ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ATRAVÉS DE DUAS METODOLOGIAS DE ANÁLISE DE DADOS



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ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ATRAVÉS DE DUAS METODOLOGIAS DE ANÁLISE DE DADOS SOCIAL REPRESENTATIONS STUDY BY TWO METHODOLOGIES OF DATA ANALYSIS Denize Cristina de Oliveira * Maria Cristina Triguero Veloz Teixeira ** Frida Marina Fischer *** Mariana Almeida do Amaral **** RESUMO: Objetiva-se comparar os resultados da análise de uma mesma produção discursiva proveniente de grupos focais, a partir de duas técnicas diferentes de análise de dados: uma é de tipo qualitativo, baseada na análise temática de conteúdo, e a outra, análise lexical de conteúdo, por conjunto de palavras, com base no software Alceste 4,5. A coleta de dados, em 2001, contou com uma amostra composta por 208 adolescentes de uma escola pública da cidade de São Paulo. Foram realizados 21 grupos focais, registrados em gravação. Ambas as análises observaram as três dimensões das representações sociais, enfocando os temas escola, trabalho, família e futuro. Os principais resultados revelam que os conteúdos derivados da análise Alceste ficaram saturados nos eixos temáticos e nas categorias definidas na análise manual, mas a relação inversa não foi confirmada. O estudo mostrou as vantagens e desvantagens de ambos os procedimentos, que, associados, valorizam a análise discursiva frente à Teoria das Representações Sociais. Palavras-chave: Alceste; análise de conteúdo; análise lexical informatizada; representação social. ABSTRACT: The aim of this study was to compare the results of the analysis of the discursive production from a same focal group when submitted to two different methods of data analysis: a qualitative one, based on the content category analysis and a lexical content analysis based on the software Alceste 4.5,which makes the analysis by groups of words. Two hundred and eight high school adolescents from a public school in the city of São Paulo composed the sample. Twenty-one focus groups have been conducted and recorded. Both analyses were made within the three dimensions that define the social representations about some of the subjects focused in the discussions on school, work, family and future. The main results showed that the contents of the classes obtained from the analysis with Alceste presented saturation in the thematic axis and in the categories derived from the manual analysis, but the inverse relation has not been confirmed. The study revealed the advantages and disadvantages of both procedures which, when associated to each other, can reinforce the discursive analysis in face of the Social Representations Theory. Keywords: Alceste; content analysis; lexical analysis; social representation. INTRODUÇÃO Um dos aspectos importantes nas pesquisas científicas de representação social é a delimitação das técnicas de coleta e de análise de dados, que devem variar em função do objeto que está sendo estudado, do tipo de material a ser analisado e da dimensão da representação social que se quer alcançar. A teoria das representações sociais não se vincula apenas a um único método ou técnica de coleta ou de análise de dados, no entanto, nesse campo de estudos, esta delimitação também é fundamental 1. De acordo com os objetos de representação que se quer examinar, as estratégias metodológicas de análise dos dados serão diferentes. Existem estratégias de análise de tipo qualitativo, experimental, assim como estratégias de tipo estatístico-correlacional. Uma das produções que tem alcançado um lugar privilegiado na coleta de dados dos estudos de representação é a produção discursiva. Para ter acesso a esse tipo de produção podem ser usadas diversas técnicas de coleta de da- R Enferm UERJ 2003; 11:317-27. p.317

