Trombose Venosa Cerebral: Relato de Casos e Revisão de Literatura

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160 Trombose Venosa Cerebral: Relato de Casos e Revisão de Literatura Cerebral Venous Thrombosis: Case Report and Literature Review Rodrigo Antonio Rocha da Cruz Adry 1 Catarina Couras Lins 5 Marcio Cesar de Mello Brandão 3,4 RESUMO Introdução: A trombose venosa cerebral, condição rara muitas vezes subdiagnosticada, se apresenta com um amplo espectro de sinais e com alta variabilidade do modo de início. Os sintomas mais comuns são cefaléia, vômitos e perda de consciência, mas há sintomas atípicos como epilepsia, alteração de visão, déficit cognitivo e alteração da consciência. Os autores têm como objetivo relatar dois casos de paciente com diagnostico de trombose venosa cerebral. Este diagnóstico por vezes é muito difícil devido ao amplo espectro de sintomas e às múltiplas etiologias,e pode ser confirmado por exames de neuroimagem. O tratamento é baseado na combinação de heparina intravenosa, seguida por anticoagulação oral e tratamento sintomático como anticonvulsivantes, analgésicos, redução do aumento da pressão intracraniana e, eventualmente, da causa quando identificada. Palavras-chave: trombose venosa cerebral, seio venoso cerebral, anticoagulação. ABSTRACT Introduction: Cerebral venous thrombosis is a rare, often misdiagnosed condition. Unlike arterial stroke, cerebral venous thrombosis is an unusual condition that includes a wide range of signs and a great variation in its onset. The most common symptoms are headaches, vomiting and loss of consciousness, but there are also atypical symptoms such as epilepsy, altered vision, cognitive deficiency and alteration of consciousness. The objective of this paper is to report the case of two patients presenting with cerebral venous thrombosis. Diagnosis of cerebral venous thrombosis is difficult because of the wide spectrum of symptoms and multiple etiologies involved in this condition. Diagnosis can be confirmed, however, by neuroimaging examination. Treatment is based on the association of intravenous heparin, followed by oral anticoagulants and symptomatic treatment such as: anticonvulsants, analgesics, and treatment to reduce any increase in intracranial pressure. If there is a cause, it should be treated. Key Words: cerebral venous thrombosis, venous sinuses, anticoagulation. 1 - Médico Residente em Neurocirurgia do Hospital de Base de São José do Rio Preto - São José do Rio Preto / SP / Brazil. 2 - Médico do Serviço de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital Geral do Estado da Bahia e Hospital Geral Roberto Santos - Salvador / BA / Brazil. 3 - Preceptor da Residência Médica em Neurocirurgia do Hospital Geral Roberto Santos - Salvador / BA / Brazil. 4 - Chefe do Serviço de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital Geral do Estado da Bahia e Hospital Geral Roberto Santos - Salvador / BA / Brazil. 5 - Acadêmica de Medicina da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública / Hospital Geral Roberto Santos - Salvador / BA / Brazil. Recebido em 14 de agosto de 2011, aceito em 27 de março de 2012

