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Transcrição:

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 138000-37.2012.8.09.0000 (201291380000) COMARCA DE GOIÂNIA IMPETRANTE : NATANAEL VIEIRA LIMA IMPETRADO LITPAS. RELATORA : SECRETÁRIO DA FAZENDA DO ESTADO DE GOIÁS : ESTADO DE GOIÁS : DESª. MARIA DAS GRAÇAS CARNEIRO REQUI RELATÓRIO E VOTO Trata-se de MANDADO DE SEGURANÇA, com pedido de liminar, impetrado por NATANAEL VIEIRA LIMA, contra ato praticado pelo SECRETÁRIO DA FAZENDA DO ESTADO DE GOIÁS, reputado como ilegal e abusivo, violador de direito líquido e certo do impetrante, que não reconheceu seu direito à isenção do ICMS e IPVA para aquisição de veículo automotor. Afirma o impetrante que é portador de deficiência visual, por sequela de retinopatia grave e irreversível, lesão atrófica macular e que, para as suas condições, torna-se penoso e impraticável valer-se do transporte coletivo e, de outra parte, a família não reúne qualquer condição de adquirir um veículo adequado sem a concessão das isenções legais. 1

Informa que pleiteou junto à Secretaria da Receita Federal a isenção do imposto sobre produtos industrializados IPI, a fim de reduzir os custos na aquisição de veículo automotor, obtendo êxito na isenção pleiteada. Lado outro, verbera que pleiteou junto à Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás a isenção do ICMS e IPVA, sendo que igual sorte não lhe assistiu com relação a esta, vez que o pedido de isenção foi indeferido, ao argumento de que ele não dirige veículo automotor. Obtempera que, considerando que a norma concede ou admite isenção tributária para portadores de deficiência física, aptos à condução de veículos automotores, negar esta para portadores de deficiência com limitações severas e até maiores, agride princípios fundamentais da Carta Maior, qual seja, da dignidade da pessoa humana e o princípio da isonomia. Argumenta que no âmbito do Estado de Goiás, há previsão de isenção nos exatos termos do Convênio/ICMS nº 03/2007. Assevera que o pedido de isenção do Imposto Sobre Produtos Industrializados IPI foi prontamente atendido pela autoridade fiscal federal. Colaciona jurisprudência a amparar seu direito. 2

37/41. A liminar restou deferida por força da decisão de fls Devidamente notificado, o Estado de Goiás manifestou nos autos às fls. 49/55, sustentando que a legislação estadual é clara ao destinar as isenções de ICMS e IPVA ao deficiente físico motorista para a aquisição de veículo adaptado. Defendeu a natureza vinculada do ato de concessão da isenção e requereu a denegação da segurança amparado na legalidade do ato questionado. Os autos foram encaminhados com vista à Procuradoria Geral de Justiça que, por seu representante, Osvaldo Nascente Borges, manifestou-se às fls. 58/62 de forma clara e precisa pela legalidade da pretensão do impetrante. Mencionou a proteção constitucional às pessoas portadoras de deficiência e, ao final, manifestou-se pela concessão da segurança pleiteada. É o relatório. Passo ao voto. Extrai-se dos autos que a irresignação do impetrante, portador de deficiência visual, consubstanciou no ato praticado pela autoridade coatora, em que indeferiu o pedido formulado na esfera administrativa de isenção do ICMS e IPVA para aquisição de veículo automotor com o fim precípuo de ser utilizado para transporta-lo, o qual será conduzido por terceira pessoa, já que o impetrante não tem condições de dirigir. 3