Metodologia de análise das representações sociais MATERIAL E MÉTODO A amostra foi composta por 208 adolescentes do ensino médio de uma escola pública da cidade de São Paulo, que oferece ensino nos períodos diurno e noturno. Para a seleção da amostra dos grupos focais, foi utilizado o critério de grupo real estruturado ou orgânico, implicando que entre os participantes dos grupos existia uma relação baseada na atividade efetuada em comum (o estudo), derivando dessa atividade deveres e obrigações que são comuns a todos os membros do grupo, assim como relações face a face. A coleta de dados foi realizada, em 2001, com grupos adolescentes na faixa etária de 14 até 18 anos, de ambos os sexos, nas condições de adolescente trabalhador e adolescente não-trabalhador, de cada uma das três séries do ensino médio da escola escolhida. Na composição dos grupos focais, intervieram outras variáveis, que dizem respeito às características da técnica de grupo focal: assegurar que todos os grupos tivessem entre 8 e 15 sujeitos, uma duração variável entre 1 e 1 ½ hora. No período diurno, foram organizados oito grupos focais com adolescentes nãotrabalhadores e dois grupos com adolescentes trabalhadores, de cada uma das três séries. No período noturno, foram constituídos nove grupos focais com adolescentes trabalhadores e dois grupos com adolescentes não-trabalhadores, de cada uma das três séries. No total, foram 21 grupos focais com a participação de 208 adolescentes. Cada sessão realizada foi registrada em dois gravadores, dispostos no centro do círculo que foi formado para a discussão, adotando-se um intervalo de tempo entre o início da primeira e da segunda gravação, com a intenção de minimizar as dificuldades no momento das transcrições. Os passos que se seguiram à transcrição das produções discursivas de cada grupo focal e independos. Por exemplo, a entrevista individual, coletiva e a técnica de grupo focal, entre outras. Para um estudo aprofundado sobre os primeiros trabalhos de análise de conteúdo, desde 1640, na Suécia, até sua sistematização na psicologia social, nas ciências políticas e na lingüística, remete-se o leitor a Bardin 2 e, para uma revisão das técnicas qualitativas e quantitativas de análise de dados em estudos de representação, recorre-se a Oliveira 3, Sá 1,4, Abric 5,6 e Jodelet 7,8. O método qualitativo de análise de conteúdo proposto por Bardin 2 consiste num conjunto de técnicas de análise das comunicações que tem um amplo campo de aplicação. Como aponta o próprio Moscovici 9,10, tudo o que é dito ou escrito é susceptível de ser submetido a uma análise de conteúdo. Bardin 2 (p.38) define a análise de conteúdo como: [...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens [...] é a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção ou eventualmente de recepção, inferência esta que recorre a indicadores quantitativos ou não. A técnica de análise lexical de conteúdo, realizada pelo software Alceste 4.5, faz uma análise de um conjunto de palavras em um determinado contexto 11. Trata-se de um programa, desenvolvido na França por Max Reinert, em 1979, que permite a análise quali-quantitativa de dados textuais tomando como base as leis de distribuição do vocabulário (análises de cluster), através de diferentes etapas de segmentação do material discursivo. Tanto a análise de conteúdo manual quanto a informatizada da produção discursiva dos grupos focais foram executadas dentro das três dimensões que configuram uma representação social, enfocando os seguintes temas: escola, trabalho, família e futuro. No que diz respeito ao conceito de grupo focal, vale salientar que se trata de uma técnica de coleta da produção discursiva que, conforme Sá 1, teve sua origem na pesquisa sobre os efeitos da comunicação de massa focus groups de Millward. A técnica é capaz de simular as conversações espontâneas pelas quais as representações sociais são veiculadas na vida cotidiana, já que é reunido um grupo de sujeitos (entre 8 e 15 pessoas) para discutir um determinado assunto, o qual funciona como foco externo do grupo e que, por sua vez, deve ser o objeto de representação que se pretende estudar. Os aspectos relevantes do grupo focal para o estudo das representações sociais são as opiniões e os valores veiculados entre os participantes do grupo de discussão. A expressão desses elementos é facilitada por uma das técnicas que o coordenador do grupo pode utilizar no sentido de encorajar os participantes e buscar apenas deixas dos falantes que possam dar continuidade à discussão 12. Este trabalho teve como objetivo comparar duas estratégias de análise de dados de uma mesma produção discursiva, obtida mediante a técnica de grupo focal. A primeira técnica utilizada é qualitativa, baseada na análise categorial de conteúdo, proposta por Bardin 2, e a segunda, uma técnica de análise lexical de conteúdo, com base no software Alceste 4,5 de Reinert 11, que realiza uma análise lexical por contexto de um conjunto de palavras. p.318 R Enferm UERJ 2003; 11:317-27.

