Heloísa Alexandra Fulgêncio Romão Relatório de Estágio (Versão Definitiva) A atividade de brincar na Educação de Infância Mestrado em Educação Pré-Escolar Dezembro de 2013 1
Heloísa Alexandra Fulgêncio Romão Relatório de Estágio (Versão Provisória) A atividade de brincar na Educação de Infância Mestrado em Educação Pré-Escolar Sob orientação da Prof. Doutora Ana Maria Roque Boavida Dezembro de 2013 2
Resumo Este trabalho tem por principal objetivo compreender as potencialidades educativas da atividade de brincar na educação de infância. No âmbito deste objetivo, procurei analisar como se pode perspetivar a atividade de brincar, que lugar e papel é atribuído a esta atividade e que contornos tem na intervenção pedagógica. Do ponto de vista metodológico, o trabalho enquadra-se numa abordagem qualitativa de investigação. Além disso, insere-se no paradigma interpretativo pois procurei entender e dar a conhecer o significado atribuído pelos participantes no estudo às suas ações. Simultaneamente, o estudo tem proximidades muito significativas com a modalidade de investigação-ação. Com efeito, não apenas observei e procurei compreender o modo de agir das educadoras durante os estágios desenvolvidos em creche e no jardim de infância, como planifiquei, sobretudo com a educadora do jardim de infância, atividades que concretizei com as crianças e refleti sobre o que experienciei tendo por horizonte melhorar as minhas práticas de educadora. Os principais métodos de obtenção de dados foram recolha documental, a observação participante, conversas informais com as educadoras e entrevista. O estudo ilustra que a atividade de brincar tem diversas potencialidades educativas entre as quais se destacam o desenvolvimento global da criança (emocional, motor, psicológico, social), que permite que a criança se conheça a si própria, desenvolva interações com os outros, mas também que adquira conhecimentos relativamente ao mundo que a rodeia. Ilustra, ainda, que é importante que o educador proporcione tempo para as crianças brincarem e que encare esta atividade como um recurso para apoiar o aprofundamento de aprendizagens já feitas pela criança e também como um meio para introduzir novos conceitos e temáticas. 3
Abstract The aim of the present work is to understand the educational potential of the playing activities, in the kindergarten. Regarding this goal, we tried to analyze how the activity of playing can be seen, what place and roll does it entail and its implications on the pedagogical intervention. From the methodological point of view, this work can be seen as a qualitative approach of investigation. Furthermore, it is an interpretative paradigm since we have tried to understand and make clear the significance that the participants in the study give to their actions. Simultaneously, the study is significant similar to the models of research-action. As an effect, we have not only observed and tried to understand the actions of the kindergarten teachers during the internships developed in the day care and in the kindergarten, but we have also planned, mostly with the kindergarten teacher, activities that were done with the children and reflected on what was experienced, with the goal of improving our work as educators. The prior methods used to collect the data where the documental collecting, the participant observation, the informal conversations with the kindergarten teachers and the interviews. This study illustrates that the activity of playing has several educational potentials, from which we highlight the global development of the kids (emotional, motor, psychological and social), which not only allows the children to know themselves better and develop more interactions with the peers, but also promotes a better understanding of the world. It also proves that it is extremely important that the kindergarten teacher promotes time for the children to play and that this activity is perceived as a resource to enhance the discoveries already made by the kids, as well as a way to introduce new concepts and topics. 4
