Da competência privativa da União para legislar sobre seguros



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Transcrição:

Da competência privativa da União para legislar sobre seguros A autonomia das entidades federativas pressupõe repartição de competências para o exercício e desenvolvimento de sua atividade normativa. (HORTA, Raul Machado. A autonomia do Estadomembro no direito constitucional brasileiro, p. 49 in DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo. Malheiros Editores, 2000, 18ª ed., p. 479.) Passados 25 anos da promulgação da Magna Carta de 1988, que contém previsão expressa no sentido de que compete privativamente à União legislar sobre seguros, ainda somos surpreendidos com a publicação de leis estaduais e municipais tratando dessa matéria. Provocada a Suprema Corte, através de Ação Direta de Inconstitucionalidade, que por sinal é ferramenta processual criada pela Constituição de 1988, o STF tem declarado tais leis inconstitucionais, expurgando-as do mundo jurídico. Também nos defrontamos com uma avalanche de projetos de lei originários de Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, que equivocadamente ou sob o pretexto de legislarem sobre matéria de consumo, se imiscuem em terreno que não lhes é próprio para legislar, qual seja, sobre seguro. Historicamente, pelo lapso de mais de um século, os textos constitucionais que regeram as relações dos cidadãos brasileiros e o Estado não contiveram dispositivo específico sobre repartição de competências. Tanto a Constituição imperial de 1824 como a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 não se debruçaram sobre a questão. Foi somente no Estado Novo que a Constituição brasileira de 1934 atribuiu à União competência privativa para fiscalizar as operações de seguros, dentre outras operações, sendo que o comando constitucional que conferiu competência privativa à União para legislar sobre o regime de seguros e sua fiscalização foi inaugurado na Constituição de 1937. Por sua vez, as Cartas de 1946 e 1967 reafirmam a competência da União para legislar sobre normas gerais de seguro.

A tentativa de caracterização mais clara do Estado brasileiro como uma Federação levou a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 a atribuir expressamente à União competência privativa para legislar sobre seguros. Ela o faz com base no princípio da predominância do interesse, que passa a nortear a repartição de competências entre a União, os Estados e os Municípios, na busca do equilibrio federativo. Assim, cabe à primeira matérias e assuntos de predominante interesse geral, nacional; aos segundos matérias de interesse predominantemente regional e aos últimos, assuntos de predominante interesse local. A reserva à União das competências administrativa e legislativa sobre matérias e questões de predominante interesse geral, está disciplinada nos arts. 21 e 22 da CF/1988. Aqui será tratada especificamente a competência legislativa desse ente federativo. A Constituição Federal de 1988 dispõe no inciso VII do art. 22 que compete privativamente à União legislar sobre seguros. Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: VII - política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores; Essa competência é delegável, nos termos do parágrafo único do referido art. 22, abaixo transcrito. Art. 22.... Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo. Logo, os Estados somente poderão legislar em matéria de seguro se a própria União delegar-lhes competência para tanto, mediante a edição de lei complementar. Em não havendo tal delegação, competirá aos Estados legislar apenas sobre o que não for de

competência da União, nos termos do art. 25, 1º da CF/1988 1, com a ressalva do art. 24, 4º da Magna Carta 2. Cumpre observar que há entendimento 3 no sentido de que a União, mediante lei complementar, também pode autorizar o Distrito Federal a legislar sobre questões específicas das matérias previstas no art. 22 da CF/1988, por força do disposto no 1º do art. 32 da Constituição, que determina que ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios.. Segundo Alexandre de Moraes 4, para que haja a delegação de competência de assuntos privativos da União aos Estados, faz-se necessário o atendimento aos seguintes requisitos: (i) a delegação tem que ser objeto de lei complementar aprovada pela maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, (ii) a delegação deverá ser particularizada, por impossibilidade de se delegar toda a matéria constante de um único inciso do art. 22 e (iii) a União só poderá delegar por lei complementar um ponto específico de sua competência a todos os Estados, em respeito ao princípio da igualdade de tratamento às entidades federadas. 1 Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição. 1º - São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição. 2 Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário. 3 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado.São Paulo, Saraiva, 2008, p. 259. 4 DE MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo, Atlas, 2006, p. 279.

