18 Anestesia e Analgesia de Parto em Obstetrícia - Casuística de 8 anos no Hospital S. João (1997/4) - Fátima Abreu*, Catarina Sampaio*, Joana Oliveira*, Jorge Tavares** * Assistente Hospitalar ** Director de Serviço, Professor catedrático de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia e Cuidados Intensivos, Hospital S. João, Portugal Resumo A analgesia de parto e a anestesia para cesariana sofreram uma profunda evolução no Hospital S. João, a partir do momento em que foi definido o objectivo do parto com analgesia a todas as parturientes que queiram e possam. Por consulta dos registos manuais do Hospital e do Serviço, a análise desta evolução no período 1997-4, a consequente reflexão sobre o estado actual e a definição de orientações futuras na qualidade do serviço prestado, foram os objectivos do estudo. A média anual de partos foi de 311, 33% dos quais como cesarianas. Em 1997, foi realizada anestesia geral em 85% das 14 cesarianas; em 4, este número baixou para 15% das 794 cesarianas, sendo os restantes 85% distribuídos por vários tipos de bloqueios do neuroeixo, isolados ou associados entre si. Em 4, a analgesia por bloqueio do neuroeixo, predominantemente epidural, incluiu 79% dos 1983 partos vaginais. Em 9% das analgesias surgiram complicações, as mais frequentes das quais significaram falhas da analgesia epidural (,7%) e parestesias na colocação do cateter (1,9%). As causas de não realização de analgesia superáveis pela intervenção ou colaboração do Serviço de Anestesiologia foram: equipa anestésica ocupada (% dos partos vaginais sem analgesia), chegada tardia ao Hospital/ transferência tardia para a sala de partos (33%) e técnica não oferecida (8%). Em conclusão, a qualidade do serviço de analgesia de parto e de anestesia para cesariana melhorou progressivamente no período em estudo; os 79 % de partos vaginais com analgesia por bloqueio do neuroeixo podem ainda ser melhorados pela redução de algumas causas de não analgesia, nomeadamente as referidas, por intervenção planificada nas suas causas nos domínios da formação dos agentes, da informação da grávida e da melhoria dos registos. PALAVRAS - CHAVE - Analgesia de parto; anestesia; obstetrícia; casuística. Anaesthesia and Labor Analgesia for Obstetrics at Hospital de São João - Abstrat Analgesia for labor and anaesthesia for cesarean suffered a deep evolution in the Hospital de São João, from the moment in which a target was defined - offer analgesia to all the parturient that want and have no contraindications. From consultation of the manual registers of the hospital and of the service, the analysis of this evolution in the period 1997-4, the consequent reflection on the current state and the definition of future directions in the quality of the obstetric anaesthesia offered to the patients, they were the objectives of the study. The annual average of childbirth was 311, 33 % of which were caesarean operations. In 1997, general anaesthesia was carried out in 85 % of 14 cesarean deliveries; in 4 this number went down to 15 % of 794 cesarean deliveries, in the remainder 85 % cesarean deliveries the anaesthesia had consisted in different neuroaxial blockades, isolated or associated. In 4, the neuroaxial analgesia for labor, predominantly epidural, includes 79 % of 1983 vaginal childbirth. In 9 % of the analgesia complications appeared, the most frequent of which were: failed epidural analgesia (.7 %) and paresthesia in the legs when placing the catheter (1.9 %). The causes of non realization of analgesia that can be surpassed by with the intervention or collaboration of the service of anaesthesiology were: anaesthetic team occupied ( % of the vaginal childbirth without analgesia), late arrival to hospital / late transfer to the labor room (33 %) and technique not offered (8 %). In conclusion, the quality of the labor analgesia and of anaesthesia for Cesarean operation improved progressively in the period in study; the number of parturients (79 %) who get neuroaxial analgesia for labor can still be improved by the reduction of some causes of non analgesia, discussed before, by intervention planned out in the formation of the health carers, in the information of the pregnant women and in the improvement of the registers. Keywords - Labor analgesia; obstetric anesthesia; statistics. Revista SPA vol. 14 nº 3 Outubro 5 CORRESPONDÊNCIA: Maria de Fátima Afonso de Abreu Rua Altino Coelho, nº 5, 7º Dto Frt, Vermoim 447-33 Maia Tel.: 9 41 559; Tlm.: 917 884 57; 969 86 854 E-mail: abreu_fatima@clix.pt