Agradecimentos À minha família, que me facultou todo o apoio e me permitiu chegar até ao último ano do curso para me formar como educadora de infância; À professora Ana Maria Boavida, que como minha orientadora, disponibilizou todo o apoio necessário para a elaboração deste trabalho; Ao professor Augusto Pinheiro, que durante inúmeras aulas me transmitiu valores insubstituíveis; Ao professor Filipe Fialho, que enquanto meu orientador de estágio, me permitiu refletir sobre diversos episódios educativos e esteve sempre disponível para me ajudar nas diversas áreas; À professora Manuela Matos, que disponibilizou diversos materiais sobre a temática em estudo; À minha colega Cláudia Rei que, durante todos os anos de curso, partilhou diversas experiências que me ajudaram a refletir sobre determinadas situações que fui encontrando e que esteve sempre do meu lado em todos os momentos da vida académica; Às crianças, porque sem elas este estudo não seria possível; Às educadoras com quem trabalhei, pela disponibilidade e ajuda prestada durante todo o tempo de estágio e por todos os ensinamentos que me proporcionaram que considero que me irão ser úteis para o resto da vida. 5
Índice I. Introdução... 7 II. A Atividade de Brincar... 10 - A Importância do Lúdico no Desenvolvimento da Criança... 10 - Brincar na Creche e no Jardim de Infância: Perspetivas e Potencialidades... 12 - A Ação do Educador na Gestão do Brincar... 17 III. Metodologia..21 - Opções Metodológicas Gerais.. 21 - Procedimentos de Recolha e Análise de Informação.......25 IV. O Brincar em Educação de Infância: Colaborando e Aprendendo com a Educadora..31 - Brincando na Creche... 31 O Contexto e o Grupo..34 A Atividade Desenvolvida....35 - Brincando no Jardim de Infância.36 O Contexto e o Grupo...36 A Atividade Desenvolvida...39 Dando Voz à Educadora 42 V. Conclusão... 45 Referências Bibliográficas... 48 Anexos... 51 6
I. Introdução O presente trabalho surge no âmbito do curso Mestrado em Educação Pré- Escolar e, globalmente, incide sobre a atividade de brincar na Educação de Infância e as suas potencialidades educativas. As motivações que levaram à escolha do tema são, por um lado, de carácter pessoal e, por outro, decorrem da pertinência do tema no âmbito de estudos focados na Educação de Infância. As motivações de caráter pessoal foram surgindo no decorrer das observações que fui realizando em diversos contextos. Destaco, nomeadamente o período que permaneci no jardim de infância ao realizar a Unidade Curricular Carteira de Competências da Licenciatura em Educação Básica. Enraízam-se, também, no que vivi durante os estágios em creche e jardim de infância durante o mestrado e em outros momentos exteriores à atividade escolar, nos quais tive a oportunidade de permanecer nestas valências. Nos momentos de observação presenciei a forma de atuar das educadoras enquanto as crianças brincavam e constatei que todas valorizavam muito as aprendizagens desenvolvidas durante tal atividade (por exemplo, enquanto brincavam na casinha, na área das construções ou na área dos jogos de mesa). A pertinência teórica deste estudo decorre da importância da atividade de brincar na educação de infância: a brincadeira revela-se como um instrumento de extrema relevância para o desenvolvimento da criança. Sendo uma atividade normal da fase infantil, merece atenção e envolvimento. A infância é uma fase que marca a vida do indivíduo e o brincar nunca deve ser deixado de lado, mas, pelo contrário, deve ser estimulado, já que é responsável pelo auxílio nas evoluções psíquicas. (Rolim, Guerra & Tassigny, 2008, p.180) Sendo o brincar algo de extrema relevância para o desenvolvimento da criança (Rolim et al., 2008, p.180), torna-se essencial proporcionar-lhe momentos de brincadeira e deixá-la brincar livremente, pois segundo, por exemplo, Cebalos, Mazaro, 7