Além da competência privativa para legislar sobre seguro, também compete privativamente à União legislar sobre direito civil, nos termos do inciso I do art. 22 da CF/1988: Art. 22.... I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; Ora, os arts. 757 a 802 do Capítulo XV do Código Civil destinam-se a tratar especificamente do contrato de seguro, que nada mais é do que matéria afeta ao direito civil e, portanto, de competência legislativa própria e privativa da União. Legislar privativamente significa que a competência para legislar sobre as matérias elencadas no art. 22 da CF/1988 é natural e intrínseca ao governo central. Trata-se de competência para legislar para todo o País, inclusive para os Estados. Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.646-6, publicada no Diário da Justiça de 07/12/2006, de Relatoria do Ministro Gilmar Mendes, declarou inconstitucional a Lei do Estado de Pernambuco nº 11.446, de 10 de julho de 1997, que dispunha sobre o cumprimento de normas obrigacionais no atendimento médico-hospitalar dos usuários por pessoas físicas ou jurídicas que praticassem a prestação de serviços onerosa, e determinava as providências pertinentes. O Supremo entendeu que a disposição por lei estadual sobre política de seguros é evidente hipótese de vício formal, eis que tal disciplina invade a competência privativa da União para legislar sobre seguro, conforme ementa abaixo. Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei estadual que regula obrigações relativas a serviços de assistência médico-hospitalar regido por contratos de natureza privada, universalizando a cobertura de doenças (Lei nº 11.446/1997, do Estado de Pernambuco). 3. Vício formal.

4. Competência privativa da União para legislar sobre direito civil, comercial e sobre política de seguros (CF, art. 22, I e VII). 5. Precedente: ADI nº 1.595-MC/SP, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 19.12.2002, Pleno, maioria. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (grifamos) No mesmo sentido, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 313060, publicado no Diário da Justiça de 24/02/2006, de Relatoria da Ministra Ellen Gracie, a Suprema Corte entendeu que o Município de São Paulo também não observou o disposto no citado artigo 22, VII, da Constituição Federal. Ao editar leis com a finalidade de determinar a obrigatoriedade de cobertura de seguro contra furto e roubo de automóveis para as empresas que operam ou disponham de área ou local destinado a estacionamento de mais de 50 (cinquenta) veículos, o Município de São Paulo invadiu a competência privativa da União para legislar sobre seguros. Abaixo, a ementa do referido julgado: Leis 10.927/91 e 11.362 do Município de São Paulo. Seguro obrigatório contra furto e roubo de automóveis. Shopping centers, lojas de departamento, supermercados e empresas com estacionamento para mais de cinquenta veículos. Inconstitucionalidade. 1. O Município de São Paulo, ao editar as Leis 10.927/91 e 11.362/93, que instituíram a obrigatoriedade, no âmbito daquele Município, de cobertura de seguro contra furto e roubo de automóveis, para as empresas que operam área ou local destinados a estacionamentos, com número de vagas superior a cinquenta veículos, ou que deles disponham, invadiu a competência para legislar sobre seguros, que é privativa da União, como dispõe o art. 22, VII, da Constituição Federal. 2. A competência constitucional dos Municípios de legislar sobre interesse local não tem o alcance de estabelecer normas que a própria Constituição, na repartição das competências, atribui à União ou aos Estados. O legislador constituinte, em matéria de legislação sobre seguros, sequer conferiu competência comum ou concorrente aos Estados ou aos Municípios. 3. Recurso provido. (grifamos)