dente da técnica de análise de dados usada foram: - da primeira linha da transcrição constavam as variáveis descritivas de cada grupo (turno escolar - diurno ou noturno, série escolar, relação dos adolescentes do grupo com o trabalho trabalhadores, desempregados, não-trabalhadores); - todas as falas dos coordenadores foram escritas em letras maiúsculas; - foi feito parágrafo a cada vez que mudasse o sujeito que estava falando; - as frases incompletas foram indicadas por reticências entre parênteses; - os trechos ininteligíveis foram discriminados escrevendo inaudível no momento correspondente; - erros de pontuação e de português foram corrigidos; - formas coloquiais foram transcritas de acordo com sua escrita correta, p.ex: tá foi transcrito como está; - vícios de linguagem foram excluídos, tais como sabe, aí, né etc; - foram corrigidas a conjugação verbal e a concordância como masculino e feminino; - expressões e gírias foram mantidas, como zoar, quebrar o pau e outras; - as transcrições foram feitas, com muita atenção, ouvindo-se uma das gravações e, em seguida, ouvindo-se a outra. Cronologicamente, a análise qualitativa de dados - baseada na análise de conteúdo - precedeu a análise qualiquantitativa dos dados no programa Alceste. A ordem seguida nessas análises foi essencial para este estudo, pois a análise informatizada proporciona diferentes classes léxicas de representação social, semelhantes a categorias, e, feita num primeiro momento, poderia contaminar a dedução e inferência de categorias e temáticas provenientes da análise manual. Os passos seguidos no método qualitativo, com base na análise de conteúdo, foram: - leitura flutuante do material para conhecer toda a produção discursiva; - leitura e análise do material, conforme os quatro focos de discussão que foram a escola, o trabalho, a família e o futuro; - construção de um mapa para cada um dos focos de discussão, relacionando a produção discursiva sobre esse tema com ele próprio e com os outros temas, a partir das unidades de registro do discurso dos sujeitos; - leitura e análise de todas as unidades de registro por tema conforme as dimensões das representações sociais; - agrupamento das unidades de registro em categorias, obedecendo às regras de formulação de uma categoria na análise de conteúdo, que são homogeneidade, exaustividade, exclusividade, objetividade e pertinência e, por último, as categorias foram agrupadas em eixos temáticos mais amplos conforme os conteúdos categoriais. Foram executados dois tipos de análise manual de conteúdo. Uma análise de tipo vertical em cada grupo em separado e outra análise de tipo transversal, na qual os grupos foram associados conforme duas variáveis: condição de trabalhador ou de não-trabalhador e período diurno ou noturno. A discussão dos dados inclui somente a análise da variável situação de trabalho (trabalhador e não-trabalhador), já que após ter executado as análises, se percebeu que tanto os eixos temáticos como as categorias de análise que incluiu a condição de trabalho foram muito semelhantes aos da análise em função do turno em que freqüentavam a escola (diurno e noturno). Pode-se supor que esta semelhança aconteceu devido a que, dos 10 grupos focais efetuados no período da manhã, sete eram de adolescentes não-trabalhadores e, dos 11 grupos focais efetuados no período noturno, sete também eram de adolescentes trabalhadores. Isso fez com que, para a discussão dos resultados, tenha sido utilizada como variável de referência a situação de trabalho. Os passos seguidos na aplicação da técnica de análise lexical com o programa Alceste 4.5 (Analyse Lexicale par Contexte d un Ensemble de Segments de Texte) foram: definição das variáveis de interesse para a análise, em função das quais os segmentos de texto seriam categorizados; adaptação das produções discursivas de cada grupo focal às normas de preparação de corpus de análise do software Alceste; exclusão das falas dos coordenadores adaptando-se trechos de falas dos adolescentes; início da análise com o software. O Alceste opera através de quatro etapas que são as seguintes: a) etapa de leitura do texto e cálculo dos dicionários, na qual o programa prepara o corpus, faz o reconhecimento das unidades de contexto inicial (UCI) e faz a separação das unidades de contexto elementares (UCE), que são definidas como pequenos segmentos de texto de duas ou três linhas, nas quais se respeita a ordem de aparição no corpus, e o agrupamento das palavras com base em suas raízes, distinção entre as palavras instrumento (artigos, preposições e conjunções) e as palavras analisáveis (essenciais para a análise do conteúdo das representações sociais); b) etapa de cálculo das matrizes de dados e classificação das UCE em função de seus respectivos vocabulários. Para isso são cruzadas as formas reduzidas do vocabulário com as UCE do corpus. Nesta etapa também é executada a análise hierárquica descendente, que consiste em repartir as UCE em várias classes, em função do vocabulário que as compõem, de tal forma que seja obtido o maior valor possível numa prova de associação c 2. O procedimento com as classes obtidas repete-se até que o vocabulário das UCE de todas as classes seja homogêneo. A partir daí, o Alceste apresenta a R Enferm UERJ 2003; 11:317-27. p.319

