas peças publicitárias e de propagandas. A qualidade vocal soprosa típica ocorreu em 23,33% das locuções publicitárias analisadas. Ela é de intensidade baixa, altura grave e transmite a ideia de sensualidade, sedução, suavidade e intimidade (BEHLAU e PONTES, 1995; BEHLAU et al., 2001). A qualidade vocal soprosa foi identificada em 89

44,16% das vozes femininas e em somente 12,91% das vozes masculinas. Ela é marca da locução feminina, podendo ser uma forma de representação do papel sociofamiliar da mulher, identificado pela paciência, sensualidade, sedução e suavidade, ao mesmo tempo em que se distancia da ideia de agressividade e de força. A qualidade vocal neutra ocorreu em 13,61% das locuções, sendo aqui entendida como o padrão que mais se aproxima da voz falada habitual, na ausência de patologias, disfonias ou qualquer indício de disfunção anátomo funcional vocal. Trata se, também, da voz não trabalhada e não explorada, que se aproxima da fala coloquial. No decorrer da história do teatro, rádio e televisão, a fala e a voz vão gradativamente perdendo os artificialismos e os padrões impostados ou caricatos para ceder lugar a uma fala mais próxima das tendências comunicacionais regionais e dos segmentos populacionais que configuram o público alvo de produtos, programas e emissoras, ou seja, na busca da naturalidade e da aproximação com o dia a dia da audiência (KROPF, 1990). A aproximação e a identificação são necessárias, mas seria a neutralidade o único caminho? O produto da locução em qualidade vocal neutra torna se muito próximo da fala habitual e empobrecido diante das possibilidades de uma locução com exploração da função de representação vocal. O desconhecimento das reais potencialidades vocais e o despreparo do locutor em relação ao uso da voz são aspectos que podem contribuir para a limitação da expressividade. A locução, na publicidade e na propaganda, requer mais que uma voz neutra: nas palavras de KLIPPERT (1977), voz que representa. Mais uma vez, o clamor à criatividade. A qualidade vocal crepitante ocorreu exclusivamente nas locuções masculinas, em 37,91% delas. Ela resulta do uso do registro vocal basal ou pulsátil, que pode ser utilizado em finais de frases, inflexões decrescentes de tristeza ou recurso de oratória em radiodifusão. Tal emissão vocal caracteriza se por tom grave, pequena intensidade, aperiodicidade, podendo ou não ocorrer vibração de pregas vestibulares. Cabe destacar que o uso habitual deste registro configura um abuso vocal (BEHLAU e PONTES, 1995; BEHLAU et al., 2001). Esse registro pode estar sendo empregado na busca de uma representação social de autoridade e masculinidade (LEITE; VIOLA, 1995). O uso da voz crepitante pode estar evidenciando aspectos de mimetismo cultural além de suscitar questões referentes ao despreparo do locutor nos cuidados com sua saúde vocal. O pitch se apresentou grave em 62,5% das marcações e médio em 30,55%. Nas locuções femininas, obteve se pitch grave e médio em proporções praticamente equivalentes, enquanto nas locuções masculinas prevaleceu o pitch grave. Os resultados confirmam a literatura que aponta o pitch grave como um dos marcadores vocais de locuções publicitárias (SAMPAIO, 1971; NAVARRO, RODRIGUES e BEHLAU, 1994; BEHLAU e PONTES, 1995; FERREIRA. 1995; BEHLAU, 2001). A psicodinâmica vocal relacionada às vozes mais graves é sugestiva de sobriedade, autoridade, personalidades enérgicas, força, maturidade, honestidade e segurança, o que contribui para a confiança, credibilidade e capacidade de persuasão. A loudness se apresentou média em 72,22% dos registros. A loudness fraca ocorreu em 20,55%, com maior recorrência nas locuções femininas e a forte aconteceu em somente 6,66% das vozes avaliadas. A loudness média aparece aqui como uma característica vocal de locuções publicitárias, diferenciando esta de outros tipos de locuções nas quais prevalece a loudness forte: locução esportiva radiofônica (LOURENÇO et al., 1994; BEHLAU, 2001); locução de rádio AM e FM (NAVARRO, 1994; FERREIRA, 1995; KYRILLOS et al., 1995; BEHLAU, 2001). A loudness forte pode indicar franqueza de sentimentos, vitalidade e energia, mas também falta de educação e de paciência. A loudness fraca pode expressar pouca experiência nas relações interpessoais, timidez, insegurança, fragilidade, medo e submissão (BEHLAU et al., 2001). Vale atentar para o fato de a loudness fraca ocorrer mais nas locuções femininas. A modulação predominou variada, em 71,94% das locuções. A modulação não foi especificamente abordada na literatura consultada. Tratando se de locução em publicidade e propaganda, a voz deve 90