Zanin e Ceraldi (2011), a brincadeira é o lúdico em ação. Com efeito, são muitos os autores que sublinham as potencialidades educativas desta atividade: brincar é importante em todas as fases da vida, mas na infância ele é ainda mais essencial: não é apenas um entretenimento, mas, também aprendizagem. A criança ao brincar, expressa sua linguagem por meio de gestos e atitudes, as quais estão repletas de significados, visto que ela investe sua afetividade nessa atividade. Por isso a brincadeira deve ser encarada como algo sério e que é fundamental para o desenvolvimento infantil. (Rolim, Guerra e Tassigny, 2008, p. 177) O brincar, tal como é concebido por alguns autores, sempre foi e será uma atividade espontânea e muito prazerosa ( ) brincar é comunicação e expressão, associando pensamento e ação; um ato instintivo voluntário; uma atividade exploratória; ajuda às crianças no seu desenvolvimento físico, mental, emocional e social; um meio de aprender a viver e não um mero passatempo. (Maluf, 2003, p. 17) De forma a proporcionar novas aprendizagens, as educadoras vão introduzindo novos brinquedos para fazerem surgir novas descobertas, elogiam as atividades das crianças, questionam-nas sobre o que estão a fazer, filmam as suas brincadeiras e proporcionam momentos em que as crianças podem exprimir-se e rever-se nas suas próprias brincadeiras através das filmagens. Foi a partir de todas as observações e leituras que fiz, que senti necessidade de saber mais sobre a forma como as educadoras perspetivam a atividade de brincar para que, como futura educadora, possa delinear e concretizar práticas que contribuam para o enriquecimento das aprendizagens das crianças, de modo a que estas se tornem adultos intervenientes e críticos. Assim estabeleci como principal objetivo deste trabalho compreender as potencialidades e contornos da atividade de brincar na educação de infância. No âmbito deste objetivo defini as seguintes questões: Como perspetivar a atividade de brincar?; Que lugar e papel lhe é atribuído?; Que contornos tem na intervenção pedagógica?. Este relatório está organizado em cinco capítulos, de que a introdução é o primeiro. O segundo incide sobre a importância do lúdico no desenvolvimento da criança, a análise de diversas perspetivas sobre o brincar na creche e no jardim de 8
infância e, ainda, sobre a ação do educador na gestão do brincar. O terceiro e quarto capítulos focar-se-ão, respetivamente, nas principais opções metodológicas e na análise de dados recolhidos, incluindo aqui uma caracterização sucinta dos contextos de desenvolvimento do estudo. No quinto e último capítulo apresentar-se-ão as conclusões do estudo. A este capítulo seguem-se as referências bibliográficas e os anexos. 9
II. A Atividade de Brincar Este capítulo está organizado em três secções. Começarei por abordar o lúdico e a sua importância no desenvolvimento da criança para em seguida me debruçar sobre perspetivas e potencialidades da atividade de brincar na Educação de Infância. Termino focando-me na ação do educador durante o brincar. A Importância do Lúdico no Desenvolvimento da Criança A palavra lúdico surgiu da palavra latina lutus que, segundo vários autores, significa jogos e brincar. No brincar estão incluídos os jogos, brinquedos e divertimento. O ato de brincar estimula o uso da memória que ao entrar em ação se amplia e organiza o material a ser lembrado (Salomão & Martini, 2007, p. 4). Os jogos revelam a sua importância em situações de ensino-aprendizagem ao aumentar a construção de conhecimento (idem, p.4). Além disso, através da sua vertente lúdica, surge o prazer ( ) [e a] capacidade de iniciação e ação ativa e motivadora, possibilitando o acesso da criança a vários tipos de conhecimentos e habilidades (Salomão e Martini, 2007, p. 8), pois, enquanto joga, a criança aprende a respeitar as regras, a esperar pela sua vez e a aceitar os resultados do jogo. Segundo Salomão e Martini (2007), o lúdico é como uma conceção diferenciada a respeito do termo educação, onde o educando desenvolve o interesse pelas atividades, relacionadas a crescimento intelectual e o desenvolvimento leva a construção da autonomia do ser humano. Toda a atividade lúdica pode ser aplicada em diversas faixas etárias, mas pode sofrer interferências em seu procedimento de aplicação, na metodologia de organização e no ministrar de suas estratégias, de acordo com as necessidades específicas das faixas etárias. (pp. 6, 7) Para Sena e Ayres da Silva (2010) o lúdico é um típico divertimento da infância, é uma atividade natural da criança, que não implica em compromissos, planeamento e seriedade e que envolve comportamentos espontâneos e geradores de prazer (p.109). Deste modo, o lúdico propicia momentos em que a criança aprende a fazer, sem estar sob pressão e com medo de errar. Assim torna-se um 10