Inicialmente, cumpre-me ponderar que a dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, é o alicerce da construção do presente voto. O Estado brasileiro, por meio do Decreto nº 6.949/2009, promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada em Nova Iorque, em 30 de março de 2007. A referida Convenção reafirma a universalidade, a indivisibilidade, a interdependência e a inter-relação de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais bem como a necessidade de garantir que todas as pessoas com deficiência os exerçam plenamente, sem discriminação. Reconhece que a deficiência é um conceito amplo que resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com os demais indivíduos. Dentre as obrigações assumidas pelos Estados Partes, consta o compromisso de assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação. Para tanto, se faz necessária a adoção de todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, para a realização dos direitos reconhecidos na Convenção. A Convenção Internacional determina aos Estados 4

Partes a adoção de medidas efetivas a fim de assegurar às pessoas com deficiência sua mobilidade pessoal com a máxima independência possível. Diante de tal quadro, tenho que é função do Estado (gênero) assegurar aos portadores de necessidades especiais os meios necessários à plena integração social. Neste sentido, o inconformismo do impetrante é pertinente, uma vez que se enquadra nos preceitos protetivos e garantistas da aludida Convenção. Ademais, o impetrante atende aos requisitos gerais estabelecidos na legislação estadual referente à matéria, a isentá-lo do pagamento do ICMS e do IPVA, mesmo que não tenha condições próprias para dirigir veículo automotor e necessite da ajuda de terceiro. Sobre o tema, dispõe o Código Tributário Estadual: Art. 92. É isenta do IPVA a propriedade de veículos: ( ) VI- fabricados especialmente para uso de deficientes físicos, ou para tal finalidade adaptados. Fonte: <http://www.gabinetecivil.goias.gov.br>. O Decreto nº 4.852/97, que regulamenta o Código Tributário Estadual, estabelece, em seu artigo 7º, anexo IX: Art. 7º. São isentos de ICMS, observado o 1º quanto ao término de vigência do benefício: ( ). XIV- a saída de veículo automotor novo cujo preço de 5

venda ao consumidor, sugerido pelo fabricante, incluídos os tributos incidentes, não seja superior a R$ 70.000,00 (setenta mil reais), com características específicas para ser dirigido por motorista portador de deficiência física incapacitado de dirigir veículo convencional (normal), desde que a respectiva operação de saída seja amparada por isenção do Imposto Sobre Produto Industrializado IPI, nos termos da legislação federal vigente, ficando mantido o crédito, observado o seguinte (Convênio ICMS 03/07). Convênio ICMS 03/2007 assim dispõe: Em relação à isenção do ICMS aos deficientes físicos, o Cláusula primeira. Ficam isentas do ICMS as saídas internas e interestaduais de veículo automotor novo com características específicas para ser dirigido por motorista portador de deficiência física, desde que as respectivas operações de saída sejam amparadas por isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, nos termos da legislação federal vigente. 1º O benefício correspondente deverá ser transferido ao adquirente do veículo, mediante redução no seu preço. 6

2º O benefício previsto nesta cláusula somente se aplica a veículo automotor novo cujo preço de venda ao consumidor sugerido pelo fabricante, incluídos os tributos incidentes, não seja superior a R$ 70.000,00 (setenta mil reais). Importante ressaltar que estes dispositivos devem ser interpretados de forma extensiva, de modo a incluir nas isenções o portador de necessidades especiais que não possua condições para, pessoalmente, conduzir o veículo automotor, já que necessita da ajuda de terceiros, mesmo porque a simples interpretação literal de seus textos restritivos fere os princípios da isonomia e da dignidade humana. Vicente Paulo prelecionam: Sobre o tema, os professores Marcelo Alexandrino e Traz um comando voltado tanto para o legislador (igualdade na lei), como para o aplicador da lei ao caso concreto (igualdade perante a lei), no caso, a Administração tributária. Significa dizer que o princípio obriga o legislador que, ao elaborar a lei tributária, comando geral e abstrato, não poderá estabelecer no seu texto tratamento anti-isonômico. De igual forma, impõe às autoridades administrativas a 7