Metodologia de análise das representações sociais segmentação do texto e a formação das classes em forma de um dendograma; c) etapa de descrição das classes e das UCE escolhidas, na qual são descritas as classes obtidas, conforme as palavras analisáveis e as variáveis descritivas dos participantes; d) etapa de cálculos complementares, na qual são apresentadas as UCE mais características de cada classe, contextualizando as ocorrências do vocabulário de cada uma. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESUL- TADOS São analisados os resultados através da comparação dos eixos temáticos, das categorias de análise e das unidades de registro. Comparação dos Eixos Temáticos Nesta etapa, foi realizada a comparação dos eixos temáticos derivados das categorias da análise manual de conteúdo de tipo transversal com os conteúdos dos blocos textuais que compuseram as ramificações do dendograma da análise Alceste. Pode-se observar essa comparação nas Figuras 1 e 2. Na Figura 1, são apresentados os eixos temáticos com as categorias que foram associadas a cada um dos eixos, nos quatro temas discutidos nos grupos focais. Esses eixos foram definidos após a homogeneização dos conteúdos categoriais. Na Figura 2, são mostradas as cinco ramificações que o dendograma adotou, nomeadas conforme os conteúdos que comportaram. Na Figura 1, aparecem os diferentes eixos temáticos derivados da homogeneização dos conteúdos categoriais. Na Figura 2, apresenta-se o dendograma, no qual se observam os conteúdos que ficaram distribuídos em dois blocos iniciais: O ensino no contexto social brasileiro atual e O futuro do adolescente e o contexto social brasileiro atual. Um outro bloco foi denominado Contexto social atual do adolescente no Brasil. Os dois últimos blocos foram Baixa qualidade do ensino e A Família e os problemas da sociedade brasileira. Ao comparar os eixos temáticos relativos ao tema Escola na Figura 1 com os blocos correspondentes a cada uma das ramificações da Figura 2, observase que os eixos temáticos Qualidade do ensino, Qualificação do professor, Relacionamento professor- aluno, Sistema de avaliação e Qualidade do ensino noturno ficaram saturados no bloco Baixa qualidade do ensino do dendograma. Já os eixos temáticos Relação estudo-trabalho e Significados do estudo ficaram saturados no bloco Contexto social atual do adolescente no Brasil e, especificamente na classe 2 referente à Relação trabalhoestudo do dendograma da Figura 2. O eixo temático Significados da escola não se associou a nenhum dos blocos em que o dendograma se ramificou. Seguindo o mesmo procedimento comparativo em relação ao tema Trabalho, observa-se na Figura 1 que, da análise manual de conteúdo, foram definidos vários eixos temáticos. No entanto, ao compará-los com os blocos dos dendogramas da Figura 2, infere-se que todos esses eixos temáticos ficaram saturados no bloco Atual contexto social do adolescente no Brasil. As especificidades dessa associação poderão ser melhor discutidas na análise das categorias derivadas da análise manual de conteúdo de tipo transversal, com as classes derivadas da análise Alceste. Na análise do tema Família, a análise manual de conteúdo possibilitou identificar quatro grandes eixos temáticos, que ficaram saturados no bloco Família e problemas da sociedade brasileira do dendograma da Figura 2. Finalmente, em relação ao tema Futuro, observa-se que apenas os eixos temáticos Determinação individual, Renda financeira e Ensino Superior da Figura 1 ficaram saturados em apenas um dos blocos do dendograma da Figura 2 - O futuro do adolescente e contexto social brasileiro. Souza Filho 13 aponta que as técnicas desenvolvidas de análise de conteúdo têm-se modificado ao longo das últimas décadas em função de múltiplas exigências teóricas dos estudos na psicologia social e, particularmente, dentro da Teoria de Representação Social. A análise lexical tem suas raízes em outra proposição de trabalho, derivada da análise de discurso. No entanto, a sua adoção nos estudos de representação social é recente e foi proposta por Reinert 11 através do software Alceste. Da primeira parte da discussão e do confronto das técnicas de análise das produções discursivas, conclui-se que todos os blocos da análise com o software Alceste ficaram saturados nos eixos temáticos da análise manual de conteúdo. A relação inversa não foi confirmada, já que alguns eixos temáticos derivados da análise manual não foram identificados nos blocos das ramificações do dendograma na Figura 2. Uma análise manual de conteúdo com o intuito de categorizar e tematizar os conteúdos exige uma leitura minuciosa de cada produção discursiva dos grupos focais, o que implica sem dúvida algum grau de subjetividade do olhar do pesquisador. A análise me- p.320 R Enferm UERJ 2003; 11:317-27.