fator muito importante para o desenvolvimento infantil, pois além de colaborar para a saúde mental do ser humano, é um espaço para a expressão mais genuína do ser, é o espaço e o direito de toda criança para sua relação afetiva com o mundo, com as pessoas e com os objetos. (Sena & Ayres da Silva, 2010, p.114) As brincadeiras e atividades de descoberta do mundo têm uma dimensão lúdica, que podem levar à ocorrência de experiências reflexivas, pois estas têm como finalidade ajudar a criança a entrar em contato com o mundo imaginário e ao mesmo tempo real, e desenvolver suas habilidades de criar e relacionar esses conhecimentos, pois só assim eles serão capazes de desenvolver uma linguagem e aprender a dominar todo o tipo de informação. (Salomão & Martini, 2007, p. 16) O lúdico também desenvolve na criança a auto expressão, auto-realização, inteligência, sensibilidade, o aspeto psicomotor, a concentração, a atenção, entre outros. Assim, o lúdico torna-se um valioso instrumento à aprendizagem da criança (Sena & Ayres da Silva, 2010, p.119). Piaget dividiu o jogo lúdico em três tipos, sendo estes caracterizadas pelas mudanças que ocorrem durante o crescimento da criança. Em primeiro lugar está a atividade sensório-motora, [que] ocupa o período que vai desde o nascimento e se estende através do segundo ano de vida (Garvey, 1979, p.17); ocorre quando a criança está a aprender a controlar os gestos e movimentos e os repete várias vezes. Em segundo lugar, o jogo relaciona-se com a atividade simbólica ou representativa ( ) que predomina depois dos dois anos até cerca dos seis (idem, p.17); a criança começa a fazer combinações e brincar ao faz de conta. Em último lugar, aparecem os jogos com regras, porque as suas [da criança] brincadeiras refletem a mudança que opera nela ao ser atraída por jogos estruturados com regras objetivas e que podem envolver atividades de grupo ou equipa (idem, p.18). As brincadeiras e os jogos, ou seja, as atividades lúdicas, requerem na maioria das vezes a interação entre as pessoas. Logo a criança vai precisar de estabilidade emocional para se envolver com a aprendizagem, sendo assim o afeto poder ser uma maneira eficaz de se chegar do sujeito e a ludicidade, em conjunto, um caminho estimulador e enriquecedor para se atingir uma totalidade no processo de aprender, e aprender brincando. (Salomão et al., 2007, p. 11) 11
A utilização do lúdico como estratégia de ensino a aprendizagem deve ser feita em brincadeiras e jogos, de modo a melhorar as interações entre as crianças e entre adulto e criança, para que se possam partilhar saberes e gerar novos conhecimentos. Sendo assim, a brincadeira revela-se como um instrumento de extrema relevância para o desenvolvimento da criança. Sendo uma atividade normal da fase infantil, merece atenção e envolvimento. A infância é uma fase que marca a vida do indivíduo e o brincar nunca deve ser deixado de lado, mas, pelo contrário, deve ser estimulado, já que é responsável pelo auxílio nas evoluções psíquicas. (Rolim et al., 2008, p.180) O lúdico é uma necessidade que o ser humano revela em qualquer idade. A sua importância não decorre apenas de proporcionar momentos de diversão. De facto, pode ser algo que desperta o interesse, propicia momentos de aprendizagem e proporciona o desenvolvimento da criança a vários níveis: pessoal, social, físico e intelectual. Durante a atividade de brincar, indissociável do lúdico, pode desenvolver a