161 Introdução Em 1825, Ribes descreveu a história clínica de um homem de 45 anos de idade que morreu depois de uma história de seis meses de cefaléia grave, epilepsia e delírio 6,9,20. O exame post mortem mostrou a trombose do seio sagital superior, do seio transversal esquerdo e de uma veia cortical na região parietal. Essa foi provavelmente a primeira descrição detalhada de trombose venosa cerebral (TVC) em um homem 6. A incidência de TVC, estimada a partir de algumas séries de necropsias, varia de 1% para necropsias consecutivas e 9% das necropsias por acidentes cerebrovasculares 4. A sua incidência anual em adultos é 0,22/100.000 14. As mulheres são afetadas três vezes mais que os homens 19. O diagnóstico da TVC pode ser muito difícil devido ao seu quadro neurológico proteiforme 3,5,22. Dessa forma, o diagnóstico correto é feito com demora considerável 17, necessitando, além disso, de exames de neuroimagem para confirmar o diagnóstico 4. A ressonância magnética (RM) do cérebro, especialmente angioressonância (angio RM), e a angiografía cerebral, são os procedimentos de diagnóstico para estabelecer TVC 8,16. Os autores têm o objetivo de relatar dois casos de TVC do seio cavernoso e realizar revisão de literatura. no local onde foi feita a extração dentária (Fig. 2). Na RM, havia aumento de volume do seio cavernoso esquerdo : após administração do contraste observou-se realce da área com falha de enchimento em seu interior. Era evidente, também protrusão do globo ocular esquerdo e espessamento do músculo reto lateral( Fig.3 ). Com o diagnóstico de trombose do seio cavernoso causada por trombo secundário ao abscesso pósremoção dentária, tratamos o paciente com prednisona 60mg por dia durante 3 meses com diminuição progressiva da dose, 300mg de cloridrato de ranitidina por dia durante 4 semanas e cefadroxil monoidratado lg por dia durante 15 dias. Com dois meses de tratamento, o paciente foi submetido a nova RM. Durante os 4 meses de acompanhamento, houve recuperação da motilidade extrínseca e dos movimentos extra-oculares (Fig. 4). Houve melhora do campo e da acuidade visual, entretanto a paralisia da hemiface esquerda não teve recuperação total. Relato de Caso Figure 1. Fotos do paciente mostrando a ptose palpebral a esquerda. Caso1 A.A.A., 44 anos, sexo masculino, pardo, solteiro, motorista, natural e procedente de Salvador-Bahia, procurou o serviço de neurologia por indicação de serviço de oftalmologia. O paciente relatava que há 3 meses, após extração de um dente molar, cursou com dor retro-orbitária esquerda que progrediu com edema, eritema, ptose palpebral, perda da visão do olho esquerdo e paralisia da hemiface esquerda (Fig. 1). O paciente era fumante, etilista social e possuía diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica. Ao exame físico o paciente apresentava disartria, pupilas isocóricas com reflexos pupilares preservados, no entanto com diminuição do campo e da acuidade visual. A motilidade extrínseca e os movimentos extra-oculares estavam abolidos. A força dos músculos mastigatórios estava diminuída, assim como a sensibilidade do lado esquerdo da face. Havia também paralisia de hemiface esquerda. Em radiografia da face foi identificado um foco de possível abscesso Figure 2. Mostram o local do provável abscesso onde foi extraído o dente.

162 no nível da porção anterior do seio sagital superior compatível com trombose (Fig. 5). Figure 3. RM: aumento do volume do seio cavernoso esquerdo com falha de enchimento após contraste. Figure 5. Venoressonância com redução do sinal em nível da porção anterior do seio sagital superior compatível com trombose. Discussão Figure 4. Em A, a RM mostra diminuição do hipersinal do seio cavernoso; em B, melhora nos movimentos oculares. Caso 2 I.S.S., 50 anos, branca, casada, comerciante, natural e procedente de Salvador, Bahia, procurou o serviço de Neurologia com historia de cefaleia súbita, descrita inicialmente como sensação de pressão holocraniana, com boa resposta ao paracetamol. Doze horas após, a cefaléia voltou a se intensificar, sendo acompanhada nesse momento de diminuição da acuidade visual. A paciente dirigiu-se, então, ao hospital da região, tendo sido tratada com analgesicos, com melhora