Temas do Grupo Focal Escola Trabalho Família Futuro Eixos Temáticos Qualidade do ensino Categorias Baixa qualidade do ensino na escola / Pouco interesse do aluno e do professor pelo ensino / Ensino rotineiro e pouco estimulante / O governo como causa dos problemas de educação / Falta de recursos no ensino público. Qualificação do professor O professor como responsável do ensino de qualidade / Pouca qualificação dos professores de ensino público / Atraso do professor às aulas / O bom aluno em função do bom professor. Significados da escola Sociedade da vida / Base para o futuro profissional / Preparação para o trabalho / Relação família-escola / Família. Relacionamento alunoprofessor Sistema de avaliação Relação estudo-trabalho Significados do estudo Qualidade do ensino noturno Responsabilidade e amadurecimento Preconceito social Desrespeito na relação aluno-professor / Problemas de comunicação entre professores-alunos-direção / Maltrato e preconceito em relação ao aluno do período noturno / A direção da escola associada a repressão e educação mascarada / O bom professor e o bom aluno: respeito mútuo e comunicação. Baixa qualidade do sistema de avaliação do aluno / O governo como causa de problemas no sistema de avaliação. Trabalhar e estudar como atividades muito cansativas. Estudar: escolha individual que independe da escola / A dicotomia trabalhar-estudar. Baixa qualidade do ensino noturno na escola O trabalho associado a responsabilidade e amadurecimento. O preconceito na oferta de emprego / Discriminação de gênero no mercado de trabalho. Independência financeira O trabalho como fonte financeira / O trabalho como condição Independência pessoal Relação trabalho-estudo Necessidade econômica Aprendizado e dinheiro Desemprego Base da vida financeira do estudo universitário. O trabalho associado a independência e liberdade Conciliação entre estudo e trabalho / A dicotomia Trabalharestudar / O trabalho como cansativo. O trabalho como falta de opção para o adolescente pobre / O trabalho associado à ajuda financeira familiar. O trabalho como aprendizado e fonte financeira. O desemprego para o adolescente. A família como a base da vida / A família associada a uma minisociedade / A família como espelho do futuro / Relação pais-filhos associado à formação e ao futuro dos filhos / O investimento futuro e estrutura familiar. Relação com a escola A família como preparação para a escola Dificuldades familiares A família como problema / Os filhos interferindo nos problemas dos pais Ausência da família A família inexistente para o adolescente trabalhador / A desestruturação da família atual Determinação individual O futuro associado à determinação individual. Família O futuro depende da estrutura familiar Trabalho O futuro associado a emprego Presente O futuro representado a partir do presente. Renda financeira O futuro profissional associado a renda financeira. Pessimismo Representação pessimista do futuro / O futuro associado à morte Ensino Superior O futuro associado à faculdade / O futuro associado à profissão FIGURA 1: Temas, eixos temáticos e categorias resultantes de análise manual. canizada dos dados, feita num segundo momento, permitiu observar que os eixos temáticos identificados a olho nu apareceram nas ramificações do dendograma, cujas exigências e princípios de distribuição ultrapassam a visão a olho nu, para estabelecer critérios estatísticos baseados na análise de cluster, tomando como critério principal a prova de associação c 2. Bardin 2 define os princípios técnicos necessários para qualquer análise de conteúdo, o que possibilita afirmar que alguns deles foram cumpridos em ambos os procedimentos de análise. Por exemplo: a homogeneidade categorial e temática, a exclusão mú- R Enferm UERJ 2003; 11:317-27. p.321

Metodologia de análise das representações sociais FIGURA 2: Dendograma de classes estáveis resultante da análise Alceste dos grupos focais. p.322 R Enferm UERJ 2003; 11:317-27.

tua entre os eixos temáticos e categorias e a objetividade no sentido da descrição acurada de todos os dados provenientes da discussão do grupo focal, regra esta que foi mais explorada com a análise manual de conteúdo. Comparação das Categorias de Análise A segunda etapa de análise consistiu na comparação das categorias da análise manual de conteúdo de tipo transversal com as classes da análise Alceste. Assim como o item anterior, a discussão será iniciada com o tema Escola. Na Figura 1, são apresentadas as categorias correspondentes a cada eixo temático em função do tema. Na Figura 3 é mostrado o dendograma da análise Alceste no qual pode ser observado um detalhamento das classes 1 e 5 associadas com o tema escola. (Figura 3) Ao comparar as categorias definidas no tema escola da Figura 1 com a classe 1, denominada A relação professor-aluno e a qualidade do ensino, e com a classe 5 - As políticas educacionais e a qualidade do ensino da figura 3 infere-se que as categorias definidas nos eixos temáticos Qualidade do ensino, Qualificação do professor e Relacionamento professor-aluno apresentam os mesmos conteúdos sobre a instituição escolar que a classe 1 A relação professor-aluno e a qualidade do ensino, derivada da análise Alceste. As categorias da análise manual Sistema de avaliação e Qualidade do ensino noturno mostraram ter conteúdos muito semelhantes aos da classe 5 As políticas educacionais e a qualidade