III Congresso Brasileiro Psicologia: Ciência & Profissão Mesa Redonda: Cuidando do Cuidador no Contexto Hospitalar Profa. Dra. Katia da Silva Wanderley Chefe da Seção de Psicologia do Hospital do Servidor Público Estadual Francisco Morato de Oliveira Docente do Curso de Psicologia das Faculdades Metropolitanas Unidas Presidente e docente do Núcleo Psicanalítico de Estudos em Psicologia Hospitalar Até o século XVIII o hospital era um lugar onde as pessoas eram levadas para morrer e não para serem tratadas. Apenas na segunda metade do século XIX, na Inglaterra é que o hospital começou ser considerado como um lugar para tratamento de pessoas, atenuando a sua imagem mórbida. A tecnologia contribuiu e continua contribuindo de modo significativo para essa mudança, possibilitando avanços e conforto aos procedimentos médicos, tais como: agilidade no diagnóstico das enfermidades, por meio da sofisticação dos exames laboratoriais e de imagens; medicações com pouquíssimos efeitos colaterais; cirurgias que antes eram invasivas acarretando em um pos cirúrgico permeado de cuidados, hoje são realizadas por micro câmeras que dispensam grandes cortes para se ter acesso aos órgãos internos e nobres do corpo humano. A inserção da Psicologia nos hospitais, na década de 50 tambem trouxe avanços no cuidar das pessoas, garantindo-lhes um espaço para pensar o próprio corpo como sede de sentimentos, sensações e origem das pulsões. A tecnologia na área da Psicologia se concentra na escuta do psicólogo àquilo que o paciente fala, sendo que o alcance desse desenvolvimento encontra-se diretamente relacionado ao preparo do psicólogo para exercer seu papel. Portanto, antes do cuidar dos pacientes há que se cuidar do psicólogo e esse movimento inicia-se na graduação, quando os professores orientam aos jovens futuros profissionais quanto à importância de definir a abordagem teórica que sustentará a atuação clinica e esclarecem a necessidade do próprio processo de psicoterapia/analise. Os cursos de expansão, especialização, aprimoramento e pós-graduação reciclam os conhecimentos do psicólogo e as supervisões, indispensáveis na pratica clinica complementam o cenário referente ao cuidar do psicólogo. Os concursos públicos são a porta de entrada do psicólogo no hospital fazendo-se necessário a reflexão sobre três pontos que constituem eixos importantes para compreendermos uma instituição. O primeiro refere-se ao fato da instituição ser uma organização complexa onde intervêm entre si várias realidades, destacando-se a realidade psíquica representada pela singularidade, pela individualidade. (Käes, 2004)
O segundo refere-se à tarefa primaria, aquela que assegura a identidade da instituição. Em se tratando de um hospital a tarefa primaria é cuidar da saúde física e psíquica das pessoas. (Käes, 2004) Finalmente o terceiro ponto tece um emaranhado entre os dois primeiros sendo a dicotomia: prazer e sofrimento, o resultado dessa trama. A relação estabelecida, entre realidade psíquica e tarefa primária é linear e pode ser esquematizada do seguinte modo: Prazer equivale à realização da tarefa primária; sofrimento a não realização da tarefa primária. (Käes, 2004) Geralmente no complexo institucional deparamo-nos com muitos cuidadores, geralmente subdivididos em grupos, como por exemplo: Os seguranças que cuidam da segurança dos funcionários e usuários da instituição. O setor da manutenção zela pelo funcionamento dos equipamentos utilizados nas varias clinicas. A área administrativa garante a contratação/aposentadoria dos funcionários, pagamento do salário, férias, abonos, licença premio, etc. E em se tratando de uma instituição hospitalar, o corpo clínico incumbe-se de cuidar da saúde das pessoas. O hospital do Servidor Público Estadual- Francisco Morato de Oliveira. HSPE- FMO, local onde trabalho é um hospital geral constituído de vários ambulatórios e enfermarias. A Seção de Psicologia do HSPE-FMO, onde a tarefa primaria e cuidar do psiquismo das pessoas, compõe-se de 18 psicólogas, oito aprimorandas e alunos parceiros da disciplina Psicologia Hospitalar do curso de Psicologia das Faculdades Metropolitanas Unidas e alunos do Núcleo Psicanalítico de Estudos em Psicologia Hospitalar. Desse modo no ambulatório de Psicologia do HSPE-FMO aproximadamente mais de quarenta cuidadores entre efetivos, aprimorandos e alunos-parceiros realizam o exercício profissional, entrelaçado com historia de vida de cada um e, nesse cenário espera-se, comprometidos com a sua tarefa primaria. Quanto mais envolvido com a tarefa a ser realizada, mais a pessoa pertence à instituição, garantindo-lhe uma identidade institucional, em função da atividade que desempenha: médico, psicólogo, secretário, faxineiro, etc. Independente de o contexto, o cuidar é uma atividade árdua, pois inevitavelmente, coloca o cuidador diante das fontes de sofrimento mencionadas por Freud no texto Mal Estar da Civilização (1930 [1929], p.95): O sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens. O sofrimento que provem dessa ultima fonte talvez nos seja mais penoso do que qualquer outro. Sem duvida o corpo clínico de um hospital, convive mais com essas três direções, na medida em que se defronta com pacientes vitimas do desgaste natural da idade e em alguns casos, com o agravante de uma carga genética fragilizada; defronta-se
