DESMISTIFICANDO A SEGMENTAÇÃO PSICOGRÁFICA. Silvia Assumpção do Amaral Tomanari; Mitsuru Higuchi Yanaze Instituição: Universidade de São Paulo (USP)



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Transcrição:

DESMISTIFICANDO A SEGMENTAÇÃO PSICOGRÁFICA Silvia Assumpção do Amaral Tomanari; Mitsuru Higuchi Yanaze Instituição: Universidade de São Paulo (USP) RESUMO - O presente texto busca desmistificar o assunto Segmentação Psicográfica através de breves reflexões sobre as origens do termo psychographics, suas definições, a necessidade e utilização deste tipo de estudo nas estratégias de marketing e os tipos de estudos psicográficos realizados. Sugere, ainda, sites na Internet, artigos de periódicos e livros para aprofundamento no assunto. É uma tentativa de clarificar, exemplificar e tornar mais prático, realista e acessível o contato com os principais tópicos referentes a um dos mais complexos tipos de segmentação de mercado: a Segmentação Psicográfica ou, considerando aqui como sinônimo, a Segmentação por Estilo de Vida. Além de pesquisa bibliográfica (na maioria estrangeira), o texto baseia-se em entrevistas realizadas com profissionais de marketing e pesquisa de mercado (brasileiros). Palavras-chave: segmentação psicográfica, segmentação de mercado, segmentação por estilo de vida. INTRODUÇÃO A segmentação psicográfica, embora seja um conceito criado há décadas, ainda é incompreendida e/ou mal utilizada por muitos profissionais de marketing e pesquisa de mercado. O termo parece estar rodeado de um certo misticismo; e cabe aqui lembrar que a palavra psicográfica, usada neste artigo, nada tem a ver com espiritualismo, cartas psicografadas por um médium, compreensão da personalidade da pessoa a partir da sua escrita (letra). O termo psicográfico utilizado aqui diz respeito às seguintes definições citadas no dicionário Aurélio: Psicografia (...) 1. história ou descrição da mente ou das suas faculdades;

análise psicológica.(...) 3. Market. Estudo do comportamento dos consumidores do ponto de vista do estilo de vida (atividades, interesses, opiniões, etc.). Na verdade, o termo psicográfico (do inglês Psychographics) surgiu nos Estados Unidos, em 1965. Emanuel Demby, embora em publicação bem posterior, afirma ter tido um insight da palavra em uma reunião com seus clientes para definir o que pretendiam fazer. A proposta era de segmentar o público não somente pelas suas características demográficas (sexo, idade, renda, grau de instrução etc.) mas pelas características pessoais, psicológicas de seu público (como estilo de vida, sentimentos, tendências). Para dar um nome a este tipo de estudo, Demby subitamente sugeriu a palavra Psychographics, como sendo uma extensão do termo demographics (ou seja seria uma análise, como a demográfica, mas utilizando variáveis psicológicas - uma combinação da palavra psicologia com a palavra demografia, ou psychology com demographics). O autor define Psychographics como o uso de fatores psicológicos, sociológicos e antropológicos, como benefícios desejados (...), autoconceito e estilo de vida, para determinar como o mercado é segmentado pela tendência de grupos dentro do mercado - e suas razões - para tomar decisões particulares sobre um produto, pessoa, ideologia. (Demby, 1994: 26) *. Mas, apesar do registro desse insight de Demby, a primeira publicação do termo apareceu no mesmo ano (1965) na Grey Matter uma publicação da Grey Advertising, uma agência de publicidade americana. Segundo Piirto (1990), Russell Haley, que comandava os esforços de pesquisa da agência na época, afirmou que a palavra foi criada numa reunião editorial como forma de descrever a pesquisa corrente da agência. (...) Isto é o que psicografia deveria ser - interesses da mente. Originalmente, nós dividimos psicografia em duas áreas: os aspectos de benefício - interesses relacionados ao produto - e estilo de vida. (...) Russell Haley (apud Piirto, 1990:18) Coincidências (ou não) à parte, o importante é perceber que o termo já tem quase 40 anos e sua origem foi baseada em pesquisas mercadológicas relacionadas a características, digamos, psicológicas dos consumidores. Essa é a essência que temos que ter em mente. SEGMENTAÇÃO DE MERCADO E A NECESSIDADE DO PERFIL PSICOGRÁFICO