do quadro. A paciente negava comorbidades prévias, etilista ou tabagista. Dois meses antes do início dos sintomas fez uso de 5mg de acetato de nomegestrol. O exame físico geral e o exame neurológico, bem como exames laboratoriais, incluindo líquor e coagulograma, não apresentavam anormalidades. Venoressonância de encéfalo apresentou, na fase venosa, uma zona com redução da intensidade de sinal A B Fatores predisponentes podem ser identificados em até 80% dos pacientes. No entanto, a etiologia precisa permanece desconhecida em aproximadamente 30% (variando de 17 a 35%) dos casos 8,2,18, à semelhança do caso 2. Trombofilias hereditárias foram relatadas em aproximadamente 20% a 30% dos pacientes com TVC. A mais comum delas, mutação no Fator V de Leiden, foi demonstrada ser um fator de risco em vários caso-controle e estudos de metanálise. Deficiência da proteína C, deficiência da proteína S, deficiência da antitrombina III, hiperhomocisteinemia, síndrome antifosfolipidica, policitemia e hemoglobiriúria noturna paroxística são outros fatores encontrados. Estado trombótico adquirido (síndrome nefrótica, gravidez, puerpério, trombose venosa profunda e período pós-operatório) e mutação da protrombina 20210 também aumentam o risco de TVC, podendo ocorrer em 10 a 15% dos casos 1,2,8,11,18,19,22. A síndrome nefrótica pode ser vista em 1 a 3% dos pacientes com TVC 18. Outras doenças também podem levar à TVC, tais como doenças sistêmicas (síndrome de Behçet, lupus eritematoso sistêmico, doença do colágeno, granulomatose de Wegener), neopla-

163 sias (leucemia, carcinoma sistêmico), doenças infecciosas sistêmicas (septicemia), causas locais (otite, mastoidite, sinusite paranasal, abscessos intracranianos, meningites), traumatismo craniano fechado contuso ou dano direto aos seios, intervenções neurocirúrgicas e perfuração lombar) e uso de anticoncepcionais orais 1,2,8,11,18,19,22. A causa infecciosa ainda constitui uma causa significativa na grande maioria dos estudos, no entanto, tem-se reduzido desde a introdução dos antibióticos 8. A trombose de seio cerebral permanece como a forma mais comum de trombose séptica, normalmente seguindo uma infecção do terço médio da face devido a Staphylococcus aureus 8,21. Otites e mastoidites, principalmente, podem evoluir para trombose do seio sagital e seios transversos 1. Outros locais de infecção que podem levar à TVC incluem sinusite esfenoidal e etmoidal e abscesso. No caso 1 relatado, a etiologia provavelmente era desta natureza, com o foco infeccioso localizado no local da extração dentária. A frequência de trombose de seios por infecção tem diminuído e varia de 6 até 12% em estudos com adultos, mas a TVC por infecções sistêmicas (por exemplo, sepse neonatal) e infecções locais (por exemplo, otite) são mais frequentementes em crianças 1. Em formas crônicas, os gram negativos e fungos, especialmente Aspergillus, são os mais comuns 8. A trombose venosa de seio cerebral tem um amplo espectro de sintomas e sinais 8,19,21,22. A cefaléia esta presente em 70-97% dos casos 1,4,18,216. Outros sintomas, como hipertensão intracraniana com papiledema, vômitos, visão turva, paralisia do VI nervo craniano, diplopia e déficits focais são os mais frequentes além da cefaléia, sendo presentes em torno de 20% a 40% dos pacientes 4,18,19,21. Crises convulsivas, encefalopatia e alterações de consciência foram relatadas em 10% a 60% de pacientes, com incidência mais alta nos casos relacionada à gravidez, idade avançada e crianças 18. O início dos sintomas pode ser agudo, subagudo e crônico 19, sendo considerados agudos aqueles casos com menos de 2 dias, ocorrendo em 30% dos pacientes ; subagudo quando se apresenta em 2 dias