autonomia, imaginação, imitação, criatividade e atenção. Brincar na Creche e no Jardim de Infância: Perspetivas e Potencialidades A história da humanidade mostra que as crianças sempre brincaram. O princípio nº7 da Declaração dos Direitos das Crianças, publicado em 1959, menciona que a criança deve ter plena oportunidade para brincar e para se dedicar a atividades recreativas, que devem ser orientados para os mesmos objetivos da educação (GDDC, 2013). Logo, deve ser-lhe dada a oportunidade de brincar e de participar em várias atividades lúdicas que lhe despertem interesse, pois ao brincar a criança está a aprender (Santos, 2011). Para Cordeiro (2012) o trabalho das crianças é brincar. Nas sua palavras, brincar é assim a sua principal função e será através da brincadeira espontânea ou do jogo mais estruturado, só ou com outros meninos, que aprenderá a utilizar uma linguagem e comunicação cada vez mais simbólicas, organizadas e amplas. É o brincar que também lhe facilitará a aquisição de conhecimentos, o equilíbrio de tensões e a catarse de emoções e sentimentos difíceis, ou seja, são várias as vantagens de brincar, para 12
além do gozo puro e simples e do prazer físico, psicológico e emocional. (p.329) Para as crianças, o brincar baseia-se em experiências vividas ou presenciadas, em que são utilizados objetos reais e imaginários (Ferreira, 2010, p.12). Segundo Ferreira (2010), o brincar potencia o desenvolvimento da criança: facilita-lhe o conhecimento de si própria, as relações com os outros e o conhecimento do Mundo (p. 13). Assim, através da atividade de brincar as crianças vão estar a aprender e a compreender o mundo que as rodeia. As mais valias desta atividade para a aprendizagem da criança são sublinhadas por vários outros autores. Entre eles está Maluf (2003) que salienta que, ao brincar, a criança pode encontrar o significado da sua experiência relacionada com seu contexto e coloca-se como agente da sua história que aceita uma realidade ou a transforma (p.19). (2012), O brincar pode possuir vários objetivos. Entre eles estão, segundo Cordeiro o desenvolvimento da imaginação e a criatividade; a criatividade é definida como uma forma de resolver problemas para os quais não há respostas simples, designadamente através de hipóteses vulgares ou convencionais (p.330); o desenvolvimento de competências sociais, tendo em conta que a interação das crianças, umas com as outras, implica sempre questões como o conhecimento do outro, confiança e desconfiança, vontade e receio, e outras ambivalências ( ) pode ainda representar a necessidade de negociar, escutar, argumentar e ceder (p. 332); o desenvolvimento de competências físicas, uma vez que brincar não é necessariamente sinónimo de atividade, mas a maioria dos jogos e brincadeiras, nesta idade, envolve a ação dos músculos, articulações e ossos, da visão, audição e perceção dos movimentos, coordenação entre o cérebro e o corpo, ou psicomotricidade (p. 334); o trabalhar as emoções, pois o jogo, especialmente na versão de faz-de-conta, ( ) [e] fatores sorte e azar, ajudam a expressar e lidar com os sentimentos, [logo] a teatralização das brincadeiras é uma forma da criança poder sentir-se livre para expressar o que sente.(p.334-335) A questão da existência de objetivos relativamente à atividade de brincar parece não ser consensual. Como anteriormente referi, para Cordeiro esta atividade pode ter vários objetivos. No entanto, Garvey (1990, citando Spodek & Saracho) refere que a 13