tambem com os sobreviventes das catástrofes naturais, como enchentes, desmoronamentos, vendavais, incêndios etc. e a todo o momento encontra-se em contato como seu semelhante, fonte perpetua de sofrimento. A proximidade do cuidador com o paciente estimula sentimentos e emoções intensos e antagônicos. No cenário hospitalar amor e ódio confrontam-se a todo o momento gerando acentuada ansiedade que prejudica o desempenho do cuidador. O sentimento de pertencer ao local de trabalho, em função da execução da tarefa primaria é um dos atenuantes da angustia despertada pela ambivalência de emoções estimuladas no cuidar do paciente, família e equipe.. A garantia de pertencer à instituição, advinda do exercício da tarefa primaria tambem dilui o encargo do cuidar, uma vez que, assegura uma identidade à pessoa, atribuindo predicados que fora da instituição, ela não o tenha como: o reconhecimento de ser alguém competente, dedicado e confiável. Portanto, o primeiro passo para ser pensado quanto ao cuidar do cuidador é garantir que esse cuidador esteja realizando exatamente a sua tarefa util. Desse modo, retomando o cuidador psicólogo há que se definir seu papel no âmbito hospitalar, lugar onde possa utilizar os instrumentos de trabalho que garantam a realização da tarefa primaria e o coloque como pertencente à instituição. Sob o domínio da Psicanálise os recursos técnicos que o psicólogo dispõe para acessar o inconsciente de quem ele cuida são: associação livre, manejo transferencial e interpretação. Não é nosso objetivo discorrer sobre o conceito de tais instrumentos, mas enfatizar a importância do papel do psicólogo enquanto um agente de reflexão e elaboração do sofrimento psíquico potencializado com o diagnostico de uma enfermidade e seu tratamento. Portanto a tarefa útil do psicólogo caracteriza-se por um processo que favorecerá àquele que é cuidado elaborar as causas dos sintomas que trazem desconforto e por vezes comprometem o equilíbrio do eu. Na medida em que o objeto de estudo do psicólogo é o psiquismo há que se atentar aos pedidos de emergência direcionados à Psicologia. Como nos posicionamos frente a eles? Käes (2005, p.186) esclarece e ajuda-nos a nos posicionarmos diante das solicitações emergenciais
Cada vez mais, psicólogos, psiquiatras e educadores são confrontados com a questão da urgência. Eles são solicitados a espelhar uma situação de urgência na medida em que se solicita que respondam a essa situação, tambem de modo urgente. Quando a vida biológica está em perigo, os gestos de urgência são necessários para mantê-la. Mas, quando se trata de traumatismo psíquico, o psicólogo deve deixar desenvolver o tempo de experimentar e de compreender, antes de intervir. Esse tempo de experimentar e de compreender é necessário à elaboração do traumatismo. Desse modo, é fundamental que o psicólogo afaste-se de tarefas que o coloquem, por exemplo, a serviço do medico responsabilizando-se por informar ao paciente e/ou familiar sobre o diagnostico, procedimento clinico ou qualquer outra atividade voltada para o cuidar biológico. Lembrando que a tarefa primaria do psicólogo é o cuidar do psiquismo e esse objetivo só é alcançado pela elaboração. Todavia, não basta apenas realizar a tarefa, a instituição tambem tem que oferecer condições para que essa tarefa seja feita oferecendo equipamento adequado, pagando salário condizente com a qualificação do profissional e reconhecendo-o como profissional. Quanto ao salário, nossa realidade não é promissora, pois os profissionais da saúde não são bem remunerados, mas surpreendentemente, uma maioria se mantém na instituição motivada por outras razões. Dentre as causas que favorecem a permanência dos profissionais nas instituições de saúde, apesar da baixa remuneração destacam-se: o reconhecimento e a valorização do exercício profissional, campo para pesquisa, relacionamento afetivo com os outros profissionais e o prazer pelo exercício da profissão. Infelizmente uma das razões que mantém alguns psicólogos nas instituições, sem remuneração alguma e, por vezes sem as mínimas condições físicas, pois não lhe são oferecidas salas para o atendimento psicológico é a perspectiva de serem contratados. O mercado de trabalho saturado favorece a oferta do voluntariado, expondo o psicólogo a uma situação de descuido consigo próprio. No exercício voluntário, os direitos trabalhistas não são considerados e, portanto, o psicólogo não tem representatividade legal no âmbito institucional. Esse não fazer parte da instituição, do ponto de vista legal constitui-se em mais uma fonte de sofrimento ao profissional, já que trabalha na clandestinidade, apesar de exercer a tarefa primaria. Bibliografia Käes, R. (2005). Os espaços psíquicos comuns e partilhados. Transmissão e negatividade. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Käes, R. (2004). Complejidad de los espacios institucionales y trajectos de los objetos psíquicos. Psicoanálisis AP de BA, XXVI, (3) Freud, S. (1930/1974). O mal-estar na civilização. (Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XXI). Rio de Janeiro: Imago. Pitta, A. (1999). Hospital dor e morte como oficio. São Paulo: Hucitec.