Segmentação de mercado, ou seja, o agrupamento de consumidores de acordo com características semelhantes (sejam elas idade, sexo, local onde vivem, benefício que esperam do produto, grau de uso do produto, estilo de vida) é uma prática antiga no meio mercadológico. Só para ter uma idéia, a primeira vez que um texto acadêmico tratou do assunto segmentação de mercado foi em 1956 no artigo de Wendel Smith. Quarenta e cinco anos atrás já havia a preocupação de classificar seus consumidores de acordo com determinadas características. Hoje praticamente todas as empresas, pelo menos as de médio e grande porte, realizam algum tipo de segmentação. Pode-se dizer que a maioria delas segmenta seus públicos de acordo com variáveis demográficas. Entretanto, outras, geralmente empresas multinacionais ou empresas nacionais de grande porte, além das variáveis demográficas, lançam mão de variáveis psicográficas. Entre as razões para a realização de estudos psicográficos pelas empresas há, praticamente, uma unanimidade no que se refere à insuficiência dos dados sócio-demográficos para conhecer seus consumidores. Ou seja, saber que o consumidor de determinado produto pertence à classe A, tem entre 25-29 anos, é 70% do sexo feminino, já não é mais suficiente para definir suas estratégias de marketing. Alberto Bendicho, gerente de pesquisa (e de produto) da Danone afirmou, em entrevista recente, à Tomanari, que: O conceito mais moderno de segmentação na pesquisa de mercado é que você não vá só pelos demográficos, que não explicam tudo, porque você pode ter gente na mesma classe social que se comporta de maneira diferente. Mas por quê? Porque têm diferentes inserções na economia ou culturalmente. Então, na realidade, o que você quer é mais do que perfil de classe social, ou de sexo etc., é o perfil psicográfico, ou seja, quais são as atitudes, os valores que você tem por trás daqueles grupos independente dessas outras variáveis demográficas - que depois também vão ser agregadas como informação. As variáveis demográficas são fundamentais para os profissionais de marketing, entretanto, as suas limitações têm sido cada vez mais evidentes. Conhecer melhor o consumidor é a preocupação cada vez mais constante dos marqueteiros. A tentativa de entender por que um determinado consumidor compra a marca A, mas não compra a marca B, é o grande desafio do marketing. Por isso temos uma vasta literatura sobre Comportamento do Consumidor: um assunto tão complexo, e tão desafiante, e tão empolgante, que podemos

passar anos tentando entender o processo, tentando achar um padrão, uma resposta; mas não há resposta certa - e esta é a grande frustração da área das ciências humanas: não há uma resposta certa, não há um processo correto, não há uma seqüência lógica, não há um padrão comum, unânime. Mas há pesquisas de mercado, estudos acadêmicos, experiências práticas, tentativas e erros, que fornecem dados que podem ser utilizados para tentar entender melhor o consumidor e seus comportamentos e, assim, dirigir de forma mais precisa as estratégias mercadológicas. SEGMENTAÇÃO E ESTRATÉGIAS DE MARKETING A pergunta constante é: de que forma a segmentação auxilia nas definições das estratégias de marketing? A segmentação pode auxiliar de diversas formas. A mais visível delas é com relação à comunicação. Se o consumidor de um produto ou o consumidor que se quer atingir é um consumidor da classe A e B, entre 13 e 19 anos, residente na cidade de São Paulo, do sexo masculino; a mídia selecionada será uma adequada a esse público, ou seja, revista para adolescentes lida por pessoas do sexo masculino, programas de televisão para jovens etc. Se é do conhecimento que esse consumidor gosta de esportes radicais, é moderno, aberto a novas mudanças, gosta de vestir-se de acordo com a moda, gosta de animais; realiza-se uma campanha publicitária com apelos do mesmo tipo, com jovens modernos consumindo o produto ao praticarem esportes radicais, ao lado de seus cachorros, vestidos com roupas esportivas da moda, falando uma linguagem própria deles e assim por diante. Posiciona-se o produto de acordo com essas características importantes para o público-alvo, realiza-se a comunicação de acordo com esse posicionamento e escolhe-se a mídia que tenha esse mesmo perfil (que atenda esse grupo). Isso que vimos acima é, praticamente, o conceito STP de Kotler (Segmentation, Targeting, Positioning); ou seja, as etapas necessárias para o desenvolvimento de uma comunicação eficiente devem ser : segmentar, definir público-alvo, posicionar. Mas o estudo de segmentação também pode contribuir de outras formas, no desenvolvimento de novos produtos, por exemplo. A segmentação pode mostrar que há um segmento de mercado para o qual uma empresa não tenha nenhum produto que o atenda e às