do ensino, derivada da análise com o software Alceste. Novamente as categorias do eixo Significados da escola não puderam ser associadas a nenhuma classe Alceste. Encontrou-se que as categorias dos eixos temáticos Relação estudo-trabalho e Significados do estudo tiveram conteúdos semelhantes aos da classe 2 - A relação trabalho-estudo. Tanto as classes derivadas da análise Alceste como as categorias identificadas na análise manual de conteúdo cumpriram a regra de exclusão mútua citada por Bardin 2. Por outro lado, os conteúdos das categorias excluíram-se mutuamente, como mostra a Figura 1, e essa mesma exclusão pode ser observada nas classes 1 e 5 da Figura 3, mas de uma forma mais acurada, tendo em consideração que a formação de uma classe dependeu de uma hierarquização da análise que buscou homogeneidade máxima a cada conjunto de UCE. Essa homogeneização aponta para duas das regras básicas assinaladas por Bardin 2 : a homogeneidade e a exclusão mútua. No caso do tema Trabalho, na Figura 1, da análise manual de conteúdo pode ser observado que as categorias dos eixos temáticos Responsabilidade e amadurecimento, Independência financeira, Independência pessoal, Relação trabalho-estudo, Necessidade econômica, Desemprego e Aprendizado e dinheiro ficaram saturadas nos conteúdos das unidades de contexto elementar da classe 2 - Relação trabalho-estudo derivada da análise com o Alceste. Algumas categorias dos eixos temáticos Independência financeira e Desemprego também se associaram a outras classes derivadas do Alceste. No caso à classe 6 - Futuro associado à faculdade e classe 4 - Posicionamentos sociopolíticos, respectivamente. No caso desta última classe, cabe salientar que no tratamento dado a ela, sob a perspectiva da teoria de representação social e respeitando a regra da análise de conteúdo proposta referente à pertinência ou adaptação do material discursivo analisado à teoria adotada, assumiu-se que a mesma não pode ser considerada como uma representação social particular, e sim um conjunto de opiniões e de atitudes que, embora algumas delas tenham sido relativamente conexas, as mesmas refletem a influência da mídia nas dimensões de uma representação que estão relacionadas com a edificação de opiniões, de atitudes e de estereótipos (efeitos de difusão, de propaganda e de propagação da mídia). Outro aspecto a ser ressaltado na discussão do tema Trabalho é que na análise de conteúdo manual foram identificadas unidades de registro pertencentes tanto aos grupos de adolescentes trabalhadores como de adolescentes não-trabalhadores, de ambos os períodos. Na análise informatizada, as variáveis descritivas que mais se associaram com a classe 2 foram a condição de trabalhadores e freqüentar a escola no período noturno. A seguir, a discussão focalizar-se-á no tema Família. Os conteúdos das categorias dos eixos temáticos Base da vida, Dificuldades familiares e Ausência de família derivados da análise manual se associaram com os conteúdos das unidades de contexto elementar da classe 3 - A família como preparação para a vida em sociedade resultante da análise Alceste. Na análise de conteúdo manual, o eixo temático Relação com a escola, com a correspondente categoria A família como preparação para a escola, não teve nenhuma saturação nas classes derivadas da análise hierárquica descendente do Alceste. Finalmente, na Figura 1, observam-se as diferentes categorias identificadas em cada um dos eixos temáticos da produção discursiva referente ao tema Futuro. Nessa análise manual de conteúdo, somente as categorias dos eixos temáticos Determinação individual, Trabalho e ensino superior se associaram com a classe 6 derivada do Alceste - O futuro R Enferm UERJ 2003; 11:317-27. p.323

Metodologia de análise das representações sociais x Compara-se, a seguir, uma unidade de contexto elementar referente a uma das classes relacionax FIGURA 3: Detalhamento das classes 1 e 5 resultantes da análise Alceste dos grupos focais. ligado a faculdade mostrada na Figura 4. Diferente das análises anteriores, o tema futuro derivou várias categorias na análise manual, cujos conteúdos não foram identificados em nenhuma classe resultante da análise hierárquica descendente do Alceste. As categorias não identificadas, conforme o mostra a Figura 1, pertencem aos eixos temáticos Família, Presente, Renda financeira e Pessimismo. Comparação das Unidades de Registro A terceira etapa de análise consistiu na comparação entre as unidades de registro provenientes da análise manual e as unidades de contexto elementar derivadas da análise Alceste. Na análise minuciosa de cada uma das unidades de contexto elementar arroladas nas classes do Alceste, observou-se que as mesmas comportaram discursos de uma mesma pessoa e discursos de diferentes sujeitos. Isso não foi observado nas unidades de registro selecionadas durante a análise manual de conteúdo, que somente se referem a um mesmo sujeito. A combinação de unidades discursivas de diferentes sujeitos na análise informatizada representou uma vantagem em relação à análise manual. No entanto, a saturação temática e categorial que um e outro método de processamento de dados ofereceu, conforme discutido, permite inferir que tanto um procedimento quanto o outro, pode ser eficaz na análise de representações sociais e na dedução de tipos específicos de representações. p.324 R Enferm UERJ 2003; 11:317-27.