brincadeira não tem objetivos, pois as suas [da criança] motivações são intrínsecas e não buscam nenhum outro objetivo (p. 45) além do prazer e divertimento. O mesmo autor sublinha que a brincadeira é espontânea e voluntária, tento em conta que ela não é obrigatória, mas escolhida livremente pelos participantes; requer algum movimento ativo dos participantes, tem certas relações sistemáticas com o que não é brincadeira (idem). Se compararmos as ideias de Cordeiro e de Garvey relativamente à existência, ou não, de objetivos na atividade de brincar, é plausível considerar que a diferença de perspetivas sobre este aspeto esteja associada ao significado atribuído a objetivos. Com efeito, algumas das características da brincadeira referidas por Garvey (por exemplo movimento ativo dos participantes) têm ressonância com um dos objetivos indicado por Cordeiro (desenvolvimento da competência física). Tendo em conta que a criança é bastante curiosa e criativa, ao brincar estará a explorar o mundo através de jogos e brincadeiras. Logo, é importante a criança brincar, pois ela irá se desenvolver permeada por relações cotidianas, e assim vai construindo sua identidade, a imagem de si e do mundo (Maluf, 2003, p.20). Ao brincar a criança utiliza a motricidade, a linguagem, a representação e a memória, mas também outras funções cognitivas, pois tudo está interligado. Além disso, entre as características da brincadeira destacadas por Leiberman (cit. por Spodek & Saracho, 1998) está uma qualidade lúdica (...) incluindo a espontaneidade física, social e cognitiva, a alegria manifesta e o senso de humor (p. 211). Deste modo, a brincadeira ajuda a criança a equilibrar-se emocionalmente, o que irá ajudar no processo de socialização com ou outros. Spodek e Saracho (1998, cit. Piaget) referem que existem três estágios na brincadeira das crianças pequenas - a brincadeira prática, a brincadeira simbólica e os jogos com regras - que são paralelos aos três estágios do desenvolvimento intelectual identificados como: sensório-motor, o pré-operacional e o operacional concreto (p. 214). A brincadeira prática caracteriza-se pela manipulação que as crianças fazem antes de começarem a andar. A brincadeira simbólica está associada às brincadeiras de expressão dramática e aos jogos. Estes autores distinguem quatro tipos de brincadeiras educativas: 14
as brincadeiras manipulativas, onde as crianças manuseiam brinquedos relativamente pequenos de equipamento ( ); as brincadeiras dramáticas nas quais as crianças brincam ao faz de conta ( ); as brincadeiras motoras, quando envolvem a motricidade global ( ); os jogos que se caracterizam por terem regras já definidas. (pp.215-217) Kishimoto, Bomtempo, Penteado et al. (2003) foram outros dos autores que se debruçaram sobre a distinção de tipos de brincadeiras referindo a existência de três tipos: as brincadeiras tradicionais infantis, [aquelas que] foram transmitidas de geração em geração através de conhecimentos empíricos e permanecem na memória infantil; brincadeiras de faz-de-conta, também conhecida como simbólica, de representação de papéis ( ) é a que deixa mais evidente a presença da situação imaginária ( ) [que] provém da experiências anteriores adquiridas pelas crianças, em diferentes contextos; brincadeiras de construção, [onde] os jogos de construção são considerados de grande importância por enriquecer a experiência sensorial, estimular a criatividade e desenvolver habilidades da criança (p.40). Na maioria das vezes a brincadeira desenvolve-se através do brinquedo que impulsiona a criança para o mundo do imaginário, pelo que, como afirma Vygotsky (cit. por Maluf, 2003), este tem um papel importante, aquele de preencher um atividade básica da criança, ou seja, ele é um motivo para a ação (p.43). O brinquedo pode, ainda, servir como elo de ligação entre a criança e o meio (Garvey, 1979, p. 65). Com efeito, através do brinquedo a criança instiga a sua imaginação, adquire sociabilidade, experimenta novas sensações, começa a conhecer o mundo, trava desafios e busca 15