obrigação de, ao concretizar a aplicação da lei tributária, não estabelecer tratamento discriminatório entre os seus destinatários (exigindo o cumprimento de obrigação de destinatários não contemplados pela lei, ou excluindo do benefício parcela dos destinatários prevista na lei, por exemplo). Na prática, caberá ao Poder Judiciário, em cada caso, decidir se uma lei desrespeitou ou não o princípio da isonomia. Em regra, o Judiciário decidirá com base no princípio da razoabilidade. (in Manual de Direito Tributário, 4ª edição, Rio de Janeiro: Impetus, 2007, p. 26). (Destaquei). Com efeito, a ratio legis do benefício fiscal conferido aos deficientes físicos é justamente facilitar a locomoção dessas pessoas, máxime porquanto é cediço que todas elas já enfrentam inúmeras dificuldades em seu dia a dia. Sendo assim, entendo que conceder referido benefício apenas àqueles deficientes que tenham capacidade de conduzir um veículo automotor adaptado, não o estendendo aos que não a possuem, representa uma afronta aos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana. Por outro lado, vale ressaltar que perante a Receita Federal o impetrante já obteve a isenção do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), em reconhecimento ao seu direito líquido e certo, assegurado 8

pela legislação. (fl. 25) Diante disso, não resta dúvida de que o impetrante é considerado portadora de necessidades especiais nos termos da lei e faz jus a todos os benefícios assegurados pela legislação específica. No caso vertente, restou demonstrado pela documentação acostada com a inicial que o ato impugnado fere direito líquido e certo do impetrante, uma vez que o fato de não ser a condutora do veículo não interfere no fim pretendido. A literalidade de uma norma jurídica não deve ser irrestritamente levada em conta pelo julgador, na medida em que por trás da letra da lei estão os fins sociais colimados pela regra. E esses fins devem ser relevados no momento da aplicação da lei. É o que determina o art. 5º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, que irradia seus efeitos não só no ramo do direito privado, mas, também, em relação ao Direito Tributário. Observe-se: Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Assim, concluo que o Convênio ICMS nº 03/2007 e o 9

Decreto nº 4.852/97 fizeram exigências descabidas, que refogem da noção de razoabilidade e proporcionalidade, que deve informar qualquer preceito legal. De mais a mais, a legislação fiscal estadual que regulamenta a matéria em exame deve ser interpretada em consonância com a Lei nº 7.853/89, que tutela o interesse dos portadores de deficiência, in verbis: Art. 1º Ficam estabelecidas normas gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiências, e sua efetiva integração social, nos termos desta Lei. 1º Na aplicação e interpretação desta Lei, serão considerados os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana, do bem-estar, e outros, indicados na Constituição ou justificados pelos princípios gerais de direito. 2º As normas desta Lei visam garantir às pessoas portadoras de deficiência as ações governamentais necessárias ao seu cumprimento e das demais disposições constitucionais e legais que lhes concernem, afastadas as discriminações e os preconceitos de qualquer espécie, e entendida a matéria como obrigação nacional a cargo do Poder Público e 10

da sociedade. Tribunal de Justiça: Nesse sentido, é reiterada a jurisprudência deste MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO POR PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS IMPOSSIBILITADO DE DIRIGIR. DEFICIÊNCIA VISUAL. CONDU- ÇÃO DO AUTOMÓVEL POR TERCEIRA PESSOA. DIREITO À ISENÇÃO DE ICMS E IPVA. I- Esta Corte Estadual, na esteira do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, vem decidindo, reiteradamente, que o fato de o deficiente físico não estar habilitado para dirigir veículo automotor não o exclui da fruição dos benefícios fiscais, tal qual a isenção dos tributos ICMS e IPVA, porquanto entendimento diverso implicaria na disseminação das desigualdades dentro do próprio segmento, mormente quando devidamente comprovado nos autos a deficiência física que o faz ter direito a tais isenções. II- Cediço que quando o legislador isentou do ICMS e IPVA os veículos adquiridos por portadores de necessidades especiais, não o fez apenas para os casos 11