a 1 mês, ocorrendo em aproximadamente 50% dos pacientes e crônicos com apresentação por mais de 1 mês em 20% do pacientes 8,11,18. Bousser e col 6,7 classificaram os sintomas e sinais em 4 padrões principais, sendo o primeiro e mais comum caracterizado por déficits focais e/ou crises convulsivas parciais. O segundo é aquele de hipertensão intracraniana isolada com cefaléia, papiledema e paralisia do sexto nervo craniano, similar a hipertensão craniana benigna. O terceiro padrão com apresentação particularmente enganosa é aquele de uma encefalopatia subaguda caracterizada principalmente por grau variável de rebaixamento do nível de consciência e às vezes crises convulsivas, sem localização evidente dos sinais ou características reconhecíveis de hipertensão intracraniana. O quarto, embora trombose de seio cavernoso normalmente tenha um quadro clínico agudo distinto, pode tomar um curso lentamente progressivo e moderadamente doloroso, com paralisia do terceiro ao sexto nervos cranianos. O seio sagital é mais comumente afetado (70-80% dos casos), seguido pelo seio transverso e sigmóide (70% dos casos), e menos frequentemente o seio cavernoso e o seio reto 18. A trombose de seio cavernoso pode ter um quadro clínico distinto, consistindo em quemose, proptose, exoftalmia, edema palpebral, acometimento dos nervos cranianos e oftalmoplegia dolorosa 4,18. Os sinais e sintomas inicialmente unilaterais podem se tornar bilaterais se a trombose se estender até o seio carvernoso contralateral 14, quadro este exemplificado pelo caso relatado. Tomografia computadorizada (TC) é normalmente o primeiro método de investigação utilizado em emergência, principalmente nos casos de pacientes com cefaléia, crises convulsivas ou alteração da consciência 8,17,19. Além disso, a TC ajuda a afastar afecções que se assemelham com a TVC, como hemorragia intracerebral e abscesso 2,18,21, mostrando-se normal em aproximadamente 10% a 30% dos pacientes com TVC 2,4,8,19,21,23. A TC pode, portanto, mostrar sinais diretos e indiretos, sendo muitos deles inespecíficos 4. Um dos principais sinais que pode ser visto na TC é o sinal do delta vazio, que é reflexo da opacificação de veias colaterais na parede do seio sagital superior trombosado : após injeção de contraste, mostra sinal de hipodensidade, que pode estar presente de 10% a 35% dos casos. Este sinal é o melhor sinal direto visível, principalmente na TC com injeção de contraste. Outros sinais diretos da TVC são: a veia densa (20-55% dos casos) e sinal da corda (1-24,5% dos casos), que corresponde à hiperdensidade do seio venoso trombosado e das veias corticais 2,8,11,19,10. Os sinais indiretos de trombose venosa cerebral são mais comumente visualizados (20 a 30%) em TC do que os sinais diretos 18 : efeito expansivo e edema são os mais vistos 4,18. Outros sinais inespecíficos indiretos podem ser encontrados como anormalidade no parênquima (60-80% dos casos), como hipodensidade refletindo edema ou infarto, hiperdensidades sugerindo infartos hemorrágicos e áreas de realce do giro e ventrículos pequenos (20-50% dos casos) 4,8,18. A trombose de seio cavernoso pode ser visualizada em TC com contraste pelos defeitos de preenchimento irregulares e múltiplos com seios cavernosos edemaciados e aumento das veias orbitais. A angiotomografia computadorizada (AngioTC) é uma ferramenta excelente para diagnosticar TVC 8. As anormalidades frequentemente encontradas na AngioTC são defeitos no preenchimento, realce da parede do seio e aumento da drenagem venosa colateral. Além disso, podem ocorrer deficiência da opacificação do contraste nas veias e seios do cérebro, atraso no preenchimento venoso e proeminente trajeto colateral venoso.