satisfazer sua curiosidade de tudo conhecer (Maluf, 2003, p.43-44). Ou seja, a utilização do brinquedo permite que as crianças conheçam com mais clareza importantes funções mentais, como o desenvolvimento do raciocínio abstrato e da linguagem (idem, p.44-45). Segundo Kishimoto et al. (2003) o brinquedo supõe uma relação íntima com a criança e uma indeterminação quanto ao uso, ou seja, a ausência de um sistema de regras que organizam sua utilização (p.18). Estes autores afirmam, ainda, que o brinquedo coloca a criança na presença de reproduções: tudo o que existe no cotidiano, a natureza e as construções humanas. Pode-se dizer que um dos objetivos do brinquedo é dar à criança um substituto dos objetos reais, para que possa manipulá-los (idem, p. 18). Os brinquedos apresentados às crianças devem ter duas funções: (i) a lúdica, pois este deve proporcionar diversão e prazer; (ii) e a função educativa, visto que o brinquedo ensina qualquer coisa que complete o indivíduo em seu saber, seus conhecimentos e sua apreensão do mundo (Kishimoto et al., 2003, p. 37). Como referi anteriormente, a palavra lúdico está associada tanto ao brincar como ao jogo. Com efeito, a brincadeira é a ação que a criança desempenha ao concretizar as regras do jogo, ao mergulhar na ação lúdica (Kishimoto et al., 2003, p.21). O jogo, de acordo com Kishimoto et al., 2003 (cit. Brougère & Henriot) pode ser encarado de três maneiras diferentes: o resultado de um sistema linguístico que funciona dentro de um contexto social, ou seja, depende da linguagem do contexto social e o sentido que essa sociedade lhe atribui; um sistema de regras, tendo em conta que um sistema de regras permite identificar, em qualquer jogo, uma estrutura sequencial que especifica sua modalidade; um objeto, pois existem jogos que têm objetos que o caracterizam (pp.16-17). O brinquedo e o jogo educativo quando são usados com fins pedagógicos, podem ter significativas potencialidades por proporcionar situações de ensino e aprendizagem e promover o desenvolvimento da criança. Assim, a brincadeira é o processo privilegiado de desenvolvimento da criança pequena por acionar e desenvolver processos psicológicos 16
particularmente a memória e capacidade de expressar elementos com diferentes linguagens, de representar o mundo por imagens, de tomar o ponto de vista de um interlocutor e ajustar seus próprios argumentos por meio de conforto de papéis que nele se estabelece, de ter prazer e de partilhar situações plenas de emoção e afetividade. (Oliveira, 2002, p.231) Em suma, a brincadeira pode ser considerada educativa, visto que é uma brincadeira pela qual as crianças aprendem (Spodek & Saracho, 1998, p. 215), ou seja, é importante que seja algo a que o educador dedique atenção visto que é um instrumento privilegiado para a conquista dos conhecimentos (Bandet & Sarazanas, 1973, p.126). A Ação do Educador na Gestão do Brincar Como procurei evidenciar na secção anterior, o brincar potencia o desenvolvimento da criança: facilita-lhe o conhecimento de si própria, as relações com os outros e o conhecimento do Mundo (Ferreira, 2010, p.13). Neste âmbito, papel do educador na gestão do brincar é fundamental de modo a proporcionar, não só momentos lúdicos, mas também promover momentos de aprendizagem que contribuam para a formação das crianças. Na verdade, durante o brincar, a intervenção do adulto torna-se bastante relevante, pois apesar das crianças aprenderem umas com as outras, também aprendem com os adultos. Segundo Garvey (1979) as brincadeiras das crianças podem-nos parecer, por vezes, frágeis e encantadoras, ( ) turbulentas, ruidosas, ingénuas, simplesmente idiotas, ou ( ) semelhantes às ações e atitudes dos adultos (p. 7). Porém, se observarmos mais perto, poderemos distinguir nelas padrões de espantosa regularidade e consistência (idem). Assim, é importante que os educadores observem atentamente as brincadeiras das crianças para poderem delinear intervenções apoiem a sua aprendizagem e desenvolvimento. Esta ideia encontra eco no Referencial Curricular da Educação Infantil do Brasil (cit. por Rizzo, 2000): a intervenção intencional baseada na observação do brincar, oferecendolhes [às crianças] material adequado assim como um espaço estruturado, permite o enriquecimento das competências imaginativas e organizacionais infantis. Cabe aos profissionais organizarem atividades de 17