suas demandas específicas - esta é uma oportunidade de mercado: produzir um produto que atenda a determinado segmento expandindo estrategicamente o portifólio. E assim, como esse exemplo, há muitos outros. Plummer (1974), há quase 30 anos, já afirmava que a segmentação por estilo de vida (vamos assumir, aqui, que seja o mesmo que segmentação psicográfica): - auxilia na definição do público-alvo chave, - auxilia no posicionamento de produto, - auxilia na comunicação, - auxilia no desenvolvimento das estratégias de marketing e mídia, - sugere oportunidades para novos produtos e - ajuda a explicar o por quê da situação de um produto ou marca. Gunter e Furnham (1992), 20 anos depois, afirmam que a informação estratégica coletada da análise psicográfica pode auxiliar em várias áreas relacionadas a marketing, como: - posicionamento de novos produtos ou reposicionamento dos já existentes, - realização de melhorias nos produtos ou serviços para melhor atender os segmentos, - reconhecimento da importância do preço de mercado, - realização de estratégias promocionais, especialmente com relação à seleção de mídia, - apelos de venda, mensagens publicitárias, escolha de veículos, - exploração de novos métodos de distribuição ou melhoria dos canais já existentes. Sendo assim, podemos perceber que a utilidade dos estudos psicográficos não é novidade, mas mesmo assim, continua sendo atual. Cabe, neste momento, um esclarecimento. Foi dito, anteriormente, que segmentação psicográfica e segmentação por estilo de vida significam a mesma coisa. Entretanto, segundo Wells (1974), no primeiro livro específico sobre o assunto, apesar dos termos Lifestyle e Psychographics serem usados como sinônimos, há uma distinção entre os mesmos. Para o autor, há um certo consenso, embora não universal, de que o termo psychographics refere-se aos estudos focados em traços de personalidade enquanto os estudos de estilo de vida (lifestyle) focam atividades, interesses, atitudes e valores específicos ligados ao comportamento do consumidor. Apesar das diferenças básicas originais, atualmente é comum ouvir definições de segmentação psicográfica atrelada a termos como valores, estilo de vida, interesses, opiniões e não somente à personalidade.

Como a intenção deste texto é tornar o assunto menos complexo, consideraremos segmentação psicográfica e segmentação por estilo de vida como sinônimos. Afinal, qual o objetivo de realizar uma segmentação psicográfica? O objetivo é detectar disposições, percepções, atitudes, possíveis identificações de determinados segmentos do mercado em relação aos produtos/serviços disponibilizados por uma empresa. Se a empresa utilizará traços psicológicos, estilo de vida, valores ou outras variáveis de classificação e se os mesmos interagem entre si, influenciam-se mutuamente, não é a preocupação do profissional de marketing e comunicação. O que importa é a possibilidade de conseguir identificar diferenciações que podem ser relacionadas às propostas mercadológicas da empresa. Deixemos os aspectos técnicos aos profissionais de pesquisa de mercado. Conseguir entender cada termo já é uma grande conquista para os comunicólogos e marqueteiros. DEFINIÇÃO Definir Psychographics é uma tarefa tão ou mais árdua que definir Marketing. Segundo Wells (1975), embora a necessidade de uma definição comum do termo psychographics ser óbvia, nenhuma definição conseguiu a aprovação geral. Vinte e quatro artigos sobre psychographics contêm nada menos do que 32 definições diferentes(...) e cada nova publicação parece produzir ainda outras versões sobre o que a pesquisa psicográfica é ou não. Entretanto, ele percebeu que alguns elementos eram comuns em quase todas as definições: Psychographics é algo mais que demografia Este tipo de estudo adiciona atividades, interesses, opiniões, necessidades, valores, atitudes e traços de personalidade aos dados demográficos, que, sozinhos, não são suficientes. Psychographics é um estudo quantitativo e não qualitativo Pesquisa psicográfica pode ser definida como uma pesquisa quantitativa com a intenção de quantificar os consumidores nas diferentes dimensões psicológicas. Por ser quantitativa permite amostras representativas de respondentes e análise estatística multivariada. A maioria dos pesquisadores psicográficos emprega questionários pré-codificados e objetivos que podem ser auto-administrados ou administrados por entrevistadores comuns.