ser flexível e variada o suficiente para adaptar se às representações dos diversos conteúdos e produtos divulgados, de maneira interessante, criativa e envolvente. A ressonância é a amplificação da intensidade de sons de determinadas frequências e amortecimento de outras indica o objetivo emocional do discurso (BEHLAU et al., 2001). A ressonância predominou equilibrada em 65,55% das locuções, sendo relacionada a uma psicodinâmica vocal que indica facilidade de exteriorizar emoções e equilíbrio psicoemocional (BEHLAU et al., 2001), o que poderia contribuir para a confiança e credibilidade. A ressonância laringo faríngea ocorreu em 17,91% das vozes masculinas e somente em 2,5% das femininas. A ressonância laringo faríngea é indicativa de tensão e sugere dificuldades em trabalhar a agressividade. Por prevalecer dentre as locuções masculinas, pode ser um indicativo da tentativa inapropriada da busca de construção de representação de força e masculinidade, ou ser um produto do despreparo para o uso profissional da voz, que leva o comunicador a utilizá la de forma abusiva. A velocidade de fala foi identificada como média em 84,44% das locuções. Oliveira (1993) defende a necessidade de fala acelerada na narração esportiva de futebol pelo rádio e em determinados comerciais que dispõem de pouco tempo. Behlau (2001) considera as velocidades reduzida e aumentada para os locutores publicitários. No campo da oratória, Polito (1991) entende que a velocidade varia em função do orador e do assunto. Ritmo é movimento: um ritmo excessivamente rígido, regular e uniforme é artificial; velocidade lenta desliga o ouvinte e passa a impressão de lentidão de pensamento e falta de organização das ideias; velocidade elevada pode expressar ansiedade, tensão e desejo de omitir dados do discurso, além de gerar sobrecarga fonatória e constituir abuso vocal (BEHLAU et al, 2001). Ritmo dinâmico e pausas breves contribuem para a confiabilidade/ credibilidade (PANICO e FUKUSIMA, 2003). Entende se, portanto, que a velocidade de fala pode ser mais um parâmetro a ser explorado e trabalhado no uso profissional da voz em locuções publicitárias, na perspectiva da representação vocal. A articulação da fala predomina como normal em 66,11% e 21,94% como precisa. A articulação é muito importante para a inteligibilidade da fala do locutor e é um dos aspectos considerados no momento da contratação de um locutor (FERREIRA et al., 1995). A articulação diz respeito ao cuidado em ser compreendido. Assim, uma articulação precisa transmite franqueza, desejo de ser compreendido e clareza de ideias, conferindo credibilidade (BEHLAU et al., 2001; PANICO e FUKUSIMA, 2003). As locuções analisadas, apesar de se referirem a vozes de locutores profissionais, ainda trouxeram algumas imprecisões articulatórias. A dicção e articulação são pontos que devem ser mais explorados nos cursos de formação de comunicadores sociais e locutores tanto no sentido da qualidade e precisão articulatória como no de se explorar criteriosamente as possibilidades de variação da articulação na representação vocal na propaganda. O registro vocal identificado foi o registro modal, nas variações: modal misto (39,44%) e modal peito (36,66%), entretanto com especificidades e divergências de variação dentre os gêneros masculino e feminino. Na locução feminina prevaleceu modal misto (70%) contra apenas 2,5% de modal peito. Na locução masculina obteve se 53,75% modal peito e 24,16% modal misto. Outra diferença encontrada foi a ocorrência de registro modal cabeça (19,16%) apenas em locuções femininas, pois tal registro facilita a emissão de tons agudos, predominantes em mulheres. No registro de peito, encontramos a laringe baixa, as pregas vocais espessas e com grande massa em vibração com extensa superfície de contato de mucosas, portanto uma configuração que facilita a produção dos sons graves (BEHLAU et al., 2001). No registro de cabeça, encontramos a laringe em posição alta no pescoço, pregas vocais estiradas, com reduzida superfície de contato da mucosa, e tal configuração laríngea que facilita a produção de sons agudos (BEHLAU et al., 2001). O ataque vocal é a maneira como se inicia o som e está relacionado à configuração glótica no momento da emissão, o que varia conforme a situação de comunicação e intenção do discurso 91