brincar que sejam definidas como tais e que sejam diversificadas para propiciar às crianças a possibilidade de escolherem entre as diferentes opções. (p.83) O educador antes de intervir junto das crianças necessita de perceber como a criança pensa e compreender quais são as suas necessidades. Sendo assim o educador precisa: ter conhecimentos sobre o desenvolvimento infantil, sobre as brincadeiras, brinquedos e jogos; ser uma pessoa bem-humorada, comunicativa e que tenha muita paciência, que goste de brincar e que crie uma ambiente lúdico descontraído; se solidarizar com as crianças e que, por amor a elas, lhes proporcione horas felizes de prazer e aprendizado. (Maluf, 2003, p.89) A intervenção educativa que é realizada junto das crianças é dos trabalhos mais complexos que pode existir, pois o educador terá de proporcionar momentos onde as crianças mostrarão as suas capacidades, e depois terá de proporcionar ocasiões que propiciem o desenvolvimento da autonomia individual, maturidade e desenvolvimento de relações, para que estas conheçam os seus direitos e deveres, de modo a que consigam viver em sociedade. Neste processo, mobiliza saberes e competências que são imprescindíveis para que o educador possa refletir sobre o que observou e mais tarde adaptar a sua prática aos diferentes contextos e aos grupos de crianças. De modo a despertar o interesse das crianças pelas brincadeiras e promover o seu desenvolvimento global, o adulto deve sugerir atividades em que estas tenham de utilizar a sua criatividade, imaginação, equilíbrio e raciocínio. Para desenvolver brincadeiras com as crianças, o educador, segundo Cunha (cit. por Maluf, 2003), deve ter quatro qualidades: sensibilidade, [pois] é preciso ser sensível o bastante para respeitar a criança perceber todas as nuances de seus pensamentos e sentimentos, agir sem ferir suscetibilidades, sem limitar seu desempenho nem interferir dirigindo processos que devem ser espontâneos (...); 18
entusiasmo, [pois] a alegria é fundamental, ela favorece o brincar, uma vez que sem entusiasmo não é possível contaminar o ambiente de forma estimuladora (...); determinação [pois] é preciso não desistir, apesar das dificuldades e, mais ainda, é preciso imprimir um ritmo determinado ao trabalho ( ); competência, [pois] as boas intenções não asseguram bons resultados se não estudarmos, se não refletirmos profundamente sobre o que estudamos, sobre o que vemos, o que fazemos (pp. 87-88). Sendo assim, os educadores para melhorarem a sua intervenção junto das crianças, podem observar os seus alunos enquanto brincam para determinar o nível em que se encontram em vários ambientes (Spodek & Saracho, 1998, p.214); de seguida podem intervir nessas brincadeiras modificando o ambiente, adicionando materiais, propondo questões para as crianças que estão brincando ou mesmo participar do jogo momentaneamente para fazê-lo progredir (idem). Rigolet (2006) sublinha que o adulto deve proporcionar uma variedade de situações linguísticas, pois assim vai proporcionar a evolução da capacidade de adaptação, compreensão e produção (p.108) da criança. O adulto que lida com as crianças em várias faixas etárias, terá de focar a sua atenção sobre a aquisição da linguagem e a promoção de todos os níveis linguísticos, a fim de facilitar o uso funcional da linguagem nas diversas áreas de evolução (idem, p.122). Deste modo, a brincadeira proposta pelos educadores deve ser educativa, [pois estes] devem conhecer os temas de brincadeiras que interessam às crianças e que têm o potencial de oferecer experiências pedagógicas ricas (Spodek & Saracho, 1998, p. 225). Sendo assim as brincadeiras em torno de vários papéis sociais podem ajudar as crianças a explorarem as funções e limitações destes papéis (idem). Em síntese, o educador deve observar as crianças e refletir sobre o que observou antes de propor alguma brincadeira, de modo a apresentar algo que seja educativo e que vá ao encontro tanto dos interesses e necessidades das crianças como das suas intencionalidades pedagógicas. Ao realizar esta ação, estará a proporcionar contextos 19
favoráveis a novas aprendizagens, que poderão tornar-se significativas para o desenvolvimento da criança e despertar o seu interesse em saber mais sobre diversos assuntos. 20