em que seus adquirentes pudessem dirigir o veículo, mas sim para facilitar a aquisição do bem e o deslocamento do portador de deficiência, não importando seja o veículo conduzido ou não por seu proprietário. Segurança concedida. (TJGO, 1ª Câmara Cível, rel. Dr. Roberto Horário Rezende, MS 62372-42, acórdão de 22/05/2012). MANDADO DE SEGURANÇA. ISENÇÃO DE ICMS E IPVA PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA VISUAL. CON- DUÇÃO POR TERCEIROS. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA ISONOMIA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. SEGURANÇA CONCE- DIDA. 1. A autoridade pública que não concede a portador de deficiência visual, isenção de ICMS e IPVA para aquisição de veículo, sob argumento de não ser ele o condutor, incorre em violação aos princípios constitucionais da isonomia e da dignidade da pessoa humana. 2. Não se demonstra razoável que as isenções desses impostos beneficie apenas os menos incapazes, ou seja, aqueles que podem, por si só, conduzir o veículo, deixando de fazê-lo em relação àqueles que são inteiramente dependentes de outrem para sua locomoção. 3. A interpretação das normas tributárias 12

aplicáveis ao caso deve se dar de forma a incluir no rol dos beneficiários das isenções, portadores de necessidades especiais que não possuem condição para dirigir, mas que necessitam do veículo para sua locomoção. 4. Segurança concedida. (TJGO, MS nº 47652-701, 4ª Câmara Cível, rel. Desª. Elizabeth Maria da Silva, acórdão de 03/05/2012). Para concluir, segue abaixo ementa de um brilhante julgado relatado pelo então Ministro do STJ Luiz Fux no qual demonstra a interpretação mais coerente dos princípios constitucionais em favor dos portadores de necessidades especiais, veja-se: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. ISEN- ÇÃO NA COMPRA DE AUTOMÓVEIS. DEFICIENTE FÍSICO IMPOSSIBILITADO DE DIRIGIR. AÇÃO AFIRMATIVA. LEI 8.989/95 ALTERADA PELA LEI Nº 10.754/2003. (...). 1. A ratio legis do benefício fiscal conferido aos deficientes físicos indicia que indeferir requerimento formulado com o fim de adquirir um veículo para que outrem o dirija, à míngua de condições de adaptá-lo, afronta ao fim colimado pelo legislador ao aprovar a norma visando facilitar a locomoção de pessoa portadora de deficiência física, possibilitando-lhe a aquisição de 13

veículo para seu uso, independentemente do pagamento do IPI. Consectariamente, revela-se inaceitável privar a Recorrente de um benefício legal que coadjuva às suas razões finais a motivos humanitários, posto de sabença que os deficientes físicos enfrentam inúmeras dificuldades, tais como o preconceito, a discriminação, a comiseração exagerada, acesso ao mercado de trabalho, os obstáculos físicos, constatações que conduziram à consagração das denominadas ações afirmativas, como esta que se pretende empreender. 2. Consectário de um país que ostenta uma Carta Constitucional cujo preâmbulo promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, promessas alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, é o de que não se pode admitir sejam os direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência, relegados a um plano diverso daquele que o coloca na eminência das mais belas garantias constitucionais. 3. Essa investida legislativa no âmbito das desigualdades físicas corporifica uma das mais expressivas técnicas consubstanciadoras das denominadas 'ações afirmativas'. 4. Como de sabença, as ações afirmativas, fundadas em princípios legitimadores dos interesses humanos reabre o diálogo pós-positivista 14