Introdução Resultados Em 1997, foi publicada uma análise da intervenção do serviço de anestesia em Obstetrícia, em 1995 e 1996 (1). A deficiência dos resultados (% dos partos sob analgesia epidural) levou à aplicação progressiva de medidas correctivas. A actividade anestésica em Obstetrícia deixou de ser assegurada pelos anestesistas destacados para a Urgência Geral, com o objectivo de conseguir uma melhor articulação entre os dois serviços, uma maior rapidez de atendimento e a possibilidade de se efectuarem analgesias de parto todos os dias e a todas as horas. O Serviço de Anestesia passou a destacar dois assistentes hospitalares para o Serviço de Obstetrícia, todos os dias úteis, das 8 às 14h e, no restante período, incluindo noites, feriados e fins de semana, um assistente hospitalar em funções exclusivas na Obstetrícia. Foi intensificada a formação dos médicos internos e a sua prestação de serviço tutorizado em Obstetrícia, nomeadamente durante as horas nocturnas e os fins-desemana. Procedeu-se à formação do pessoal de enfermagem do Bloco de partos (área em que se desenvolve toda a actividade anestésica). Apresentam-se agora os resultados da evolução da intervenção da Anestesiologia em Obstetrícia no período para o qual há registos (1997 a 4), bem como a análise da situação actual em termos de complicações e de não analgesias de parto, como ponto de partida para futuras medidas correctivas da qualidade de serviço prestado. Material e métodos Procedeu-se ao estudo retrospectivo dos dados referentes à analgesia de parto e à anestesia para cesariana, contidos nas fichas de registo manual do Serviço de Anestesiologia, bem como no de Obstetrícia e relativos ao período de 1997 a 4. Foram colhidos os seguintes dados: número total de partos, número de partos vaginais e de cesarianas, técnica anestésica para cesariana, o número de analgesias de parto por via epidural, patologia associada das parturientes submetidas a procedimentos analgésicos ou anestésicos e complicações verificadas. Foi realizado ainda um inquérito a todas as parturientes que não usufruíram de analgesia de parto, durante 6 meses consecutivos (º semestre de 3). Os dados relativos à mortalidade são os do Serviço de Obstetrícia uma vez que, não sendo necessariamente de causa anestésica, não constam dos registos de anestesia. 1. Caracterização da Actividade Obstétrica Entre 1997 e 4, registou-se um total de 4.965 partos (média anual de 311), dos quais 67% por via vaginal. A evolução das técnicas anestésicas usadas nas cesarianas, bem como a distribuição anual destes parâmetros, está referida na Tabela 1.. Analgesia de Parto por Bloqueio A evolução do número anual das analgesias de parto por bloqueio do neuroeixo, bem como a sua relação com o número total de partos e com o número de partos vaginais estão representadas nos Quadros I e II, pelos quais se vê que o bloqueio epidural é a técnica de eleição. A analgesia com recurso à meperidina intravenosa é utilizada pelos médicos obstetras sem intervenção dos anestesiologistas. Em 4, os anestesiologistas introduziram a analgesia intravenosa com remifentanil por infusão contínua e a técnica combinada loco-regional. O seu número é ainda pouco significativo, pelo que não individualizado. No Quadro III está representada a evolução do número médio diário de bloqueios epidurais para analgesia de parto. 3. Partos sem analgesia O inquérito às parturientes no º semestre de 3 permitiu verificar que foram realizados 1914 partos, dos quais 154 por via vaginal; em 1 % destes (19) não foi realizado nenhum tipo de analgesia por bloqueio do neuroeixo. 46% dos partos sem analgesia realizaram-se em regime diurno. Este inquérito e a análise dos registos obstétricos permitiu estabelecer as causas da não realização de analgesia de parto (Quadro IV), que podem ser subdivididas em causas dependentes da parturiente (recusa, contra-indicação médica e chegada tardia 64%) e causas total ou parcialmente dependentes da equipa de médicos e enfermeiros (equipa anestésica ocupada, transferência tardia para a sala de partos, técnica não oferecida 36%). 4. Protocolos de analgesia epidural A técnica de analgesia epidural mais usada inclui um bólus inicial de ropivacaína a,% com fentanil 5 a 1 g, num volume total de 1 a 15 ml, seguida da administração de ropivacaína,% em bolus horários de 5 a 1 ml, consoante as necessidades. A utilização de perfusão de ropivacaína,% é também utilizada com frequência, assim como a utilização de ropivacaína em concentrações mais baixas, nomeadamente a,1% com fentanil, quer no bólus inicial, quer em perfusão contínua. A utilização de levobupivacaína,5% ou,15% é ocasional. A utilização destes protocolos não foi contabilizada. 19 Revista SPA vol. 14 nº 3 Outubro 5
