Números Irracionais, Transcendentes e Algébricos: a existência e a densidade dos números

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Transcrição:

Oficinas Números Irracionais, Transcendentes e Algébricos: a existência e a densidade dos números Cydara Cavedon Ripoll Edite Taufer Giovanni da Silva Nunes Jaime Bruck Ripoll Jayme Andrade Neto Jean Carlo Pech Garcia Neda Gonçalves Rodrigo Dalla Vecchia Vera Regina Bawer Introdução Esta oficina surgiu em virtude de atividades de iniciação científica. Esta atividade, em matemática pura, consiste no estudo, por parte dos alunos de diversos conteúdos matemáticos a nível de graduação; conteúdos estes que não são abordados nos cursos de graduação em Matemática. Nosso projeto está integrado a: Universidade Luterana do Brasil - ULBRA, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, e pontifica Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC-RS. São realizados encontros semanais entre todos os integrantes do projeto, sendo que o local do encontro é alterado entre as universidades citadas. Cydara Cavedon Ripoll - Professora adjunta das UFRGS Edite Taufer -Estudante do curso de Licenciatura em Matemática - PUC-RS Giovanni da Silva Nunes Mestre em Matemática e professor da ULBRA Jaime Bruck Ripoll - Professor adjunto das UFRGS Jayme Andrade Neto - Estudante do curso de Matemática Pura - UFRGS Jean Carlo Pech Garcia - Estudante do curso de Matemática Pura - UFRGS Neda Gonçalves - Professora adjunta da PUC-RS Rodrigo Dalla Vecchia - Estudante do Curso de Licenciatura em Matemática - ULBRA Vera Regina Bawer - Professora adjunta da PUC-RS ACTA SCIENTIAE Canoas v.4 n.1 p. 85-89 jan./jun. 2002

Nestes encontros os alunos apresentam, consecutivamente, seminários sobre o assunto estudado bem como soluções de exercícios previamente propostos. Na ULBRA estes seminários ocorrem no Laboratório de Matemática. Trataremos neste artigo de algumas curiosidades e alguns fatos históricos que envolvem números irracionais, números algébricos e números transcendentes. Demonstraremos (ou apenas mostraremos) de forma superficial alguns fatos que nos pareceram interessantes e que muitas vezes contradizem a nossa intuição. 1 - Os números irracionais Os números mais simples são os inteiros positivos: 1, 2,3, etc. usados para contar. Estes são chamados números naturais e são conhecidos há vários milênios. As necessidades básicas do diaa-dia levaram à introdução de frações como 1/2, 2/3, 5/4, etc. Estes números são chamados racionais. Podemos pensar nos números naturais como representados por pontos de uma reta. Cada ponto separado do anterior por uma unidade de comprimento como, por exemplo, o número de centímetros ao longo de uma fita métrica. Podemos representar os números racionais na mesma reta e pensar neles como medindo frações de comprimento. Muito tempo depois da descoberta destes números, os hindus inventaram o número 0 e, no início dos tempos modernos algebristas italianos inventaram números negativos. Estes também podem ser representados em uma reta. A descoberta de que as frações não são suficientes para as necessidades da Geometria foi feita pelos gregos há mais de 2500 anos. Eles observaram, para sua surpresa e consternação, que o comprimento da diagonal de um quadrado de lado unitário não pode ser expresso por um número racional. Hoje em dia expressa-se este fato dizendo que raiz quadrada de 2 ( que de acordo com o teorema de Pitágoras, é o comprimento da diagonal de um tal quadrado) é um número irracional. Isto significa, geometricamente, não existir uma unidade comum de comprimento, uma tira, por mais curta que seja, que possa ser colocada um número inteiro de vezes sobre o lado e a diagonal de um quadrado. Em outras palavras, não existe unidade de comprimento, não importa quão pequena, da qual o lado e a diagonal de um quadrado sejam múltiplos inteiros. Para os gregos esta foi uma descoberta embaraçosa pois em muitas de suas demonstrações geométricas eles supunham que dois de seus segmentos quaisquer sempre admitiam uma unidade de comprimento em comum. Outro exemplo de número irracional é o número pi. Vários números irracionais aparecem quando tentamos calcular os valores de algumas funções básicas em Matemática. Por exemplo, o cálculo dos valores de uma função trigonométrica, digamos sen(x), par x igual a 60 o, nos leva ao numero irracional raiz de 3 dividido por dois; analogamente, o cálculo do valor da função logarítmica log(x), mesmo para valores racionais de x, quase sempre nos leva a números irracionais. Apesar de os números que figuram em tabelas de logaritmos e funções trigonométricas serem ostensivamente racionais, na realidade são apenas aproximações racionais dos verdadeiros valores que, com raras exceções são irracionais. Fica claro, então, que números irracionais ocorrem naturalmente de várias maneiras na Matemática Elementar. Os números reais são todos os números racionais e irracionais e formam o sistema de números central da Matemática. Como vimos existem duas 86 ACTA SCIENTIAE v.4 n.1 jan./jun. 2002