164 A RM tem a vantagem de demonstrar lesões parenquimatosas (hemorragias), como também edema, trombose e o não preenchimento dos vasos 2,8,18,19 ; permite também detectar eventual causa local da trombose, como tumor ou infecção. A visualização do trombo detectado pela RM pode elucidar a idade do processo da doença 8,13,18. No estágio inicial (1 a 5 dias), no período do trombo agudo, o fluxo está ausente e o coágulo dentro do seio será isointenso nas imagens ponderadas em Tl e hipointenso nas imagens ponderadas em T2, sinal este devido à presença de desoxihemoglobina nos eritrócitos intactos 1,2,4,8,13,18. Nos trombos subagudos (entre 5 e 30 dias), o trombo se torna hiperintenso em imagens ponderadas em Tl e isointenso ou hiperintenso em imagens ponderadas em T2. Como a oxihemoglobina é convertida em metahemoglobina, esta é liberada após a lise dos eritrócitos, o sinal posteriormente tornando-se hiperintenso tanto na imagem ponderada em Tl quanto na imagem ponderada em T2 1,2,4,8,13,18. Dentro das grandes veias, as mudanças começam da periferia e se espalham para o centro, dando aparência heterogenea ao trombo, também conhecido como sinal de alvo com um centro isointenso cercado por periferia hiperintensa. O sinal do alvo tem sido relatado em aproximadamente 15% dos casos nas fases agudas e subagudas. Na fase crônica (maiores que 30 dias), segundo alguns autores, o trombo se torna progressivamente isointenso em imagens ponderadas em Tl e persiste com hiperintensidade em imagens ponderadas em T2 ou passa também a ser isointenso 2,4,13,18. Depois do primeiro mês, o diagnóstico pode se tornar novamente difícil, por um padrão variável de sinais. Sinais indiretos de trombose venosa cerebral incluem edema cerebral generalizado ou local, efeito de massa, obliteração cortical e sulcal, edema venoso, infarto venoso e dilatação das veias medulares e das veias colaterais 13,18,21. A angiografia por cateterismo foi um procedimento chave para o diagnóstico da TVC, entretanto, atualmente só se faz necessária quando dúvidas permanecem depois da TC ou RM 1,4,8,19. Os sinais típicos da trombose incluem a não visualização de todo ou parte do seio (defeito de enchimento parcial ou total) e a parada súbita das veias corticais com vasos espiralados colaterais dilatados (formação de veias colaterais) 1,2,4,6. Os sinais indiretos na angiografia são: atraso do esvaziamento venoso, veias colaterais dilatadas com aparência espiralada e circulação venosa colateral anormal, sendo os mais importantes para estabelecer o diagnostico quando não há visualização do trombo. Os exames laboratoriais só são necessários para tentar identificar a etiologia da TVC ou para acompanhar o tratamento anticoagulante. Os estudos de coagulação são particularmente importantes em pacientes com uma história familiar ou passado médico de episódios trombóticos além dos casos inexplicados. As investigações devem incluir procura pela mutação do Fator V de Leiden, se houver resistência na ativação da proteína C; atividade anormal das proteínas C e da S e antitrombina III, plasminogênio, fibrinogênio e anticorpos anticardiolipina, pois estas são as etiologias mais comuns com relação ao distúrbio de coagulação. Muitos dos parâmetros acima podem ser transitoriamente influenciados por vários fatores, inclusive tratamento antitrombótico, gravidez, anticoncepcionais orais e tromboses agudas. A mensuração do D-dímero para o diagnóstico da TVC ainda não é estabelecida. A heparina é a terapêutica comum para TVC, e vários estudos demonstraram seus benefícios 4,6,12,18,21. Embora existam poucos testes controlados randomizados, a heparina é considerada pela maioria a droga de primeira