Essas práticas distinguem os estudos psicográficos dos estudos qualitativos da pesquisa motivacional tradicional. Falando em pesquisa motivacional cabe colocar aqui que os estudos psicográficos originaram-se da pesquisa motivacional (amplamente utilizada, na década de 50, pelas agências de publicidade americanas), tendo como principal impulsor Ernest Dichter. Piirto (1990) coloca muito bem o assunto em questão: Tirando as reclamações sobre validade, a pesquisa motivacional teve um efeito positivo na comunidade de pesquisa de marketing no geral: ela mostrou a inadequação da demografia e métodos tradicionais de pesquisa estatística usadas isoladamente. (...) Pesquisa motivacional mostrou que números sozinhos eram muito superficiais para dizer a verdade sobre os consumidores. Muitos procuraram uma nova forma de indagar o que casaria a precisão das técnicas dos estatísticos com os insights mais humanos dos motivacionistas. A nova forma tornou-se a psicografia (psychographics). (Piirto 1990:17) CARACTERÍSTICAS DO ESTUDO PSICOGRÁFICO (GERAL E ESPECÍFICO) Há dois tipos de estudos psicográficos: o específico e o genérico. O estudo psicográfico específico é aquele feito, como o próprio nome diz, especificamente para uma marca, produto, categoria de produto, serviço. Neste caso são entrevistados os consumidores desses produtos (e não todos os tipos de consumidores) para levantar suas características e diferenciações. Um estudo desse tipo sobre consumidores de bebida em pó pode resultar em vários segmentos distintos como aqueles que gostam de bebida em pó mas estão preocupados em manter a forma (usuários, por exemplo de Clight); aqueles que preocupam-se com a alimentação de seus filhos mas não têm dinheiro para fazer suco com frutas frescas (usuários, por exemplo, de Tang - que é vitaminado); aqueles que querem praticidade porque não gostam de cozinhar e não têm tempo para fazer sucos com frutas; aqueles que não suportam bagunça na cozinha; aqueles que não gostam de ir ao supermercado ou feira fazer compras periodicamente; aqueles que não têm espaço em casa para guardar muitas frutas e eletrodomésticos, e assim por diante. Através dos perfis, ou segmentos, encontrados pelo estudo, a empresa pode selecionar um posicionamento para cada produto de forma a atingir determinado segmento, ou pode

