NEURORRADIOLOGIA DOS DERRAMES

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Transcrição:

NEURORRADIOLOGIA DOS DERRAMES ARNOLFO DE CARVALHO NETO (arnolfo@ufpr.br) Os acidentes vasculares (AVCs, AVEs ou derrames) podem ser classificados em isquêmicos (infartos e episódios isquêmicos transitórios), hemorrágicos (hematomas intraparenquimatosos e hemorragias subaracnóides) e nas tromboses venosas. INFARTO Uma vez interrompido o suprimento de oxigênio e glicose, o déficit funcional é imediato, mas nas primeiras horas praticamente não são observadas alterações macroscópicas, ocorrendo as alterações em nível bioquímico celular. As principais alterações histológicas começam a ser demonstradas de 6 a 24 horas após o ictus, quando os fenômenos de quebra de barreira se intensificam. Na fase inicial há desvio do metabolismo de aeróbico para anaeróbico, falência da bomba sódio/potássio e desequilíbrio hídrico, com edema intracelular (citotóxico). Embora a quebra de barreira já possa ser identificada nas primeiras 3-6 horas, só mais tarde ela se intensifica, a ponto de permitir o acúmulo de água extra-celular (edema vasogênico) e a passagem de macro-moléculas para o extra-vascular (impregnação pelo contraste), só então sendo demonstrada por métodos de imagem. A tomografia computadorizada, em mais de 50% das vezes, não mostra alterações nas primeiras 24 horas. Os primeiros sinais são um efeito de massa mal definido, com obliteração de sulcos (nos infartos muito extensos) ou a perda de definição do córtex ou dos núcleo da base. A identificação de uma área hipodensa é mais tardia. A partir daí o diagnóstico é mais fácil, pois logo esta área fica bem delimita, desenhando o território do vaso ocluído, envolvendo córtex e substância branca. Logo a fase de edema vai cedendo lugar à fase de retração quando a gliose substitui o tecido lesado.

Na RM os achados são um pouco mais precoces, podendo ser identificados nas primeiras 6 a 12 horas, como uma área hipointensa nas imagens baseadas em T 1 e hiperintensa nas T 2. A gliose também tem grande aumento da quantidade de água, mas aí o efeito de retração está presente, indicando um infarto antigo (mais de 30 dias). Este gap entre as manifestações da imagem e o ictus não era importante do ponto de vista clínico, porque o tratamento do infarto sempre foi espectante, com manutenção dos dados hemodinâmicos e em alguns casos heparinização, visando, mais que reverter o quadro atual, evitar novos êmbolos. Assim, o papel

da radiologia era excluir a presença de hematomas (especialmente extra-axiais) ou etiologias não vasculares para o derrame. A mudança na abordagem do infarto do miocárdio, com atitudes agressivas no sentido de reduzir a área infartada, mexeu com os neurologistas, que passaram a se perguntar se não seria também possível reverter o infarto encefálico, que é uma das principais causas de morte e invalidez nos países desenvolvidos. Foram importados da cardiologia conceitos como a da zona de penumbra, que é a área isquêmica, mas ainda não infartada, que potencialmente pode ser recuperada se a circulação for restabelecida; e a janela terapêutica, que é o período de tempo entre o ictus e o estabelecimento do infarto, no qual uma ação terapêutica poderia recuperar parte do tecido isquêmico. Por isto, a noção de janela terapêutica do infarto cerebral é importante, a exemplo do que ocorreu com o coração, pode-se tentar reduzir a área infartada agindo na chamada área de penumbra, onde ainda é possível reverter o dano da isquemia. Infelizmente, no tecido nervoso, esta janela estaria limitada a poucas horas, provavelmente menos de 6. Acredita-se que um restabelecimento

da circulação neste período podia reduzir a área infartada. Algumas técnicas de restabelecer a circulação estão em estudo, sendo a mais promissora delas o uso de trombolíticos. Como o risco de hemorragia é bastante significativo, esta terapia deve ser cuidadosamente avaliada. Assim, é importante ter formas de demonstrar o infarto o mais precocemente possível e também a área de isquemia ao redor e sua resposta ao tratamento e isto pode ser conseguido por demonstração do vaso ocluído ou por demonstração de modificações físico-químicas no tecido. O interessante é que hoje, a imagenologia dispõe de recursos técnicos para fazer diagnósticos muito mais precoces e que só não estão na prática diária pela limitação da relação custo/benefício, pois não adianta fazer diagnóstico precoce, se não há mudança no tratamento. A demonstração da oclusão vascular pode ser feita com a angiografia convencional, porém esta é uma técnica invasiva, que só detecta vasos maiores, em poucas horas o vaso pode estar recanalizado, além de que nem sempre há relação entre a oclusão vascular e a extensão do infarto. Hoje, tanto a TC quanto a RM permitem fazer estudos angiográficos não invasivos, para estudar, pelo menos, os vasos principais. Principalmente a RM aparece como o instrumento para obter o diagnóstico precoce do infarto, pois permite obter imagens baseadas em características teciduais diversas. As novas técnicas que têm se mostrado mais promissoras são a difusão, a perfusão e a espectroscopia. A difusão baseia-se no movimento browniano das moléculas, causado pelo efeito térmico. Numa solução este movimento é homogêneo em todas as direções, porém nos tecidos, as moléculas têm movimento restrito por suas ligações com outras moléculas (no tecido nervoso, a presença de mielina é um fator muito importante). Podemos obter facilmente imagens ponderadas em difusão, que são muito sensíveis para a demonstração dos infartos precoces, ainda na fase de edema citotóxico, enquanto as técnicas convencionais ainda não mostram alterações.