escolha, sendo suas complicações raras 18. O tempo do tratamento anticoagulante não é conhecido precisamente, recomendando-se em geral de três a seis meses dependendo da evolução do paciente 4. Kim et al. 16 recomendam heparina intravenosa com bolus de 3000 a 5000 UI após diagnóstico de TVC, seguida de warfarina visando INR entre 2,5 a 5,5 18,19. Após o bolus, a heparina pode ser continuada com 5000 UI a cada 4 horas. Sugerem também anticoagulação oral por 3 meses em pacientes com TVC idiopática, por 3 a 6 meses se a TVC for relacionada a gravidez e anticoncepcional oral e por 6 a 12 meses se relacionada a trombofilia hereditária. Ferro e Canhão 15 sugerem a anticoagulação com heparina intravenosa ou nadroparina subcutânea seguido por warfarina visando INR entre 2 e 3, não importando a apresentação clinica e as características dos exames de imagem. A warfarina deve ser mantida por 6 meses ou mais, e eventualmente por toda vida, em pacientes com coagulopatias de origem genética ou aqueles que adquiriram condições protromboticas 1,18.19. A terapia endovascular pode ser tentada com a administração de enzima trombolítica, normalmente uroquinase, no seio comprometido, e às vezes em combinação com tromboaspiração mecânica 1. Os agentes trombolíticos são ativadores do plasminogênio, que convertendo plasminogênio em plasmina, dissolvem a fibrina do coágulo, gerando produtos solúveis da degradação da fibrina 2. Os agentes mais usados para a terapia trombolítica são a uroquinase e o ativador do plasminogênio tecidual recombinante (rtpa) 2,8,18. Sempre que possível, a causa da TVC deve ser tratada, mesmo em associação com heparina e outras medidas sintomáticas. O tratamento deve ser sistemático e iniciado precocemente. Esta atitude se aplica particularmente no caso de pacientes com doença de Behçet, que exige o uso de esteróides em altas doses para imunossupressão, e para a TVC séptica em que pode ser usada uma combinação de antibióticos de largo espectro, com tratamento cirúrgico no local primário da infecção algumas vezes 8. Em pacientes com TVC séptica, indica-se tratamento com antibióticos, podendo ser necessária associação antibiótica de acordo com a resistência do agente 18,19. Caso exista uma condição protrombótica, o tratamento com heparina pode ser utilizado por toda a vida. O tratamento antiepiléptico pode se feito como profilaxia, principalmente nos pacientes com edema importante, no entanto há controvérsias se deve ser dado apenas àqueles pacientes com crises convulsivas 4,18,21. O tratamento da hipertensão intracraniana pode ser medicamentoso (com corticóides, manitol, acetazolamida, furosemida) ou a realização de punção lombar ; mais drasticamente, coma barbitúrico e descompressão cirúrgica 1,2,4,8,13,18,19. A sobrevida, o prognóstico e a recuperação das funções nos pacientes com TVC é melhor que nas tromboses arteriais, apesar da dificulade em predizer o resultado da TVC 1,4,12,14.A mortali-

165 dade está entre 5 e 30% dos pacientes: dos sobreviventes, 15 a 25% terá algum déficit neurológico permanente 12,4. A maioria dos pacientes tem recuperação completa (57 a 87 %), embora alguns pacientes fiquem com sequelas visuais, motoras, de linguagem, de cognição ou comportamentais 18,19. Conclusão A TVC é uma afecção com grande variedade de sinais e sintomas, dificultando o diagnóstico. Desse modo, pode passar despercebida por muitos profissionais, sendo subdiagnosticada. Nestes relatos de caso, os pacientes buscaram serviços médicos, no entanto só sendo tratados especificamente quando submetidos a atendimento neurologico. Como tal, enfatizamos a importância de médicos de outras especialidades, além dos neurologistas, como clínicos, hematologistas, oncologistas, obstetras, médicos de emergência e intensivistas identificarem o quadro clínico: os sintomas e os sinais, junto com os exames laboratoriais e a história clínica, podem contribuir para a suspeita de TVC, entretanto o diagnóstico só é confirmado com exames de imagem como a TC, a RM e a AngioRM. Referências 1. Agostini E. Headache in cerebral venous thrombosis. Neurol Sci 2004; 25:206-10. 