produzir algum outro produto para atender um segmento novo, ou reposicionar alguns dos seus produtos ou reformular os produtos existentes e realizar as estratégias de marketing específicas para seu problema. Os profissionais de pesquisa de mercado afirmam que, normalmente, os estudos psicográficos ad hoc são menos complexos do que a criação de um sistema (genérico). Em geral, esses estudos são feitos em 2 fases: uma qualitativa para levantamento das variáveis atitudinais, e uma fase quantitativa onde essas variáveis ativas são testadas em conjunto com outras variáveis que possam auxiliar na descrição dos segmentos. Após a verificação da existência, da definição dos tamanhos e da descrição das características dos segmentos (através das variáveis ativas e descritivas da segmentação), extrai-se os fatores que definem a segmentação. Já o genérico consiste em pegar uma determinada população (seja de um país, de uma cidade, de um lugar específico) e segmentá-lo de acordo com suas características, no caso do assunto que estamos estudando, psicográficas. Um exemplo conhecido internacionalmente é o estudo realizado, em 1989, pela SRI (Stanford Research Institute) chamado VALS 2 (VALS 2 porque houve uma versão anterior). O VALS 2 nada mais é que a segmentação dos americanos em 8 grupos distintos, de acordo com variáveis demográficas e psicográficas. É um estudo genérico porque, além de segmentar a população de um país inteiro, não foi feito para uma empresa ou produto específico. Os segmentos encontrados no VALS 2 são: actualizers, fulfilleds, achievers, experiencers, believers, strives, makers, strugglers (não foram traduzidos por haver certas diferenças entre as traduções encontradas). Mais detalhes sobre o VALS 2 podem ser encontrados em Weinstein (1995), Piirto (1990), Kotler e Armstrong (1998), Boone e Kurtz (1998) ou no site http://www.future.sri.com. Além desse estudo genérico syndicated (feito com o apoio de diversas empresas americanas) chamado VALS, há também outros genéricos realizados por acadêmicos como o LOV (List of Values) e Rokeach Value Survey, e os realizados por agências de publicidade como o Yankelovich Monitor (MindBase), Lifestyle Study da DDB e 4C s (Cross Cultural Consumer Characterizations) da Young & Rubican. Mais informações sobre LOV podem ser obtidas em Kahle, Beatty & Homer (1986), Kahle & Kennedy (1989), Novak & MacEvoy (1990) e Kamakura & Novak (1992); sobre Rokeach Value Survey leia Rokeach (1968 e 1973), Cannon (1982), Pitts & Woodside

(1983); sobre Yankelovich Monitor leia Yankelovich (1964), Chisnall (1995) e o site: http://secure.yankelovich.com/solutions/mindbase.asp; sobre Lifestyle Study leia Piirto (1990) e 4C s veja Winters (1992) e Piirto (1990). Vale enfatizar que as referências bibliográficas indicadas aqui são meras sugestões de textos que abordam os assuntos (não podem ser considerados como sendo os únicos nem os melhores). Os estudos psicográficos genéricos geralmente seguem alguns passos: primeiramente são selecionadas aproximadamente 200 / 300 frases (baseadas em variáveis atitudinais e comportamentais, ou em afirmações AIO - baseadas em Atividades, Interesses e Opiniões - leia Wells e Tigert, 1971) e o respondente deve concordar ou discordar da afirmação numa escala de 5 a 7 pontos ( concordo plenamente até discordo plenamente ). Outras questões que podem fazer parte do questionário são de posse de produtos, exposição à determinadas mídias e questões de caráter demográfico. Segundo Auken (1978), respostas AIO são reduzidas em fatores para mostrar a estrutura dos dados e para eliminar redundância. Esses fatores são, então, alimentados numa rotina de agrupamento para revelar os respondentes que têm padrões de resposta similares. Após estes procedimentos, são desenvolvidas as descrições dos grupos resultantes. Semelhantemente, Wells (1975) afirma que as questões psicográficas são reduzidas em escalas menores através da análise fatorial tipo R (R-type factor analysis), e as pontuações dos fatores resultantes são introduzidos na análise fatorial tipo Q (Q-type factor analysis) para alocar os respondentes em grupos relativamente homogêneos. Os pesquisadores brasileiros costumam chamar essa última análise de análise de cluster - as pessoas são separadas/agrupadas em função da proximidade das variáveis e dos fatores dentro daquele grupo. Quem quiser conhecer seu perfil psicográfico pode acessar o site da SRI (VALS) ou o site da Yankelovich (citados anteriormente) e responder o questionário (com 39 e 22 questões respectivamente). Críticas à parte, vale a pena para se ter uma idéia dos tipos de questões atitudinais e/ou comportamentais que são utilizadas. Voltando ao assunto genérico versus específico, podemos dizer que um estudo não é melhor que o outro, eles atingem objetivos diferentes. Há quem diga até que um complementa o outro. No geral, o que os profissionais da área de marketing e pesquisa de mercado afirmam é que o estudo geral custa menos, dá uma idéia geral sobre a população (é uma fonte secundária de informação), mostra as tendências, mas é mais demorado e não fornece as respostas específicas para o seu problema ; enquanto que o estudo específico é muito mais