x x x x FIGURA 4: Detalhamento das classes 2,3,4 e 6 resultantes da análise Alceste dos grupos focais. R Enferm UERJ 2003; 11:317-27. p.325

Metodologia de análise das representações sociais das com a temática Escola, classe 1 - A relação professor-aluno e a qualidade do ensino da análise Alceste (Figura 3), que apresenta discursos de diferentes sujeitos, com duas unidades de registro selecionadas na análise manual de conteúdo que representam o discurso de um mesmo sujeito. Apesar do número de pessoas que discursam ser diferente, os conteúdos das unidades são semelhantes e isto se repete em todos os temas estudados nos grupos focais. (...) Não dá vontade de estudar nem de saber o que o professor esta falando. O cara escreve na lousa e manda a gente se virar. Eu já estou emburrada e o cara na lousa escrevendo, mandando todo mundo calar a boca? Um horror. (Dimensão de campo da UCE da classe A, Relação Professor-Aluno e a Qualidade do Ensino produzida por diferentes sujeitos) O professor não está aí com nada. Fica na frente passando matéria. (Dimensão de campo de unidade de registro identificada na análise manual no eixo temático Qualidade do Ensino e produzida por um único sujeito) O problema é que um espera pelo outro e ninguém faz. É que nem cachorro sem dono. Um pensa que já deu a comida e já era (...) passa fome. (Núcleo Figurativo de unidade de registro identificada na análise manual no eixo temático Qualidade do Ensino e produzida por um único sujeito) Relacionados com o tema Trabalho, serão apresentados dois exemplos de produção discursiva nas quais podem ser apreciadas as semelhanças: [...] mas a pessoa se acostuma, o negocio é esse. Isso só mostra que não é fácil. Mas o melhor é estudar. Terminar os estudos, depois trabalhar. Só que no caso [...] estudar é melhor. É cansativo trabalhar e estudar porque eu acordo às oito horas todo dia e às vezes nem dá tempo para tomar banho. (Dimensão de campo de UCE da classe A Relação Trabalho- Estudo, produzida por diferentes sujeitos) Ás vezes você fica quase capotando na mesa. Só não capota porque na sala tem quase 40 alunos e parece uma feira por causa do barulho. (Dimensão de campo de unidade de registro identificada na análise manual referente ao eixo temático Relação Trabalho-Estudo, produzida por um único sujeito) No tema Família serão mostradas duas partes da produção discursiva. (...) Família é importante. Para mim, família é tudo. Família é o mais importante dos temas propostos. Família acho que está tudo incluído, mas família vem em primeiro. Família vem primeiro. (Dimensão de campo de UCE da classe A Família como Preparação para a Vida em Sociedade, produzida por diferentes sujeitos) Minha família é a minha fortaleza. (Núcleo Figurativo de unidade de registro identificada na análise manual referente ao eixo temático A família como a Base da Vida, produzida por um único sujeito) Por último, em relação ao tema Futuro, serão apresentados dois exemplos. O primeiro diz respeito a uma unidade de contexto elementar arrolado pelo Alceste e o segundo é uma unidade de registro identificada na análise manual. Eu vou fazer faculdade, mas não é sonho, é meu futuro. Eu não acredito no sonho. Eu não tenho sonho. Você não quer ter um futuro próspero? Ela quer. Ela só não cria expectativa, gente. Eu só quero o meu futuro bom. Eu sei, e eu vou fazer cursinho. (Dimensão de atitude de UCE da classe O Futuro Ligado à Faculdade, produzida por diferentes sujeitos) Eu acho que cada um tem sua cabeça. Eu trabalho e estudo e quero continuar trabalhando, manter-me, fazer a minha faculdade, eu já estou pensando desde já. Eu quero sair, fazer minha faculdade, batalhar, fazer carreira. Se eu tiver que quebrar a cara, quero quebrar a cara quantas vezes forem necessárias, mas suar mesmo e chegar. (Dimensão de atitude de unidade de registro identificada na análise manual referente ao eixo temático O Futuro Associado à Faculdade, produzida por um único sujeito) CONSIDERAÇÕES FINAIS Os principais resultados mostraram que todos os conteúdos dos blocos e das classes derivados da análise com o software Alceste ficaram saturados nos eixos temáticos e nas categorias definidas na análise manual de conteúdo. A relação inversa não foi encontrada. A análise de conteúdo feita de forma manual produziu eixos temáticos e categorias com conteúdos muito semelhantes aos das ramificações e das classes do dendograma, cujas exigências ultrapassam uma visão a olho nu para estabelecer critérios estatísticos na base de uma prova de associação c 2 sobre qual era a associação de cada palavra produzida no grupo focal com a classe semântica do dendograma. Ambos os procedimentos de análise garantiram o cumprimento de algumas das regras técnicas de análise de conteúdo formuladas por Bardin 2 : homogeneidade categorial e temática, exclusão mútua entre as categorias e temas e objetividade no sentido da descrição acurada de todos os dados. A análise de dados executada de forma manual possibilitou uma variabilidade de conteúdos categoriais maior que a análise do material de maneira informatizada. A partir disso, infere-se que a tematização executada mediante a análise manual não tenha introduzido desvio do material por recusa p.326 R Enferm UERJ 2003; 11:317-27.