Geral 1997 1998 1999 1 3 4 85 79 6 53 37 8 1 15 14 17 3 36 45 46 39 9 5. Patologia Associada As patologias de risco materno, relacionadas ou não com a gravidez e o parto, registadas na população obstétrica estão referidas na Tabela. 15 1 5 36 383 61 185 137 1638 1997 1998 1999 1 3 4 Quadro 1 - Nº Analgesias Via por ano 1 8 6 4 16 19 8 48 183 186 1997 1998 1999 1 3 4 Quadro 1I - % de Analgesias Via por ano em relação aos Partos Totais e Partos Vaginais 5, 4, 3,, 1, BSA Combinada Geral + Combinada BSA + Tabela I - Técnicas anestésicas para cesariana em %. BSA - bloqueio subaracnoideu 1 1 18, 1, 1,7 3 3, 69 44 77 56 79 79 64 66, 1997 1998 1999 1 3 4 Quadro III - Bloqueios Epidurais para Analgesia de Parto por dia Recusa da parturiente Contraindicação médica Equipa anestésica ocupada Transferência tardia para sala de partos Chegada tardia (período expulsivo) 1 3 6 3 1 1 1 3 1 1 7 14 38 53 3,6 6 4,5 4,9 1 5 7 5, 6. Complicações As complicações registadas nas parturientes submetidas a cesariana e a analgesia de parto estão referidas nas Tabelas 3 e 4. Os dados de 1997 referentes às cesarianas não foram incluídos por não dispormos das respectivas fichas anestésicas. 7. Mortalidade O Quadro V apresenta o número de mortes maternas registadas no período analisado. Nenhuma das mortes é de causa anestésica pelo que não consta dos registos de anestesia mas, dada a obrigatoriedade de registo, constam dos de Obstetrícia. Discussão Com um número de partos que ronda os 3 por ano, o Serviço de Obstetrícia do HSJ enquadra-se nos hospitais ditos rentáveis ou grandes maternidades, definidos como aqueles em que o número de nascimentos/ano se situa entre os e os 5. Os melhores resultados em termos de morbilidade e mortalidade são apresentados pelas que realizam a 5 partos/ano (). No HSJ, o número e percentagem de cesariana diminuiu ao longo dos 8 anos analisados, atingindo valores que parecem estáveis e sobreponíveis aos referidos para centros com movimento idêntico (3). Em 1997, data do início do estudo, 85 % das cesarianas eram realizadas sob anestesia geral e 15% com bloqueios loco-regionais. Esta relação foi-se modificando ao longo do período estudado e, actualmente, 83% das cesarianas são realizadas sob anestesia loco-regional. Estes números estão em concordância com o praticado noutros centros (4). Actualmente verifica-se um aumento progressivo no uso da anestesia loco-regional, particularmente os bloqueios combinados do neuroeixo e epidural lombar, eventualmente com menor morbilidade e mortalidade materno-fetal (4,5). O número actual de analgesias de parto por bloqueio epidural lombar (79% do total de partos) fica muito próximo do praticado noutros centros a nível internacional. Em Portugal, a analgesia de parto por via epidural atingia, em, valores médios de 5%, conforme inquérito nacional então realizado (6). O HSJ encontra-se entre as nove maternidades em que essa percentagem é superior a 6%. Entre os motivos da não realização de analgesia por bloqueio epidural, figuram (63%) a transferência tardia para a sala de Técnica não oferecida 8 Quadro 1V - Motivos das Não Analgesias (em %)
partos, a chegada tardia da parturiente ao hospital, a indisponibilidade de anestesiologista e a técnica não oferecida. Estas causas são susceptíveis de superação, o que permitirá aumentar o número de partos com analgesia por bloqueio do neuroeixo para cerca de 9%, considerado como um indicador de qualidade do serviço prestado. O recurso a outras técnicas de analgesia de parto, nomeadamente bloqueio combinado do neuroeixo, bloqueio subaracnoideu e analgesia endovenosa contínua com remifentanil, são realizadas de forma esporádica, de acordo com critérios individuais por parte dos anestesiologistas. A população obstétrica analisada inclui grávidas com patologia de risco, muitas delas enviadas de outras instituições. A percentagem de patologia de risco é de 5,6%, sendo que as patologias mais frequentes, não relacionadas com a gravidez e o parto, são a cardiovascular (%) e a endócrinometabólica (4,7%), o que está de acordo com o publicado (7,8). A patologia relacionada com a gravidez e o parto ocorre em 1,8% das parturientes. As complicações da analgesia de parto registadas estão de acordo com a literatura (9), excepto no que se refere à perfuração acidental da dura mater, em que se regista um número inferior ao esperado (,1 a,3%). A