caro, também demora (embora menos que o geral) e fornece as informações necessárias para o seu problema específico. Como podemos perceber, ambas têm suas vantagens e desvantagens. Os profissionais de pesquisa e marketing de empresas brasileiras, geralmente de grande porte, acham mais adequado realizar pesquisas específicas para cada produto. Entretanto, muitos deles afirmam que os estudos psicográficos gerais servem como base para suas ações e acreditam ser muito úteis para empresas de menor porte que não têm verbas para realizar estudos específicos. CONSIDERAÇÕES FINAIS A escassez de recursos financeiros disponíveis para o investimento nas ações de marketing mais extensivas, a crescente demanda por produtos customizados e a necessidade efetiva de se identificar os nichos de mercado para potencializar e focalizar estratégias e ações eficazes fazem com que as empresas tenham que investir cada vez mais nos estudos de segmentação. Estudos genéricos, que levam à definições de modelos tais como o VALS, talvez não sejam os mais adequados para definir a realidade da segmentação em um país como o Brasil cujas desigualdades, em todos os sentidos, são enormes. Há que se segmentar a segmentação, buscar novos parâmetros (e atualizá-los constantemente) para adequar a segmentação às necessidades mercadológicas das empresas, de acordo com suas limitações de recursos, e com o nível de abrangência de suas ações. No caso da segmentação, o que serve eficientemente ao mercado norte-americano não necessariamente é bom para as empresas brasileiras. Além disso, pesquisa psicográfica, por si só, não dá a fórmula mágica de como abordar os clientes. Há a necessidade de cruzar os resultados da pesquisa com o ambiente de marketing (variáveis culturais, econômicas, políticas, tecnológicas - que estão sempre mudando e influenciando o mercado). O ideal é cruzar os dados dos estudos psicográficos com as variáveis externas; desta forma procura-se minimizar os riscos, uma vez que vários aspectos diferentes são analisados conjuntamente. A análise de estilo de vida para a segmentação detém ainda grande potencial. O desafio que se apresenta aos profissionais de marketing é acompanhar os valores em rápida

mudança dos consumidores e identificar como esses valores serão traduzidos em preferências por produto e serviço e, em última instância, num novo sistema VALS para análise de segmentação. Semenik e Bamossy (1995: 140) Conhecer a segmentação psicográfica a fundo e todo o ambiente na qual ela se insere auxilia no processo de desmistificação dessa técnica. Para conhecer, entender e tomar atitudes coerentes é preciso buscar cada vez mais informações sobre o consumidor, sobre a empresa, sobre o produto, sobre o ambiente externo e suas variáveis. Fica aqui, então a sugestão da realização constante de estudos relacionados ao assunto, da troca de informações entre teóricos e práticos para, quem sabe, um dia chegarmos ao nosso modelo geral nacional de segmentação psicográfica (o nosso VALS brasileiro) - o que, certamente, tornaria o assunto mais conhecido, mais acessível e mais compreensível para os profissionais de marketing. Desta forma ajudaríamos a desmistificar esse assunto tão incompreendido. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AUKEN, Stuart Van.. General Versus Product-Specific Life Style Segmentations. Journal of Advertising, Atlanta, GA: The American, v. 7, n. 4, p. 31-35, Fall 1978. BOONE, Louis, KURTZ, David. Marketing Contemporâneo. Rio de Janeiro: LTC, 1998. DEMBY, Emanuel H. Psychographics revisited: The Birth of a Technique. Marketing Research, Chicago, ILL: The Association, v. 6, n. 2, p. 26-29, Spring 1994. CANNON, Hugh M. A New Method for Estimating the Effect of Media Context - using value profiles of ads. Journal of Advertising Research, New York, NY: The Foundation, v. 22, n. 5, p. 41-48. October/ November 1982. CHISNALL, P. M. Consumer Behavior. New York: Prentice Hall, 1995. FERREIRA, Aurélio B. de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3.ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. GUNTER, Barrie, FURNHAM, Adrian. Consumer Profiles: An Introduction to Psychographics. London: Routledge, 1992. KAHLE, Lynn R., BEATTY, Sharon E., HOMER, Pamela. Alternative Measurement Approaches to Consumer Values: The List of Values (LOV) and Values and Life Style

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