espécies de números reais: os racionais e os irracionais. Porém, existe uma outra separação, muito mais recente, dos números reais, em duas categorias: os números algébricos e os números transcendentes. Um número real se diz algébrico se satisfizer uma equação algébrica com coeficientes inteiros. Por exemplo, raiz quadrada de dois é um número algébrico porque satisfaz a equação xis elevado ao quadrado menos dois é igual a zero. Se um número não for algébrico, ele será transcendente. Com esta definição, não fica claro que existam números transcendentes, isto é, números não algébricos. Em 1851, o matemático francês Liouville estabeleceu a existência de números transcendentes. Ele fez exibindo certos números que provou serem não algébricos. Mais tarde, ainda no século XIX, provou-se que pi é um número transcendente. Um outro avanço, no século XIX, foi feito por Cantor, em contraste com o de Liouville, não exibir um número transcendente de forma explícita, tem a vantagem de demonstrar que, em certo sentido, há muito mais números transcendentes do que algébricos. Uma tal afirmação requer a comparação de classes infinitas, pois existem infinitos números transcendentes. Estas idéias fogem um pouco do tema central e por isso não serão tratadas. 2 - O número pi O número pi é um número irracional! Esta afirmação que aparentemente parece simples, na verdade, demorou séculos para ser demonstrada. Este número, apesar de ser conhecido muitos séculos antes de Cristo, causou muita controvérsia e discussão. Um dos primeiros matemáticos a achar uma maneira de calculá-lo foi Arquimedes (212-287 a.c), que inscreveu e circunscreveu um polígono de 96 lados em uma circunferência concluindo que pi é um número que está entre 223/71 e 22/7. Após Arquimedes, vários outros matemáticos conseguiram aproximações para o pi ( alguns melhores e outros piores aproximações ). Para se ter uma idéia desses feitos, Ludolf Van Ceulen (Sec XVII) pediu que fosse gravado em sua lápide mortuária seu maior feito, calcular o pi com 35 casas decimais. Apenas no ano de 1766 demonstrou-se que pi é irracional usando artifícios de cálculo pelo matemático johann Heinricch Lambert. No ano de 1882 Lindemann demonstrou que o pi é transcendente. Hoje em dia devido ao computador o pi pode ser aproximado até bilhões de casas depois da vírgula. 3 - Três Pr oblemas Famosos A teoria dos números algébricos e transcendentes possibilitou aos matemáticos resolver três problemas geométricos, bem conhecidos, que proviam da antiguidade. Estes três problemas, conhecidos sob os nomes de duplicação do cubo, trisecção do ângulo e quadratura do círculo, consistem em efetuar as seguintes construções, usando apenas régua e compasso: 1 Duplicar o cubo significa construir um cubo de volume igual ao dobro do volume de um cubo dado. Apesar de o cubo ser uma figura da geometria do espaço, o problema é, realmente, da geometria plana, pois, se tomarmos como unidade de comprimento a aresta do cubo sendo 1, o problema se reduz à construção de um segmento de comprimento raiz cúbica de dois, porque este seria o comprimento da aresta de um cubo cujo volume fosse o dobro do volume do cubo dado. ACTA SCIENTIAE v.4 n.1 jan./jun. 2002 87

