PROJETO LER E ESCREVER: A FORMAÇÃO DO ALUNO PESQUISADOR Amanda Maria Franco Liberato Ligia de Carvalho Abões Vercelli Programa de Mestrado em Gestão e Práticas Educacionais (PROGEPE/ Uninove) Resumo O objeto da presente pesquisa é a formação do aluno pesquisador. Tem por objetivo analisar a formação que o aluno pesquisador recebe ao participar do Projeto Ler e Escrever desenvolvido pelas universidades parceiras do Programa Ler e Escrever - Bolsa Alfabetização do Governo do Estado de São Paulo. Busca-se responder as seguintes questões: Como ocorre a formação dos alunos pesquisadores nas universidades? Quais os temas abordados nessa formação? As discussões permitem que o aluno pesquisador relacione teoria e prática pedagógica e se aproprie dos fundamentos da alfabetização? O universo da pesquisa são duas universidades privadas localizadas na cidade de São Paulo cujos sujeitos são seis alunos pesquisadores que cursam Pedagogia, sendo três de cada instituição. Utiliza-se metodologia de cunho qualitativo cujo instrumento de coleta de dados é a entrevista semiestruturada e análise dos documentos oficiais que regem o referido Programa. A pesquisa se fundamenta nos seguintes autores: Ferreiro (1995, 2003); Ferreiro e Teberosky (2008); Lerner (2012); Freire (2010). Os dados parciais apontam que a metade dos alunos pesquisadores entrevistados não recebe a devida formação, sequer são solicitados a participar dos encontros, apenas assinam os documentos necessários. A outra metade recebe formação quinzenal de 8 horas/aula nas quais discute-se os documentos oficiais do Programa, os fundamentos da alfabetização e suas implicações na sala de aula, fato este que permite ao aluno pesquisador relacionar teoria e prática. Vê-se, o primeiro caso, como extremamente preocupante uma vez que as diretrizes oficiais do Programa Ler e Escrever apontam que o papel da universidade parceira é oferecer a formação aos alunos pesquisadores para que eles possam, futuramente, alfabetizar com maior propriedade e que saibam enfrentar os desafios que tal processo impõe. Palavras-chave: Formação do aluno pesquisador. Projeto Ler e Escrever. Universidade Introdução Até os anos 1920 e 1930, do século XX, a escola era acessível somente para a elite. A grande massa da população só teve acesso à educação por volta dos anos 1940, uma vez que ficou estabelecido na Constituição de 1934 que o ensino deveria ser gratuito, obrigatório e dar assistência aos estudantes necessitados. Nesta década, a escola primária abriu suas portas para toda população, embora os currículos ainda fossem distantes da realidade das camadas populares. 05990
2 Com o golpe do Estado Novo, o governo de Getúlio Vargas busca elaborar uma regulamentação federal válida para todo o país que abrangesse os diferentes graus e modalidades de ensino. De 1945 a 1964 houve avanços no campo educacional, entre eles a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional promulgada em 1961, discussões de ampliação ao acesso à escola pública e gratuita, campanhas e movimentos de educação popular, principalmente, a alfabetização de adultos. (PILETTI, 2003) O autor complementa que de 1964 a 1985, o país passa a viver o autoritarismo instalado pela ditadura militar e efetuou-se reformas verticalizadas em todos os níveis de ensino e como resultado obteve-se elevados índices de repetência e evasão escolar, escolas com deficiências de recursos humanos materiais e professores mal remunerados. De acordo com Penin (2009), embora frequentando as escolas, no início dos anos 1980, a grande maioria da população brasileira não conseguia concluir o ensino fundamental nos oito anos previstos e somente 10% dos alunos matriculados conseguiam chegar ao ensino médio. Apenas no final do século (1999) é que se alcançou o índice de 97% das crianças de 7 a 14 anos matriculadas no ensino fundamental de oito anos. Contudo, a repetência e o atraso escolar têm caminhado mais lentamente, e ainda representam um problema (PENIN, 2009, p.18). Em 1988, a nova Constituição, em seu artigo 205, reafirma que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, bem como preparando-a para o exercício da cidadania e sua qualificação profissional. Desta