Nos autos da ADI nº 1648, em que se discutiu a incidência de ICMS na alienação, pela seguradora, de salvados de sinistro, foi declarada a inconstitucionalidade da expressão "e as seguradoras" constante do inciso IV do art. 15 da Lei nº 6763, com a redação dada pelo art. 1º da Lei nº 9758/1989, do Estado de Minas Gerais, por violação dos arts. 22, VII e 153, V da Constituição Federal. Destaca-se do voto do Relator, Ministro Gilmar Mendes, que "verifica-se, pois, que o legislador estadual usurpou a competência assegurada à União Federal para legislar acerca da política de seguros; e instituir impostos sobre operações de seguro, em flagrante afronta ao disposto nos arts. 22, inciso VII e 153, inciso V, da Carta Federal.". A 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo também já de pronunciou, em votação unânime, nos autos da Apelação nº 9214627-28.2007.8.26.0000, no sentido de confirmar a decisão recorrida, salientando que "a competência constitucional dos Municípios de legislar sobre interesse local não tem o alcance de estabelecer normas que a própria Constituição, na repartição das competências, atribui à União ou aos Estados. Ademais, o legislador constituinte, em matéria de legislação sobre seguros, sequer conferiu competência comum ou concorrente aos Estados ou aos Municípios.". Desta forma, resta claro que ao conferir competência privativa à União para legislar sobre seguros, como disposto no inciso VII do artigo 22 da CF/1988, o legislador constituinte excluiu a possibilidade da competência concorrente dos Estados para legislar sobre tal matéria, tendo em vista que as hipóteses em que a competência dos Estados, do Distrito Federal e da União é concorrente estão previstas no artigo 24 da Magna Carta. Também sobre o tema, no âmbito do Poder Legislativo, a Comissão de Constituição e Justiça, Serviço Público e Redação da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo aprovou o parecer pela inconstitucionalidade do Projeto de Lei nº 413, de 2011, que tinha por objeto assegurar ao consumidor o direito de livre escolha da oficina em caso de cobertura securitária para os danos ocasionados a veículo segurado, o que resultou no arquivamento da proposição legislativa. Importante destacar o seguinte trecho do parecer da referida Comissão:

Sob o prima da constitucionalidade e legalidade, verificamos conter no artigo 22, inciso VII, da Constituição Federal a seguinte determinação, competência da União para legislar privativamente sobre política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores, matéria versada neste projeto de lei. Neste passo, entendemos não ser possível prosseguir tratando a matéria apenas como da órbita do Código de Defesa do Consumidor, pois a visão do STF, foi mais ampla e assim considerando que o Direito como ciência que é, comporta nova interpretação. Nesta hipótese, como se nota, a proposição ultrapassou os limites restritos da legislação concorrente. Diante da exegese realizada, no plano da constitucionalidade formal vislumbro a existência de vício que macula a proposição. Como dito, a proposição do ilustre Deputado versa sobre direito do consumidor, porém hostiliza a Constituição Federal no seu art. 22 que assegura a competência privativa da União, para legislar sobre seguros conforme manifestação jurisprudencial do STF, reafirmando a força e amplitude deste princípio constitucional. (grifamos) Cumpre salientar que o Decreto-Lei nº 73/1966 instituiu o Sistema Nacional de Seguros Privados, constituído, dentre outros, pela Superintendência de Seguros Privados - SUSEP (art. 8º, alínea b ), autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, responsável pelo controle e fiscalização do mercado de seguro, previdência privada aberta, capitalização e resseguro. O art. 1º do referido Decreto-Lei estabelece que todas as operações de seguros privados realizadas no País ficarão subordinadas às disposições do presente Decreto-lei e o seu art. 2º estabelece que o controle do Estado se exercerá pelos órgãos instituídos neste Decreto-lei, no interesse dos segurados e beneficiários dos contratos de seguro. Destaca-se que o art. 7º do Decreto-Lei nº 73/1966, em previsão muito anterior à promulgação da Constituição de 1988, e ainda no regime autoritário, já veio determinar,

em plena consonância com o texto constitucional atual, que compete privativamente ao Governo Federal formular a política de seguros privados, legislar sobre suas normas gerais e fiscalizar as operações no mercado nacional.. Por fim, cumpre ainda assinalar que, no mesmo sentido de reservar à União e somente a ela a competência para legislar sobre seguros, o art. 153, V da Magna Carta atribuiu-lhe competência exclusiva para instituir impostos sobre "operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários" - o denomindo IOF -. Em que pese as insistentes tentativas dos Estados e Municípios em legislar sobre matéria de seguro, há que se reconhecer que contestada sua constitucionalidade, o STF tem proferido decisões no sentido de banir tais leis do mundo jurídico, reafirmando, como guardião da Constituição que é, a competência privativa da União para legislar sobre seguro.