2 Trisectar um ângulo significa descobrir um processo, usando apenas régua e compasso, para dividir qualquer angulo em três partes iguais. Existem ângulos especiais, como por exemplo os de 45 o e 90 o, que podem ser trisectados com o uso apenas de régua e compasso; mas, o assim chamado ângulo geral não pode ser dividido em três ângulos iguais com os instrumentos permitidos. 3 Quadratura do círculo significa construir um quadrado cuja área seja igual à de um círculo dado ou, de modo equivalente, construir um círculo de área igual à de um quadrado dado. Sabe-se agora que tais construções são impossíveis; isto é, elas não podem ser efetuadas pelos métodos de construção da Geometria Euclidiana, usando apenas régua e compasso. É importante salientar que um mal-entendido ocorre em especial no caso do problema da trisecção do ângulo. É possível trisectar qualquer ângulo se for permitido fazer marcas na régua. Deste modo, só pode-se falar da impossibilidade da trisecção de um ângulo em geral, entendendo que os processos de construção permitem apenas o uso do compasso e de uma régua sem marcas. Neste trabalho só serão dadas algumas noções da impossibilidade destas construções. Para iniciar será enunciado ( e não demostrado) o seguinte teorema da Geometria Euclidiana Plana. Teorema Sobre Construções Geométricas. Começando com um segmento de comprimento unitário, qualquer comprimento que possa ser construído com régua e compasso é um algébrico de grau 1, ou 2, ou 4, ou 8,..., isto é, um número algébrico de grau igual a uma potência de 2. Comecemos com a duplicação do cubo. Como vimos, ao enunciar o problema, trata-se de construir um segmento de comprimento raiz cúbica de dois a partir de um segmento unitário. Mas este satisfaz a equação xis elevado ao cubo menos dois é igual a zero. Isto sugere que este número é algébrico de grau 3 e pelo teorema de construções geométricas enunciado acima ele não será construtível. Daí concluímos ser impossível duplicar o cubo. Consideremos, a seguir, o problema da trisecção do ângulo. Para demonstrar que a trisecção é impossível, basta mostrar que um certo ângulo não pode ser trisectado com o uso somente de régua e compasso. O ângulo específico que vamos considerar é o de 60 o. Trisectar um ângulo de 60 o significa construir um ângulo de 20 o. Para ver isso consideremos um triângulo de base 1, cujos ângulos da base sejam 60 o e 90 o. Temos, assim, um triângulo ABC, com base AB = 1, ângulo BAC = 60 o, ângulo ABC = 90 o. No lado BC escolhamos o ponto D tal que o ângulo BAD = 20 o. Da trigonometria elementar sabemos que AD = AD/1 = AD/AB = sec 20 o. Portanto, a trisecção de um ângulo de 60 o se resume na construção de um segmento igual a sec 20 o ; que, por sua vez, equivale a construir um segmento de comprimento cos 20 o porque cos 20 o e sec 20 o são recíprocos um do outro e sabe-se que se um segmento for construtível, o segmento de comprimento recíproco também o será. Sabemos por construção( este fato será demonstrado no seminário e apenas aceito nesta apresentação) que cos 20 o é raiz de uma equação de grau 3 e não satisfaz nenhuma outra equação de grau 1 ou 2. Assim, pelo teorema enunciado, é impossível trisectar o ângulo de 60 o com régua e compasso. Finalmente, consideremos o problema da quadratura do círculo. Dado um círculo qualquer, podemos considerar seu raio como unidade de comprimento. Com essa unidade, a área do círculo será pi unidades de área. Um quadrado de mesmo tamanho teria lado de comprimento raiz 88 ACTA SCIENTIAE v.4 n.1 jan./jun. 2002

de pi. Portanto o problema da quadratura do círculo consiste em construir um segmento de comprimento raiz de pi a partir de um comprimento unitário dado. Na teoria das construções geométricas é bem conhecido que se pode construir um segmento de comprimento a elevado ao quadrado a partir de segmentos de comprimentos 1 e a. Portanto se fosse possível construir um segmento de comprimento raiz de pi também seria possível construir um segmento de comprimento pi. Mas sabemos que pi é um número transcendente e portanto não é algébrico. O teorema sobre construções geométricas diz ser impossível a construção de um segmento de comprimento pi e portanto a quadratura do círculo é impossível. Referências FIGUEIREDO, Djairo G. de. Números Irracionais e Transcendentes. Sociedade Brasileira de Matemática, Rio de Janeiro, 1985. KRYSZIG, Erwin. Matemática Superior 4., Rio de Janeiro, Livro Técnico e Científico Editora S.ª, 1978. LIMA, Elon Lages. Análise Real Volume 1. Associação Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, Rio de Janeiro, 2001. NIVEN, Ivan. Números: Racionais e Irracionais. Sociedade Brasileira de Matemática, Rio de Janeiro, 1984. Exercícios propostos 1 Demonstrar que raiz de dois é irracional. 2 Demonstrar que raiz de seis é irracional. 3 Generalizar a idéia de 1. 4 Demonstre que log 2 é irracional. 5 Escreva a equação algébrica que representa o número raiz quarta de xis elevado ao cubo. 6 Tendo como conhecida as propriedades das equações polinomiais, demonstre que cos 20 o é irracional. 7 Usando a conhecida lei dos cossenos mostre uma maneira de calcular por aproximação o número pi. ACTA SCIENTIAE v.4 n.1 jan./jun. 2002 89