forma, as classes populares começam a vislumbrar um crescimento, haja vista a oportunidade de capacitação profissional, outrora negada. Mesmo com a Constituição de 1988 e a LDB de 1996, ainda há uma separação muito grande no que diz respeito à educação das diferentes classes sociais. Entende-se que apenas pelo fato da escola ser direito de todos, pressupõe uma educação de qualidade, mas na verdade, a prática é diferente. Entre os anos de 1997 e 2007, de acordo com dados do IBGE, a taxa média de conclusão na 4ª série do ensino fundamental chegou a 89%, ainda que na 8ª série ela fosse de 54%. Em 2006, a média para terminar a 4ª série foi de cinco anos, e a 8ª série, de dez anos. (PENIN, 2009, p.18). Alguns instrumentos são utilizados para apontar o desempenho acadêmico dos alunos, na qual podemos destacar o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Os dados obtidos nestas avaliações permitem acompanhar a evolução do 05991
3 desempenho dos alunos e, principalmente, conhecer os diversos fatores associados à qualidade e à efetividade do ensino destas escolas. A partir das informações do SAEB, o Ministério da Educação (MEC) e as Secretarias Estaduais e Municipais podem definir ações voltadas para a correção das distorções e debilidades identificadas e dirigir seu apoio técnico e financeiro para o desenvolvimento e a redução das desigualdades ainda existentes no sistema educacional brasileiro. (Resultados do SAEB, 2007) Analisando os resultados obtidos nas provas aplicadas pelo SAEB entre os anos de 1995 e 2005, sendo que estas avaliações acontecem bienalmente, pode-se observar que houve uma queda dos índices de aprendizagem na educação brasileira. E, este fato, também é verdadeiro quando analisa-se apenas o Estado de São Paulo. Outro instrumento utilizado como avaliação externa é o Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP). Vale ressaltar que no ano de 2005, no que diz respeito às escolas da rede estadual da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), cerca de 30% dos alunos chegavam ao final a 1ª série sem saber escrever convencionalmente. Em função desses dados e de alguns pontos críticos no que diz respeito à alfabetização, no ano de 2007, o Governo do Estado de São Paulo instituiu o Programa Ler e Escrever, cujo objetivo inicial era alfabetizar todas as crianças de oito anos de idade matriculadas regularmente nas escolas estaduais até o final de 2010, bem como oferecer todo o suporte necessário para a recuperação dos demais alunos da rede, visando autonomia na leitura e na escrita. No segundo semestre de 2007, adotou-se o Bolsa Alfabetização cuja finalidade era formar professores alfabetizadores para que o Programa se estendesse para todas as salas de aula no ano de 2008. Por iniciativa do governo estadual, nesse mesmo ano, o Programa foi ampliado para a Região Metropolitana de São Paulo e, em 2009, para o interior e o litoral paulista. Atualmente, o Ler e Escrever atinge todas as escolas da rede estadual, bem como disponibiliza a todas elas os materiais necessários para a efetiva ação do projeto. O Projeto Escola Pública e Universidade na Alfabetização/ Bolsa Alfabetização, consiste em uma das principais ações do Programa Ler e Escrever, cuja proposta prevê a participação de estudantes dos cursos de Pedagogia e Letras nas salas de alfabetização (classes de PIC e 2º ano / 1ª série), comumente conhecidos como aluno pesquisadores (AP). Os alunos pesquisadores auxiliam os professores regentes no atendimento às 05992
4 crianças em processo de alfabetização e na organização das aulas, caracterizando, assim, o segundo professor em sala de aula. A formação do aluno pesquisador A pesquisa está realizada em duas universidades privadas localizadas na cidade de São Paulo e como procedimento de coleta de dados utiliza-se entrevista semiestruturada com seis alunas-pesquisadoras, sendo três de cada universidade. Em uma delas, não há formação, sequer as alunas são convocadas para reunião e não têm a obrigatoriedade de entregar relatórios. A segunda universidade oferece a formação conforme as diretrizes do Programa oficial e a realiza por meio da extensão universitária, sendo esta entendida como