entre o direito e a ética, tornando efetivos os princípios constitucionais da isonomia e da proteção da dignidade da pessoa humana, cânones que remontam às mais antigas declarações Universais dos Direitos do Homem. Enfim, é a proteção da própria humanidade, centro que hoje ilumina o universo jurídico, após a tão decantada e aplaudida mudança de paradigmas do sistema jurídico, que abandonando a igualização dos direitos optou, axiologicamente, pela busca da justiça e pela pessoalização das situações consagradas na ordem jurídica. 5. Deveras, negar à pessoa portadora de deficiência física a política fiscal que consubstancia verdadeira positive action significa legitimar violenta afronta aos princípios da isonomia e da defesa da dignidade da pessoa humana. 6. O Estado soberano assegura por si ou por seus delegatários cumprir o postulado do acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. 7. Incumbe à legislação ordinária propiciar meios que atenuem a natural carência de oportunidades dos deficientes físicos. 8. In casu, prepondera o princípio da proteção aos deficientes, ante os desfavores sociais de que tais pessoas são vítimas. A fortiori, a problemática da integração social dos deficientes deve ser examinada prioritariamente, máxime porque os 15

interesses sociais mais relevantes devem prevalecer sobre os interesses econômicos menos significantes. ( ). Desse modo, inconteste a existência do direito alegado pela impetrante. (STJ, REsp nº 567873/MG, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, in DJ de 25/02/2004, p. 120). (Sublinhei). Ao teor do exposto, julgo procedente o pedido contido na inicial e concedo a segurança pleiteada, a fim de deferir o pedido de isenção de ICMS e IPVA formulado pelo impetrante para aquisição de veículo automotor, até o limite de R$ 70.000,00 (setenta mil reais). Via de consequência, torno definitiva a liminar concedida às fls. 37/41. É o voto. Goiânia, 17 de julho de 2012. DESª MARIA DAS GRAÇAS CARNEIRO REQUI RELATORA 107/CL 16

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 138000-37.2012.8.09.0000 (201291380000) COMARCA DE GOIÂNIA IMPETRANTE : NATANAEL VIEIRA LIMA IMPETRADO LITPAS. RELATORA : SECRETÁRIO DA FAZENDA DO ESTADO DE GOIÁS : ESTADO DE GOIÁS : DESª. MARIA DAS GRAÇAS CARNEIRO REQUI EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. PES- SOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA VISUAL GRAVE E IRREVERSÍVEL. PROTEÇÃO DO ESTADO. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO COM ISENÇÃO DE ICMS E IPVA. POSSIBILIDADE. INCAPACIDADE PARA DIRIGIR. CONDUÇÃO DO AUTOMÓVEL POR TERCEIRA PESSOA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E ISONO- MIA. I- A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a Constituição da República e as leis que contemplam as pessoas portadoras de necessidades especiais com benefícios fiscais (Leis n os 7.853/89 e 8.989/95), visam a implementação de políticas públicas tendentes a 17

assegurar uma existência digna a tais pessoas. II- As normas que concedem a isenção do ICMS e do IPVA aos deficientes físicos devem ser interpretadas de forma extensiva para beneficiar os portadores de necessidades especiais que não tenham condições físicas de dirigir, uma vez que necessitam da ajuda de terceiros. III- É direito líquido e certo do portador de deficiência visual grave e severa beneficiar-se da isenção do ICMS e IPVA para aquisição de veículo automotor destinado ao seu uso, cujo valor deve observar o limite de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), sendo irrelevante sua incapacidade para conduzi-lo, ao teor dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia tributária. SEGURANÇA CONCEDIDA. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Mandado de Segurança nº 138000-37, acordam os componentes da terceira Turma Julgadora da Primeira Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, à unanimidade de votos, em conceder a segurança, nos termos do voto da Relatora. 18

Neves Rocha e Luiz Eduardo de Sousa. Votaram, com a relatora, os Desembargadores Orloff Sousa. Presidiu a sessão o Desembargador Luiz Eduardo de Fez-se presente, como representante da Procuradoria Geral de Justiça, o Dr. Abraão Júnior Miranda Coelho. Goiânia, 17 de julho de 2012. DESª MARIA DAS GRAÇAS CARNEIRO REQUI RELATORA 107 19