percentagem de perfuração da dura indicada na literatura é de,5 a 1%, sendo a experiência do anestesista um factor determinante para esse resultado. A elevada participação de internos de Anestesiologia do HSJ na realização destes bloqueios poderia condicionar que essa percentagem atingisse os -3% (); os requisitos de experiência prévia na execução de bloqueios do neuroeixo que são exigidos aos internos pode ser um factor determinante nestes resultados, embora não possamos eliminar a possibilidade de deficiência de registo deste tipo de acidente. No período estudado, estão registadas 8 mortes maternas em toda a população obstétrica. Nenhum destes casos apresenta causa anestésica, o que está de acordo com o descrito para outros centros (1) e reforça a opinião generalizada da elevada segurança da técnica anestésica. PATOLOGIA Nº % Cardiovascular Respiratória Neurológica Endócrino/Metabólica Osteoarticular Genito-urinária Hematológica Obstétrico/Fetal Tabela - Patologia Associada Falha da Anestesia Loco-Regional Hipotensão com necessidade de efedrina Punção acidental da dura Broncospasmo Convulsões Intubação difícil Intubação impossível Troca de fármacos 471, 37 1,6 183,8 1118 4,7 173,7 46 1, 83 1, 568 1,8 65,7 66 5,6 Nº % 188,7 1373 19,9 6,1 34,5 3, 13, 6,1, 353 5,1 1978 8,7 Tabela 3 - Complicações nas Cesarianas. Total de 6885 cesarianas (Anos 1998-4). Falha da Anestesia Loco-Regional Bloqueio excessivo Bloqueio subaracnóideu acidental Hipotensão com necessidade de efedrina Parestesias na colocação do cateter Punção acidental da dura Intubação impossível Troca de fármacos Nº % 4,7 7,3 1, 66,7 175 1,9 31,3, 1, 65,9 81 9, Tabela 4 - Complicações nas Analgesias de Parto. Total de 934 analgesias. 3 3 3 1 1 1997 1998 1999 1 3 4 Quadro V - Mortes Maternas
Conclusão A análise dos resultados deste estudo permite concluir que a qualidade do serviço de analgesia de parto e anestesia para obstetrícia praticado no HSJ melhorou nos últimos anos, o que revela que o esforço realizado na formação atingiu os seus objectivos e que os padrões atingidos são satisfatórios. A qualidade do serviço prestado é ainda susceptível de ser melhorada por intervenção sobre as causas identificadas e que passam pela reorganização das equipas de anestesiologistas e pelo reforço da informação das grávidas nas consultas pré-natais. A informatização dos registos da anestesia para cesariana e da analgesia de parto permitirá uma monitorização mais próxima e frequente desta evolução, o que é particularmente relevante quando se lida com margens tão estreitas de progresso como aquelas com que trabalhamos actualmente. Bibliografia 1. Cristina Granja, Manuel Coelho, Fátima Abreu, Damieta Ramos. Analgesia de parto e anestesia para Obstetrícia no Hospital de S.João-casuística de 4 meses. Arquivos de Medicina 1997, 11 (1):4-46.. Downing JW, Ramasubramanian R., Minzter BH, Brown WU. Toward the next Millennium: A guide to managing a stat-of-theart obstetric analgesia service. In Obstetric Anesthesia, Mark C. Norris Ed, Philadelphia, J.B. Lippincott Williams _ Company, 751-763,1999. 3. Samuel C. Hughes, M.D. Gershon Levinson, M.D and Mark A Rosen, M.D. In Anesthesia for cesarean section. In Anesthesia for Obstetrics, Shnider SM and Levinson, Lippincott Williams & Wilkins, 1-36,1. 4. Krzysztof M. Kuczkowski, M.D., Laurence S. Reisner, M.D., Dennis Lin, M.D.Anesthesia for cesarean section. In Obstetric Anesthesia. David H. Chestnut. 41-46, 4. 5. Gajraj NM, Sharma SK, Souter AJ, Pole Y, Sidawi JE. A survey of obstetric patients who refuse regional anesthesia. Anaesthesia 1995,5:74-741. 6. Fátima Abreu, Margarida Barbos, Damieta Figueiredo, Jorge Tavares. Estado da Analgesia de Parto em Portugal Resultado de um inquérito. Revista CAR, Setembro 3. 7. Gershon RY and Alleyne A.S. Preoperative evaluation of the parturient with coexisting disease - part one. Diseases of the cardiac, renal and hematologic systems. In Obstetric Anesthesia, Mark C. Norris Ed, Philadelphia, J.B. Lippincot Company, 1999, 9-6. 8. D'Allessio J C, Ramanathan J, Allen GS. Diabetes Mellitus in pregnacy: pathophysiology and obstetric management. In Obstetric Anesthesia, Mark C. Norris Ed, J.B. Lippincot Williams & Wilkins, Philadelphia, 1999. 9. Linda S. Polley, M.D., Beth Glosten, M.D.. and Spinal Analgesia/Anesthesia. In Obstetric Anesthesia. David H. Chestnut.34-368, 4 1. Bassel GM, Marx GF. Anesthesia related maternal mortality. In Anesthesia for Obstetrics, Shnider SM, Levinson G Ed, Lippincott Williams &Wilkins, 49-439, 1. Revista SPA vol. 14 nº 3 Outubro 5