A perfusão traduz a quantidade de sangue que chega ao tecido na unidade de tempo. Várias técnicas estão sendo testadas e a mais promissora é a utilização de imagens ultra-rápidas dinâmicas na primeira passagem após a injeção de contraste. Nas áreas normalmente perfundidas há acentuada queda do sinal pelo efeito de suscetibilidade magnética do contraste, enquanto nas áreas mal perfundidas o sinal cai menos. A espectrometria consegue uma análise bioquímica do tecido, baseado nas pequenas diferenças de freqüência de precessão dos prótons conforme a molécula a que estejam ligados. Os principais picos obtidos correspondem à colina e a N-acetil-L-aspartato, que é metabólito intra-celular somente do neurônio e por isto apresenta-se reduzido quando há destruição de neurônios como no infarto. Simultaneamente, há o surgimento de um pico de lactato, que normalmente não existe no tecido nervoso, indicando desvio para metabolismo anaeróbico.

O episódio isquêmico transitório (AIT) é definido pela clínica, com a reversão dos sintomas num curto prazo. Não confunda com o infarto estabelecido (não há regressão dos sintomas) que não aparece nos exames de imagem nas primeiras horas. O encéfalo tem um tipo muito especial de vasos, que não é encontrado no restante do organismo. São os vasos perfurantes, pequenas artérias do tamanho de fios de cabelo, que nascem diretamente de artérias calibrosas (cerebrais médias, anteriores, posteriores e basilar). Apesar de pequenos, estes vasos são também do tipo terminal, ou seja, cada um supre o seu território bem definido (uma bolinha de tecido) e situado em áreas muito nobres do encéfalo, como núcleos da base, cápsula interna e ponte. Devido a esta sua peculiaridade, estes vasos estão muito sujeitos aos efeitos danosos da hipertensão arterial.

Nos casos mais graves, estas arterinhas podem ocluir (dando o infarto lacunar) ou romper (causando os hematomas intraparenquimatosos). Na maioria das pessoas, estes vasos vão lentamente se estreitando e causam degeneração e apoptose dos seus pequenos territórios de irrigação. Nos exames de imagem, esta gama de alterações é chamada de doença de pequenos vasos ou microangiopatia e pode ir de alguns pontinhos brancos nas imagens de RM ponderadas em T2 até extensas áreas de degeneração encefálicas (predominado na profundidade dos hemisférios cerebrais e ponte), misturadas com infartos lacunares e pequenas hemorragias, que podem levar até a demência.

A doença de pequenos vasos é muito bem demonstrada pela RM, como pequenas imagens hiperintensas em T2, encontradas em quase toda população de adultos não-jovens. Podemos usar a técnica de difusão para identificar infartos recentes entre as muitas lesões cicatricais e degenerativas da microangiopatia. As seqüências T2* por sua vez, são úteis para demonstrar os pequenos focos de hemorragia antiga.

HEMORRAGIA Duas situações muito diferentes, sob os pontos de vista clínico e terapêutico, são incluídas neste tópico: o hematoma intraparenquimatoso e a hemorragia subaracnóidea. O hematoma intraparenquimatoso ocorre por rotura dos vasos perfurantes, por isto ocorre na profundidade dos hemisférios cerebrais e na ponte. Normalmente é tratado clinicamente, pois o resultado cirúrgico não é muito bom, a não ser quando o hematoma é mais superficial. Não é necessário solicitar outros exames de imagem, se a topografia for típica.

A hemorragia subaracnóidea (HSA) comumente apresenta-se como uma cefaléia aguda intensa, que evolui para nucalgia, acompanhada se sinais de irritação de meninges. Ou seja, é muito mais parecida com uma meningite do que com os outros AVCs. Sua causa é na maioria das vezes a rotura de um aneurisma e, menos frequentemente de uma mal formação artério-venosa, por isto é preciso investigar utilizando métodos angiográficos (angiografia digital, angioressonância ou angiotomografia). O sangue preenche o espaço subaracnóide, substituindo o líquor, aspecto que é característico na TC, onde as cisternas e sulcos aparecem brancos. A RM não é um bom método para investigar a HSA na fase aguda, pois o sangue só é identificado na seqüência FLAIR e não é tão característico quanto a TC.