comunicação conforme aponta Freire (2010). Isto significa dizer que a formação ocorre de maneira dialógica, isto é, discute-se as questões observadas pelas alunas pesquisadoras nas escolas para que elas possam refletir à luz das teorias apresentadas; privilegia-se o diálogo entre alunos/alunos e alunos/formadores e alunos/professores regentes. Tal formação permite a troca de conhecimentos uma vez que as alunas pesquisadoras atuam em diferentes realidades. Assim, propõe-se a discussão para que elas possam refletir se os professores regentes realmente estão a par do Projeto e se utilizam o material e/ou o adaptam levando-se em conta a diversidade da escola na qual atuam. Busca-se que os alunos pesquisadores façam uma análise crítica da realidade com o intuito de instigá-los a pensar na alfabetização como processo, além de oferecer os instrumentos técnicos necessários. As alunas pesquisadoras discutem a função da língua escrita pautando-se, principalmente, nas ideias de Ferreiro (1995, 2003), Ferreiro e Teberosky (2008) e Délia Lerner (2010) que entendem a escrita como produção e interpretação de marcas gráficas. Desde os anos 1990, a educação e, principalmente, a alfabetização está pautada no construtivismo, teoria que busca explicar as operações mentais que entram em ação no processo de aprendizagem. Emília Ferreiro, psicolinguista argentina estudou a psicogênese da língua escrita. Ela descobriu que a escrita ocorre por níveis e que cada criança elabora uma hipótese sobre ela. Essas hipóteses são ensinadas nos encontros para que as alunas pesquisadoras possam identificá-las no cotidiano, pois é a partir da hipótese na qual se encontram as crianças que o docente irá traçar sua aula. Delia Lerner, educadora argentina, também possui vasta experiência em alfabetização escrita e numérica que modificaram a forma 05993
5 de a escola ensinar. Ela também trouxe contribuições valiosas no que se refere à aprendizagem da leitura e da escrita, modelo que se contrapõe ao da escola tradicional. Essas ideias também são discutidas nos encontros de formação fato este que, segundo as alunas pesquisadoras, auxiliam, sobremaneira, no cotidiano escolar. Diante do exposto, as alunas pesquisadores dessa universidade ressaltam que a formação recebida permite que elas articulem teoria e prática, binômio fundamental para a prática docente. Segundo elas, esses encontros são espaço de troca de experiência que vem somar aos conhecimentos adquiridos no curso de Pedagogia. Considerações Vê-se como extremamente preocupante o fato de uma das universidades não oferecer a formação às alunas pesquisadoras uma vez que as diretrizes oficiais do Programa Ler e Escrever apontam que esse é o papel da universidade a fim de que elas possam, futuramente, alfabetizar com maior propriedade e que saibam enfrentar os desafios que tal processo impõe. A formação oferecida pela outra universidade, da forma como se coloca se constitui como uma ação de compromisso social uma vez que possibilita que os alunos pesquisadores possam atuar em campo e, de volta à universidade, essas atividades são discutidas de maneira crítica e reflexiva nos encontros, colaborando, sobremaneira, para a formação acadêmica dos futuros pedagogos. Referências FERREIRO, Emília. Com todas as letras. São Paulo: Cortez, 2003.. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 1995. ; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: ArtMed, 2008. FREIRE. Paulo. Extensão ou Comunicação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010. LERNER, Delia. Ler e escrever na escola: O real, o possível e o necessário. Porto Alegre. Artmed. 2002 PENIN, Sonia. Profissão docente e contemporaneidade In PENIN, Sonia, MARTINEZ, Miguel; ARANTES, Valéria Amorim (org). Profissão docente: pontos e contrapontos. São Paulo: SummusEditoral, 2009. PILETTI, Nelson. História da educação no Brasil. São Paulo: Ática, 2003. SÃO PAULO (Estado) Secretaria da Educação. Ler e escrever: guia de planejamento e orientações didáticas; Professor alfabetizador 2º ano /Secretaria da Educação, Fundação para o Desenvolvimento da Educação; concepção e elaboração, Claudia Rosenberg Aratangy...[e outros], - São Paulo: FDE, 2011. 05994