do mesmo, como aponta Bardin 2. Entretanto, é provável que o desvio do material por excesso sim tenha se manifestado, sobretudo na definição categorial da análise manual. De uma parte, isso mostra as vantagens e desvantagens de ambos os procedimentos e, de outra, a complementação que se deriva do uso dos dois procedimentos de análise de dados discursivos com base na teoria de representações sociais. Uma outra vantagem decorrente da análise de Alceste no que diz respeito à teoria da representação social é a importância da avaliação do discurso compartilhado. As unidades de contexto elementar (UCE) de cada classe derivadas do processamento Alceste comportaram discursos de uma mesma pessoa e de pessoas diferentes. Isso, à luz da teoria, representa um indicador muito útil para inferir que se trata de discursos que são compartilhados e que as palavras estão associadas à classe na base de uma prova de associação c 2. Já as unidades de registro selecionadas na análise manual de conteúdo se referem a apenas um sujeito e, como se trata de uma seleção semântica, a mesma pode ter implícita uma certa ambigüidade pelo fato de depender de uma seleção subjetiva do pesquisador com base na categorização e tematização. REFERÊNCIAS 1. Sá CP. A construção do objeto de pesquisa em representações sociais. Rio de Janeiro (RJ): EdUERJ; 1998. 2. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa (Po): Edições 70; 1977. 3. Oliveira DC. A promoção da saúde da criança: análise das práticas cotidianas através do estudos de representações sociais [tese de doutorado]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo;1996. 4. Sá CP. Núcleo central das representações socoais. Petrópolis (RJ): Vozes; 1996. 5. Abric JC. Pratiques sociales et représentations. Paris (Fr): Presses Universitaires de France; 1994. 6. Abric JC. O estudo experimental das representações sociais. In: Jodelet D, organizadora. As Representações Sociais. Rio de Janeiro (RJ): EDUERJ; 2001. p. 155-72. 7. Jodelet D. La representación social: fenómenos, concepto y teoría. In: Moscovici S, organizador. Psicología Social II. Pensamiento y vida social. Psicología Social y problemas sociales. Barcelona (Es): Paidós; 1986. p. 469-94. 8. Jodelet D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: Jodelet D, organizadora. As representações sociais. Rio de Janeiro (RJ): EDUERJ; 2001. p. 17-44. 9. Moscovici S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro (RJ): Zahar; 1978. 10. Moscovici S. On social representations. In: Forgas JP, editor. Social cognitions perspectives on everyday understanding. New York (DC): Academic Press; 1981. p. 181-209. 11. Reinert M. ALCESTE, une méthodologie d analyse des données textuelles et une application: Aurélia de G de Nerval. Bulletin de méthologie sociologique (France) 1990; 28: 24-51. 12. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo (SP) Rio de Janeiro (RJ): Hucitec-Abrasco; 1994. 13. Souza Filho E. A análise de representações sociais. In: Spink MJ, organizadora. O conhecimento no cotidiano. As representações sociais na perspectiva da psicologia social. São Paulo (SP): Editora Brasiliense; 1993. p. 109-148. ESTUDIO DE LAS REPRESENTACIONES SOCIALES A TRAVÉS DE DOS METODOLOGIAS DE ANÁLISIS DE DATOS RESUMEN: Se objetiva comparar los resultados del análisis de una misma producción discursiva procedente de grupos focales, a partir de dos técnicas diferentes de análisis de datos: una es de tipo cualitativo, basada en el análisis temático de contenido (Bardin), y la otra, análisis lexical de contenido, por conjunto de palabras, con base en el software Alceste 4,5 de Reinert. La recolección de datos, cumplida en 2001, ocurrió a partir de una muestra de 208 adolescentes de una escuela pública de São Paulo Brasil. Fueron realizados 21 grupos focales, registrados en grabación. Ambos los análisis observaron las tres dimensiones de las representaciones sociales, enfocando los temas escuela, trabajo, familia y futuro. Son resultados principales: los contenidos derivados del análisis con el software Alceste ficaron saturados en los ejes temáticos y en las categorías definidas en el análisis manual, pero la relación inversa no fue confirmada. El estudio revela las ventajas y desventajas de ambos los procedimientos que, asociados, valorizan el análisis discursivo enfrente de la teoría de las representaciones sociales. Palabras Clave: Alceste; análisis de contenido; análisis lexical informatizado; representación social. Recebido em: 03.10.2003 Aprovado em: 26.11.2003 Notas * Faculdade de Enfermagem/Universidade do Estado do Rio de Janeiro ** Faculdade de Saúde Pública/Universidade de São Paulo; Universidade Mackenzie *** Faculdade de Saúde Pública/Universidade de São Paulo **** Faculdade de Saúde Pública/Universidade de São Paulo R Enferm UERJ 2003; 11:317-27. p.327