(BEHLAU e PONTES, 1995; BEHLAU et al., 2001). O ataque vocal realizado em 69,72% das locuções avaliadas foi o ataque vocal isocrônico, também chamado de suave ou normal, que ocorre quando a fase expiratória de respiração coincide com o início da vibração das pregas vocais, sem perda de ar nem excesso de tensão, considerado fisiologicamente equilibrado (BEHLAU e PONTES, 1995; BEHLAU et al., 2001). O ataque vocal brusco ocorreu em 18,61% das locuções, sendo ele característico de quadros de fonação hipertônica, quando há uma forte adução das pregas vocais e aumento da pressão infraglótica, também encontrado em situações comunicativas que envolvem desespero, agressividade, ansiedade ou grito (BEHLAU e PONTES, 1995; BEHLAU et al., 2001). A presença de ataque vocal brusco nas locuções analisadas indica inadequações no emprego da técnica vocal, ou seja, uso de tensão e esforço, e sugere necessidades de preparo vocal para o uso profissional da voz. Considerações Finais Apesar de o material de análise deste estudo ser produzido por locutores profissionais, foram identificados parâmetros e comportamentos vocais como emprego do ataque vocal brusco, pitch grave, ressonância laringo faríngea, qualidades vocais crepitante e soprosa, entre outros, que podem ser sugestivos de mau uso e abuso vocal e que poderiam trazer prejuízos à saúde vocal, o que sugere lacunas no preparo e formação para o uso profissional da voz. A caracterização vocal geral das locuções profissionais analisadas aponta a prevalência das qualidades vocais fluida e neutra, articulação normal, ressonância equilibrada, intensidade normal e velocidade de fala normal, com reprodução de estilos arcaicos como o uso do pitch grave, qualidade vocal crepitante e registro modal peito dentre os locutores masculinos. O estudo também evidenciou especificidades quanto aos gêneros masculino e feminino: a qualidade vocal crepitante é marcador exclusivo de locuções masculinas, que também apresentaram, com maior enfoque, a altura grave, ressonância laringo faríngea e registro modal peito; já as qualidades vocais soprosa e sussurrada e o ataque vocal aspirado são marcadores femininos. Nota se, portanto, a manutenção e repetição de padrões e parâmetros vocais que conduzem a uma psicodinâmica vocal de afirmação de estereótipos socioculturais e uma tendência à neutralização e aproximação da fala coloquial que restringem as possibilidades criativas e interpretativas no trabalho de locução profissional. Os locutores da área de publicidade e propaganda necessitam de excelente preparo vocal e saúde vocal que ofereçam suportes para as demandas de flexibilidade e plasticidade envolvidas nos processos de interpretação, expressividade e representatividade vocal. A ação fonoaudiológica, durante o processo de formação de locutores e de comunicadores sociais (habilitações: publicidade e propaganda; jornalismo; rádio e televisão; relações públicas; cinema e campos afins), poderia contribuir para que a voz fosse trabalhada como sendo mais um recurso de linguagem, de maneira a ampliar, com criatividade, as possibilidades interpretativas, expressivas e representativas, em função de cada peça publicitária e de intenções discursivas, comunicativas, interativas e persuasivas específicas. Referências BEHLAU, M.; PONTES, P. Avaliação e Tratamento das Disfonias. São Paulo: Lovise, 312 p., 1995. BEHLAU, M. et al. Avaliação de voz. In: BEHLAU, M. (Org.). Voz: o livro do especialista, v. I. Rio de Janeiro: Revinter; p. 85 245, 2001. BEHLAU, M. et al. Voz Profissional: aspectos gerais e atuação fonoaudiológica. In: BEHLAU, M. (Org.) Voz. O livro do especialista. V. II. Rio de Janeiro: Revinter, p.287 407, 2005. BEHLAU, M. Vozes preferidas: considerações sobre as opções vocais nas profissões. Fono Atual. v. 4, n.16 p:10 14, 2001. 92

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