2. Allroggen H, Abbott RJ. Cerebral venous sinus thrombosis. Postgrad Med J 2000; 76:12-5. 3. Appenzeller S, Zeller CB, Annichino-Bizzachi JM, Costallat LT, Deus-Silva L, Voetsch B, et al. Cerebral venous thrombosis: influence of risk factors and imaging findings on prognosis. Clin Neurol Neurosurg. 2005;107:371-8. 4. Arquizan C. Thrombophlébites cérébrales: aspects cliniques, diagnostic et traitement. Réanimation; 2001: 10; 383-92. 5. Bienfait HP, van Duinem S, Tans JTJ. Latent Cerebral Venous and Sinus Thrombosis. J Neurol 2003; 250: 436-9. 6. Bousser MG, Chiras J, Bories J, Castaigne P. Cerebral Venous Thrombosis A Review of 38 Cases. Stroke 1985; 2:199-213. 7. Bousser MG. Cerebral venous thrombosis: diagnosis and management. J Neurol 2000; 247:252-8. 8. Breteau G, Mounier-Vehier F, Godefroy O, Jauvrit JY, Girot M, Ley S, et al. Cerebral venous thrombosis: 3-year clinical outcome in 55 consecutive patients. J Neurol 2003; 250:29-35. 9. Buccino G, Scoditti U, Pini M., Tagliaferri AR, Man C, Mancia D. Low-oestrogen oral contraceptives as a major risk factor for cerebral venous and sinus thrombosis: evidence from a clinical series. Ital J Neurol Sci 1999;20:231-5. 10. Crassard I, Ameri A, Rougemont D, Bousser MG. Thromboses veineuses cérébrales. EMC:Neurologie 2003; 10; 1-12. 11. Crombé D, Haven F, Gille M. Isolated Deep Cerebral Venous Thrombosis Diagnosed on CT and MR Imaging. A Case Study and Literature Review. JBR-BTR 2003; 86:257-61. 12. de Bruijn SFTM, Stam J. Randomized placebo-controlled trial of anticoagulant treatment with low-molecular - weight heparin for cerebral sinus thrombosis. Stroke 1999;30:484-8. 13. Einhäupl KM, Villringer A, Meister W, Mehrain S, Garner C, Pellkofer M, et al. Heparin treatment in sinus venous thrombosis. Lancet 1991; 338:597-600. 14. Ferro JM, Correia M, Pontes C, Baptista MV, Pita F. Cerebral venous thrombosis in Portugal. Cerebrovasc Dis 2001; 11: 177-82. 15. Ferro JM, Canhão P. Cerebral venous and dural sinus thrombosis. Pract Neurol 2003; 3:214-9. 16. Kim BS, Do HM, Marks M.P. Diagnosis and Management of Cerebral Venous and Sinus Thrombosis. Semin Cerebrovasc Dis Stroke 2004; 4:205-16. 17. Ming S, Qi Z, Wang L, Zhu Kv. Deep cerebral venous thrombosis in adults. Chin Med J 2002; 115: 395-7. 18. Renowden S. Cerebral venous sinus thrombosis. Eur Radiol 2004; 14:215-26. 19. Schultz DW, Davis SM, Tress BM, Kilpatrick CJ, King JO. Recanalisation and outcome after cerebral venous thrombosis. J Clin Neurosci 1996; 3:133-8. 20. Smith AG, Cornblath WT, Deveikis JP. Local thrombolytic therapy in deep cerebral venous thrombosis. Neurology 1997; 6:1613-9. 21. Stam J. Thrombosis of the Cerebral Veins and Sinuses. N Engl J Med 2005; 352:1791-8. 22. Stolz E, Rahimi A, Gerriets T, Kraus J, Kaps M. Cerebral venous thrombosis: an all or nothing disease? Prognostic factors and long-term outcome. Clin Neurol Neurosurg 2005; 107:99-107. 23. von Mering M, Stiefel M, Brockmann K, Nau R. Deep cerebral venous sinus thrombosis often presents with neuropsychologic symptoms. J Clini Neurosc 2003; 10:310-2. Autor Correspondente Rodrigo Adry Rua Professor Enljolras Vampré, nº190, Aptº25, São Manoel. São José do Rio Preto-SP CEP: 15091-290 Telefone: (17)81007115 E-mail: rodrigoadry@hotmail.com